Capítulo 13 - Culpado

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Depois de entender que Nick era apenas fruto da imaginação de Rafaela e perceber que tinha vivido uma mentira, senti-me enganado e destruído.

A sensação era parecida a de se descobrir a inexistência da Fada Dos Dentes...Alguém que eu amava havia mentido para mim, mas acho que ela merecia um desconto, já que mentira para si mesma também.

Esquizofrenia...Soava tão assustadora e macabra. Caramba Rafa, por que nunca havia me dito? Merda.

Ela vinha, dia após dia, alimentando-se de mentiras e ilusões. Miragens, como dizia a própria ficha. O quão perturbador aquilo deveria ser?

Me senti culpado por, bem em meu âmago, estar com raiva da loira. Ela estava lá fora agora, e isso era bom, já que ela vinha entrando em parafuso aqui dentro.

Eu passei dias me lembrando de que era melhor assim, que tudo ficaria bem e que eu poderia ficar bem sem ela. Alimentava teorias impossíveis de reencontro e escrevia desoladas músicas românticas que apenas ajudavam-me a me afundar mais em solidão e tristeza.

  Eu aguentara três dias no castigo e longas séries de interrogatórios sobre o ocorrido, nas quais eu tentava me manter o mais impassível quanto fosse possível.  

Duas tortuosas semanas se passaram sem notícias dela. Eu realmente esperava que ela nunca mais entrasse em contato, esperava que tudo tivesse acabado antes mesmo de começar e estava, pouco a pouco, me conformando com os meus dias cinzentos sem ver seus olhos azuis...Até que Seu Zé bateu à porta do meu quarto, com um sorriso triste e olhar derrotado, informando que eu deveria me juntar aos outros pacientes na sala comunal em duas horas.

O modo arrastado como pronunciou cada palavra, a forma como seu olhar estava perdido e, principalmente, o tapinha que deu em minhas costas antes de sair me diziam algo ali não cheirava nada bem.

-*-*-

Então, às seis e meia da noite, eu me uni a todos os outros os internos, como pedido.

Quando cheguei à sala comunal, vi que havia sido montada toda uma estrutura, algo semelhante a um palco, com microfone e tudo.

Me sentei na primeira cadeira que achei. Havia um misto de curiosidade e preocupação dentro de mim. Eu queria saber para que haviam feito aquilo tudo, mas ao mesmo tempo - quando me recordava da forma como Seu Zé havia falado comigo- tinha certeza que preferia continuar sem saber.

Poucos minutos depois, a enfermeira chefe Keitlyn subiu ao palco com um olhar determinado e jeito inquieto e começou:

- Bom, o que venho lhes contar hoje não é uma coisa para ser celebrada, certamente. Como todos vocês sabem, duas semanas atrás a paciente Rafaela Santos Garcia conseguiu escapar da área do hospital.- Fez uma pausa. - E...hoje, algumas horas mais cedo, um dos nossos funcionários encontrou...e-encontrou...o corpo da moça, não muito longe daqui.

Meu castelo de vidro, tão frágil, veio ao chão com a última frase da mulher.

O que?

Após um longo suspiro, ela continuou: 

-Infelizmente, o óbito encontrava-se completamente carbonizado e sem a arcada dentária, mas pelo que restou dos cabelos loiros chamuscados e outras características, estamos convencidos, até segunda ordem, de que a paciente está morta.

Em poucos segundos, as lágrimas encharcaram-me completamente a roupa, sem que eu conseguisse impedir.   

Soluçava audivelmente. Havia um nó em minha garganta, impedindo-me de respirar normalmente ou dizer qualquer coisa. Porém, se pudesse, eu gritaria. Gritaria com todas as minhas forças, levantando os dedos do meio para todos aqueles idiotas naquela maldita sala.

Aquilo não podia estar acontecendo. Sentia-me sujo, total e completamente culpado. EU A AJUDARA A SAIR DALI. ASSINARA SEU ATESTADO DE ÓBITO,  SEM PENSAR DIREITO. Eu pedi para que ela fosse, para que me deixasse, para que encarasse tudo aquilo sozinha.

Não queria viver em mundo onde eu matara o único raio de sol que entrava através da minha janela,  iluminando o tudo o que era enegrecido pelas sombras do passado. Dali em diante, tudo seria escuro e sombrio, e eu merecia viver ali, na imensa solidão sem fim.

Os cochichos e sussurros tomaram conta da sala comunal. Todos os internos falavam sobre possíveis teorias para o culpado do assassinato e todo aquele barulho abafava em parte o meu choro.

-Você soube? - perguntou Eduardo para o paciente do quarto setenta. - Disseram que foi um dos pais das pessoas que ela matou quem a queimou e arrancou-lhe os dentes. Parece que ele queria vingança há muito tempo, estava apenas esperando que ela saísse daqui.

-Pegaram ele? - O homem indagou. 

-Não, ninguém sabe seu paradeiro.

Eu queria voltar no tempo, alterar aquele momento. Queria ter puxado seu corpo inteiro de volta para o manicômio, ao invés de apenas a cabeça. Queria abraça-la e traze-la novamente para sua cama quentinha, cantando para ela até que melhorasse.

Mas eu a havia deixado escapar pelos meus dedos. Empurrara-lhe para fora quando tudo que eu queria era traze-la para dentro.

-*-*-

Voltei, povinho.
E hoje trouxe o penúltimo capítulo! Ai meu Deus, já estamos na reta final! Hihihi.

Sei que parti o coração de vocês, MAS ainda tem muita coisa para acontecer, então fiquem comigo.

Bjs e não esqueçam da estrelinha. 😍

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