Capítulo 10 - Jovens Solidários

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A semana se seguiu, trazendo um domingo que, para mim, soava totalmente entristecido e cinzento. Seu céu nublado me dizia claramente para perder qualquer esperança, levando todas as minhas memórias de sorrisos e felicidade.

Eu não conseguia pensar em mais nada a não ser Rafa, que continuava sozinha em seu quarto. O semblante amedrontado da minha amiga não me saía da cabeça e, cada vez que ia visita-la, a encontrava pior.

-Então, eles conseguiram tirar a nota máxima na prova mesmo assim! Esses garotos...Como os amo! - Bernadette me tirou de meus devaneios abruptamente.

-Eu...É...

Começava a pensar em alguma resposta que não deixasse óbvio o meu desinteresse quando vi Seu Zé cruzando a sala com caixas aparentemente muito pesadas. O acompanhei com o olhar, até que tropeçou e deixou cair todo o conteúdo: Copos descartáveis, pacotes de chá, biscoitos prontos, papel higiênico e pesados pacotes de arroz e feijão.

Me levantei num pulo e fui até ele, recolhendo tudo que estava no chão e colocando de volta nas caixas. Tomei duas delas em meus braços, recebendo um sorriso de agradecimento.

-Obrigado garoto, essas coisas são mais pesadas do que parecem.

- Para que tudo isso? - Meus braços fraquejavam debaixo do peso.

- Parece que um grupo de jovens vai vir doar suprimentos e fazer uma visita, então estamos juntando tudo que já temos para ficar mais fácil de fazer a contagem depois.

-Ah, claro - falei, com amargura.

Aqueles eram os piores dias, aconteciam frequentemente e não eram agradáveis.

Os grupos possuíam sempre jovens da minha idade que deviam, além de trazer alimentos não perecíveis e produtos de higiene, conversar conosco. O objetivo era deixar-nos melhor e nos trazer sorrisos, mas na prática não dava tão certo. As malditas pessoas "normais" nos lançavam os mais nojentos olhares de pena e repulsa, ainda mais para gente como eu e Rafaela, que temos idade próxima a deles.

Em suas cabeças perfeitas e equilibradas, eles nos acham uns pobres coitados. Pensam que deveríamos ser livres para andar pelas ruas e viver com nossos pais, como julgam adequado. Os loucos, na verdade, são eles, que estão presos nas suas realidades chatas e repetitivas.

Seguimos andando até chegarmos à cozinha, onde Seu Zé me instruiu a deixar as caixas num canto, perto da despensa.

Na pia, Ana encontrava-se ocupada, sendo auxiliada por outras enfermeiras enquanto preparava quantidades exurbitantes de chá.

- Para os visitantes? - indaguei, apontando.

- Sim, esse grupo me passou uma ótima impressão por telefone. Parece que são de um colégio católico local e estão fazendo essa visita como parte da aula de religião. - Olhou para mim enquanto organizava a bandeja com a chaleira, copos e uma toalha bordada. - Senhora Keitlyn mandou que os tratássemos muito bem, porque é a primeira vez que nos doam qualquer coisa e queremos deixar uma boa impressão.

- Bom, parece que vocês tem muito trabalho - disse.

- Você nem imagina, esse pessoal do Santa Fátima parece bem exigente, ainda mais o último ano do colegial -suspirou. - Chegam na hora do almoço.

Assim que a ouvi proferir o nome do colégio, meu olhos se arregalaram e eu precisei me apoiar na borda da pia. Aquilo não podia estar acontecendo.

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- O que com há você hoje? - perguntou Rafaela quando fui lhe levar o almoço, um pouco mais cedo do que de costume, já que teríamos visitas.

DevaneiosWhere stories live. Discover now