Refugiados

By laracampoos

48.5K 2.3K 476

Após sofrer com o horror da guerra contra a Capital, a morte de Prim e o rótulo de assassina que havia coloca... More

Capítulo 1 - Eu sei o que quero
Capítulo 2 - Morfináceos
Capítulo 4 - Meu Amor
Capítulo 5 - Eu tenho escolha?
Capítulo 6 - Promessas
Capítulo 7 - Nós somos a lei
Capítulo 8 - Refugiados
Epílogo - Futuro

Capítulo 3 - O médico e o monstro

5.6K 230 49
By laracampoos

Uma semana havia se passado. O colchão que anteriormente vivia estendido pela sala dos Everdeen deu lugar a um tapete bastante valioso vindo da capital. Um dos presentes de Effie, que fazia questão de que Katniss o aceitasse. Apesar de sentir um certo incômodo nos olhos dela ao receber o suntuoso agrado, Katniss não dissenão à gentileza. Aquele tipo de luxo nos lembrava a Capital. A antiga Capital, que agora era substituída por escombros e restos mortais. Mas aos poucos, sendo removidos com a ajuda das mãos de cada trabalhador de Panem e reconstruída como centro administrativo de nosso país.

Eu, por outro lado, ainda estava ali todas as noites, apesar de perder minha cama. Nada do que eu viesse a reclamar, afinal meu novo leito passara a ser ao lado de Katniss, todas as noites, guardando-a em meu abraço. Aos poucos podia sentir a camada de gelo se quebrando entre nós. Nossa recente aproximação, nosso sexo, nossos dias: tudo parecia se tornar real, de fato, à medida em que Katniss passava a sorrir para mim com mais frequência e que os telefonemas de seu médico - o tal que cuidava de sua desorientação mental– passavam a ser mais rápidos, simples e menos forçados. Ela estava melhorando de verdade. E eu também, consequentemente.

Gale havia voltado há dois dias ao Distrito 12. Uma incursão de homens do Distrito 2 havia sido chamada ali para que pudessem realizar uma espécie de censo, contando quantos moradores ainda restavam em meio a tanta destruição e quantos tinham a intenção de constituir família. A maior preocupação de nossos novos representantes seria, obviamente, povoar Panem. As mortes intermináveis, frutos de uma rebelião tão libertadora quanto sanguinária, assolara nosso contingente e ameaçava destruiu aos poucos o que sobrou. E cada vez que tal ideia inundava minha cabeça, a imagem de Katniss carregando uma criança me enchia os olhos.

_Qual é a do brilho nos olhos, hein? - perguntou-me Katniss sorrindo com a boca cheia de um pedaço do bolo de cenoura que eu havia preparado no dia anterior -.

_Nada não, só uma ideia boba.

_Peeta, suas habilidades de mentir podem ser ótimas - ela postou uma da mãos em meu ombro direito - mas, agora, não tá colando.

_Sou um ótimo mentiroso, então? Quehabilidade esplêndida - ironizei a palavra retribuindo seu sorriso -.

Katniss continuou em silêncio, firmando seus olhos em mim e em seguida cruzou os braços sobre o peito, recolhendo o afago e fechando o semblante.

_Ok, olha… você sabe que Gale está aí…

_Sim, eu sei.

_E você não vai vê-lo? - fugi do assunto. Ela abaixou o olhar, soltou os braços sobre a mesa e suspirou uma única vez -.

_Não consigo - respondeu-me -.

_Porque não?

Eu sabia exatamente o porquê. Ela nunca teria a coragem de dizer a ele que havia me escolhido. Nunca olharia em seus olhos com sinceridade e talvez nem com tanta certeza, afirmando nosso amor e esperando que ele a parabenizasse e desejasse uma vida feliz e próspera.

_Eu só não posso.

Apertei os lábios e respirei fundo, levantando-me da mesa e levando os pratos à pia.

_Peeta…

Sua voz suplicante parecia ter um tom de pedido de desculpas, mas ela, também, não seria capaz de proferir tais palavras.

Ignorei a pergunta de Katniss, retribuindo sua falta de resposta. Voltei à minha casa para passar o dia em meu ateliê. Há tempos eu não girava a maçaneta daquele cômodo, ainda cheio dos quadros retratando meus dias nos Jogos. Nada daquilo era reconfortante mais. Expôr meus medos não mais era uma terapia: eles simplesmente não conseguiam ultrapassar as barreiras de meu crânio, presos e torturando-me a cada flash que se instalava em minha memória, repentinamente. Separei todos os pincéis velhos, organizei-os em uma sacola de plástico e coloquei-os no lixo. Talvez eles estivessem ali para me caçoar e mostrar o quanto minha capacidade de me curar através da arte também havia envelhecido.

Decidi me fechar em minha cozinha, então. Nenhum dos moradores do Distrito 12 sobreviveriam aos nossos dias de adaptação à nova democracia se não se alimentassem e, ainda assim, muitos deles não sabiam caçar, o que colocava sobre meu colo - não que isso fosse, de fato, incômodo - o fardo de produzir parte da comida e ajudá-los, distribuindo pães principalmente às crianças.

O papel de Paylor, nova governante do nosso país, seria bastante decisivo naquelas primeiras semanas pós guerra. Como dividiríamos nossos, agora chamados, estados, quem produziria, quem seriam os militares, como seria nosso sistema de saúde, nossas novas leis e nossa reorganização como sociedade. Essa nova integração e participação dos Distritos fazia parte da tal democracia que Plutarch havia nos dito significar o poder emanando do povo. E o fato de estarmos agora ligados fazia com que dependêssemos um dos outros. Nada funcionava de forma setorizada mais. Havia agricultura em todos os estados, trabalhadores de minas, pescadores, etc. Obviamente cada local possuía sua vocação, mas o leque de possibilidades havia se expandido e o novo governo planejava criar um sistema único de atendimento, saúde e educação para toda Panem.

Alguns dos nossos conterrâneos, caleados por tantos anos de opressão, viam naquela nova forma de poder um autoritarismo disfarçado. Katniss, em seu cansaço mental para tantos joguetes políticos, ainda acreditava que era da natureza humana instituir formas de poder coercitivas. Plutarch havia dito isso a ela. Eu não me preocupava tanto, apesar de temer nossos velhos tempos mais uma vez. Faria meu papel, ajudaria quem precisasse ajudar e, com isso, estaria ajudando a mim mesmo, ocupando minha mente e afastando meus demônios.

~

Alguém batia na porta da frente de minha casa. Talvez Katniss estivesse arrependida por sua não-resposta e estava ali, com o rabo entre as pernas tentando proferir as duas palavrinhas mágicas. Fui até a sala e ao atender, Gale é quem se postava a minha frente, carrancudo, mas com os olhos serenos.

_Oi, Peeta.

_Ei - foi só o que pude dizer -.

_Posso entrar?

Estendi uma das mãos abrindo caminho a Gale e pedi que ele se sentasse em uma das poltronas de minha sala. Não era exatamente confortável tê-lo ali. Nunca fomos próximos. Gale não fazia parte do meu círculo de relações e nosso amor pela mesma mulher ainda dificultava essa aproximação.

_Pois bem - começou ele - Precisava muito falar com você.

_Porque não Katniss? - respondi seco -.

_Katniss não é exatamente a cabeça pensante do casal.

Sorri repuxando os lábios, meio saudosista, meio sarcástico. Gale me acompanhou, sem muito entusiasmo. A palavra casal ainda ressoava em meus tímpanos.

_Você sabe que viemos, eu e alguns companheiros, do Distrito 2 até aqui à serviço do governo, não sabe?

_Sei, sim. Plutarch nos disse.

_É sobre isso que preciso falar com você.

Gale respirou fundo parecendo se perguntar se era mesmo aconselhável falar comigo. A dúvida franzia seu cenho.

_Olha, nós não viemos aqui fazer censo nenhum. Quando decidimos pelos Jogos em nome de uma vingança contra a Capital…

_Eu não decidi isso - interrompi-o -.

_Que seja. A maioria decidiu. E sendo isso decidido, todos sabiam que haveria um preço. Acontece que um dos moradores da antiga Capital soube dessa decisão antes da hora e matou um dos nossos cidadãos a facadas e fugiu.

Meus olhos se inquietaram subitamente. Uma reação era esperada, dos moradores da Capital, mas algo nessa magnitude preocupava o governo, certamente.

_E como isso pode ser problema meu? - indaguei-o -. Quero dizer, porque isso trouxe vocês até aqui?

_Um dos nossos companheiros disse ter ouvido pelo comércio que o tal assassino fugiu num trem de carga que vinha da Capital até aqui.

Agora tudo fazia sentido. Um assassino no Distrito 12. Mais uma mente desorientada em nosso tão acolhedor espaço.

_E o que vocês pretendem fazer? Como eu poderia ajudar?

_Não espero que nos ajude em nada. Queria só que você soubesse - Gale hesitou um pouco - E protegesse Katniss, alertasse ela. Nós sabemos que ela é um alvo pra qualquer um que se rebele contra o governo, agora.

_Apesar de ela mesma ser uma rebelde contra isso tudo - salientei -.

_Apesar da rebeldia - reafirmou Gale, preocupado -.

_E qual é o nome desse homem, como ele é?

_Saiba que ele tem mais ou menos minha altura, tem a pele clara, olhos negros e os cabelos raspados.

Gale estendeu a mão para mim e também o fiz, num cumprimento respeitoso. Ao sair pela porta da frente suas preocupações e cautelas ficaram ecoando em minha cabeça. “Saiba que ele tem mais ou menos minha altura, tem a pele clara, olhos negros e os cabelos raspados”. Afinal quantas pessoas em Panem podiam ter essa mesma descrição?

Balancei a cabeça relutante e tapei os ouvidos por alguns segundos. Minha casa não era um lugar seguro para mim mais. A solidão nunca é segura. Saí pela porta da frente, então, evitando entrar para a casa dos Everdeen, e dirigi-me ao centro do que restara do Distrito com uma sacola cheia de pães. Onde antes se instalava o Prego, queimado pelos pacificadores na mudança de posicionamento da Capital em relação à severidade da punição aos Distritos, agora havia uma espécie de cobertura sustentada por quatro vigas grossas, largamente espaçadas e que erguiam teto sobre um terreno de cerca de 800m². Ali, os ajudantes nomeados pelo governo a reerguerem nossas casas juntavam material de construção, contêineres para uma espécie de estocagem de comida e havia também uma reunião de médicos, para atendimentos urgentes.

Adentrei o local direcionando os passos para os contâineres e Haymitch se encontrava ali, de conversa mole com uma das moças que parecia ter vindo da Capital recentemente.

_Ei, Haymitch - saudei-o -.

_Olha só meu garoto - e me abraçou como se não nos víssemos há anos. Com certeza ele tentava impressionar a moça -.

_E então, como vai tudo por aqui?

_Tudo ótimo, queridinho. Conhece a bela Susan?

_Não, não. Prazer - estendi-lhe a mão -.

Educadamente Susan sorriu e se afastou um pouco de nós para guardar os pães que eu havia levado.

_Qual é a nova, vai contribuir pra o povoamento de Panem, agora?

Sorri, como só conseguia fazer ao redor de Haymitch, e em troca recebi um soco no braço esquerdo.

_Aw! O que foi, cara?

_Estou tentando conseguir alguma informação sobre o… fugitivo - Haymitch se aproximou e sussurrou sua última palavra.

_Então você também sabe…

_Sei sim. O namoradinho da Katniss me disse.

Namoradinho da Katniss? Haymitch só podia estar de brincadeira comigo.

_Primo - ele sorriu meio sem jeito, percebendo a burrada que acabara de fazer, mas ainda assim tentando fazer uma piada -.

_Nós estamos juntos.

Haymitch sorriu como se tivesse ganhado um prêmio.

_Mas que coisa explêndida, meu querido! Vocês já…?

_Cala a boca, seu bêbado - soquei seu peito e ele cambaleou para trás ainda sorrindo -.

_Qual é, Peeta? Não vai contribuir para o povoamento?

Haymitch sabia como me irritar. Usando de minha palavras contra mim mesmo. Mas eu não estava ligando. Katniss e eu havíamos, sim, feito sexo muitas vezes durante a última semana - até vezes demais - e era simplesmente maravilhoso tê-la daquela forma, todos os dias. Cada dia que se passava, permanecíamos mais tempo dentro de seu quarto, jogados na cama, como se aquela fosse a única coisa que podíamos fazer para passar nosso tempo. E a verdade era que sim: só havia aquilo. Katniss, à minha frente, nua e completamente vulnerável: meu antídoto.

~

Voltei para casa pela estrada onde alguns caminhões passavam com tijolos e blocos de concreto e quando estava me aproximando da Aldeia dos Vitoriosos, vi-me sozinho caminhando. Um vento frio bateu em meu rosto, como se a natureza estivesse me alertando para algo hostil. Apertei os passos, podendo já sentir que algo de ruim estava para acontecer e quando estava a cerca de 300 metros de minha casa uma mão quente puxou-me pelo ombro esquerdo.

_E então, meu paciente preferido?

A voz grossa e rouca dele era inconfundível. Aquilo não era possível. Não agora.

Não!

Continue Reading

You'll Also Like

18.2K 1K 35
Obra do francês Gustave Flaubert.
159K 9.8K 30
Isís tem 17 anos, ela está no terceiro ano do ensino médio, Isis é a típica nerd da escola apesar de sua aparência não ser de uma, ela é a melhor ami...
103K 8.1K 47
Suas frases, medos e citações estão aqui. São lembranças. Mantenha Hannah viva, mas especialmente quem está ao seu redor.
853 154 38
Os novos guardiões buscam descobrir onde os pedaços de Caos estão para evitar uma catástrofe e logo o jovem Rei se vê em um problema maior quando Her...