Jennie Kim
Lisa dormiu na sala, forrou um lençol no chão e dormiu por lá mesmo. Minha cama já havia sido montada. Eu não consegui dormir. Não consegui sequer fechar os olhos por momento nenhum. Estava pensando em muitas coisas. Inúmeras.
Levei minha mão até meu pescoço, onde as marcas estavam. Fiz uma cara de choro quando encostei o dedo próximo ao lado esquerdo do meu pescoço. Essa parte doía mais do que as outras, era um ponto que me fazia querer gritar quando eu encostava.
Respirei fundo tentando controlar meus batimentos cardíacos e afastei minha mão rapidamente.
Eu não conseguia lembrar do rosto. Não conseguia lembrar de nenhum detalhe ou de nada que me fizesse reconhecer a pessoa que fez isso comigo.
Eu só me lembro que sua mão era pesada. Era alto. Era muito alto.
Apertei os olhos me remexendo na cama. Estava com frio. Estava com medo. Acima de tudo, medo. Medo de alguém que eu não conheço. Medo de uma pessoa que eu não sei se é meu melhor amigo, ou um estranho na rua. Medo de pensar, que eu podia mesmo estar morta, que eu podia estar bem pior do que estou. Foram apenas alguns hematomas. Mas, de certa forma, o que mais dói é querer que Lisa me proteja. Eu só preciso do colo dela agora. Só preciso do seu abraço e que ela me faça acreditar que tudo ficará bem.
As janelas estão fechadas, a porta trancada. Mas eu não consigo olhar para o banheiro. Não consigo chegar se tem algo embaixo da cama, ou se o closet está aberto porque eu esqueci de fechar, ou alguém entrou nele e achou mais fácil deixar assim para quando for sair e me atacar.
São paranoias. Delírios.
Contudo,e se de certa forma, for tudo verdade? E se alguém entrar aqui, agora? Lisa está longe demais. A porta. Por que eu tranquei a porta?
Respirei fundo, o ar de meus pulmões pareciam se esvaziar. Merda. Eu nunca deixei que alguém me machucasse. Nem mesmo minha mãe me batia, ela nunca me encostou a mão com agressividade. E agora, alguém que não tem nenhum direito de fazer algo assim, fez.
Me sentei abruptamente tentando controlar minha respiração. Meu peito subia e descia com uma velocidade anormal.
Eu precisava de água. Precisava beber água.
Me levantei devagar e corri até a porta para abri-la o mais rápido possível, assim que abriu tratei de bater ela e descer as escadas com pressa.
Lisa acabou acordando com o barulho, e quando terminei de descer, ela me encarou com os olhos meio abertos e os fios de cabelos bagunçados.
— Aconteceu alguma coisa? — Lali me olhava preocupado.
Ignorei sua pergunta e tentei fechar a cara o máximo que podia. Não vou bancar uma de donzela indefesa.
— Onde você vai, Kim? — Ela levantou suspirando irritada e começou a me seguir.
— Nossa que inferno! Nasceu grudado comigo porra? Eu só vou beber água merda!
Abri a torneira e fiz uma pequena concha com as mãos. Bebi a água rapidamente. Eu não tenho energia para ligar a geladeira,ah,e eu não tenho uma geladeira. Eu preciso comparar muita coisa ainda, eu nem sei porque me mudei!
É mais fácil um hotel. Amanhã cedo, vou mandar Jisoo procurar um ótimo hotel para eu ficar até que tudo esteja perfeitamente organizado na minha nova casa.
— Eu gostava da antiga casa, essa é tão... clara. E não tem os quadros, porque não tem os quadros?
— Não gosto mais deles. — Joguei um pouco da água no rosto. Me perdi encarando-a descer pelo ralo. Eu não estava mais com tanto medo, a presença de Lisa, próxima a mim, me acalmava. — Joguei todos fora.
— O quê? Porque você fez isso?
— Você é burra? Surda? Ou se faz de sonsa? Eu acabei de dizer, que é porque eu não gosto mais deles! Nossa que inferno! — Fechei a torneira.- Vai dormir, Lalisa! Eu nem sei porque você veio atrás de mim!
— Você vai continuar com essas ofensas? Me tratando dessa forma?
— Está incomodada? A porta está aberta, pode sair quando você quiser!
Maldita Jennie Kim! Qual o seu problema? Qual é a merda do seu problema?
Lisa se virou para sair da cozinha e meu coração se apertou.
Não, por favor, não vá embora. Não faça isso de novo, por favor.
Senti meu coração acelerar só de imaginar que ele irá embora novamente, mas para a minha surpresa, ela não foi.
— Durma bem, Jennie, eu vou voltar para a sala.
Esperei que ela saísse eu deixei minhas lágrimas escorrerem. Eram pesadas, grossas, sujaram meu rosto e molharam o chão. Eram lágrimas de desespero, de arrependimento, de socorro.
Eu precisava de socorro. Precisava de ajuda e eu sei disso, sei perfeitamente bem disso.
Tentarei diminuir meus xingamentos com Lisa, se eu quero que ela volte para mim, preciso começar a partir de agora, as mudanças em nosso relacionamento. Preciso aprender a lidar com ela, e controlar meu estresse. Não posso descontar tudo que acontece de ruim comigo nela.
Fiquei mais alguns minutos na cozinha. Chorando, pensando, analisando minha vida.
De tanto pensar, acabei ficando com sono. Haviam algumas roupas de cama em cima do balcão. Eu não iria conseguir dormir lá em cima sozinha.
Ajeitei um cantinho próximo ao corredor que ligava a cozinha com a sala e verifiquei se tudo estava devidamente trancado e seguro.
Antes de dormir, eu podia jurar, que senti um beijo ser depositado em meus lábios, mas eu estava delirando demais ultimamente, não foi nada real.
*
— Como é? Você perdeu seu carro? — Jisoo se levantou rapidamente tentando digerir toda a informação.
Lisa e eu fomos até meu escritório. Precisávamos descobrir tudo o que aconteceu. Eu faria isso sozinha, mas a infeliz insistiu em me seguir e não me deixou nenhum momento sequer. Eu não estou reclamando, mas também não estou dizendo que gosto, só para deixar bem claro.
— Eu posso comprar quantos carros eu quiser, Jisoo, mas agora, eu preciso descobrir onde meu carro foi parar, tem muita coisa em jogo. — Peguei meu celular e disquei o número de Chaeyoung rapidamente. Eu sei que ela não quer que eu o procure, mas preciso da sua ajuda agora. — Chaeyoung? Venha até meu escritório o mais rápido que você puder, é urgente.
Desliguei antes que eu corresse o risco dela inventar uma desculpa para não vir.
— Como isso aconteceu? Você não se lembra onde deixou ele?
— Eu estava bêbada. Você acredita que eu sou idiota ao ponto de perder meu carro de propósito? Eu não tenho amnésia, sua idiota! Eu só tive alguns probleminhas, fui para o hospital e não me lembro onde o deixei, deixando claro, que foi por culpa da bebida.
Jisoo abriu a boca o máximo que podia, estava tentando entender o que aconteceu, e a cada fala minha, eu complicava mais ainda a situação.
— Alguém bateu nela, Jisoo, precisamos achar o carro para tentar encontrar a pessoa.
Não. Ela não fez isso.
Ela acabou de contar, para a minha secretário, que alguém agrediu sua chefe?
Ela acabou de contar, para a funcionária mais linguaruda que não sabe guardar quase nenhum segredo, que não esteja relacionando a assuntos da empresa, que alguém me agrediu?
Pois é, ela fez isso mesmo.
— Ninguém me bateu não, idiota! Para de inventar as coisas! A Jisoo é linguaruda! Daqui a pouco ela sai falando por aí que alguém invadiu a empresa durante a noite e tentou me matar! — Encarei Lisa furiosa e cruzei os braços. Ela estava confuso e abriu a boca diversas vezes para tentar dizer algo, mas quando eu firmava meu olhar em sua direção, ela se arrependia logo em seguida. — Vamos, Jisoo! Vá logo atrás do meu carro! Tá esperando o quê?
Ajeitei o cachecol no meu pescoço e engoli em seco quando minha unha arranhou levemente o ponto mais dolorido. Eu quis chorar no mesmo instante, mas daria muito na cara.
— Vou pedir a ajuda do Jackson, com licença.
Jisoo se curvou e saiu o mais depressa possível. Quanto mais rápido, melhor.
— Por que ela não pode saber o que aconteceu com você?
Lisa às vezes é tão inocente para certos assuntos.
— Isso não é assunto para funcionários, Lisa. Não é algo que ela deva saber. O quanto menos souber, melhor, acredite em mim. — Dei a volta na minha sala e me sentei na cadeira em frente a minha mesa de vidro. Não era o momento para trabalhar, mas enquanto a Chaeyoung não chega, eu posso checar alguns e-mails.
— Você mudou algumas coisas aqui também. Tirou as esculturas.
Lisa começou a analisar os objetos da sala. Lembro-me da última vez que ela veio aqui, ah...foi incrível.
Muita coisa mudou desde aquele dia, menos o meu tesão por essa mulher.
— Não mexa em nada. — Vociferei a olhando pelo canto do olho. Quando percebi que ela não iria mexer em nada e que estava apenas analisando o local, voltei minha atenção aos e-mails.
Desde que a empresa decolou, recebemos inúmeras propostas de compra. Inúmeros investidores estão querendo investir e tornarem sócios da minha empresa. Coitado, é realmente uma pena ter que recusar tantas ofertas grandes, mas nada se compara ao meu esforço para construir essa empresa.
Estava desatenta analisando algumas propostas, quando senti meu cachecol ser retirado lentamente.
Droga. Borboletas no estômago.
Prendi a respiração com força e cruzei as pernas instintivamente.
Prendi meu olhar na tela mesmo não conseguindo focar em mais nada que estava lendo.
Lisa colocou o tecido grosso dobrado ao lado do computador, e começou a levantar os fios de meus cabelos para cima, delicadamente, pegando cada fio, prendendo-os com a mão, como um rabo de cavalo. Sua mão livre começou a passear por meus ombros, que estavam tampados apenas pelo fino tecido da blusa. Eu podia sentir perfeitamente bem seus toques. Perfeitamente bem. Soltei o ar preso lentamente e fingi não me importa com seus toques. Sua mão subiu lentamente até minha nuca, onde ela passou os dedos vagarosamente, com calma e destreza. Seus dedos caminharam por todo meu pescoço, como se fosse uma tortura. Ela tinha calma, e delicadeza, fazendo o mínimo de movimentos bruscos, para não me machucar. Eu podia sentir sua respiração pesada atrás de mim.
Quase soltei um gemido baixo quando seus lábios tocaram suavemente um pouco abaixo de meu queixo. O corpo de Lisa estava quase grudado em mim por trás, e eu queria que essa merda de cadeira que nos separava desaparecesse.
Eu sei que ela quer cuidar de mim, e que não tem nenhuma malícia em seus atos, mas por favor, eu vou acabar perdendo toda a sanidade se ela continuar com isso.
— O-o que você está fazendo? — Controlei o máximo que podia minha voz trêmula, para não dar muito na cara.
Outro beijo foi depositado, agora, próximo a minha clavícula. E eu quase agarrei seus cabelos e a obriguei a descer a boca mais um pouco.
Mas se eu fizer isso, nossa relação nunca irá evoluir, e voltaremos a ser o mesmo casal tóxico de antes.
Como ela não respondeu minha pergunta, ousei novamente questiona-la.
— Lisa? O que você está fazendo?
Fechei os olhos involuntariamente. Ela deixou um rastro de beijos desde minha clavícula, até o canto da minha boca, beijos molhados, desejosos, me faziam querer revirar os olhos. Seus lábios eram macios e suaves. Me causavam calafrios por todo o corpo.
Eu queria tanto ser forte agora, e a empurrar. Mas estava me deixando levar pelo momento e pela sensação prazerosa que ela estava me proporcionando.
Ela beijou novamente o canto da minha boca, eu acabei virando em sua direção, e quando ela se aproximou para me beijar novamente, alguém bateu na porta nós fazendo dar um pequeno pulo.
Lisa se afastou com pressa e fingiu observar a vista pela janela, sendo que a cortina estava fechada naquela parte.
Me apressei em colocar o cachecol novamente e em questão de segundos, a porta foi aberta. Eu estava molhada, apertei uma coxa na outra e rezei para que ninguém percebesse.
— Você sempre me mete nas suas burradas, não é mesmo?
Chaeyoung.
Seu voto e comentário são importantes para o andamento da fic.