Estou a ponto de ser enterrado vivo. Fui acomodado no meu caixão, não consigo mexer um músculo sequer do meu corpo, mas estou consciente de tudo. Todos os meus sentidos funcionam normalmente e, apesar de ter os olhos fechados, vejo tudo de cima, como um satélite. Daqui do caixão não vejo nada, mas percebo o ambiente funesto que me rodeia, sinto o cheiro das flores sobre meu corpo, ouço os choros de despedida e as conversas de cemitério. Já abriram o caixão para as pessoas próximas se despedirem de mim - o que me angustiou muito porque tentava estender meus braços para segurá-las, mas meu corpo estava petrificado; de cima, podia vê-las se achegando e se afastando. Primeiro me esforcei muito para me levantar daqui ou, pelo menos, balbuciar algumas palavras agonizadas para implorar a todos que não cometessem essa estupidez, mas acabei me resignando e alimentando a esperança de perder a consciência assim que o caixão tocasse o fundo da cova. No entanto, na iminência de ser enterrado vivo, voltei à tentativa de tomar de volta o controle do meu corpo e levantar-me daqui. Enquanto estou nessa luta pelo meu corpo, acabaram de fechar o caixão - ainda estou consciente. De cima vejo que cheguei ao fundo da cova - ainda estou consciente. As pessoas jogam as rosas sobre o meu caixão - ainda estou consciente. Agora sinto e ouço os golpes abafados da terra caindo sobre o meu caixão - ainda estou consciente. O mundo vai se esvaindo dos meus ouvidos; de cima já não vejo mais o caixão - ainda estou consciente. Agora não ouço nem sinto mais nada que esteja fora do caixão; de cima vejo as pessoas se dispersando - ainda estou consciente. Sinto um golpe de ar abafado enchendo meus pulmões - ainda estou consciente. Meus joelhos chacoalham para cima e para baixo, meus cotovelos para os lados e dou gritos sufocados - ainda estou consciente.