O Conto da Donzela do Santuár...

By VictoriaFrancoN

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Mikoto é uma miko, uma sacerdotisa de uma pequena ilha, ou era, até um estranho sonho levá-la a de repente fu... More

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By VictoriaFrancoN

Quando todos os youkai desapareceram em nuvens de cinzas, Mikoto caiu de joelhos, apoiada na naginata. Lutou contra os membros trêmulos para se reerguer, e começou a dançar para a despedida das almas dos mortos. Apenas quando terminava ela percebeu que o chão sob seus pés estalava e rachava cada vez mais.

A menina correu para a escada no instante em que a torre começou a ceder, e não parou de saltar os degraus enquanto tudo desmoronava acima dela até se jogar para longe no chão, debaixo de uma chuva de poeira e pedaços da parede e o barulho ensurdecedor do desabamento.

Ela ainda ofegava, assustada, quando os estrondos cessaram, dando lugar a um silêncio sepulcral. Agora dolorida e com todos os músculos do corpo tremendo, se levantar exigiu um pouco mais de tempo e esforço, mas não havia mais razão para ter pressa.

-- Você fez o que eu acho que fez? – Mikoto se sobressaltou com a voz de Yasha, parada à frente dela casualmente. Mikoto a encarou confusa.

-- Você não tinha fugido?

-- Tinha, mas quando cheguei na porta, me lembrei que não tem nada de bom para mim no mundo humano. Depois de tudo o que fiz lá, todo mundo vai me caçar, o continente inteiro viria atrás de mim por todos os crimes contra a humanidade e tal – ela balançou a mão com banalidade.

-- Você podia dizer que foi coagida por youkai perigosos – Mikoto se apoiava na naginata como a uma bengala. Yasha deu de ombros.

-- É, podia sim, mas alguém ia acreditar? E por que você se importa?

De fato, Mikoto não se importava, e depois de tudo que Yasha fizera, o que mais gostaria era vê-la responder por toda a morte e destruição que trouxera para sua casa e para todo Yamato. A menina olhou para longe e falou com todo o desprezo que conseguia expressar:

-- Foi só uma possibilidade em que pensei. Aleatoriamente.

-- De qualquer forma, nada disso importa – Yasha falou com indiferença e se espreguiçou, muito relaxada, considerando o ambiente em que se encontrava – Nenhuma de nós vai sair daqui.

-- O quê?

-- Eu não disse? A torre caiu bem em cima da porta. Está completamente bloqueada.

Yasha não mentira, a porta para o mundo humano estava soterrada por toneladas de pedras que antes foram a torre e boa parte do castelo. Mikoto olhou para a mulher.

-- Você não pode tirar isso do caminho?

-- Sou poderosa, mas não tenho a força física dos seus gêmeos. Acho que mesmo eles levariam um tempinho para chegar aqui. E isso se eles tentassem, porque com certeza agora pensam que você está morta.

Essa ideia apavorou Mikoto. Ela pôs as mãos em concha sobre a boca e começou a gritar por Haku, Takako, Sayuri e Ame. Mas não houve o menor vestígio de resposta. Yasha suspirou para suas inúteis tentativas e contemplou a paisagem deserta.

-- Eu não passei para o outro lado porque achei que, sem Akumi por aqui, eu poderia comandar. Agora que não tem mais ninguém, teria sido melhor ter ido. Eu preferia encarar uma vida de fugitiva a ficar neste fim de mundo vazio.

-- E morrer de fome – Mikoto adicionou sombriamente.

-- Quem podia imaginar que você teria um lado tão pessimista, maninha...

-- Cale a boca! Pare de me chamar assim, você não é minha irmã – Mikoto se largou num dos escombros, o cansaço acumulado agora cobrando seu preço.

-- Tudo bem, não te chamo mais assim. Mas é um fato e você terá que aceitar, nós nascemos na mesma máquina, dos mesmos criadores. Agora, se me der licença, eu tenho alternativa melhor do que morrer de fome aqui.

Mikoto não entendeu o que ela quis dizer, mas como não havia mais o que fazer ali, seguiu-a de volta para dentro do castelo.

*

-- Terra à vista – Sayuri cantarolou na tentativa de arrancar algum sorriso de Yukio, que bufou em resposta e perguntou:

-- Sabe se a Takako já chegou?

-- Ela me ligou de manhã cedinho e disse que estava partindo de Iruka, então deve chegar antes de nós.

-- De quem foi a ideia de voltar para a última ilha, afinal? O que mais pode ter lá que precisamos ir? – Kurono se uniu aos dois na amurada do Suzaku, de onde se podia ver uma faixa de terra no horizonte.

-- Ame foi econômico nos detalhes. Só falou na carta que era de extrema importância que verificássemos as portas e pediu para chegarmos hoje.

Recentemente completara dois meses desde que deixaram a praia da última ilha e voltaram para casa sem Mikoto e nenhum sentimento de vitória. As duas miko não conseguiram nem olhar Megumi nos olhos ao informar que sua neta não voltaria.

Também não houve comemoração quando voltaram para Shiro, somente um rito fúnebre para Mikoto, no qual o príncipe Shin e o próprio imperador Mutsuhito compareceram. O jovem príncipe deixou uma flor de shion em frente ao túmulo montado para ela.

O clã Kairiku ofereceu uma casa para Haku e Ame, mas os dois permaneceram por apenas três semanas antes de irem embora. Alegaram que não era o lugar deles, e precisavam encontrar um novo objetivo para cumprir.

Tendo dito isso, ambos partiram de Shiro, e não deram mais nenhuma notícia até poucos dias atrás, quando uma carta endereçada a Sayuri pediu que ela voltasse à última ilha na data estipulada, antes do anoitecer.

A jovem ligou para Takako, que viajava pelas ilhas do sul, e ela também recebera uma carta idêntica, escrita por Ame.

Agora as jovens seguiam para lá, sem saber o que esperar do lugar que sempre seria um lembrete da maior perda que já tiveram.

Takako se sentia particularmente desconfortável e relutara muito em atender ao pedido da carta. Não queria nem pensar em voltar à última ilha, palco do seu grande fracasso não apenas como miko, mas também como a irmã que se dispusera a ser.

No fim, Mikoto quem salvara sua vida, e ela não fora capaz de fazer nada para retribuir. Incontáveis vezes ela repassou na memória o momento em que Mikoto se recusou a passar pela porta e voltou para o castelo, e repetia para si mesma que devia ter ido com ela ou tê-la arrastado consigo para fora de lá.

Talvez por isso ela passara o último mês pulando de um lugar de Yamato para outro, fosse ajudando na reconstrução das cidades ou contando a história de Mikoto. Queria que ela fosse lembrada, era o mínimo que podia fazer em retribuição por ter feito o que nenhuma outra miko conseguiu.

Ver a silhueta da última ilha trouxe-lhe um estremecimento desagradável, e pisar em suas areias e contemplar a paisagem seca e vazia também não melhorou seu estado.

Hiro, que a acompanhara durante todo o tour pelas ilhas, encorajou-a com o olhar ao perceber como se sentia, e Takako sorriu agradecida. Também fora ele quem a incentivara a vir, mesmo com toda a hesitação.

Apesar de todo o apoio que Hiro proporcionara, ele não acompanhou Takako até o fim, permanecendo perto do Byakko enquanto ela seguia para o último lugar onde gostaria de estar.

A jovem não aguentou olhar para as portas duplas por mais que uns poucos segundos, e deu-lhe as costas, preferindo encarar o mar. Os pensamentos de culpa voltavam a assombrá-la, mas ela não poderia perder o controle ali, naquele momento.

Takako tirou a pérola amarela do bolso, uma jóia que há muito não brilhava, pois não era sequer usada pela sua detentora desde aquele dia.

-- Takako – ela ergueu a cabeça para Sayuri, que exibia um sorriso tranquilo, porém um pouco triste. Ela também segurava a pérola verde – Por um momento temi que não viesse.

-- Eu quase não vim. É difícil estar aqui.

-- Nem me fale. Yukio nem saiu do Suzaku.

-- E você viu Ame ou Haku quando chegou? Porque não encontrei nenhum dos dois.

-- Nada. Achei que estariam aqui, mas só encontrei você – Sayuri puxou as roupas mais para perto do corpo, pois começava a esfriar.

As cartas diziam para as sacerdotisas estarem na ilha antes de anoitecer, mas o sol já desaparecia no horizonte e as primeiras estrelas brilhavam no céu, sem nenhum indício ainda da chegada dos meninos. Sayuri e Takako se entreolharam, perdendo a esperança de rever os amigos.

Então um som chamou a atenção das duas, vindo de trás.

As portas duplas se abriram por dentro. Ame sorriu ao avistar as jovens, e apressou-se em abrir completamente a passagem.

De onde estavam, elas distinguiram a silhueta do castelo ao longe, e restos das paredes espalhadas junto às portas, mas não prestaram atenção a isso. A estranha figura que caminhava devagar por entre os escombros era o que realmente importava.

A figura era Haku, trazendo apoiada em seu ombro uma Mikoto trôpega e cabisbaixa, mas no instante em que pisaram a areia e ela ergueu a cabeça para ver Takako e Sayuri, seus olhos se iluminaram.

Sayuri ofegou. A vista de Takako se embaçou pelas lágrimas, e quando percebeu, corria na direção da menina.

Mikoto se desvencilhou de Haku e também correu para ela. As duas colidiram num abraço, depois Sayuri envolveu ambas nos próprios braços.

Takako deu uma boa olhada em seu rosto quando se separaram. Mikoto estava mais magra, as pálpebras pesadas como se acabasse de acordar de um longo sono, parecia mais cansada do que jamais estivera, e é claro, estava molhada pelas lágrimas que ainda desciam em cascata.

Mesmo assim ela nunca fora uma visão tão bela. Takako levou a mão a seu rosto e enxugou as lágrimas, mas Mikoto chorou um pouco mais, enterrando o rosto em seu peito.

Ainda postados diante das portas, Haku e Ame observavam a cena com sorrisos de plena satisfação.

-- Conseguimos, irmão. Completamos com maestria nosso objetivo – Ame comentou.

-- Sim.

-- Mas e agora? Nosso dever foi cumprido, então o que fazer a seguir? Mikoto-sama não precisa mais de nós.

-- É, fizemos tudo o que devíamos por ela. Agora devemos fazer como ela nos mostrou e escolher nosso próximo objetivo.

Ame pareceu gostar disso. Os dois rapazes fecharam as portas às suas costas e desfrutaram da brisa marítima enquanto as moças ainda aproveitavam a reunião.

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