Psicose (Livro I)

By andiiep

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Melissa Parker é uma psiquiatra recém-formada que encontra seu primeiro emprego em um manicômio judiciário. E... More

Aviso Inicial
Prólogo
Dois - A holandesa de Cambridge
Três - Inesperado
Quatro - Sutura
Cinco - Insônia
Seis - Happy Hour
Sete - Progresso
Oito - Passado
Nove - Proximidade
Dez - Embriaguez Acidental
Onze - Hormônios!
Doze - Corey vs Brian
Treze - Fotografia
Quatorze - Helvete
Quinze - Perigo
Dezesseis - Triângulo
Dezessete - Sobrenatural
Dezoito - Confusão
Dezenove - Corey vs Brian (parte 2)
Vinte - O plano mirabolante de Corey Sanders
Vinte e Um - Render-se
Vinte e Dois - Bipolaridade
Vinte e Três - Mensagem Sobrenatural
Vinte e Quatro - Intimidade
Vinte e Cinco - O inferno converte-se em paraíso
Vinte e Seis - Não Há Compaixão Com a Morte
Vinte e sete - Quebra-Cabeças
Vinte e Oito - O Passado Condena
Vinte e Nove - REDRUM
Trinta - Veritas Vos Liberabit
Trinta e Um - Plano de Fuga
Trinta e Dois - Luxúria
Trinta e Três - Preparação
Trinta e Quatro - Vai Dar Tudo Certo!
Trinta e Cinco - Um Sonho de Liberdade
Trinta e Seis - Scotland Yard
Trinta e Sete - Reencontro
Trinta e Oito - Vigilância Constante
Trinta e Nove - Corpo e Alma
Quarenta - Encontros e Desencontros
Quarenta e Um - Armadilha
Quarenta e Dois - Salvação?
Quarenta e Três - Tentativa e Erro
Quarenta e Quatro - O Infeliz Retorno
Quarenta e Cinco - Do Pó Vieste...
Epílogo
AUTO MERCHAN

Um - St. Marcus Institute

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By andiiep

N/A: Olá! Seja bem-vinda (o) a Psicose! Espero que goste da leitura!

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A continuação de Psicose é Lobotomia, postada nesse link: https://www.wattpad.com/story/51820984-lobotomia-continua%C3%A7%C3%A3o-de-psicose

Milbjs

Ands.

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Durante toda a infância e adolescência, Melissa Parker foi bastante questionada sobre a profissão que seguiria carreira no futuro. O pai, dedicado, porém pouco ativo, escondia o desejo de ver a filha formada em contabilidade, seguindo seus próprios passos, dando a entender que incentivaria Melissa em qualquer escolha que fizesse. A mãe, ao contrário, pouco dedicada, porém extremamente ativa, gostava sempre de lembrar que não aceitaria menos do que uma filha "doutora".

Na infância, Melissa se permitia devanear nos sonhos de ser uma bailarina. Quando o inconveniente da frequência escolar passou a atrapalhar suas brincadeiras, preferia dizer que jamais trabalharia na vida, para desespero da mãe e preocupação do pai. Aos doze, a rebeldia da pré-adolescência dominava suas ideias, e a descoberta do significado do sarcasmo levou a arredia Melissa a responder que seria apenas adulta. Quando completou quinze, tomada pela fantasia destemida da adolescência, tudo o que mais queria era ser detetive particular – resultado dos milhões de vezes em que se perdeu nos romances de Sherlock Holmes.

Ao chegar o ano em que, de fato, Melissa teria que fazer a escolha, já não tinha muita ideia de qual caminho seguir. Portanto, como na maior parte de sua vida, por pura pressão da mãe, no formulário de aplicação para a candidatura a uma vaga na Universidade, a opção escolhida foi Medicina.

Após anos de esforço, dedicação e sofrimento, o título de doutora Melissa Parker foi conquistado. Para alegria da mãe e orgulho sempre comedido do pai. Com a formatura, entretanto, vieram novos desafios. Uma especialização era necessária, e levada apenas por sua falta de capacidade de entender a própria cabeça, sempre  perdida em um inesperado caos interminável, a psiquiatria foi a escolhida. E se tornou uma paixão. Depois, o primeiro emprego era necessário. Em meio a uma crise econômica, qualquer oportunidade era válida. E, eventualmente, Melissa acabou encontrando o que procurava. Teria que deixar Oxford e a família, enfrentar um novo e mais árduo desafio (talvez o maior de todos até ali), porém achava estar, de qualquer forma, preparada.

Seu destino era o hospital de custódia e tratamento psiquiátrico St. Marcus Institute. A denominação era longa e intimidadora. Melissa, no entanto, preferiu não se deixar abalar. O St. Marcus Institute estava localizado em um lugar esquecido e desconhecido pelo mundo, mas gloriosamente abençoado por Deus. O isolamento ali era uma dádiva. De outro modo, obviamente, não se poderia manter uma instituição que cuidava de criminosos com problemas mentais e psicológicos. Os piores dentre os piores. Aqueles tão profundamente dominados pela psicose, perdidos em suas mentes alucinadas, tomados pela insanidade, que não havia alternativa, senão trancafiá-los ali.

A pequena cidade de Winchelsea, aproximadamente 400 habitantes, em East Sussex, Inglaterra, fora meticulosamente escolhida para dar sede a tal instituição. Quanto menos pessoas ao redor, melhor. E, de fato, sabendo ou não o que aquela pequena cidade de construções medievais guardava nos seus arredores, quase ninguém se aproximava. Aqueles que sabiam, no entanto, faziam mesmo questão de se manter o máximo de quilômetros distante. Era perigoso.

O caminho até lá era longo, sinuoso, cansativo. O céu estava cinzento, como quase todos os dias do ano na Inglaterra interiorana. O verde do gramado que emoldurava a estrada era vibrante. A paisagem, bucólica e encantadora. Um cartão-postal.

Melissa levava consigo um diploma recém-conquistado, que ainda cheirava a papel novo, uma carta de recomendação no bolso do pesado casaco de lã, algumas barras de chocolate e o amor pela psiquiatria. Ainda se recordava do olhar de pânico da mãe quando contou que seu primeiro emprego era um cargo de psiquiatra do St. Marcus Institute. O local não possuía boa fama, era óbvio, e a senhora Parker parecia não ser capaz de conceber a imagem de sua querida filha trancafiada em um lugar como tal. Às vezes ela pecava por um protecionismo exagerado que Melissa não conseguia entender. O pai, por sua vez, lançou-a o característico meio sorriso de "bom trabalho", ignorando o surto da mulher e agradecendo aos céus pelo corte no número de bocas a alimentar.

Melissa olhou no relógio, presente de despedida do pai - um lembrete para que não perdesse a hora – constatando que estava no horário programado. Sorriu sozinha, como um falso alento que tentava acalmar seus nervos. Poderia fingir para quem quisesse: para os pais, os dois irmãos mais novos, mas certamente não poderia fingir para si mesma. Estava com... Medo.

De fato, Melissa era uma moça que poderia se dizer em constante estado de receio. Apesar da infância tranquila, a família perfeita de comercial de margarina – pais presentes, irmãos atenciosos -, havia certa obscuridade que ainda custava a compreender. Esperava encontrar respostas para sua própria eu naquele lugar, uma tentativa quase desesperada de encontrar seu lugar ideal no mundo.

Até mesmo o lar de um bando de maníacos desprendidos da realidade.

Os pacientes que tratara na especialização jamais poderiam ser comparados aos criminosos frios e cruéis que encontraria no St. Marcus. O que eram alguns quadros de depressão se comparados a psicopatias capazes de levar um ser humano a cometer crimes cuja crueldade ultrapassava todos os limites da sanidade?

Melissa, a inexperiente e assustada psiquiatra, ainda não tinha certeza de seu preparo emocional. Talvez não tivesse adquirido a frieza necessária para passar todos os minutos de seu dia em um local dominado por sentimentos tão pesados e negativos. No entanto, não poderia se dar ao luxo de recusar um trabalho quando vinha de tão bom grado. O salário, pelo menos, era razoavelmente alto, livre de comida e acomodação, disse a moça no telefone. Aprenderia a lidar com toda aquela nova estranha realidade, não havia qualquer outra solução. O desafio, acima de tudo, a encantava, apesar de todos seus estúpidos temores.

Queria se libertar. Queria se descobrir. Queria ser a garota corajosa capaz de superar quaisquer traumas. E ela tinha alguns que ainda não havia adquirido a habilidade necessária para superar.

Um solavanco anunciou indelicadamente que o ônibus havia parado e tirou Melissa de seus devaneios. O motorista anunciou entediado que estavam em Winchelsea. Melissa foi a única a se levantar, esticando os músculos tensos pelo tempo sem exercício. O motorista atarracado e de feições estranhas, que sustentava suspeitas olheiras de quem não dormia há dias, ajudou-a com as três malas guardadas no bagageiro. Seus demais pertences seriam mandados ainda naquela semana pela mãe, via correio.

Foi somente quando o ônibus sumiu de vista que Melissa percebeu que não teria mais volta, que já estava presa ali por, pelo menos, três dias – tempo que levava para passar o próximo ônibus. 

Após um longo suspiro, respirando pela primeira vez o ar da pacata Winchelsea, olhou em volta, analisando a cidade que dali em diante chamaria de lar. Sentiu como se tivesse voltado oitocentos anos no tempo, mergulhando de cabeça e sem aviso prévio na Idade Média. Todas as construções ao seu redor possuíam traços elegantes e medievais, intercalados com toques de modernidade proporcionados por alguns carros estacionados aqui e ali. Era simples, porém de muito bom gosto.

O restaurante na frente do qual saltara estava lotado naquele momento. Melissa pensou se talvez aquele não fosse o único num raio de alguns consideráveis quilômetros... O New In, como anunciava o elegante letreiro, tinha sede em uma linda e imponente, também dotada de traços antigos, casa branca. Passava um ar aconchegante e caseiro. A comida parecia boa, se julgada pelo cheiro delicioso que atravessava a rua e vinha tentar suas narinas e seu estômago. Era plena hora do almoço. Melissa olhou no relógio, constatando que precisava estar no St. Marcus em quinze minutos. E nem fazia ideia de como chegar até lá, principalmente com aquelas três pesadas malas.

Melissa olhou ao redor, procurando viva alma. Parecia, no entanto, que a cidade toda se encontrava enfiada naquele restaurante. Ela agradeceu, no entanto, quando de um daqueles poucos carros estacionados, saiu um rapaz.

Um bonito rapaz, Melissa não pôde deixar de constatar.

Era alto e tinha os ombros largos. Seu rosto fino era emoldurado por cabelos loiros cuidadosamente penteados. Suas íris carregavam um brilho esverdeado, que parecia faiscar em meio à paisagem cinzenta. A barba por fazer dava um ar relaxado e estranhamente encantador. Ele caminhava na direção de Melissa, como se soubesse que ela viria. Um sorriso simpático se abriu nos lábios do rapaz, e de repente o dia pareceu menos cinzento.

A segunda sensação que tomou conta dela, assim que ele se aproximou o suficiente, foi de estranha familiaridade. Como se o conhecesse há muitos anos, como se já fossem grandes amigos. Era uma sensação interessante, embora inesperada.

- Você por acaso é Melissa Parker? – sua voz firme indagou.

-Sim, sou. – Melissa confirmou com a cabeça, sendo suficientemente educada para corresponder à simpatia do sorriso.

- Sou Brian Peters. – o rapaz estendeu a mão em sua direção, a qual Melissa apertou em cordialidade. Era forte e macia ao mesmo tempo. - Vim buscá-la. O St. Marcus te aguarda.

- Mal posso esperar. – Melissa suspirou.

Brian Peters riu brevemente, e pequenas linhas de expressão se formaram ao redor de seus olhos. Melissa achou aquilo extremamente encantador. Ele parecia um maldito galã de Hollywood! O que fazia ali naquele fim de mundo?

- Quer ajuda com isso? – Brian apontou as malas.

- Por favor. – Melissa sorriu agradecida.

Os dois braços fortes do rapaz, cobertos por uma camisa social branca, pegaram sem muito esforço suas duas malas mais pesadas e a carregaram até o porta-malas de seu carro.

- Posso saber o que trás uma moça tão bela e delicada a um lugar como... Esse? – Brian perguntou, enquanto entravam no carro.

Melissa se acomodou no banco do passageiro, tentando disfarçar as bochechas coradas em razão do "moça tão bela e delicada".

- Eu... Precisava de um emprego. – ela deixou que seus olhos o encarassem. – Precisava muito de um emprego. – e sorriu incerta.

- Entendo perfeitamente. – Brian sorriu também e por alguns instantes voltou os olhos para Melissa – Estive nessa mesma situação três anos atrás, embora o St. Marcus tenha me atraído por motivos pessoais.

- Não sei se aguento três anos aí. – ela comentou, questionando internamente se não seria uma grande intromissão perguntar que tipo de motivo pessoal poderia levar uma pessoa até um manicômio judiciário que nem ao menos as autoridades tinham capacidade de controlar.

- Era o que eu pensava no meu primeiro dia. E, três anos depois, olha onde eu estou!

- Quer dizer que não deve ser tão ruim quanto parece? As histórias sobre ele na imprensa são chocantes, apesar de os boatos serem de que as coisas andaram mudando nos últimos anos...

Brian soltou uma pequena risada, que, novamente, intrigou Melissa, antes de responder:

- Às vezes pode ser até pior do que parece, mas... Eu não acho que teria uma vida fora daqui. Já virou a minha casa.

- Não imagino essas palavras saindo da minha boca.

- Quem disse que eu imaginava três anos atrás? E, mais uma vez, olha onde eu estou!

Melissa riu, imaginando como estaria sua vida dali três anos. Se seria capaz de sobreviver naquele lugar esquecido pelo mundo durante três anos. Para quem estava acostumada com a vida agitada em Oxford, a mudança brusca de rotina poderia ser um problema. Embora achasse impossível faltar distração quando um bando de loucos trancafiados a aguardava.

A estrada de terra que levava ao St. Marcus Institute subia uma pequena colina. Era rodeada de árvores e grama baixa, levemente amarelada por um outono que tomava cada vez mais espaço. Era uma distração e tanto. Era bonito. Melissa não encontrava muito desses cenários em Oxford, e isso era um presente, afinal. 

No alto da colina, após poucos quilômetros percorridos, já se destacavam os altos e imponentes muros do St. Marcus Institute. A visão era sombria e pouco agradável. Do lado de fora, parecia que o local era constantemente circundado por nuvens negras e uma neblina úmida e opaca. 

Brian teve que chamar a atenção de Melissa quando o carro parou na frente do portão de ferro negro que guardava as entradas do St. Marcus Institute. Estava distraída demais tentando controlar o enjoo que tomou conta da sensibilidade de seu estômago.

- Está tudo bem? – ele perguntou.

- Sim. – Melissa confirmou com a cabeça, forçando um sorriso – Só estou com fome.

- Tudo bem, podemos almoçar assim que conhecer as instalações do hospital.

Melissa assentiu, voltando à analise do St. Marcus. Os muros eram de um concreto escurecido pelo tempo. O ferro negro do portão se retorcia acima das lanças que ostentava nas extremidades para formar em letras garrafais os dizeres "SAINT MARCUS INSTITUTE".

Ao lado de cada um dos muros, havia uma torre, e sobre elas, pelo menos três atiradores, trazendo nos braços pesados rifles. Ao lado dos portões, ainda havia mais cinco guardas, todos também munidos de armas e cara de poucos amigos. Cercas elétricas, câmeras e detectores de metal, todos convivendo em extrema harmonia, incrementavam e finalizavam o pesado esquema de segurança.

- Bem-vinda. – disse Brian, no mesmo instante em que a entrada era autorizada e dois guardas abriam o portão, que por si só dava as boas vindas.

As dobradiças enferrujadas pelo tempo provocaram um rangido mórbido, que causou arrepios em Melissa. Aquele lugar era um perfeito cenário de filme de terror. Seu terror pessoal.

O caminho de ladrilhos tomado pelo musgo os levou até um pequeno prédio de três andares, ainda naquele mesmo estilo medieval da cidade de Winchelsea. Uma placa branca, maltratada pelo tempo, com letras padrão vermelhas, informava que ali era a administração. Brian contornou o prédio com o carro, chegando ao estacionamento.

- Você pode se apresentar na recepção. Estão te esperando por lá. Eu levo suas malas até seu quarto. – informou, e Melissa fez o que ele disse, despedindo com um aceno simpático.

Os outros três prédios que formavam o complexo da instituição chamaram a atenção, e por ali Melissa ficou perdida alguns segundos. Cada um deles tinha quatro andares, mas as colunas eram altas, dando a impressão de que o número de andares era, pelo menos, o dobro. Um deles era vermelho, e lá ao longe, pintado em preto, Melissa pôde reconhecer a letra 'A'. O da ponta esquerda era verde, identificado com um grande 'B'. Em meio aos dois, estava um cinza escurecido, do mesmo tom dos muros, e o 'C' que o marcava era, diferentemente dos demais, pintado em vermelho sangue. Melissa não soube o porquê, mas aquele prédio causou-lhe leves calafrios. Por isso resolveu parar de encará-lo e ir procurar quem quer que estivesse à sua espera.

No prédio da administração era tudo claro e organizado, pintado em tons de bege e ocre. Cheirava a sala de dentista e café com chocolate. O tapete vinho da entrada também lhe dava boas vindas. A cara de poucos amigos da moça no balcão de mármore da recepção, não.

- Sou Melissa Parker. Acredito que estejam esperando por mim. – informou, tentando parecer simpática.

O olhar de peixe morto da recepcionista, todavia, não a incentivava a tanto.

- É, estou sabendo. – a loira mosca-morta estourou uma bola de chiclete.

Nada educado. Melissa ficou pensando na qualidade dos funcionários que trabalhavam por ali. Nem todos tinham na simpatia um cartão de visitas como Brian Peters.

- Então... – Melissa gesticulou com as mãos – Onde está a pessoa que me espera?

- Fim do corredor, última porta da direita. – informou a recepcionista, sem muita vontade, apontando o corredor que se estendia à sua direita.

Melissa nem se deu ao trabalho de agradecer e fez seu caminho. Bateu na porta, recebendo de uma voz masculina o aval para entrar.

Um homem de idade, de cabelos ralos e brancos, a recebeu sentado em uma imponente cadeira de couro preto. Tinha um bigode que mais parecia uma escova de limpar sapatos escondendo a boca. Nenhum fio dali tinha outra cor que não um intenso preto. Seu gabinete era coberto por prateleiras e mais prateleiras de livros, do chão ao teto. As cortinas, que não deixavam facho de luz nenhum se atrever a iluminar o local, eram de um verde intenso. 

O homem sorriu simpático, apontando uma cadeira na frente de sua mesa abarrotada de papéis e pastas, iluminada unicamente por uma potente luminária moderna. O local tinha um ar ligeiramente assustador, como todo o restante daquele intrigante lugar. Melissa sentou como lhe foi indicado.

- Senhorita Melissa Parker, estou certo?

- Sim, senhor.

- Sou o doutor Thompson. – ele lhe estendeu a mão enrugada, a qual Melissa apertou com extremo cuidado. Parecia que qualquer força a mais seria o suficiente para transformá-lo em pó. – É um prazer conhecê-la.

Melissa preferiu esconder o descontentamento por ter sido chamada de senhorita, e não de doutora. Todos os anos sofridos de Medicina deviam pelo menos valer o título.

- O prazer é todo meu, doutor Thompson.

- Acredito que tenha a carta de recomendação do doutor Hale?

- Sim. – Melissa confirmou, já buscando o pedaço de papel timbrado de Oxford que guardava com cuidado no bolso.

O doutor Thompson pegou a carta e com uma lentidão irritante a abriu, lendo na mesma lentidão as poucas linhas ali escritas, as quais elogiavam Melissa.

- Ah, quantas saudades do meu velho amigo Charles! Como ele anda?

- Ah, a última vez em que o vi foi na minha formatura, enquanto me entregava o diploma. Estava muito bem. – Melissa sorriu.

- Vejo que você era uma aluna muito querida. – o velho deixou a carta de lado, alisando o papel meticulosamente enquanto encarava Melissa com aqueles olhos cansados. Eram de um verde claro cativante. – Espero que corresponda às expectativas que meu velho amigo levantou.

- Tenho certeza de que não vai se decepcionar comigo, doutor Thompson. – Melissa soou com voz firme e confiante, lançando ao velho doutor um olhar de mesmo tom.

- Bem, segundo o doutor Hale, você costuma sair-se muito bem quando trabalha sob pressão. Antes de tudo, gostaria de lembrá-la de que esse é um hospital psiquiátrico de custódia, essa é a realidade da psiquiatria forense. Não é nada como nas aulas ou na especialização. Deve saber que o mundo real é muito mais cruel e complexo do que a teoria. Parece ser uma moça esperta. – ele cruzou as mãos sobre a mesa, erguendo as duas espessas sobrancelhas - Gostaria de ver o que você faz com alguns pacientes nossos, que... Bem, eu diria que são bem difíceis de lidar.

- Eu gosto de desafios. – Melissa balançou a cabeça em concordância, tentando passar a ideia de que era uma pessoa corajosa.

Bem, desafio era o que achava que tinha ido buscar ali, afinal. Nada como um bom tanto de pacientes rebeldes...

- Você deve saber que a vaga que está preenchendo agora antes era ocupada por um médico que foi morto por um dos pacientes. – o doutor Thompson adotou um tom que, desafortunadamente, foi bastante sombrio. – E que estamos com urgência para preenchê-la. Seus pacientes não podem mais permanecer sem qualquer tratamento psiquiátrico, além do tratamento químico a que já são submetidos. Tememos que a ausência de contato com o mundo humano nos faça perdê-los de vez. E já não temos mais no nosso corpo médico quem se comprometa com esses pacientes devido aos históricos de violência contra o próprio corpo médico. É um problema seríssimo no St. Marcus e esperamos que possa resolvê-lo, embora seja sua primeira experiência profissional após a residência médica. Alguém com médias como as suas e recomendações como as que possui, acredito, é capaz de lidar com um trabalho dessa natureza. Além do mais, poderá sempre contar com a minha ajuda ou a ajuda do doutor Brian Peters.

O doutor Thompson finalizou seu breve discurso, Melissa engoliu em seco, e forçou um sorriso amarelo. Ninguém havia dito nada sobre mortes e pacientes que matavam psiquiatras. Nem sobre pacientes que ninguém mais conseguia tratar. Era loucura, não era? Colocar nas mãos dela, uma potencialmente covarde psiquiatra que tinha grandes dificuldades de se encontrar, o destino mental de pacientes tão difíceis? Quis desistir, mas uma voz na sua cabeça a dissuadiu de tal ideia estúpida.

Era óbvio que ficaria e lidaria com a questão de cabeça e queixo erguidos.

- Na verdade, estou sendo informada disso tudo agora... – foi o que disse, após bem considerar as palavras.

- Espero que não seja um problema... Quer dizer, não é um hábito no St. Marcus Institute a morte de funcionários. É um local difícil de trabalhar, você deve entender isso. Estamos lidando com insanidades aqui dentro, e insanidades que chegaram a um ponto limítrofe entre o humano e o selvagem. Aos leigos pode parecer difícil acreditar que um ser humano é capaz de tais atrocidades, porém lidamos com isso no St. Marcus, tentamos amenizar e neutralizar o máximo possível – temos o aval do governo inglês para isso, e é bom que você entenda no que está se metendo. Porém, no geral, acidentes são raridades. A morte do doutor Jones foi uma fatalidade que todos lamentamos muito.

- Entendo, eu... Sinto muito. – Melissa pigarreou.

De repente sua mão passou a suar.

- A julgar pela coragem que tem de vir trabalhar no St. Marcus tão cedo, logo em início de carreira, acho que pode dar certo aqui. – o doutor Thompson sorriu amigável. – Se gosta mesmo de desafios, como disse, acho que vai gostar de ter uma conversinha com os pacientes que separei para você.

- Trabalho é trabalho. – deu de ombros.

- Que bom que pensa assim. – o velho acenou satisfeito com a cabeça - Agora vou chamar o doutor Peters. Ele é o chefe do setor em que eu coloquei você para trabalhar. Doutor Peters é um ótimo rapaz, e, como já disse, com certeza será muito prestativo em tudo o que precisar, e vai mostrar a você todas as instalações do St. Marcus.

- Obrigada pela oportunidade, doutor Thompson. – Melissa agradeceu.

O doutor Thompson lançou um último sorriso, antes de virar-se para o telefone antigo postado sobre sua mesa e discar em uma calma terapêutica os números. Conversou com Brian Peters, porém Melissa não tomou conhecimento das palavras que dizia. Sua cabeça se perdia no medo que começava a se apossar de cada uma de suas células.

Menos de cinco minutos depois, o sorriso simpático e encantador do doutor Brian Peters iluminava aquele gabinete depressivo, então Melissa foi capaz de respirar aliviada por alguns instantes.

- Queira fazer a gentileza de apresentar à senhorita Melissa o nosso querido St. Marcus. – o doutor Thompson falou.

Brian chamou Melissa com um aceno e ela se despediu cordialmente do velho doutor, antes de sair no encalço do outro.

Brian a guiou pelo corredor, até chegarem a uma escada que os levou ao andar superior. Uma grande porta com os dizeres "ARQUIVO" se destacou à frente deles.

- Essa é a sala do arquivo. É aqui que você pega as fichas dos seus pacientes. – Brian explicou com calma e simplicidade.

Abriu a porta e acendeu a luz, que piscou precariamente antes de se firmar por completo. A sala era enorme, lotada de arquivos de metal pintados de cinza, e cheirava a mofo. A poeira podia ser sentida no ar como se fosse uma parede invisível.

Melissa seguiu Brian até uma mesa postada ao fundo da sala, onde ele juntou algumas pastas e as depositou nos braços de Melissa.

- Estes são os seus pacientes. – informou, enquanto já se apressava para sair da sala.

Melissa apressou o passo também, assustada pelo peso que aquela sala de repente depositou sobre seus ombros. E não era dos arquivos de seus mais novos pacientes que estava falando.

- Não gosto de entrar no arquivo. – Brian comentou casualmente, caminhando ao lado da doutora pelo corredor – Parece que tem alguém te observando o tempo todo quando está ali.

- Parece que tem alguém te observando o tempo todo em qualquer lugar por aqui. – Melissa riu.

-Talvez... – Brian abriu um meio sorriso - Como Thompson tratou você?

Caminhavam para fora do prédio do administrativo. A moça loira ainda mascava seu chiclete cor de rosa quando passaram pela recepção.

- Muito bem, na verdade. Ele é um grande amigo de um professor muito querido da Universidade. Acho que gostou de mim. – Melissa sorriu satisfeita, seguindo Brian através do estacionamento - Embora tenha me designado alguns pacientes que me parecem ser bastante rebeldes.

- Você foi contratada porque ninguém mais aqui consegue lidar com eles, e não é por falta de vontade. É preciso carne nova. – Brian sorriu, e Melissa tentou corresponder, apesar do incômodo que aquela declaração causou. – Mas não há motivo para preocupação.

- Um médico foi morto. Tem certeza de que eu não preciso me preocupar? – sua ironia foi nervosa.

- O prisioneiro que matou o doutor Jones nunca mais deixará sua cela, se depender de mim. Foi uma fatalidade que ninguém pôde prever. Os demais ainda são controlados pelos remédios e sessão de terapia. Não há motivo para pânico.

- Seu otimismo é motivador. – Melissa comentou, com um sorriso ainda nervoso pintando os lábios.

Nesse momento, saíam em um elegante caminho de pedras. O destino parecia ser os prédios do St. Marcus que abrigavam os pacientes.

- Posso perguntar onde foi que se formou? – Brian perguntou, na clara tentativa de descontrair a conversa.

- Finalizei meus estudos em Oxford.

Brian arregalou os olhos impressionados para Melissa.

- Bem, talvez nem precisasse ser bem recomendada. – ele sorriu. – Oxford fala por si mesma.

- Onde você se formou?

- Cambridge.

Melissa franziu o cenho, e certo incômodo perpassou seu estômago, embora ela não pudesse dizer exatamente o porquê. Um mal estar repentino e visão ficou turva.

- Cambridge também fala por si mesma, é uma excelente universidade – disse, quando se recuperou do pequeno surto. Brian a encarava com certa preocupação no olhar.

- Sim, fala, mas eu não tenho um par de seios, olhos inocentes e cabelos compridos.

Melissa não teve como segurar o riso, parabenizando Brian pela tentativa de acalmá-la. Ao se aproximar dos grandes prédios, a primeira coisa que viu foi um belo jardim, tomado de grama verde. Dois carvalhos se espalhavam pelo espaço. Havia bancos postados sob eles. As flores, que provavelmente na primavera davam um colorido diferente, agora estavam, em sua maioria, opacas, mas ainda sim belas.

- Esse – Brian chamou a atenção de Melissa, apontando com o dedo o prédio vermelho identificado com o grande A. – É a ala feminina. E aquele. – Brian apontou o prédio mais distante. O verde que tinha o grande B o identificando. – É a ala masculina. O do meio, o último, mas não menos importante... Quer dizer, é o mais importante. – Brian apontou aquele cinzento que dava calafrios em Melissa – É o prédio C. Chamamos de helvete, sueco para inferno.

- Por que sueco?

- Porque o dono e fundador do St. Marcus, quando ainda era um manicômio particular mantido pelo governo que enviava seus piores prisioneiros, era um sueco, que ironicamente depois de um tempo ficou maluco, matou a família toda e ganhou uma cela especial por lá... Na verdade, construíram o prédio para mantê-lo lá dentro. Era um psiquiatra brilhante, segundo contam as histórias. E alguma coisa nessas terras do St. Marcus o fez enlouquecer. Ele dizia que esse lugar era amaldiçoado, que aprisionava os espíritos dos que sofreram em vida e que esses espíritos o atormentavam pelos corredores, essa baboseira toda que hoje em dia a gente vê em filmes de terror...

- E o que aconteceu com ele? – Melissa questionou, bastante interessada.

- Morreu de inanição porque se recusava a comer. Dizia que a comida tinha minhocas, ou qualquer loucura desse tipo. – Brian deu de ombros.

- Interessante... Todo lugar tem sua história.

- O St. Marcus tem mais história do que a maioria dos lugares, na verdade. Muitas coisas ruins aconteceram por aqui, você deve imaginar. Um lugar fica marcado pelos eventos que acontecem nele. – Brian abriu um sorriso esperto em seguida - Dizem que o fantasma do velho sueco dá uns passeios pelos jardins à noite.

Melissa riu, rolando os olhos. Brian acompanhou seu riso.

- Quem fica no helvete, afinal?

- A nata da sociedade do St. Marcus.

- Que são...?

- Os assassinos. Não os comuns. Os que cometeram crimes que chocaram profundamente a comunidade e esse papo todo. – Brian abanou a mão com desinteresse, no momento em que chegavam finalmente às entradas dos três prédios.

As dos prédios A e B eram bem acessíveis, bonitas e arrumadas. A do prédio C, entretanto, era precedida por uma escada com um número considerável de degraus e guardas armados até os dentes.

Nos jardins que circundavam os prédios A e B, estavam espalhados os homens e mulheres que ali viviam, todos vestidos nos mesmos trajes cinza e pesados casacos negros. Uns agiam, exatamente, como loucos. Falavam sozinhos, encaravam o céu com interesse que passava longe do saudável, outros conversavam com objetos, e muito poucos realmente mantinham uma conversa entre si. E, ainda sim, o assunto não parecia ser lá dos mais normais.

Melissa observava com cuidado e atenção cada uma das pessoas ali presentes. Suas peles brancas e macilentas, suas olheiras negras que rodeavam olhos opacos e sofridos, suas expressões abatidas e sem esperança. Eram aparências pouco saudáveis... Sem qualquer aviso prévio, no entanto, todo esse mundo marcado pela insanidade humana desapareceu. Foi uma sensação esquisita, de que o mundo girava rápido demais, e então caía impiedosamente sobre a cabeça de Melissa. 

Aconteceu no momento em que aquele belo par de olhos azuis a fitou. Eram absolutamente... Intrigantes, instigantes, encantadores. O brilho era fosco, carregado de uma negatividade que provocou arrepios imediatos na espinha. No entanto, pareciam faiscar por sobre a neblina, brilhando como dois faróis em meio ao breu. Pertenciam a um rapaz que, aparentemente, tinha mais ou menos a idade de Melissa. Ao contrário dos demais, ele usava uma calça de agasalho. E aquela era a única peça de roupa que vestia, além do moderno par de tênis Nike.

Melissa fitou o restante do rapaz por um breve instante. E ficou perdida no movimento que seus músculos saltados e bem definidos faziam na medida em que ele se abaixava para pegar um tanto de lenha que se acumulava no chão. As tatuagens que se espalhavam por suas costas e braço eram encantadoras, como todo o resto. Formavam linhas negras e coloridas, em desenhos belos, porém bastante perturbadores. Enquanto ele se movia, as tatuagens pareciam encarar Melissa, falar com ela.

O rapaz, de repente, como se tivesse percebido a atenção de Melissa, interrompeu a atividade que desempenhava com tanto afinco e soltou os pedaços de madeira que acumulavam em seus braços. Ele limpou uma fina linha de suor que escorria pela testa e passou a observá-la. Sua atenção era minuciosa. Melissa só caminhou por conta de um movimento absolutamente automático a partir dali.

Os traços dele eram fortes e angulosos. Os lábios naturalmente vermelhos, as maçãs do rosto também. Sua expressão era dura, e ainda assim capaz de deixar Melissa esquecida do fato de que deveria respirar. Os cabelos castanhos esvoaçavam no ritmo do vento, e ele levou a mão até os fios rebeldes para tirá-los da frente de seus olhos. O movimento pareceu a Melissa ser completamente realizado em câmera lenta, pois estava encantada demais com o que via à sua frente.

Se Brian Peters parecia um galã de Hollywood, Melissa não saberia dizer de que mundo perfeito aquele prisioneiro havia saído.

A voz de Brian soava ao longe, enquanto ela se perdia em todo aquele turbilhão esquisito de emoções e sensações. O jeito como ele a olhava parecia que via por cada mínimo espaço entre suas células. Fazia sua pele formigar. Era quase invasivo, mas, ao contrário do que a sensatez lhe gritava, não se sentia mal por isso. Melissa imediatamente desejou que ele fosse um de seus pacientes. Sentiu uma imensa vontade de desvendar os motivos por trás daquela escuridão que se destacava por sobre a sua áurea, por sobre a expressão sofregamente maligna.

A sensação seguinte, no entanto, foi a mesma que a tomou quando viu Brian caminhando em sua direção. Uma inesperada familiaridade. Como se aqueles olhos azuis de tempestade já a tivessem encantado em outra vida.

- Melissa? – Brian estalou os dedos na frente de seus olhos, e ela finalmente foi capaz de quebrar aquele estranho contato visual.

Ainda teve tempo de assistir a um mínimo sorriso de escárnio repuxar os lábios absolutamente desejáveis do prisioneiro, antes que ele voltasse ao trabalho.

Fazia muito tempo que Melissa não tinha um namorado. Ela nem sequer se lembrava da última vez, literalmente. E a abstinência estava começando a causar efeitos negativos. Um paciente de uma instituição para psicopatas ter os lábios desejáveis? Onde diabos ela estava com a cabeça?

Contrariada, Melissa voltou sua atenção a Brian, que sorria incerto à sua frente.

- Sim?

- Está tudo bem?

-Absolutamente. – Melissa forçou um sorriso, que mais pareceu uma careta do que qualquer coisa.

- Vamos continuando, então? – Brian a encarou desconfiado.

Seus olhos pousaram sobre o rapaz misterioso por um instante, que voltara a carregar lenha. E então prosseguiu com o caminho.

A visita à ala feminina foi bastante agradável. A ala masculina, nem tanto. Levando em conta que os pacientes eram deficientes mentais, loucos, ou psicologicamente afetados, mas ainda tinham testosterona para dar e vender, é de se imaginar o tipo de coisa que Melissa escutou por lá. O helvete, Melissa agradeceu, não fazia parte do roteiro de visitas. Preferia não ter que colocar os pés naquele lugar logo no primeiro dia.

Por último, de volta ao prédio administrativo, Brian deixou os dormitórios dos médicos. Alguns viviam em casas na cidade, outros, moravam no confortável e aconchegante alojamento que havia ali. A cama era de casal e macia, o guarda-roupa pequeno, mas Melissa daria um jeito de caber suas roupas. O banheiro tinha um chuveiro quente e uma banheira velha.

- É seguro morar aqui? – ela perguntou.

Brian olhava distraído pela janela do quarto.

- Razoavelmente. – ele deu de ombros. – Você viu o tanto de guardas e enfermeiros que temos por aqui.

- Você mora aqui?

Brian virou para Melissa e sorriu antes de responder:

- Duas portas adiante. Se precisar de uma xícara de açúcar, é só bater.

- Vou me lembrar disso.

- O café é servido todos os dias às sete, no refeitório. Fica no fim do corredor dos dormitórios. Não tem erro. O fluxo de pessoas por lá de manhã á bastante intenso.

- Tudo bem.

- Bem, eu... Vou... Deixar você se instalar.

- Obrigada. – Melissa agradeceu, e lançou um sorriso simpático, antes que fosse deixada só.

Naquela primeira noite no St. Marcus Institute, o sono veio rápido. Após as horas que levou para ajeitar o quarto de seu modo e do grande turbilhão de informações do dia, Melissa estava cansada. Os olhos azuis do misterioso prisioneiro ainda a atormentavam, entretanto. Antes que fechasse seus próprios olhos, teve certeza de que estava se preparando para uma noite recheada de sonhos com ele.

As farpas que escapavam da madeira cortada se embrenhavam dolorosamente na carne de seu braço. Corey não se importava. Tudo o que queria, tudo o que precisava, era de um pouco de dor. Enquanto sua cabeça estivesse ocupada processando as informações dela, estaria livre das insanidades que com frequência queriam dominá-la. O simples raciocínio despendido na escolha dos melhores pedaços de lenha era o suficiente para mantê-lo na calmaria que a sanidade poderia proporcionar-lhe.

O frio do outono, que se aprofundava cada vez mais anunciando a proximidade do inverno, não lhe atingia exatamente como planejava. Na verdade, sua pele já era tomada por uma leve camada de suor. A ausência de roupa era também um artifício naquela busca masoquista pela dor. Mas não vinha funcionando como Corey previa ultimamente. Talvez seu corpo estivesse finalmente se acostumando com a baixa temperatura. Teria que procurar por outro modo de proporcionar o sofrimento da dor em si mesmo.

Se pudesse, teria consigo um daqueles chicotes que fanáticos religiosos utilizam na autoflagelação. Infelizmente, não seria permitido. A estranha amizade com o carcereiro chefe do helvete e a ainda útil influência do pai não seriam o suficiente para garantir-lhe esse tipo de "regalia", se é que poderia chamar assim. Era, entretanto, o bastante para permitir passeios fora das dependências frias e depressivas do helvete. Quase ninguém que guardava endereço naquele prédio tinha a possibilidade de deixá-lo em pleno horário do banho de sol das alas menos... Perturbadas.

Corey, de fato, era o único, dentre os sessenta e cinco moradores daquele privilegiado edifício, que gozava dessa prerrogativa. Era claro que, enquanto estivesse fora, deveria estar trabalhando, fazendo os serviços braçais que nunca antes na vida imaginou fazer, mas não iria reclamar. De forma alguma. Ver algo diferente de dementes assassinos em série, pedófilos, estupradores, era uma oportunidade que jamais poderia ser descartada.

O lado de fora do helvete, mesmo que ainda preso entre os muros do St. Marcus, mostrava que ainda havia um mundo sensato, são e belo a se apreciar. Mostrava que ainda havia um sol a brilhar, mesmo que escondido pelas nuvens cinzentas de chuva, que ainda havia o verde da natureza, mesmo que abalados pelo frio do outono. Que ainda havia pessoas boas, pessoas que tinham um mínimo de raciocínio lógico e centrado. O mesmo tipo de raciocínio que ele já teve um dia, mas que agora estava sendo aos poucos privado.

Corey não gostava da convivência dos loucos das alas A e B, também não gostava da convivência dos enfermeiros, guardas e principalmente dos médicos. Todos o tratavam como se fosse algum tipo de maluco incurável.

Ele não era.

Era tão perfeitamente lúcido quanto cada guarda, enfermeiro e médico ali presente, mas não havia nada naquele mundo que os faria mudar de ideia. Então ele fingia para si mesmo, enquanto carregava a lenha que deixaria seus malditos escritórios aquecidos, que fazia parte daquele mundo em que a loucura era apenas um mal a ser tratado, não uma doença a ser carregada como um fardo injusto.

Enquanto juntava as lenhas anteriormente cortadas por um funcionário estúpido do St. Marcus, Corey tentava se concentrar na lentidão sofrida com que uma farpa se enfiava no espaço entre seu dedo indicador e o do meio. O trabalho não demoraria muito para acabar e um leve desespero começava a se apossar dele. Desespero esse que foi brutalmente afastado de seus pensamentos, junto com o prazer que a dor lhe proporcionava enquanto distraía seus sentidos. Sua mente foi dominada, beirando a violência. Seus olhos cansados se perderam sem aviso prévio.

Havia começado a ver anjos e nem ao menos se dera conta disso?

Desde quando anjos faziam visitas ao St. Marcus?

Aquele era um local certamente esquecido por tal divindade gloriosa. As faíscas de inocência que emanavam daquele olhar acinzentado só poderiam pertencer a um anjo, no entanto.

Ela era um anjo.

Parecia que caminhava em câmera lenta pelo caminho de pedras brancas, levando seu corpo particularmente alto e esguio, de proporções perfeitas. Os cabelos negros que caíam até a cintura esvoaçavam graciosamente ao sabor do vento. A forma delicada de cada um dos traços que formavam o perfeito rosto, pintado por algumas sardas, era algo a ser apreciado. Os olhos cinza brilhavam como estrelas do céu. Os lábios eram cheios e avermelhados. As bochechas eram marcadas por covinhas e o meio sorriso incerto dela era ridiculamente encantador. Corey quis saber imediatamente quem era ela, mas ao enxergar, logo após seu brilho natural, a presença do imbecil do doutor Brian Peters, soube que era a nova médica que o St. Marcus procurava. E o encantamento sobrenatural de segundos antes, foi tão rápido quanto veio.

Ela, porém, ainda continuava a encará-lo, com uma curiosidade intrigante, enquanto ignorava o idiota do doutor Brian Peters tagarelando em seu ouvido. Corey gostou dessa atitude, todavia, deixando que um sorriso sarcasticamente maligno se formasse em seus lábios, quando ela lançou para ele o último faiscante olhar. Então voltou ao seu trabalho.

Tudo o que conseguia pensar a partir dali era que o corpo de funcionário do St. Marcus Institute estava começando a se tornar interessante.

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