O Conto da Donzela do Santuár...

By VictoriaFrancoN

5.9K 820 7K

Mikoto é uma miko, uma sacerdotisa de uma pequena ilha, ou era, até um estranho sonho levá-la a de repente fu... More

1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
31
32
33
34
35

30

88 13 88
By VictoriaFrancoN

O brilho da hitodama se refletia nas paredes de água da fenda, dando ao ambiente uma luminosidade azulada que seria bonita se não fosse tão sobrenatural. E num momento o céu desapareceu, criando a sensação claustrofóbica de uma caverna subaquática.

-- Você não é Mikoto, não é? Quem é você? – Takako falou para se distrair. Naturalmente, a hitodama não disse nada, mas a jovem ouviu vozes aparentemente vindas de cima, sussurros tão baixos que precisava se esforçar para captar algumas palavras soltas:

-- Decepção.

-- Armas vivas.

-- Reprogramados e melhorados.

A hitodama parou atrás da jovem miko, como que esperando à distância para não se envolver. Agora logo acima da cabeça de Takako, só iluminava um pequeno trecho adiante, depois havia só um breu impenetrável.

-- O que foi? Quer que eu vá sozinha?

O orbe fez um pequeno movimento que se assemelhou a um aceno de cabeça. Takako suspirou fundo e seguiu em frente.

Seus olhos não demoraram a se adaptar ao escuro, e a jovem distinguiu o formato de uma pessoa pequena encolhida abraçando os joelhos, os cabelos negros soltos encobriam seu rosto e escorriam pelo quimono. O alívio encheu o peito de Takako.

-- Que bom que te encontrei, Mikoto! Vamos sair logo daqui e voltar para casa – ela exclamou, mas a menina não se moveu – Ei, está me ouvindo?

Mikoto se encolheu à aproximação da jovem e virou o rosto para o outro lado, os ombros trêmulos e a voz rouca ao falar:

-- Não sou uma pessoa, sou um instrumento. Para ser usada contra o mundo. Reprogramada e melhorada de acordo com a conveniência.

Takako não entendeu o que ela falava, mas supôs que tinha a ver com ter descoberto sua família biológica ali, como previra, e a verdade fora dolorosa demais.

-- Ei, nós não nos importamos com quem são seus pais ou se a sua família não é boa. Não é isso que nos define, Sayuri disse isso antes, não lembra? – ela pôs a mão no ombro de Mikoto, e no instante em que a tocou, foi como se um choque elétrico passasse por seu corpo.

A memória de Mikoto fluiu para a mente de Takako, e a jovem viu como um filme dentro de sua cabeça tudo que Akumi revelara e como a menina se sentira com tudo isso. Havia uma pequena lacuna na lembrança logo depois, seguida pela visão da cena de pouco tempo atrás, na qual Mikoto usara sua naginata contra os próprios amigos.

Takako afastou a mão, ofegante e sem palavras. Soluçando, Mikoto ergueu o rosto para olhá-la pela primeira vez, e aquela não era a Mikoto que ela conhecia, mas uma versão mais nova, uma criança que não devia ter mais de cinco anos.

-- Nasci dentro de uma máquina, não tenho pais. Eu não nasci em uma família, fui feita. Fabricada com o objetivo de desgraçar vocês e o resto do mundo – e enterrou o rosto nas mãos, soluçando com mais força – Pensei que seria a sacerdotisa do céu, como a Sayuri disse uma vez, mas não sou. Sou uma tempestade que destrói tudo abaixo dela.

Por algum tempo Takako só conseguiu olhar para a diminuta amiga com pena, e ao mesmo tempo admiração por ainda ter tido força para se portar contra Akumi depois de saber a verdade. Aquela pequena menina se provara muito mais forte do que pensara.

Mas agora ela estava quebrada, consumida pela culpa de seu nascimento e pelo que fizera sob o comando de Yasha. Também estava dolorosamente dividida entre o desejo de voltar para os amigos e todos que amava, e o medo de ser uma ameaça para todos caso o fizesse.

-- Como pode pensar uma coisa dessas? – Takako a segurou pelos ombros para encará-la – Como pode ser uma ameaça se tudo o que fez só nos ajudou? Eu e Sayuri não teríamos chegado nem na metade do caminho se você não estivesse conosco. Quem descobriu sobre a Yasha? Quem lutou contra youkai com mais coragem do que imaginávamos que tivesse? E quem sempre fez o que nós não pudemos?

Ela precisou parar para recuperar o fôlego. Mikoto a encarava de olhos arregalados.

-- E como alguém que fosse perigosa seria uma miko tão digna? Ou uma irmã caçula tão maravilhosa, que todo mundo quer de volta?

-- Então se eu voltar...

-- Todo mundo vai te receber como membro da família. E se algum youkai tentar encostar em você, nós vamos te proteger. É isso que irmãs mais velhas fazem.

Os olhos de Mikoto se marejaram de novo, e ela jogou-se em Takako num abraço. A jovem ficou surpresa no início, mas retribuiu o gesto, e quando a menininha se acalmou e parou de soluçar, Takako a pegou no colo e falou suavemente:

-- Vai ficar tudo bem.

A saída do abismo foi muito mais rápida que a entrada, e ao chegarem à praia, Sayuri ainda lutava contra os youkai, cansada e ofegante, recuando cada vez mais perto da entrada da fenda.

Mikoto se assustou e estendeu a mão para a jovem, quase caindo do colo de Takako. Instantaneamente os youkai desapareceram como a chama de uma vela que se apaga. Sayuri sorriu aliviada ao ver a prima bem, e não disfarçou o susto com a visão da criança em seu colo.

-- Mikoto? – perguntou boquiaberta. Takako assentiu e a menininha acenou timidamente, e Sayuri precisou processar a surpresa mais depressa do que gostaria – Certo... E onde está a hitodama?

-- Ela desapareceu? – Takako não tinha certeza de quando isso acontecera, talvez quando voltavam da fenda, mas como a luz se apagara sem que ela percebesse? Devia estar muito distraída com Mikoto para ter deixado isso passar.

-- Tem algo estranho acontecendo – Sayuri apontou para cima.

Nuvens de chuva se condensavam no céu fraturado, e as pérolas das duas mais velhas começaram a brilhar.

As três contemplaram as nuvens agora trovejantes se dividirem no formato de dois dragões e adquirirem cor, um verde e um amarelo. As primas reconheceram-nos das ilustrações que viam desde crianças, tanto em livros e pergaminhos da biblioteca quanto em murais da escola; os dragões celestiais que auxiliaram no banimento dos youkai para a outra dimensão e cederam suas pérolas às miko do clã Kairiku.

Takako pôs Mikoto no chão e prostrou-se em respeito aos seres divinos. Sayuri fez o mesmo, e Mikoto as imitou. Todas se faziam a mesma pergunta: "como isso pode estar acontecendo?!"

-- Não podemos mais nos comunicar diretamente pelo mundo físico, mas ainda estamos ligados ao mundo adormecido. Os corações de todas as detentoras das pérolas estão reunidos em um nível de consciência mais profundo do que já aconteceu em séculos – a voz do dragão verde se assemelhava ao ribombar de trovões – E foi o que nos permitiu falar diretamente a vocês.

Um pouco hesitante, as três se puseram de pé e olharam para os seres celestiais. Somente as cabeças e a parte superior de seu tronco eram visíveis por baixo das nuvens, o restante de seus longos corpos ondulava quase que infinitamente pelo céu, cuja cor acinzentada contrastava com o brilho colorido de suas escamas.

-- O que as traz aqui? – Takako perguntou num quase sussurro. Foi a vez do dragão amarelo se pronunciar, sua voz tão imponente quanto a do outro.

-- Entregar a última peça necessária para devolver à miko do céu seu coração. A verdade que remete ao dia em que recebeu sua pérola.

Da mesma forma que quando Takako tocou Mikoto e viu suas memórias, imagens surgiram nas mentes das três, de uma tempestade em alto mar, e uma pequena canoa velha e desgastada mal flutuando em meio às ondas que atingiam metros de altura.

Dentro da canoa um bebê chorava, vestido em trapos e completamente encharcado, sem esperança nenhuma de sobreviver. Mas como se o mar ganhasse vida, as ondas passaram a desviar da diminuta embarcação, e o vento a empurrou. A canoa deslizou tranquilamente entre as ondas até encalhar numa praia.

Uma pérola azul-celeste desceu das nuvens junto com as gotas de chuva e caiu ao lado da canoa encalhada. Pescadores que passavam viram o brilho azul e correram para ver o que era aquilo, para encontrar a criança que viria a ser Mikoto.

A visão se desvaneceu, e as três estavam novamente diante dos dragões celestiais.

-- Foram vocês que salvaram Mikoto da tempestade e a levaram para Iruka – o tom de Takako demonstrava sua surpresa.

-- Uma de nós a julgou merecedora. Ela nos orientou que poupássemos sua vida, e cedeu-lhe a própria Hoshi no Tama.

A hitodama azul reapareceu diante de Mikoto, encolheu até o tamanho de uma pérola e se acomodou no cordão em seu pescoço. Os dragões se tornaram nuvens novamente e se desfizeram, e o céu voltou ao seu estado acinzentado.

-- Isso foi incrível! – Sayuri pulou de empolgação – Os dragões sagrados falaram diretamente conosco, acho que é a primeira vez que isso acontece desde o banimento dos youkai! Ninguém em casa vai acreditar na gente, não é, Takako?

Mikoto ainda fitava a pérola, agora em sua mão, seu rosto infantil refletido na superfície perfeitamente lisa, congelado numa expressão indecifrável. Ela acomodou a pérola em seu devido lugar e ergueu o olhar para Takako e Sayuri, que aguardavam ansiosas por um pronunciamento seu.

-- Acho que estou pronta para voltar para casa – disse com um sorriso.

Sayuri tirou Mikoto do chão e rodopiou com ela antes de puxá-la junto ao peito, ambas rindo de prazer. Depois Takako se juntou a elas no abraço.

Mikoto levou a mão à pérola, que brilhava com cada vez mais intensidade, e ao seu redor o mundo rapidamente se consertava e voltava a ter cor.

Continue Reading

You'll Also Like

37K 3.8K 7
[Vencedor do Wattys 2017]No ano 1451 do reinado de Munjong, a jovem Song Hyo Joo se prepara para ingressar no palácio e participar da grande seleção...
611 67 31
Um fantasma de outro século e um detetive que não confia em ninguém estão prestes a entrar em uma missão arriscada e se envolver em uma relação impos...
38.8K 7.1K 38
Título: Meu chefe é o cachorro que adotei Autor(a): Ryuu Tsuyoi Status: Em andamento Gênero: BL, Novel, Moderno, CEO, Fofura, Fantasia, Magia, Fera...
2.9M 204K 86
Livro 1 - Completo | 2 - Completo | 3 - Em andamento No dia do seu aniversário de 18 anos, Aurora Crayon sentiu o chamado do seu parceiro, enquanto...