Continuava minha caminhada na floresta sombria, as lágrimas em minhas bochechas estavam secas, mas a dor que sentia no coração estava longe de sarar, me forçava a não lembrar de nada que havia acabado de acontecer, meu confronto com Rudy, todas as coisas que lhe falará, mas o pior era todas as coisas que havia deixado de falar. Aquela lembrança de um sacrifício em um altar de pedra continuava me perturbando, a sensação de que Rudy só estava aqui hoje por minha causa não saia de mim. As lembranças estavam nubladas, mas pequenas cenas e flashs continuavam martelando em minha cabeça, aquilo começava causar uma fina dor cortante que me fez parar por um breve momento no meio do caminho.
Eu não sabia o que estava fazendo, não sabia para onde estava indo, não sabia o que deveria fazer, sabia que Jack estava desaparecido, sabia que meus pais haviam sumido, sabia que tinha passado os últimos 4 anos em um manicômio, e sabia que o garoto que aparentava ter um grande significado pra mim no passado estava totalmente diferente, ou absolutamente igual e eu é que havia mudado a forma de olhar.
"Ele só precisava de você para voltar a vida"
Uma voz sussurrante que mais parecia o vento entrou suavemente nos meus ouvidos, naquele momento não sabia se estava acordada ou dormindo, se ainda estava na floresta ou não. O chão parecia se mover e a lua estava da cor de prata, parecia estar derretendo assim como minha cabeça que começava doer ainda mais, me ajoelhei e pus as palmas da mão no chão, só então observei que a nevoa estava mais densa, estava claro por causa da forte luz da lua, coisas pareciam se mover sob a nevoa e então, sem mais forças para se manter firme, me deixei cair no chão e apaguei.
"Ele só precisava de você para voltar a vida... para o mundo dos vivos. Você foi o sacrifício. Os dois voltaram"
— Eu estou no inferno? - perguntei, ainda deitada no chão conversando com a voz que eu não sabia distinguir de quem era, e de onde vinha.
Talvez estava no manicômio ainda, talvez ainda estivesse doente, era isso, tudo aquilo não passava de delírio, Jack não existia, meus pais não existiam, meu passado era uma grande sombra densa e profunda, ou era aquilo que todos queriam que eu acreditasse. Seria conveniente para eles? Para todos eles?
Seria conveniente para as pessoas manipuladoras, os verdadeiros vilões, aqueles que não se importavam com ninguém além de si mesmo, aqueles que faziam tudo para satisfazerem seus sonhos e desejos sem se importarem com quem sairia atingido, aqueles que te usariam de todas as formas possíveis e necessárias, usando de sua boa vontade e disponibilidade, até que lhe descartariam quando não tivesse mais utilidade. Uma coisa, que pode ser usada e descartada, uma maquina de favores, um pote de vida que transborda, uma coisa que te põe em primeiro lugar porque é a única que é capaz de fazer tudo, absolutamente tudo, por você. E depois, você à descarta, sem remorso, sem sentimento, sem consideração, sem culpa.
"Ele precisava de um coração e você deu o seu"
"O garoto fantasma"
"O sacrifício e o fim"
"Elzarella... o mal mais antigo que reside em todos os mundos..."
Eu não conseguia sentir absolutamente nada, conseguia ouvir meu coração batendo, conseguia ouvir aquele vento misterioso ainda sussurrando em meu ouvido, conseguia entender tudo aquilo que ele estava falando juntamente com aquelas lembranças turvas. Mas não conseguia sentir, não conseguia sentir a tristeza que poucos minutos, ou horas, atrás espetavam meu coração fazendo doer até o fundo da alma, não conseguia sentir vontade de chorar, não conseguia sentir vontade de falar, de levantar, de lutar, ainda estava tentando digerir tudo aquilo que estava sendo entregue a minha cabeça, diante de meus olhos, nos meus ouvidos, e em tudo ao meu redor. Uma casca vazia. Era isso que Elzarella queria. Era esse seu objetivo.
"Você é a única que pode mudar tudo"
— Como? - sussurrei, não tinha forças pra falar.
"Você tem um bom coração, apesar de estar quebrado"
— Não sou uma boa pessoa. - sussurrei, minha bochecha colada a terra, a nevoa me cobria no meio da floresta.
"É isso que eles querem que você acredite"
— Eles? - apesar de não estar sentindo nada, lágrimas começaram a se formar em meus olhos e escorrerem diretamente para o chão.
"As pessoas pela qual você se sacrificou"
Novamente veio a minha mente, dessa vez nitidamente, como se estivesse acontecendo naquele momento. A imagem de um altar de pedra, em um labirinto, onde tinham varias pessoas testemunhando uma garota se sacrificando em nome de seu amor verdadeiro para que ele pudesse voltar para o mundo dos vivos e não desaparecesse completamente.
"Você tem uma escolha"
O vento falou novamente, dessa vez me deixando intrigada, que tipo de escolha eu teria aquela altura.
— Escolha? - repeti.
"Você pode escolher procurar por sí mesma, e vê"
— Não consigo entender.
"Você pode esquecer, ou pode procurar e deduzir, e culpar e decidir"
— Procurar por... Jack?
"Procurar por tudo que você deduz que lhe diz respeito"
— Preciso encontrar meus pais... e Jack.
"Não se engane, pequena Coral, nem todos fariam por você o mesmo que você está disposta a fazer, nem todos são seus amigos como dizem ser"
Naquele momento não sabia ao certo sobre quem o vento estava se referindo, se ao Jack, se ao Rudy, se ao resto das pessoas que estavam em minha vida, mas de todos eu sabia que pelo Rudy eu havia feito tudo, e pelo Jack agora estava sendo provada se seria capaz de fazer. Os dois poderiam ser o mesmo, ou os opostos de mim. Eles seriam capazes de fazer o mesmo por mim. Ele seria capaz?
Abri os olhos, dessa vez mais acordada do que nunca, ainda era noite, a luz da lua ainda brilhava com toda sua intensidade, a nevoa que me cobria se dissipava suavemente e a florestava parecia mais clara e viva, assim como minha mente, minha mente brilhava como nunca, meu rosto estava molhado e sujo de terra, olhei para o alto sem pressa de levantar daquele chão, meu coração ainda machucado não estava doendo tanto, ele já havia sido apunhalado em um ato de sacrifício. Deixei que um pequeno sorriso esboçasse em meu rosto, aquilo não estava tão longe de terminar, mas agora era diferente, agora eu me lembrava de tudo.