Meu Romance Proibido

By DaiGuima8

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[+16] Era para ser apenas uma noite de ano novo, mas o destino tem planos controversos e questionáveis. Em p... More

Capítulo 1 - Réveillon
Capítulo 2 - Novo começo
Capítulo 3 - Beco
Capítulo 4 - Vênus
Capítulo 5 - Fim da noite
Capítulo 6 - Loft
Capítulo 7 - A louca da Vic
Capítulo 8 - Amor ou negócios?
Capítulo 9 - Murphy
Capítulo 10 - É você
Capítulo 11 - A entrevista
Capítulo 12 - Barzinho
Capítulo 13 - Refrigerante de uva
Capítulo 14 - Não me ligue
Capítulo 15 - Flashback
Capítulo 16 - Niklaus
Capítulo 17 - Entre amigos
Capítulo 18 - A Carta
Capítulo 19 - Eu senti sua falta.
Capítulo 20 - Não posso
Capítulo 21- Dias difíceis
Capítulo 22 - De novo não
Capítulo 23 - Que desaforo
Capítulo 24 - Maré de azar
Capítulo 25 - Se não sabe brincar, não brinca.
Capítulo 26 - Escolhas egoístas.
Capítulo 27 - Trouxe-lhe o café que pediu.
Capítulo 28 - Há possibilidades
Capítulo 29 - Chega de blocos
Capítulo 30 - Pecando por prazer
Capítulo 31 - Maremoto
Capítulo 32 - Decida um caminho
Capítulo 33 - Você ainda o ama.
Capítulo 34 - Você por aqui.
Capítulo 35 - Nem tudo é o que parece ser
Capítulo 36 - EU NÃO ACREDITO
Capítulo 37 - Nem tão boa aluna
Capítulo 38 - Vozes de um passado
Capítulo 39 - Aquilo que não vi
Capítulo 40 - Interpretações
Capítulo 41 - Declínio sabor Laranja
Capítulo 42 - Carma
Capítulo 44 - Um otário com razão
Capítulo 45 - Que comecem os jogos!
Capítulo 46- Turbulência de Sentimentos
Capítulo 47 - Consequências

Capítulo 43 - Contraditório

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By DaiGuima8

Kate

tic-tac, tic-tac, tic-tac...


O ruído que vinha do grande relógio pregado na parede indicava que o tempo estava passando, enquanto minha atenção permanecia fixada nos números pequenos do calendário de mesa ao lado do computador e do meu suco de maracujá. Fazia dias que não conseguia colocar uma gota de suco de laranja na boca e o maracujá ajudava a acalmar meus ânimos ou pelo menos, era o que esperava sempre que tomava.

A luz amarelada do escritório fazia sombra nas canetas que continham o nome da construtora gravada, sempre organizadas dentro de um potinho preto que vire e mexe derrubava quando Vitor aparecia de repente e me assustava. Hoje meu chefe chegou cedo, com a cara mais amarrada que o comum e já fazia quase quarenta minutos que ele deixava o senhor de terno azul esperando sentado em uma das poltronas a minha frente.

Karen estava dentro da sala com ele, ora ou outra saia e pedia paciência para o homem que aguardava, parecia apreensiva. Se pudesse chutar, a mesma tentava apaziguar alguma situação e com essa possibilidade só podia pensar que o projeto, qual dei a ideia, podia estar causando todo aquele rebuliço. Sr.Vitor culparia a mim se algo desse errado?

Entreguei o relatório há semanas, só agora eles começaram a execução. Segundo Karen, minha ideia foi o pontapé, carecia de muitos ajustes e correções obviamente. Vitor nada expressou sobre o assunto, sequer me deu um obrigada e dificilmente o faria, era difícil imaginar tais palavras saindo da boca daquele mal humorado.

- Senhorita? - o senhor de voz calma se manifestou, tirando minha visão do calendário para focar em seu rosto de quarenta e poucos anos. - Acha que irá demorar muito?

Sua expressão cansada e falta de cabelo demonstrava que talvez o desgaste de anos de trabalho estivesse o consumindo, jugando a paciência que apresentava ao aguardar naquela recepção e a educação em sua voz, realmente necessitava da oportunidade de conversar com o diretor. Por mais bem vestido que estivesse, existia traços humildes em seu rosto diferente de muitos que já vi por ali. Se ainda estivesse com meu bloquinho de anotação, diria que parecia alguém confiável.

- Não senhor. Tenho certeza que o sr. Gates logo irá o atender. - deixei um sorriso brotar em meu rosto, na tentativa de disfarçar a clara situação caótica que estava acontecendo dentro do escritório do meu chefe. - Gostaria de mais uma xícara de café?

Sinalizou negativamente ajeitando-se na poltrona em frente às grandes persianas, não acreditando muito em minhas palavras.

Talvez, eu mais do que aquele homem, esperava o fim da discussão. Nas últimas semanas fiz do meu trabalho o foco principal, cheguei cedo todos os dias e ajudei Karen com coisas que antes não me arriscaria a fazer. Conheci melhor as pessoas dos outros andares e setores, agora chamavam-me de menina prodígio. Claramente muita gente esnobe, alguns com postura um tanto duvidosa pendendo a falsidade, já outros eram tão receptivos que me faziam querer trabalhar mais horas por dia e poder ir tomar um cafezinho a tarde com eles, me sentia adulta.

Apenas aqui percebia certo controle e por isso não poderia desandar, precisava que as coisas estivessem bem no trabalho. Esforcei-me tanto para convencer Vitor me aceitar ali, que já até acostumei com sua cara fechada, só não conseguia aceitar sua grosseria e tentava ao máximo tolerar.

No momento em que passo pela porta da empresa e dou de cara com a avenida cheia de carros meus problemas voltam a atormentar minha cabeça, apenas coloco no piloto automático, de novo, quebrando a promessa que fiz a mim mesma na virada desse ano.

Quando não estava no trabalho ou correndo para finalizar alguma atividade escolar com antecedência focava em estar com a minha família, jogando conversa fora com Cass tentando ser uma boa irmã, me aproximando dos meus pais os dando o máximo de atenção e os ajudando com algumas coisas diárias. Minha família esperava ansiosamente pela alta da Cami e Madalena, nome escolhido pela minha irmã para sua primeira filha, agradeci fortemente a Deus a escolha ter sido feita por Camila, já que o Luan havia sugerido Deusarina, para homenagear sua avó.

Pouco mais que três semanas no hospital, a nova integrante precisou ganhar peso antes de ir para casa, hoje teriam alta. Fui visitar as meninas no hospital cinco vezes, a família se revezava, os papais de primeira viagem precisavam de ajuda, pois Cami também se recuperava da cirurgia e Luan era um pouco desastrado.

A escola estava cada vez mais sufocante, já fazia uma semana que faltava consecutivamente. As discussões internas sobre como não deveria me sentir era a grande atração da madrugada com Heitor estrelando como protagonista, por mais que evitasse qualquer tipo de contato com o mesmo.

Vê-lo em sala de aula era tortura, foi preciso autocontrole e uma leve dose de encenação para fingir que sua presença não me abalava durantes os últimos dias ou para ouvir a professora Susan que todos amam e idolatram. Ian e Matt só faltavam beijar o chão que ela passava e meu estômago não suportava mais ver aquilo e notar como a professora não ia com a minha cara, imagina se soubesse sobre Heitor.

Fiz todos os trabalhos e provas, o suficiente para garantir nota no bimestre e me ausentei nessa reta final. Todos os alunos só falavam da excursão, faziam seus planos e escolhia com quem sentariam no ônibus, Ana me fez prometer que iria, sabia que não planejava ir e agora me pegava a procura de uma desculpa cabível para ficar em casa sem meus amigos acharem que havia algo de errado comigo. Uma viagem em amigos, para um lugar com ar puro, uma ideia tentadora se não soubesse quem estaria lá.

Apenas me afastei, esquivei de tudo em relação a ele. Sua falta de resposta ainda me machucava, sua omissão ainda me deixava com raiva e seu olhar dentro daquele carro escuro a semanas atrás ainda me deixava curiosa, o que ele viu? Não ousei perguntar, pelo modo como fuzilava Théo em sala de aula julgava que alguma coisa claramente viu e queria saber o que se passava na cabeça dele.

Foi estranho tentar explicar a Theo que o que foi dito na ligação não mudava nada entre nós, não tive coragem de dizer que foi engano e pela primeira vez desde aquela festa na casa do Castro sentir que quem devia desculpas era eu, mas meu orgulho foi maior.

Théo parecia estar com raiva, suas palavras ríspidas eram notadas e isso me incomodava, agora era ele que me evitava como se eu fosse uma pessoa má e tóxica. Mais um motivo para não ir ao acampamento, somando-se duas pessoas que não queriam me ver nem pintada de ouro.

- KATHARINE!!! - meu nome foi dito com clareza e precisão de repente, dei um leve salto. Foi instintivo meu espanto, segurei o apoio da cadeira com pressa para que não tremesse em frente ao homem que saiu do escritório a passos largos parando ligeiramente em minha frente, com as mãos na cintura desajeitado por conta do seu terno preto. - Como você sabia?

Desaprendi a falar, seus olhos azuis eram ameaçadores, a pressão me fez prestar atenção nos traços que normalmente não eram notados por mim, já que nossas conversas eram curtas e grossas. O ver de tão perto fazia-me enxergar ainda mais a sua beleza e novamente seus traços de certa forma lembravam-me Heitor, Vitor parecia um pouco mais velho, não tinha tanto músculos quanto o professor, era mais alto e com certeza era mais intimidador. Droga. Não era uma boa hora para lembrar daquele idiota.

- Perdão? - foi a única palavra que consegui formular sem saber do que ele falava.

- Como você sabia que o Senhor Ramalho não era de confiança?

Meus ombros caíram, não por alívio e sim por confusão. O que o senhor Ramalho tinha haver? Já fazia tanto tempo desde que defendeu o parceiro de negócios, desde então nada mais falei não cabia a mim intrometer em tal assunto, como ele mesmo palestrou.

- Não fiz essa acusação. - negaria até a morte, observando Karen se posicionar ao lado dele. - Foi uma observação pessoal.

Pressionou os olhos com seus dedos impaciente ao me ouvir dizer, ainda com uma mão na cintura deixando a vista seu tag heuer. Seu cabelo preto sempre tão perfeitamente alinhado, estava com uma mecha pendendo em sua testa, deixando claro que sua raiva queria transbordar.

- Kate, apenas responda à pergunta. - Karen aconselhou com sua voz cautelosa e as mãos em frente a barriga que começava a ser notada. - O problema não é com você.

Aquela afirmação fez com que meu peito deixasse o ar sair, como se recalculasse a rota. Então se não estou encrencada, por que o diretor executivo me encarava tão seriamente?

- Abra a boca garota! Você está deixando-me impaciente, diga logo como você sabia sobre a conduta dele. - Vitor aproximou apoiando suas mãos no balcão, seu maxilar quadrado como o de Heitor mantinha-se pressionado e suas sobrancelhas grossas tão juntas que era difícil diferenciá-las.

"Abra a boca garota" esse foi o estopim.

- EU SEI LÁ. - levantei exasperada, aquela pressão repentina era inadmissível e não funcionava muito bem pressionada, normalmente esse era o momento que a minha calma e sensatez eram esquecidas. - Já disse! A expressão dele dizia tudo, estava bem na sua frente. Deixa-me adivinhar? Ele te pregou algum golpe? Te traiu? Não é de se surpreender, você se diz tão inteligente, mas te falta sensibilidade. Seu ego e superioridade te cegam e te torna uma pessoa fácil manipulável por qualquer um que tenha o mínimo de poder na mão, basta a oportunidade.

Karen levou a mão a cabeça deixando seus olhos fecharem, como se lamentasse a minha morte. Não me deixei pensar em como passei do limite de repente, ele havia feito isso primeiro e independentemente do poder dele ali, não iria amaciar seu ego.

Lentamente tirou as suas mãos grandes e de veias saltantes da mesa se afastando, ainda com sua visão cravada em mim.

- Você está me dizendo que chegou a essa conclusão porque seguiu seu... - esticou os braços antes de o segurar em frente ao peito. - Coração?

O sarcasmo era bem nítido.

- Deboche o quanto quiser. Ter sensibilidade não é uma fraqueza, pelo contrário, bem administrada é a maior riqueza que alguém pode ter. Se discorda, então me responde se ser frio e calculista está dando certo pra você? - desafiei perdendo o último fio de noção que me restava. Devia urgentemente aprender a segurar minha língua em momentos assim.

- O que uma garota como você sabe? Você não tem idade nem para esta do outro lado desta mesa.

- E você não tem idade para estar comandando esta empresa. Mesmo assim está aqui, não está? - respondi, como se já não tivesse doida o suficiente.

- Cresci dentro desta empresa, sei mais sobre ela do que qualquer um aqui e não haveria ninguém melhor capacitado a estar à frente dos negócios, algo que você nunca saberá garota.

- Se o senhor desse a brecha de conhecer seus funcionários saberia que sou filha de um do mais influentes no ramo da assessoria de imprensa, conhecido pelo seu desenvolvimento na área. Cresci vendo meu pai modificar todo o método de assessoria, aplicando seus conhecimentos na área comportamental devido sua primeira faculdade, vulgo psicologia. Inevitavelmente aprendi muito com ele e ao atingir a maioridade tenho certeza que me adoraria ter ao lado dele, porém estou aqui, em uma empresa oposta para crescer por conta própria ao contrário de você. - assinei minha demissão.

- Então quer dizer que você é uma garota rica? - mesmo sem querer demonstrar era notável sua surpresa.

- O suficiente para não ter que ficar escutando suas ofensas.

Não era tão rica assim, apesar disso sabia que se saísse por aquela porta meu mundo não estaria arruinado. Questionava-me se minhas palavras o atingiram de alguma forma ou se não tinham feito nem cosquinha naquele ego inflado.

- Então o que faz aqui?

- Conheço meus privilégios, mas reconheço que são créditos do trabalho do meu pai. Quero ser responsável pelo meu crescimento, quero tomar minhas decisões, quero entender como as coisas funcionam e pra isso tive que sair da minha zona de conforto.

Ah que engraçado! Sair da zona de conforto, que mentira deslavada.

- E porque não um curso ou um intercâmbio? - questionou desconfiado.

A verdade é que queria o dinheiro, o empurrão para começar partiu do meu pai que cortou a mesada, acredito que na intenção que fosse trabalhar com ele, de todo modo respeitou quando me viu procurar emprego em outro lugar. Minha grade curricular era boa, fiz muitos cursos e estudava em uma escola boa, nunca optei por fazer um intercâmbio, não gostava da ideia de ficar longe da minha família ou amigos, ainda mais da Beka.

- Você mesmo disse. Sou jovem, estou em meio a tudo isso, não passou do tempo. - arrisquei dizer, aquela discussão tomou proporções rápido e o nervosismo batinha em minha veia.

- Karen. - chamou fazendo sua secretaria se endireitar, ainda era em mim que ele focava. - Leva a Katharine até o RH.

Não estava surpreendida, depois de tudo que saiu pela minha boca não restava dúvidas da demissão iminente. Merda! O que faria agora? Aqui havia se tornado meu refúgio. A pontada no meu estômago foi inevitável. Não deixei que meu semblante alterasse um traço sequer, sustentei a intensidade de Vitor como se fosse uma competição, mesmo sabendo que o melhor era pedir desculpas. Não o deixaria me diminuir, poderia até ir embora dali, só que antes diria boas verdades.

- Quebrem o contrato de aprendiz imediatamente. - exigiu com uma carranca na cara, não me restando dúvidas do veredito. - Quero oficialmente ela como secretária.

Sabia que me demit... ESPERA! O QUE? Pressionei os olhos e inclinei minha cabeça levemente em sua direção analisando sua postura a procura do sarcasmo naquela fala.

- Espera! O que? - Karen se espantou como se tivesse lido meu pensamento.

- Não se preocupe. - endireitou a gravata. - Você subirá de cargo quando voltar da sua licença maternidade.

Como quem não tivesse soltado as frases mais contraditórias repentinamente, começou a andar em direção a sua sala.

- Espera. - pedi fazendo-o parar quase ao meu lado. - O senhor está falando mesmo sério ou é algum plano pra me castigar?

Os passos curtos foram o suficiente para proporcionar sua aproximação. Estremeci engolindo a seco, sua beleza por si só já era intimidadora o suficiente e me fitar de tão perto parecia algum tipo de punição.

- O que foi? Está com medo de trabalhar diretamente com o egocêntrico? - sua boca se movia a poucos centímetros de mim. - Ou com medo de que eu não seja tão mal assim?

O silêncio se fez ao ouvir aquela pergunta, da minha boca nada sairia, apesar do meu coração bater tão forte que talvez eles pudessem escutar. Vitor se afastou devagar, sem pressa voltou para sua sala.

Tentei manter a respiração calma, não queria demonstrar qualquer tipo de abalo emocional. Karen e eu nos entreolhamos, ela parecia mais confusa ainda, que tipo de decisão foi aquela? Estava ali a quase seis meses, como poderia ser a secretaria de alguém?

- Só mais uma coisa. - Vitor voltou de repente. - Você disse que seu pai trabalha com assessoria de imprensa, quero alguém da área trabalhando conosco já! Isso que aconteceu por conta do Ramalho, não vai se repetir, estamos entendidos?

Tanto Karen quanto eu acenamos positivamente com a cabeça de imediato o observando voltar para sala, ao contrário da minha colega de trabalho, não fazia ideia do que Ramalho fez, acho que essa era a primeira coisa que precisava descobrir.

- Será que vai demorar muito? - uma voz masculina nos assustou, Karen deu um saltinho pra trás se virando e encaramos o senhor de terno azul que aguardava na recepção. Por aquele momento, o mesmo havia sido esquecido completamente.

Karen colocou a mão sobre o peito com o susto e soltou o ar soprando um fio do seu cabelo cacheado.

- Eu cuido disso. - avisou tomando coragem em voltar para a sala do sr.Vitor.

...


- Então quer dizer que agora você é oficialmente a secretaria do Chief Executive Officer da Construtora Gates? - Joey não era de muitas expressões faciais, mas ao dizer essa frase suas sobrancelhas erguidas revelavam sua surpresa.

Segurei firme o guidão da bicicleta, soltando o ar para manter o ritmo, enquanto o suor já começava a incomodar. Há tanto tempo não praticava um exercício físico que meu corpo começava notar a exaustão da atividade, apesar de não estarmos a muito tempo ali.

Costumávamos andar de bicicleta na praça nos domingos, conversávamos e sabíamos um sobre o outro. Quando Théo foi embora, Joey fazia questão de ir até minha casa e me arrastar para praça, queria me distrair e me motivar. No entanto, do início do ano pra cá isso simplesmente não aconteceu mais, talvez por minha culpa, sempre uma desculpa diferente para não sair com o meu amigo.

Acontece que o rapaz sempre foi misterioso, reservado até pra mim e nos últimos dias parecia estar ainda mais, por isso achei que não aceitaria meu convite e pra minha boa surpresa aceitou de imediato.

- Não acho que seja realmente isso, se ele está falando mesmo sério e isso não for um plano para me matar, acho que quer que eu trabalhe com mais coisas e o acompanhe tendo outras responsabilidades. - falei cortado devido ao cansaço entre pedaladas, a praça não estava tão cheia já que era uma quinta-feira à tarde. O tempo nublado, pretensioso a uma mudança de tempo e mesmo assim lá estávamos nós tratando aquele passeio como se fosse uma tarde de verão. - Quero dizer, a Karen ainda estará lá à frente de tudo, acredito que a tornará assessora dele.

- Não diminua sua conquista Kate. - alertou ainda concentrado no seu circuito, ergueu-se na bicicleta sentindo a liberdade em cima da mesma, ousando tirar uma das suas mãos do guidão e a passar em seu cabelo raspado na três. Seu novo visual era ainda mais atraente, dava mais destaque aos seus olhos claros. - Você merece e pode reconhecer isso.

Joey foi o primeiro a saber sobre a promoção, quando passei em casa para trocar de roupa e pegar a bicicleta meus pais ainda estavam no trabalho e Cass só Deus sabe por onde. Estava tão desconfiada sobre a decisão do meu chefe que tinha receio de sair espalhando a notícia.

Levantei a cabeça pela segurança que a linha reta a minha frente me assegurava, deixando sentir o vento soprar em meu rosto e clarear minha ideias, a calmaria que Joey proporciona ao meu ânimo era inexplicável, só dele está ali me fazia bem e só assim consegui enxergar a saudade.

O cheiro de cachorro quente não era bem o aroma que esperava, queria mesmo o cheiro do campo ou de rosas, só que o que podíamos esperar de uma praça no meio da cidade de São Paulo?

Sinalizou para que parássemos, não cansado, só notou minha exaustão. Sem pedalar pegamos velocidade pela pequena rampa até chegar no gramado, diminuindo aos poucos nos aproximando do nosso ponto preferido daquele lugar, a pista de Skate. Nenhum de nós andávamos de skate, mas havíamos tomado aquele lugar como nosso. Desci da bike e a deixei cair na grama, incomodada com a calça legging que me fazia sentir como se estivesse nua.

Joey sorriu sentando-se no mesmo banco em que bebi doses elevadas de suco de laranja batizado, agora aquela mistura me parece nojenta. Beka não falava com a gente desde aquele domingo de porre, Rafa contou que eles brigaram feio depois que passei pela porta e ele mostrou o pacote. Não precisei estar lá pra saber que Rafael a encurralou em busca de respostas do que fazia com aquela droga e conhecendo-a bem, sua reação foi defensiva e explosiva.

Meu peito apertou, recordando-me da ligação que recebi ontem à noite. A voz do Rafa era calma do outro lado da linha não por estar sereno, para me tranquilizar antes de qualquer coisa, o que não adiantou muito. Agora não existia mais volta, a ligação foi feita. Aguardávamos pelo efeito desta decisão e não conseguia imaginar qual seria a reação de Beka ao descobrir o que fizemos.

- A prova do quanto você merece esse trabalho. - voltou a dizer. Sentei-me ao seu lado. - É como você sumiu esses últimos meses.

O motivo não era só esse. Passei um bom tempo na cama de um certo professor, lembrar disso renovava a indignação e sendo bem sincera comigo mesma a falta também. Era torturante saber que cheguei a pensar em ligar para ele em tantas noites ou mandar uma mensagem, porque queria seu abraço.

Por sorte meu orgulho liderava essa disputa acirrada, Heitor me machucou e claramente não se importava com o que podíamos ser e era ridículo ter saudade do que não era recíproco.

As aulas de português antes minhas favoritas tornaram-se embaraçosas, faltava coragem de participar pelo simples fato de não saber se conseguiria falar com ele, já que apenas a sua voz era capaz de me atingir e fragilizar. Heitor parecia me ignora ainda mais, suas palavras eram curtas e grossas, seus olhos verdes nunca mais me fitaram como se entre todos aqueles alunos eu fosse invisível, não podia negar a dor que sentia por isso.

Em razão disso as noites se tornaram cruéis, quando botava a cabeça no travesseiro era seu rosto que via, quando sonhava era em sua cama que eu estava, quando acordava experimentava sua falta e me repreendia por isto. Portanto, foquei no trabalho, horas de conversas familiares e até como agora exercício físico, qualquer coisa que me distraísse e me trouxesse o cansaço para dormir à noite como uma pedra e não deixar ele aparecer na minha cabeça.

- Você anda diferente também. - mudei o foco, queria saber sobre ele, algo que não me lembrasse os meus problemas. - Como anda aquele seu namorado?

Esfregou as mãos na sua calça nike, era difícil saber o que se passava na cabeça daquele garoto sério e reservado.

- O Nicolas? - perguntou, sinalizei positivamente distraída com crianças que passavam correndo cobertas por blusas de mangas compridas, as mães não podiam ver o tempo virar um pouquinho que já enchia as crianças de agasalho. - Não estamos mais juntos desde o Carnaval.

Endireitei minha postura encarando-o que me olhava tranquilamente, como se aquilo não fosse nada demais. Nicolas foi seu primeiro namorado, por causa desse relacionamento Joey revelou para nós sobre sua sexualidade, coisa que não fez nem para o pai, muito menos para o irmão.

- Por que você não me contou isso? - perguntei e ele deu de ombros. - O que houve?

- Ele pediu um tempo.

- E o tempo está durando até agora? - meu tom de voz soou um pouco elevado.

- Me apaixonei por outra pessoa antes que decidisse algo. Então não voltamos.

Ual! Estávamos distantes, só que nos víamos todos os dias nas aulas. As conversas eram superficiais e normalmente Matt sempre cortava qualquer interação com suas piadas e palhaçadas, mesmo assim achei que quando algo importante acontecesse qualquer um deles me contaria.

Só não podia cobrar isso deles, já que era a mais mentirosa entre todos ali.

- Posso saber por quem se apaixonou senhor João Wesley? - tentei perguntar com a mesma naturalidade que ele dizia, era difícil, aquele dom era só dele.

- Às vezes esqueço que esse é o meu nome. - murmurou ignorando minha pergunta. - O único que me chama de João é meu pai e segundo ele Wesley é nome de boiola.

Não era nenhuma novidade os pensamentos ignorantes do seu pai, o mesmo não era uma pessoa ruim e tão pouco destrava o filho, por mais que não fosse a pessoa mais carinhosa do mundo, ainda assim seus discursos conservadores me davam dor no estômago. Depois da morte da sua esposa criou os filhos sozinho, quero dizer, junto com as madrastas temporárias que sempre arranjava. Aparentemente infidelidade era algo aceitável, já um homem se apaixonar por outro homem era incabível.

- Apenas minha mãe me chamava de Wesley. - continuou a dizer. - Respondendo sua pergunta: Não, não pode saber.

- Ele ainda não se assumiu? - ousei perguntar tentando analisar seu rosto com atenção em busca de qualquer sinal que pudesse interpretar aquela situação.

- Não. - pela primeira vez desviou o olhar, soube que aquele era o sinal. - E não sei se ele vai.

Poderia perguntar o porquê ainda insistia sabendo que o outro não se abriria de verdade para aquela relação, mas já sabia a resposta.

O puxei para o meu abraço e seu braço rígidos cederam com um sorriso no rosto ainda tentando deixar claro sua estabilidade emocional inabalável. Afagou meu cabelo mal amarrado e se afastou, dando um leve tapa em minha perna, porém uma mão estranha e vinda de outro ângulo me ergueu de repente fazendo-me ficar de pé.

- Ian? - o latino me segurava pela cintura e seus olhos castanhos claros miravam os meus.

- No te muevas! - paralisei o obedecendo pelo susto, o que estava acontecendo? - Há duas chicas buscándome.

- Tem o que? - me irritei e ele sacudiu a cabeça sacolejando seus fios de cabelo desgrenhado. - Fala direito!

- Cala la boca y me beija ahora. - antes que decifrasse seu dialeto sua boca cobriu a minha e meu olhos se fecharam imediatamente, as sobrancelhas erguidas demonstravam meu choque.

Não me movi e o beijo não teve movimento como se fosse um eterno selinho, suas mãos seguravam firme minha cintura e agora entendia o porquê as garotas gostavam tanto de Ian, seu lábio era macio e seu cheiro era envolvente, não nego a curiosidade que cresceu em dar espaço para sua língua entrar e descobrir o que aquele colombiano safado sabia fazer.

- A barra está limpa, deu certo. - Matt surgiu atrás de Ian de repente passando a mão em seu rosto e olhando em volta, enquanto Joey permanecia sentado sem entender o que acontecia, tão surpreso quanto eu. - Já deu parceiro, pode largar.

- ¡A DIOS GRACIAS! - glorificou soltando-me com seu sorriso gigante no rosto, tirou sua mão da minha cintura e segurou meus ombros depositando um beijo em minha testa com facilidade devido ser mais alto. O empurrei.

- Que diabos foi isso? - vociferei acertando um tapa forte em seu braço o fazendo gemer.

- Você acabou de evitar que esse jovem rapaz fosse decapitado por duas moças enraivadas. - Matt desdenhou com seu sorriso debochado e bonito, apoiando-se em Ian que me encarava como se não tivesse feito nada demais. - Pena que não tinha nenhum caça talento por aqui, senão vocês dois já estariam escalados para a próxima novela das sete.

- Fardo de ser amiga do Sebastian. - Joey brincou com os braços abertos apoiados no banco, diferente dos outros não tinha um sorriso descarado no rosto.

Agora pronto! Desde quando sirvo de distração, quis socar aquele rosto perfeitamente alinhado.

- O que você tem na cabeça? E se agora elas quiserem arrumar briga comigo por achar que quero alguma coisa com você?

- Y no me gustaría? - me olhou de cima a baixo e voltou com um sorriso de canto.

Aquele sorriso certamente deixava muitas meninas de calcinha molhada, isso porque nunca viram o sorriso de Heitor. Como se só aquele sorriso pudesse causar aquela reação em mim, capaz de tirar o foco e qualquer razão produzindo o calor que incendiava meu corpo em reação a ele, o de Ian em comparação não fazia nem de perto o mesmo efeito em mim.

- Deixa de palhaçada garoto. - briguei e ele se aproximou tirando os braços do Matt do ombro dele.

- Vamos! Sabes que ninguém naquela escuela se pelea contigo. - tentou me abraçar, esquivei segurando seu braço o fuzilando.

- E por que não? - nunca fui de brigar, pois sempre fui tranquila, só que isso não impediria de arrumarem confusão comigo.

- Todos te respetan. - falou com convicção. - Los caras piensan que tu é sexy y las garotas quieren ser tus amigas.

Da onde tinha tirado essa ideia, só podia estar querendo me enrolar. Falava como se eu fosse alguém popular naquela escola, certo que me dava bem com as pessoas, só que se alguém fosse a popular seria a Ana com toda certeza.

Comprei sua conversa, por impaciência, não queria me atrasar com uma discussão. Prometi a Cami que dormiria em sua casa hoje assim que me ligou quando saí do serviço e comentou sobre sua alta.

- Nunca mais repita isso! Capiche? - avisei me agachando para erguer a bike.

- Isso é italiano. - Matt corrigiu com seu tom sempre bem humorado, passando a mão em seu cabelo crespo como se me seduzisse. - Agora fiquei com ciúmes, acho justo te dar um beijo também. Só pra ficar equilibrado.

Nos conhecíamos tempo o bastante para saber que era apenas uma brincadeira, entre eles existia um código de não pegar amigas desde que Théo me traiu e deu a merda que deu, em uma festa ou outra aquele código sofreu a tentação de quebrar, talvez pelo álcool falando mais alto. Contudo, no cotidiano Ana, Izzy, Bea e eu estávamos fora das suas zonas de paquera que no caso era muito vasta, o que não proibia as eternas piadas de Matt.

- Você já vai? - Joey levantou vindo até mim. - O acampamento é nesse final de semana, já arrumou suas malas?

A passagem estava paga, a vaga reservada, só não tinha preparado a desculpa que daria de última hora pra avisar que não iria. Não arriscaria ir sabendo que Heitor e Théo estaria lá, era loucura me expor a esta situação e claramente eles preferiam que não fosse. Então ficaria em casa para esquecer de qual fosse o problema.

- É óbvio que ela vai. - Matt respondeu por mim.

Meu silêncio fez com que Ian se aproximasse.

- ¿Theo te fez aguna cosa? Por isto no quieres ir? - sua postura antes calma se enrijeceu e seu punho fechou ao falar o nome do ex amigo.

- Ele não fez nada, ok? - o tranquilizei andando com a bicicleta ao lado. Quem fez algo dessa vez foi eu. - Não precisa se preocupar com isso. Estarei lá amanhã às cinco.

Menti. Os ônibus partiram as seis e em menos de duas horas chegariam ao destino, seria apenas duas noites e dois dias que tratavam como se fosse a viagem do ano. Antigamente também tratava, honestamente queria está vivenciado aquela animação, mas sentia que não deveria ir.

- Pensando bien, Ana no aceptaría su negativa de todo modo. - constatou tranquilizando-se ao afirmar que Ana já decidiu isso por nós e de fato, a minha maior preocupação era ela não deixar os ônibus saírem até que eu aparecesse naquela escola.

- Falando nela, da próxima vez que precisar de ajuda beije ela, não eu. Ana é sua melhor amiga, já eu te suporto. - alfinetei, ele sabia que não era verdade.

- No puedo beija-la, golpearía mi cara. - sua afirmação não foi em um tom engraçado, como se aquilo o incomodasse. - Além do más, Ana dejó en claro a toda la escuela que nunca me besaría.

Isso era verdade, ela gritava aos quatro ventos sempre que podia. Os dois vivem grudados, entre tapas e beijos, só que os beijos nunca eram literais. Tinham suas piadas internas e ora ou outra uma das namoradas de Ian pegava ranço da Ana por ciúmes, sem acreditar que aquela relação era pura. A verdade é que os dois eram soltos, Ian muito mais que Ana, pelo menos minha amiga era mais seletiva e menos escancarada, seu lado romântico sempre falava mais alto uma hora ou outra ao contrário do garoto que não reconhecia essa palavra, romantismo.

- Quer saber? Você está me devendo uma. - empurrei a bicicleta em sua barriga. - Leva isso pra minha casa.

- Se ferrou. - Matt gargalhou.

- Pajero. - Ian o observou sério, fazendo com que Matt o encarasse da mesma forma.

- Está me xingando né seu filho da puta. - o encarou desconfiado. Mesmo depois de ano de amizades, as palavras soltas pelo estrangeiro ainda eram desconhecidas para nós.

Saquei o celular do bolso da blusa de manga que impedia a brisa bater em meus braços, ignorando os bobalhões a minha frente, tirando Joey que arrumava algo na sua bicicleta. Já estava ficando tarde, chamaria um uber e iria direto para a casa da minha irmã. Certamente não me negaria chuveiro e pijama, nem mesmo uma roupa para ir trabalhar amanhã cedo, temos praticamente as mesmas medidas ou pelo menos tínhamos antes da sua gravidez.

- Quero ela inteira quando chegar amanhã! - ordenei me referindo a bicicleta e sair a passos largos para fora da praça em direção ao ponto de espera que o aplicativo orientou.

O motorista demorou mais do que o esperado e esse deveria ter sido o sinal do que vinha a seguir, o mesmo cancelou a viagem forçando-me a chamar outro que se encontrava há alguns minutos de distância. Encaixei as mãos dentro do bolso da blusa por comodidade, o tempo estava frio, meu corpo ainda quente pelo exercício feito.

Por mais que os jornais dissessem que a temperatura poderia melhorar amanhã, tudo indicava que seriam dias nublados no acampamento. Isso não desanimava os jovens, já que planejavam ficar dentro de chalés com jogos e músicas altas.

Mirei o início da rua procurando pela placa e a cor do carro, não era boa em reconhecer os modelos tão facilmente, não encontrei. Deixei me distrair por um segundo, mirando pessoas na calçada do outro lado quando um par de olhos fizeram com que minha barriga sofresse uma vibração repentina, precisei me forçar a lembrar como se respirava.

Aparentemente a intenção era atravessar a rua ou pelo menos era antes de me reconhecer. Usava roupas de academia e seu cabelo não estava arrumado como quando está na escola, notar isso trouxe-me certa nostalgia e meu peito aqueceu, aquele era o Heitor que conheci e não o professor.

Engraçado como os sentimentos são confusos e totalmente contraditórios, de tantos que poderia nomear a raiva era a que dominava. Ele não merecia e nem queria isso de mim, é loucura. Manteria longe a qualquer custo, não me deixaria ser corrompida por fraquezas e sua frieza ajudar-me-ia nisso.

- Senhora Katharine? - um carro estacionou a minha frente, abri sem pensar duas vezes e entrei sem nem mesmo responder. Levando as mãos a nunca e massageando a tensão ali guardada, Heitor está fora de equação.

O trajeto foi silencioso, o motorista notou meu mau humor e o respeitou botando uma música tranquila não puxando assunto. Deixou-me em frente à casa da Cami, um sobrado de paredes cinzas e portão branco, me aproximei tocando a campainha e não demorou muito para que a porta abrisse.

- O que você está fazendo aqui? - questionei o garoto cabeludo que ainda segurava a porta.

- Também sou irmão dela sabia? - o garoto de quinze anos mais alto que eu encarava-me com uma garrafa de suco na mão. - O Luan disse que você viria e me chamou.

Minha irmã tinha tirado a sorte grande, Luan era o cara mais de boa que conhecíamos. Era muito família e trabalhador, engraçado na medida certa, tratava meus pais como se fosse os dele e acolhia a mim e Théo porque sabia como Cami se importava. O único defeito que notamos nele era sua fixação por esportes, era fanático pelo time oposto da nossa família e os domingos tinham chances de discussão. Tudo muito saudável.

Cass deu espaço e entrei subindo a pequena rampa da garagem indo direto para a porta de entrada da sala, a casa era consideravelmente grande, não tanto quanto a dos nossos pais, ainda assim mais do que aconchegante. Entrei na sala de piso de porcelanato branco e mirei o corredor que dava acesso aos quartos indo diretamente em sua direção.

O corredor era cheio de quadros decorativos de variados assuntos, divididos entre os gostos do casal, porém todos no mesmo tom causando um ornamento bem planejado a aquela paredes brancas. Encaixei minha mão na maçaneta e abrir a porta em que tinha certeza que encontraria a primogênita da família.

- Achei que chegaria mais tarde. - falou da poltrona que estava sentada amamentando sua bebê. Seu sorriso era modesto, minha irmã reclamou do peso para mim dias atrás, ao meu ver a gravidez trouxe ainda mais beleza a ela. Todos nossos tios diziam que éramos muito parecidos e que o útero da minha mãe era uma máquina de xerox, estranhamente agora conseguia enxergar isso.

- Não aguentava mais de saudade dessa princesa. - aproximei pondo uma mecha de cabelo atrás da orelha, por ter inclinado meu corpo em direção a aquela criatura tão pequena e bela.

Nasceu cabeluda, fios lisos que sabíamos que cedo ou tarde virariam cachos já que aparentemente puxou o pai, sua pele negra tão macia me dava vontade de passar o dia enchendo de carinho, aquele cheiro de neném era algo tão agradável. Seus olhinhos castanhos eram curiosos, ainda pequena, tinha que ganhar mais peso e levando em consideração como sugava o líquido que vinha da mãe isso não demoraria de acontecer.

- A mamãe também queria vir. - contou nos fazendo rir. - Daqui a pouco ela vai oferecer meu quarto de volta e exigir que nos mudemos pra lá, só pra ficar pertinho da neta.

- Iria gostar desta ideia. - não era mentira.

Normalmente irmãs brigavam, coisa que não acontecia conosco. Talvez pela diferença de idade de quase sete anos, Camila sempre me tratou como uma mãe que protegia, acolhia e aconselhava. Tenho muito respeito, minha mãe reclamava que às vezes escutava mais minha irmã do que a ela mesma e não era mentira. Diferente de mim e Cass que já havíamos saído no tapa algumas vezes, só que neste caso a diferença de idade era menor, apenas de dois anos.

- Luan não ia achar nada ruim ter sempre à disposição a lasanha da mamãe. - brincou e Madalena pareceu estar satisfeita.

Cami a ajeitou em seus braços a pondo para arrotar, parecia um pacotinho enrolado em uma roupinha amarela de girassóis.

- Tenho uma notícia.

- Então diga, sem suspense. - pediu ainda com seu sorriso no rosto.

- Acho que fui promovida. - não tinha muita certeza daquela promoção.

- Como assim, acha?

- O senhor Vitor quer quebrar meu contrato de aprendiz e me efetivar imediatamente.

- Achei que seu chefe era um carrasco que não gostava de você.

Difamei Vitor pra todo mundo que conhecia, não tinha uma pessoa da qual ainda não tivesse reclamado do meu chefe. Quero dizer, só Heitor, nunca conversávamos sobre o meu trabalho e muito menos sobre o dele, era uma troca justa. Agora não importava mais.

- Ah não! Isso ele ainda é, pode ter certeza. - puxei a outra poltrona me sentando ao seu lado.

O quarto de Mada tinha cores claras, em tons pasteis com ursinhos e bailarinas espalhadas. Estava ali para ajudar minha irmã, combinei de revezar com a minha mãe. Com toda certeza dona Joana era mais útil ali do que eu que mal sabia trocar uma fralda.

- Ok! Tirando isso, o que está te deixando incomodada? - perguntou demonstrando o quanto conhecia sua maninha.

- Acho que isso é um truque. Digamos que hoje passei do ponto e aí recebo uma promoção? Estranho, não? - coloquei os pés em cima da poltrona abraçando meus joelhos. - Não sinto que estou pronta, não acho que o papai vai achar que estou também.

- Quem trabalha com o papai sou eu, quem deve esperar que ele ache ou não algo sou eu. Você está em algo diferente e ele não deve fazer nada além do que te apoiar. - ela sempre sabia o que dizer, isso com certeza herdou da nossa mãe.

- Disseram que sou infantil, então com que maturidade vou lidar com isso? - forcei um sorriso amargo, observando a bebêzinha em seu colo. - O que é engraçado, antes o que me incomodava era os diversos discursos que me chamavam de certinha e careta demais.

O arroto da pequena soou fofo, nos fazendo dar risada. Nosso irmão passou pelo corredor animado com um pacote na mão, logo Luan enfiou o rosto na porta avisando que chegou do mercado com as coisas que Cami pediu e claro, com a pizza do Cass que já havia tomado dele. Mandou um beijo para a esposa e nos deixou a sós.

- Cass não para de falar do acampamento, não estou vendo a mesma animação em você. - constatou, soltei um suspiro desanimada.

- Théo vai estar lá, as coisas entre a gente não andam muito boas, dessa vez magoei ele. - confessei. - Não acho que seja justo ter que lidar comigo lá, ele voltou recentemente, é a viagem de retorno dele.

- Você é o oposto do Cass, sabia? - deitou Madalena novamente em seu coloco a ninando. - Ele é zero paranoia, dá a cara a tapa, faz vídeos esquisitos para milhares de pessoas verem sem se importar se vão rir ou xingar ele. Já você, não dá um passo sem olhar para o lado e procurar se tem alguém te julgando, buscando aprovação por tudo, desde que era criança.

- Também não é assim. - tentei me defender surpreendida por aquela comparação.

- Não é desgastante ser o que as pessoas esperam de você o tempo todo? - seus olhos castanhos me fitaram. - Qual foi a última coisa que fez porque era o que desejava? Porque a vida é sua e você decide.

Quando fui no apartamento do Heitor, mas olha no que deu.

- Você sabe o que o papai diz sobre isso, "toda ação...

- ... gera uma reação. - ela completou comigo.

- Quem disse isso foi Newton e com certeza não era sobre a sua vida Kate. - afirmou me fazendo engolir a seco. - Vou te contar um segredo irmã: isso só existe dentro da sua cabeça. Só vai amadurecer quando entender que as pessoas vão dizer coisas sobre você o tempo todo, tentaram te definir e isso não importa, porque você é o que é e quando quiser ser, da forma que quiser ser, sem um padrão.

- Me assegurei que quebraria qualquer barreira que me impedisse de viver livremente, sinto que estou amaldiçoada a ser encurralada. Tem tanta coisa acontecendo, que parece que não vou dar conta, sei que isso é só o começo e irá piorar, estou aqui esperando acontecer para agarrar a corda. - me abrir. Sabia que em uma hora ou outra Beka descobriria.

- Acha que tem tantos amigos porquê? - perguntou simplesmente, não tinha uma resposta para aquilo, era natural. - Porque sempre esteve lá para eles tentando ao máximo agradar e ajudar todos. será que se não fosse assim ainda teria tantos? No final isso sempre foi seu plano? Se a garota que todos amam e agora está difícil suportar a pressão de ser o exemplo para todos?

Aquelas perguntas me atingiram em cheio, como se virasse uma chave enferrujada na minha cabeça, será que tinha razão?

- Kate, nem sempre a gente é obrigado colocar outras pessoas a nossa frente, é necessário e saudável dá prioridade a nós mesmo de vez em quando, não é errado e se alguém te julgar por isso observe se aquela pessoa realmente está te fazendo bem ou só te consumindo.

- Se você está dizendo isso por conta da Beka, nada vai mudar. - avisei incomodada.

- Estou falando da viagem, do seu trabalho, da sua vida maninha. Sua insegurança te limita. - me encarou de frente. - Você não é mais uma garotinha magricela e indefesa, está se tornando uma mulher linda e inteligente, não precisa agradar gostos de ninguém como não precisava antes. Escolha você de vez em quando e não tenha medo de julgamentos, não dá pra fugir deles.

A única coisa que se passava na minha cabeça naquele momento era, por que não vim conversar com Cami antes? As certezas que começaram a crescer dentro de mim trouxe inquietação, como se quisesse fazer tudo naquele exato momento de clareza. Sim, ela tinha razão, por mais duras que fosse suas palavras.

- Você vai fazer dezoito anos aqui três meses. - continuou falando distraidamente como se não percebesse o efeito do que já havia dito. - Se não mudar isso agora quando ver vai estar trabalhando em um lugar que odeia, morando em um lugar que não gosta, com pessoas que não se identifica e se brincar casada com alguém que nem ama de verdade só porque achou que era o certo a se fazer.

Levantou-se com delicadeza levando Mada até o berço a colocando lá lentamente.

- Você vai ser boa nisso. - respondi sentindo meu rosto queimar e meus olhos marejar, apontando para a criança. - Nisso de ser mãe.

Ela sorriu olhando para mim.

- Espero que esteja certa! Não sei o que vou fazer quando tiver que voltar a trabalhar.

- Sei que vai dar um jeito.

- Faço um discurso motivacional e quando preciso de um, você vem com essa frase feita pra mim? - reclamou divertida.

- A irmã mais velha aqui é você, não tenho que ser sábia.

- Gostava mais de você quando tentava agradar. - provocou me fazendo rir.

- Deveria te visitar mais vezes. - admiti pensativa.

- Concordo, vou precisar de muita ajuda pra trocar fraldas.

Demos risada por saber o desastre que ainda era naquela tarefa, estaria empenhada a ajuda. Cobriu Mada com um manto pequeno e rosado, não saiu do lado do berço admirando sua pequena.

- Vou ser promovida e mostrar que posso ser boa nisso. - afirmei em voz alta fazendo ela se virar pra mim. - E vou para o acampamento.

Merecia aquela viagem tanto quanto qualquer um, esse era o último ano e não poderia desperdiçar esse momento. Iria usufruir de cada segundo e deixaria gravados na minha memória.

- Se é o que deseja, vá em frente. - seu sorriso era motivador.

- Só mais uma coisa. - mordi meu lábio inferior com aquela decisão. - Você tem uma tesoura aí?

Cami me observou curiosa.


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