Psicose (Livro I)

By andiiep

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Melissa Parker é uma psiquiatra recém-formada que encontra seu primeiro emprego em um manicômio judiciário. E... More

Aviso Inicial
Prólogo
Um - St. Marcus Institute
Dois - A holandesa de Cambridge
Três - Inesperado
Quatro - Sutura
Seis - Happy Hour
Sete - Progresso
Oito - Passado
Nove - Proximidade
Dez - Embriaguez Acidental
Onze - Hormônios!
Doze - Corey vs Brian
Treze - Fotografia
Quatorze - Helvete
Quinze - Perigo
Dezesseis - Triângulo
Dezessete - Sobrenatural
Dezoito - Confusão
Dezenove - Corey vs Brian (parte 2)
Vinte - O plano mirabolante de Corey Sanders
Vinte e Um - Render-se
Vinte e Dois - Bipolaridade
Vinte e Três - Mensagem Sobrenatural
Vinte e Quatro - Intimidade
Vinte e Cinco - O inferno converte-se em paraíso
Vinte e Seis - Não Há Compaixão Com a Morte
Vinte e sete - Quebra-Cabeças
Vinte e Oito - O Passado Condena
Vinte e Nove - REDRUM
Trinta - Veritas Vos Liberabit
Trinta e Um - Plano de Fuga
Trinta e Dois - Luxúria
Trinta e Três - Preparação
Trinta e Quatro - Vai Dar Tudo Certo!
Trinta e Cinco - Um Sonho de Liberdade
Trinta e Seis - Scotland Yard
Trinta e Sete - Reencontro
Trinta e Oito - Vigilância Constante
Trinta e Nove - Corpo e Alma
Quarenta - Encontros e Desencontros
Quarenta e Um - Armadilha
Quarenta e Dois - Salvação?
Quarenta e Três - Tentativa e Erro
Quarenta e Quatro - O Infeliz Retorno
Quarenta e Cinco - Do Pó Vieste...
Epílogo
AUTO MERCHAN

Cinco - Insônia

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By andiiep


A insônia era sempre uma companheira insistente e inconveniente. Naquela noite em particular, parecia estar tentada a acompanhar Melissa, sem intenções de se retirar. Após um cochilo rápido e o estranho sonho com Corey Sanders, Melissa rolou na cama pelo que pareceram longas horas, embora fossem poucos minutos. Seu corpo se enrolou em uma bola entre os lençóis. Estava alerta. Seus instintos trabalhando rigorosamente.

Porém, nessa específica noite - que sucedeu um dia especialmente cheio e agitado, daqueles que Melissa não vivia há tempos - ela já esperava pela vinda de sua amiga mais inoportuna. A imagem de um perturbado Johnatan Reagan a encarando daquela maneira suja e devassa não se apagou de sua mente tanto quanto esperava. Ainda estava ali, parcialmente nítida, atormentando de cinco em cinco minutos. Quando Melissa pensava que o sono viria, e conseguiria se perder em mais um cochilo, já sentindo o corpo dopar e adormecer, lá estavam aqueles olhos escuros e profundos, como um buraco negro a puxando para uma eternidade de escuridão sem fim. Era maligno, sombrio, de dar arrepios desde o início da espinha até a última célula do pé. Melissa abria os olhos e encarava o teto marcado pelas sombras dos galhos das árvores. De uma impertinente forma sombria, eles balançavam de acordo com o ritmo calmo do vento. Melissa virava de lado, juntava um dos travesseiros sobressalentes sobre o rosto, tentava dormir outra vez, e minutos depois, já havia sido privada dessa tão necessária bênção.

Finalmente, vencida pelo estranho sonho com Corey Sanders e pelo maldito Johnatan Reagan e sua depravação desprezível, Melissa bufou irritada. Jogou o edredom pesado de lado, os travesseiros que a rodeavam e vestiu um casaco fofinho de moletom que escapava pela porta de seu pequeno e abarrotado guarda-roupa. Em seguida, calçou os chinelos de flanela quentinhos e saiu corredor afora. Passava da uma da manhã, segundo seu competente relógio de pulso.

A escuridão parcial, interrompida apenas pela luz do luar que vencia as barreiras mal empregadas de algumas persianas, deixava aquele comprido corredor particularmente mais tenebroso do que era peculiar. Um estranho frio pairava pelo local. Era gelado, daqueles que deixam o queixo batendo sem dó nem piedade. Melissa esfregou as mãos nos braços arrepiados e caminhou com uma pressa urgente na direção das escadas. Talvez pudesse assaltar a geladeira do refeitório sem que ninguém percebesse. Ao que tudo indicava, o St. Marcus Institute, àquela altura da noite, já dormia. Menos ela. E quando tinha insônia, só um bom copo de leite quentinho era capaz de combatê-la com extrema competência.

Já na escondida cozinha do refeitório, Melissa abriu uma das geladeiras, deixando que sua luz branca iluminasse o ambiente tomado pela escuridão. Ali não tinha leite, apenas frutas e verduras. Abriu a seguinte, encontrando um bom tanto de frios e pedaços de carne. Na próxima, finalmente, buscou uma das muitas garrafas de leite que ali se acumulavam. Perguntando como faria para esquentar o leite, já que nem tinha ideia de como ligar aquele enorme fogão industrial, buscou em um dos armários um copo.

Com o copo já em mãos, ao virar na direção da porta, Melissa viu uma silhueta escura parada sob o batente. O susto foi imediato. Com as mãos sobre o peito, e a respiração ligeiramente afetada, assistiu uma enfermeira Kate sorrindo se aproximar, sendo iluminada pela luz da geladeira ainda aberta.

- Assustei você? – perguntou, enquanto enrolava o corpo no robe cor de rosa – Desculpe.

- Não, tudo bem. – Melissa forçou um sorriso, ainda se recuperando do susto. Aquele lugar já era naturalmente tenebroso, e uma sombra escura que aparece do nada em meio a uma cozinha que lembrava muito um cenário de filme de terror, certamente não contribuía para a manutenção da calma. – Só não esperava encontrar alguém com a mesma ideia que eu.

- Ah, sempre tem um ou outro assaltando a geladeira na calada da noite. A insônia é um mal comum por aqui.

- Bem, pelo menos eu não sou a única.

- Vamos combinar que os gritos dos prédios dos pacientes e tudo o que se ouve e vê por aqui durante o dia não são fatores que deixa o sono de alguém em paz, não é mesmo?

- Fico me perguntando se algum dia há como se acostumar...

- Não completamente, mas, daqui uns dias você já vai ser capaz de dormir sem ser acordada pelos gritos, pelo menos. Quanto às perturbações dos pacientes, já não posso ter tanta certeza... – Kate sorriu compassiva.

- Enquanto isso, eu vou tentando me livrar da insônia inconveniente com um copo de leite quente. Por acaso você sabe como eu faço para esquentá-lo? – Melissa perguntou, levantando o copo cheio de leite, enquanto fechava a geladeira.

- O micro-ondas é o nosso maior aliado nessas horas. – Kate pegou o copo da mão dela e levou até um canto da cozinha que, depois da geladeira fechada, passou a ser escura e sombria como antes.

Arrepios eram inevitáveis.

Depois de alguns bipes e o som da porta de vidro fechando, Kate ressurgiu das sombras.

- Então, o que aconteceu hoje para deixá-la acordada até essa hora?

- Digamos que a sessão de terapia de grupo foi um desastre e Johnatan Reagan é um pervertido sexual incurável. – Melissa suspirou, cansada.

- Johnatan Reagan sempre causando problemas... Ele não tem jeito! Já passou da hora do Thompson trancá-lo em sua cela no prédio C e nunca mais deixá-lo sair de lá. Ele definitivamente é uma ameaça para a sociedade do St. Marcus.

- E é com certeza a pessoa mais assustadora que eu já vi na minha vida. – Melissa comentou, enquanto o micro-ondas anunciava o fim de seu serviço.

Kate foi até lá, trazendo em mãos o copo de leite já quente que Melissa tanto necessitava.

- O que ele fez para você? – Kate perguntou, preocupada como uma mãe com seu filho.

Melissa se sentia extremamente confortável na presença daquela adorável enfermeira, e isso era até meio assustador.

- Tentou exteriorizar suas perversões sexuais, mas... – Melissa soltou um risinho, dando um pequeno gole no leite, que queimou em sua garganta. – Corey Sanders o impediu de terminar seu raciocínio.

- Corey Sanders?! – a enfermeira arregalou os grandes olhos verde esmeralda, que de tão grandes e surpresos, podiam ser vistos com perfeição naquela meia escuridão.

- Acredite se quiser...

- Ele falou?

- Não, mas deu uns bons socos em Johnatan Reagan, quebrou seu nariz e deixou um olho inativo por, pelo menos, uma semana.

- Eu realmente não esperava uma reação dessas de Corey Sanders. Quer dizer, sempre tão calado, andando por aí como se o ar que respira é mais puro do que o dos outros... No fim das contas ele te defendeu, não é mesmo?

- Não consegui compreender. Nas duas sessões que eu tive com Corey Sanders ele ficou lá, calado, me encarando com aquele sorriso irritante. E de repente ele parte para cima de outro paciente que me desrespeitava?

- O que você achou disso? – Kate sorriu, e dessa vez não foi de forma maternal, e sim mais esperta do que nunca.

Havia uma segunda intenção ali, que tentava a todo custo ser disfarçada.

- Corey Sanders é certamente a pessoa mais enigmática que eu já conheci em toda a minha vida. – foi tudo que Melissa declarou, tomando um longo gole de seu copo de leite.

- Bem, a gente nunca sabe o que esperar dos loucos psicopatas, não é mesmo? – Kate disse, buscando uma maçã verde que enfeitava a fruteira sobre um dos balcões.

A conversa que se estendeu entre as duas não ultrapassou a rotina escandalosa do St. Marcus Institute, que se resumia a loucos fazendo suas usuais loucuras e os psicopatas do prédio C tentando matar uns aos outros o dia todo. Melissa não soube por que, mas ficou feliz por saber que Corey Sanders passava as horas de seus dias bem longe daquele inferno. Ela ficou curiosa, entretanto, quando o assunto fluiu justamente para o local que todos ali chamavam de helvete.

- Você vai lá com muita frequência? – perguntou, quando terminou seu copo de leite.

- Uma vez por semana, mais precisamente nas quartas à noite.

- E o que você faz por lá?

- Preciso cuidar dos ferimentos que aparecem durante o dia. Às vezes eles mesmos causam a eles mesmos, às vezes conseguem alguns cortes e ossos quebrados em brigas sem motivo... E é nosso dever garantir que eles tomem os remédios e permaneçam dopados o suficiente durante a noite. Nem sempre eles ficam. – Kate torceu a boca em desgosto.

- Deve ser um lugar horrível.

- Não sei por que, mas por mais que tenha as mesmas paredes brancas pintadas com tinta a óleo dos outros dois prédios, parece mais sombrio do que qualquer lugar que você pode encontrar no St. Marcus. Até mesmo a sala dos arquivos, que é definitivamente o pior lugar que tem por aqui.

- E eles ficam em quartos como nos prédios A e B?

- Não. Os quartos foram transformados em celas, mas é bem difícil mantê-las limpas e arejadas. Eles não têm muito discernimento, não tem ideia de que precisam manter o lugar em que vivem em bom estado.

- Esse é um lugar que eu não quero conhecer. – Melissa comentou, tentando sorrir irônica, soando mais assustada do que qualquer outra coisa.

- Ah, não se iluda! Pelo menos alguma vez na vida um psiquiatra do St. Marcus precisa fazer uma visitinha ao helvete. É inevitável, na verdade. – Kate levantou do banco em que estava sentada, para jogar os restos da maçã no lixo – A cela de Corey Sanders é diferente das demais. O dinheiro do pai dele pagou praticamente um quarto de hotel três estrelas. – Kate piscou, acabando com a curiosidade que corroía Melissa por dentro, mas que tinha vergonha de exteriorizar.

Porém, de repente, se sentiu desconfortável na presença da sempre tão adorável enfermeira, e achou um jeito de caçar seu caminho.

- Foi ótimo esse papo da madrugada, mas eu preciso voltar para a cama e tentar dormir. – Melissa falou e sorriu simpática, arrancando um sorriso de mesmo tom da outra.

- Sim, foi ótimo conversar com você, Melissa. Boa noite! –Kate se despediu com um aceno, ao mesmo tempo em que enchia um copo com suco de maracujá, e Melissa saía pela porta.

Melissa parou no corredor, olhando um lado e outro, se perguntando aonde iria, já que o sono parecia não querer dar as caras. Não estava com a mínima vontade de voltar para a cama contemplar os olhos negros de Johnatan Reagan a assombrando, nem os azuis de Corey Sanders a intrigando. Rolar entre os lençóis até que o cansaço fosse maior do que o receio não era uma opção. Pensou em voltar à cozinha perguntar a Kate se não havia uma sala de televisão perdida por ali, mas desistiu antes mesmo de dar o primeiro passo. O modo com que Kate a olhava depois que comentou sobre o feito trágico-heróico de Corey Sanders era tão esperto, que parecia que ela sabia que Melissa andava pelos cantos encantada com o silêncio misterioso e olhos azuis do perturbado rapaz. E Melissa não gostava de ser olhada daquela maneira, porque a fazia se sentir mais culpada do que, de fato, já se sentia.

Melissa lembrou então da sala dos arquivos, e uma vez que não tinha uma televisão para se distrair com seriados policiais, optou pela leitura dos arquivos dos pacientes. Se todos eles se comparassem, de forma mínima, com as histórias tétricas de seus seis pacientes, renderia mais entretenimento do que um romance de horror.

Melissa caminhou despreocupadamente, vez ou outra se acercando em seus próprios braços, na intenção de se proteger do frio. Não demorou muito para que a porta com os dizeres "ARQUIVO" se materializasse à sua frente.

Melissa girou a maçaneta, já sentindo o inevitável cheiro forte de mofo invadir suas narinas, as fazendo coçar de imediato. O interruptor na parede acionou as luzes amarelas, que se encarregavam de deixar o ambiente com uma aparência mais envelhecida do que era natural. Elas piscaram precariamente por alguns instantes, antes de se firmarem. Uma das lâmpadas, no entanto, bem no meio da sala abarrotada de arquivos, continuou a piscar teimosa. O som que ela emitia ao tentar se firmar era como de um inseto batendo contra o vidro de uma janela. Irritante e até meio assustador. Melissa deu de ombros, ao perceber que a luz não se firmaria, fechando a porta. Em seguida, adentrou a sala e começou a caminha entre os arquivos, procurando por algo interessante.

A todo segundo se pegava coçando o nariz irritado, quando não estava friccionando as mãos com rapidez nos braços cobertos pelo casaco fofo de moletom. A cada passo que dava, o frio parecia aumentar. Quando chegou ao armário que guardava os arquivos dos pacientes com sobrenome de letra H, Melissa parou. Tinha estado bastante curiosa sobre a rebelde Jamie Harper, do corpo marcado por tatuagens, o rosto perfurado por piercings e de cabelos negros e repicados em ângulos diferentes. Melissa ficou se perguntando o que é que a garota tinha feito de tão insano que a levou a ser trancafiada pelos portões do St. Marcus Institute.

Guiada pela curiosidade, Melissa levou a mão até uma das gavetas do arquivo, que tinha uma etiqueta com a letra J. Porém, quando tocou o metal, sua mão sentiu algo que definitivamente não esperava. Um choque, como um daqueles que se leva quando coloca o dedo na tomada. E o metal estava frio. Frio como gelo, de modo que parecia que havia enfiado a mão dentro de um congelador.

Melissa suspirou pesado, abanando a mão na intenção de afastar o mal estar que a corrente elétrica ainda proporcionava em sua pele. E quando o fez, o ar que escapou por seus lábios ressecados foi condensado pela fumacinha de vapor que se formava quando estava muito frio. E, de fato, estava muito frio. A temperatura baixou bruscamente de uma hora para outra, tão bruscamente que Melissa nem ao menos percebeu. E quando deu por si, o queixo já batia, como se estivesse de biquíni em plena nevasca.

Melissa passou a friccionar com mais rapidez as mãos nos braços que congelavam, olhando em volta. A luz no meio da sala ainda teimava em piscar, e nas atuais circunstâncias, aquilo parecia mais assustador do que irritante. Procurou pelo termostato, na intenção de regular a temperatura. Localizou-o exatamente ao lado do interruptor da luz, próximo à porta de entrada. Melissa caminhou até lá em passos rápidos e urgentes, quase tropeçando nos próprios pés durante o percurso.

O ar parecia pesado, começando a entrar cada vez mais lento por seu nariz, domado pelo cheiro de mofo que a deixava enjoada. A respiração, com isso, ficava difícil e somente o ato de pensar começou a parecer a coisa mais complicada do mundo. Não poderia estar sofrendo um princípio de hipotermia tão rapidamente assim, poderia?

Melissa jurava que a qualquer minuto cairiam flocos de neve por ali. Ao chegar finalmente ao termostato, constatou que a temperatura que ele marcava era dez graus negativos. Tentou abri-lo, para ajustar a uma agradável temperatura ambiente, mas não conseguiu. O frio tinha emperrado a pequena fechadura de ferro. Melissa tentou mais uma vez, ficando completamente estática quando percebeu as finas linhas de gelo que formavam no vidro do termostato, congelando-o de maneira lenta e gradual. Puxou a mão com rapidez, no momento em que o gelo ia atingir seus dedos. Desistiu de ajustar a temperatura. Precisava sair dali o mais rápido possível.

Melissa deu dois passos para o lado e chegou à porta, apertando a maçaneta com força entre seus dedos desesperados. Tentou girá-la de todos os modos, mas parecia emperrada também. Melissa tentou mais uma vez e outra, sem obter qualquer sucesso. Em seguida, bateu o corpo contra a madeira da porta, em um ato desesperado e impensado, que acabou não dando resultado algum.

Depois, olhou em volta, à procura de qualquer coisa que a pudesse tirar dali, mas o frio de doze graus negativos, segundo o termostato emperrado, não deixava muita escolha, senão tremer feito vara verde. Seus músculos estavam enrijecidos e doíam, causando um cansaço que, naquele momento, não era bem-vindo. Melissa precisava ficar acordada. Precisava pensar.

A única ideia que teve foi ir até a maçaneta outra vez, e aquele maldito pedaço de ferro dourado não saía do lugar. Melissa deu um chute na porta, e outro, enquanto ofegava em busca do ar que parecia cada vez mais escasso. Não obteve sucesso mais uma vez. A seguir, juntou a blusa de moletom que, naquela absurda temperatura negativa, não fazia diferença alguma, e levou uma parte do tecido até a maçaneta, na intenção de que aquilo a ajudasse a girá-la, porém tudo continuou como estava.

Só lhe restava gritar, esbravejar, fazer barulho, até que uma abençoada alma aparecesse para tirá-la daquele inferno congelante.

-Ei! Alguém aí fora! Ajude-me! Estou presa no arquivo! – Melissa gritou com as forças que sua voz perigava perder, dando tapas doloridos na madeira dura e também congelada.

Seus pés chutavam a porta sem pudor e com toda a força que tinham. Mas ninguém aparecia. E isso se repetiu por alguns minutos. Longos minutos. O desespero chegava dominando pela corrente sanguínea de Melissa. Seu coração disparado perigava escapar por sua boca.

Depois de um tempo, sem ar, sem raciocínio, tudo o que lhe restava a fazer era chorar. Seu calor corporal escapava por entre seus dedos. As mãos continuaram a bater, mas já sem a mesma força. Os pés continuaram a chutar, mas já sem o mesmo empenho. A voz rouca que se perdia ainda gritava por socorro. As lágrimas não paravam. Melissa olhava ao redor, buscando uma resposta para o que lhe acontecia.

E então, como em um passe de mágica, a luz do meio da sala parou de piscar. Nesse mesmo instante, como se uma coisa levasse à outra, a temperatura subiu da mesma maneira brusca com que baixou. O termostato passou a marcar os vinte e três graus de antes. O ar voltou com rapidez para os pulmões necessitados de Melissa, e ela encarava o aposento atônita, como se tentasse entender como diabos aquilo foi acontecer, de uma hora para outra, de repente, bem na frente de seus olhos desesperados. Não fazia sentindo algum! Ela não estava ficando louca...

Quando finalmente se deu conta de que tudo tinha acabado, limpou as lágrimas dos olhos. Hesitante, levou a mão até a maçaneta, que se abriu em um estalo. O corredor sombrio tomado pela escuridão do St. Marcus nunca foi tão aconchegante... O cheiro de hospital que impregnava no ar parecia o ar puro e fresco do campo. Melissa fechou os olhos e respirou fundo três vezes, sentindo o alívio liberar a rigidez de cada um de seus músculos.

Melissa fechou a porta do arquivo atrás de si, sem nem ao menos olhar para trás. Saiu caminhando a passos apressados pelo corredor deserto em direção ao seu quarto. Talvez os olhos negros de Johnatan Reagan fossem bem melhores do que os momentos de pânico que acabara de passar... E ninguém, absolutamente ninguém dentro daquele maldito hospital, pareceu ouvir suas súplicas desesperadas por ajuda. Se o lugar já parecia estranho, depois desse atentado gratuito contra sua vida, ganhou um nível elevado em seu conceito de estranho.

Quando chegou no quarto, Melissa ofegava e o coração batia acelerado, devido à grande distância que percorreu com extrema rapidez em tão pouco tempo. No meio do caminho ela preferiu correr, só para se certificar de que chegaria mais rápido sã e salva. Ao entrar, bateu a porta atrás de si e girou a chave as duas vezes necessárias para trancá-la, e ainda assim não se sentia segura. Deu uma olhada desconfiada para o termostato ajustado para agradáveis vinte e três graus. E se deixou encará-lo de tal maneira pelo que pareceram uns dez minutos, esperando que a qualquer segundo ele desse a louca e transformasse seu quarto no Alasca.

Para seu alívio, no entanto, nada aconteceu. A temperatura continuava a marcar vinte e três graus e seu casaco fofo de moletom já começava a parecer quente para tal temperatura. Melissa permitiu que seus músculos rígidos de ansiedade relaxassem, suspirou em um alívio não muito convincente, e caminhou até sua cama com os edredons e lençóis enrolados entre si, como os havia deixado. A blusa de moletom foi largada pelo caminho, assim como os chinelos quentes de flanela, e então ela se enfiou confortável na cama.

As sombras dos galhos retorcidos das árvores sem folhas ainda se projetavam em seu teto branco. Melissa levantou da cama, fechou a cortina, e voltou para o seu lugar. Elementos de filme de terror a assombrando enquanto o sono não vinha era a última coisa de que precisava. Entretanto, seu corpo relaxou mais rápido do que imaginava, e quando deu por si, já havia adormecido, e sonhava...

Era o campus de Oxford.

Melissa podia sentir o cheiro da grama tão familiar que a seguira pelos anos saudosos da Medicina. A arquitetura antiga do prédio principal se destacava à medida em que ia se aproximando. Linda e imponente como sempre. O chafariz da entrada principal jorrava a água que brilhava dourada à luz do sol, a torre do relógio trabalhava competente como sempre. Porém, o som característico dos alunos e professores falando por todos os cantos estava silenciado.

Era um deserto.

Não havia ninguém por perto, exceto ele.

Melissa reconheceu os olhos azuis de longe, o andar superior de quem é o dono do mundo, o sorriso debochado de quem não se importa com nada, a não ser seu próprio umbigo. Um frio estranho preencheu a barriga dela, enquanto o via se aproximar cada vez mais, quase como se flutuasse.

E no segundo seguinte, Corey Sanders estava ao seu lado, segurando sua mão pequena e delicada com a grande e áspera dele, porém quente. Melissa se sentiu segura daquela maneira. Poderia enfrentar o mundo enquanto a mão de Corey Sanders estivesse junto da sua, entrelaçando os dedos fortes nos seus frágeis.

Eles passaram a caminhar lado a lado. Melissa queria falar, mas algo trancava sua garganta de modo incômodo. Corey Sanders, como de costume, não abria a boca para nada, a não ser manter com extrema competência o sarcasmo no sorriso que repuxava seus lábios. Vez ou outra ele baixava os olhos azuis na direção de Melissa, lançando aquele brilho reluzente que a deixava meio perdida e ao mesmo com a sensação de que havia encontrado o que procurara uma vida toda. Era inevitável a atração que pairava no ar e os puxava cada vez mais próximos um do outro. Melissa estava absolutamente satisfeita. Nunca antes seu sorriso esteve tão radiante quanto naquele momento.

Porém, qualquer resquício daquele sorriso sumiu junto com a luz do sol, que repentinamente foi embora, deixando-os na mais completa escuridão. Era sombrio, e o frio congelava os ossos e fazia os dentes baterem uns contra os outros. Melissa estava tremendo. Corey Sanders repentinamente largou sua mão, deixando-a a mercê da cruel baixa temperatura.

Melissa não entendeu a reação dele, no entanto, e quis perguntar o que estava acontecendo. Corey Sanders não disse nada, apenas parou na frente de Melissa, a encarando de uma maneira estranhamente assassina. Seus olhos cerraram com um brilho malicioso, o maxilar estava travado, enquanto um sorriso tomado de maldade iluminava seus lábios.

Medo.

Era o que Melissa sentia naquele momento. Quis sair correndo, mas seus pés estavam presos ao chão. No segundo seguinte, pendiam no ar. Uma corda a enforcou e tirou seu ar, ao mesmo tempo em que seu corpo passou a girar inerte, cruelmente preso a uma árvore."

Melissa acordou com um salto, sentando de pronto na cama. Suava, e o pijama grudava molhado em sua pele. Assim como os lençóis, que se enrolavam entre suas pernas e braços. Ela passou a mão trêmula pelo pescoço, quase como se quisesse conferir se havia, de fato, uma corda envolta ali. Por um segundo pareceu tão real... E foi absolutamente angustiante.

Melissa respirou fundo algumas vezes, fechou os olhos buscando a calma necessária, que em um momento de rebeldia, não queria dar o ar da graça. Definitivamente tinha alguém por ali que não queria que ela dormisse...

-Aproveite sua estadia! – anunciou o guarda, enquanto batia a pesada porta de ferro, com um sorriso de plena satisfação.

O sorriso de quem se divertia à custa do sofrimento alheio.

Corey já nem esperava qualquer reação distinta. Não vinda daquele bando de brutamontes sem cérebro e coração.

Ele olhou em volta, para as paredes de concreto sujo e tomadas de limo que o rodeavam. A única iluminação provinha de uma mínima grade, lá no alto, que permitia a entrada abençoada do ar puro da noite. Um único facho de luz que a lua proporcionava era o suficiente para que visse o estado deplorável do lugar em que estava.

Mais uma vez.

A essa altura, já deveria ter se acostumado, mas a solitária não era um lugar que alguém deveria, realmente, se acostumar. Quando foi mandado ao local pela primeira vez, jurou nunca mais voltar. Porém, o estilo de vida que o St. Marcus Institute impunha aos infelizes que viviam no helvete não permitia que ficassem longe por muito tempo daquelas celas frias e desconfortáveis.

Era a solitária, ou aguentar as loucuras daqueles psicopatas desprezíveis gritando o dia todo, se auto flagelando ou chorando como se estivessem arrependidos de seus crimes. Entre permitir que a doce doutora Melissa Parker ouvisse as imundícies que Johnatan Reagan tencionava dizê-la, e passar dois dias naquela extensão do inferno, Corey preferia a segunda opção.

E sem nem pensar duas vezes.

Só não entendia o porquê dessa esquisita necessidade de protegê-la. No entanto, só de pensar que havia quebrado os ossos daquele psicopata e deixado seus olhos roxos, já se dava por satisfeito. Era um alento que daria forças a ele nos dois dias difíceis que teria pela frente.

Era só disso que precisava.

Guiando-se pelo som da água que gotejava em um canto escuro e escondido da cela, Corey caminhou cuidadoso na direção contrária. Na direção em que estaria a cama de ferro coberta por um colchonete tão fino que mais parecia um cobertor. Ele ignorou o cheiro de podridão e composição de animais mortos que se espalhava por todo canto e que já sentia impregnar por sua pele. Se desse atenção a isso, passaria a maior parte das 48 horas vomitando sem parar.

Corey sentou sobre a cama, ao identificá-la quando bateu os joelhos no ferro duro e frio que a sustentava. As correntes que a prendiam na parede reclamaram, enferrujadas e desgastadas pelo tempo. Corey forçou seu peso uma vez ou duas sobre o colchão que, mesmo não podendo vê-lo, sabia estar imundo, na intenção de verificar se era mesmo seguro. A corrente rangeu de novo, mas não pareceu que iria ceder tão cedo. Corey encostou as costas na parede fria de concreto, e deixou a cabeça pender até que batesse ali também, sem muita delicadeza.

Um suspiro profundo e derrotado escapou por seus lábios, que ainda ardiam levemente por conta do álcool que a doutora Melissa Parker aplicou para limpar o sangue antes acumulado. Agora só lhe restava isso: sentar e esperar, até que viessem busca-lo. Lamentar pela estadia não planejada na solitária estava fora de cogitação. Talvez lamentar o fato de que o dinheiro do pai, infelizmente, não era capaz de livrá-lo desse tipo de punição, fosse permitido. Mas Corey não iria reclamar para a irmã e muito menos para a mãe que o mandavam para a desumana solitária vez ou outra, quando ele saía da linha. Que tipo de homem seria se fizesse isso?

Já bastavam as provocações que recebia no helvete porque sua cela, segundo aquele bando de delinquentes, era "especial", pela posição social de sua família, pelo dinheiro que possuía. Algo que, na verdade, ele não pediu, mas aceitou em respeito às insistências da mãe, que se desesperava ao vir visitá-lo e o encontrava naquela situação deplorável.

Não, Corey não reclamaria. Até porque, dor era o que ele procurava como um faminto procura por comida, não era? E a solitária proporcionava isso com uma gratuidade e competência admiráveis.

As horas passaram, o sono, obviamente, como todas as vezes que se encontrava ali, não veio. O único som provinha das gotas de água que caíam naquele mesmo canto escuro e escondido. Sua respiração saía calma e tranquila dos pulmões. Os olhos fechados tentavam ajudar a mente a pensar em qualquer coisa capaz de distraí-lo da ansiedade do que estava por vir.

A doutora Melissa Parker e seu sorriso encantadoramente cativante eram presença constante. Corey simplesmente não conseguia deixar de passar e repassar a cena dela cuidando de seus machucados, tratando-o com delicadeza, como se fosse feito de vidro. O modo como falava com ele para distraí-lo da dor que tanto o satisfazia... Mal sabia ela o quão sádico e doentio ele era...

E quando se lembrava desse pequeno detalhe de sua personalidade distorcida, Corey tratava de limpar a mente, guiando-a para qualquer outra dimensão em que a doutora Melissa Parker não estaria presente. Para seu próprio bem. E do dele próprio também.

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