Se Essa Vida Fosse Minha

By Vicanjo

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Florence Campos tinha como objetivo primordial se divertir e aproveitar todas as atrações do novo hotel da Wa... More

EPÍGRAFE E DEDICATÓRIA
PARTE I - ANTES DA PESQUISA
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 7
Capítulo 8
PARTE II - METADE DA PESQUISA
Capítulo 9| parte 1
Capítulo 9| parte 2
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14|parte 1
Capítulo 14|parte 2
Capítulo 15
Capítulo 16
PARTE III - O FIM DA PESQUISA
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Epílogo
O B R I G A D A !
Prêmios

Capítulo 6

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By Vicanjo

11 de julho de 2008


       O elevador fez sua lenta descida até o andar proibido, o tremor em minhas pernas alertavam meu corpo que eu deveria voltar e arrumar minhas coisas, o prédio estava prestes a cair e ali estava eu, no lugar onde eu não deveria estar pelo simples fato de minha curiosidade me impedir de agir racionalmente.

Um ruído metálico e o solavanco do elevador foram o melhor indicativo: você chegou ao seu destino, não há como voltar. As portas duplas se abriram e me deram o vislumbre de um corredor, idêntico aos corredores da área azul, a diferença que mal iluminado, havia apenas uma lâmpada e esta oscilava, reproduzindo uma melodia eletrizante e danificada.

A vontade de recuar e abortar a missão era grande, mas o conhecimento de que havia pessoas ali que estavam por fora do estado caótico do prédio foi o combustível que me fez respirar fundo, esquecer as informações de Maria sobre aquele lugar e dar mais um passo à frente.

Nenhum alarme soou, lazers não foram disparados e nenhum agente da S.W.A.T tentou me impedir. Nenhum barulho foi feito além da lâmpada prestes a ceder e parar de brilhar e as batidas descompassadas de meu coração.

Caminhei pelo corredor com pressa, me questionando que tipo de pessoa aceitaria se hospedar naquela parte do hotel e por que o dono permitiria que o lugar estivesse daquele jeito, esquecido.

Um cheiro forte atingiu meus sentidos e me fez cobrir o nariz e a boca, havia uma fileira de duas portas na parede à minha esquerda e outra porta à minha frente, a uns dez passos, marcando o fim do corredor.

Fui a primeira porta, que abriu com facilidade, e entrei. Ela estava vazia, literalmente. Os quartos mais simples do hotel possuíam uma cama de casal, uma cômoda e um banheiro. Aquele não tinha nada, nada além de um amontoado de caixas com livros de capa dura saltando para fora. A luz fraca que entrava no quarto me permitiu ver que os livros eram sobre psicologia, e o nome da autora, destacado em letras brancas e garrafais, me deu tontura, Lídia Rover.

Afastei-me e segui para o outro quarto, que estava no mesmo estado do outro: vazio, com várias caixas e um solitário computador, na verdade, as peças do que um dia fora um computador largadas ao chão, ali o cheiro tornava-se ainda mais forte e inebriante e metálico. Conheço esse cheiro. Mas ali a luz entrava com maior dificuldade e não pude definir a origem do odor.

Segui até o fim do corredor acompanhada do desapontamento. O andar proibido deveria ter coisas legais como barras de ouro e joias, não um monte de caixas e livros chatos. A última porta, olhando mais de perto, era de uma madeira clara e estava protegida por um portão de ferro, eu podia desistir e voltar para o saguão, porém o portão aberto era um convite tão impossível de se negar quanto passar uma semana no melhor hotel no mundo.

Toquei a madeira gélida da porta e o gesto a fez se abrir lentamente, reproduzindo um som semelhante a risada de uma bruxa. Vazio assim como os demais com a única diferença de haver uma abajur sobre uma mesa que iluminava um porta-retratos.

Eu iria embora e fingiria que nunca havia estado ali e levaria comigo, pelo resto de minha existência, a sabedoria de que os adultos são bons fazendo suspense com coisas nada interessante, no entanto, a fotografia me obrigou a continuar estática e pasma.

A imagem mostrava uma mulher negra, com lindos cabelos longos e cacheados e um sorriso invejável, ela abraçava um homem loiro e igualmente bonito, que a olhava como se ela fosse a coisa mais preciosa do mundo. A foto de um casal apaixonado não deveria me chamar tanta atenção, contudo, o mais surreal era que a mulher da foto parecia muito comigo.

Era como se eu me visse em um espelho, alguns anos mais velha, mas ainda era eu. Os mesmos olhos, o mesmo jeito desengonçado de sorrir. Eu.

  — Aqueles desgraçados foram os primeiros a ir embora. —  A voz atrás de mim fez um arrepio percorrer minha espinha. Virei bruscamente e encontrei senhor Warrior, com uma expressão que mesclava derrota e raiva.  — Ah, Florence, você não deveria estar aqui. —  Suavizou o semblante e forçou um sorriso ao vir em minha direção.

Seu gestual demonstrava que ele iria me dar uma bronca, mas assim como eu, quando seus olhos pousaram sobre a foto, ele paralisou.

Seus olhos alternaram entre mim e a moça da foto.

  — A conhece? —  Respondi balançando a cabeça em negação. Warrior cruzou os braços, lançou mais um olhar demorado na foto e me encarou reflexivo. — Eu diria que isso é um tanto simbólico, como uma predestinação.

Abri a boca pronta para implorar uma explicação, porém o toque de seu celular me impediu e reverberou por todo o andar. Ele não atendeu, apenas puxou do bolso da calça e encarou a tela. Seu rosto voltou a expressão de derrota.

  —  Vamos, temos que sair daqui.

Sua mão segurou a minha e ele me conduziu, como se fugisse de algo, em direção ao elevador. Olhei por cima do ombro, para a foto da desconhecida, mas a lâmpada havia falecido e tudo o que vi foi o breu e a luz do abajur bem ao fundo.

Quando retornamos para o saguão, Tomás se afastou de mim e foi correndo até as enormes e pesadas portas da entrada principal, que estavam fechadas e sendo vigiadas por uns vinte ou mais seguranças. Fiquei parada na porta do elevador tentando ouvir o que conversavam, mesmo que estivesse muito longe para ouvir qualquer coisa e tivesse reprovado na matéria de leitura labial.

O saguão estava um pouco mais vago, as pessoas que ali estavam carregavam malas e outros pertences avulsos nas mão, olhavam uma para as outras e se perguntavam O que está acontecendo? Por quê? Como vamos sair disso? Por um momento meu olhar se desviou de Tomás e foi até um casal de idosos, escorados no balcão, a mulher chorava baixinho enquanto o marido passava a mão em suas costas, tentando acalmá-la. Mais a frente, uma mulher descabelada balançava uma criança de colo freneticamente, mesmo que o garotinho já estivesse dormindo.

Abandonei Tomás de uma vez e olhei ao meu redor, desespero, estavam todos desesperados. As crianças buscavam explicações para as malas feitas, funcionários corriam de um lado para o outro oferecendo auxílio, adultos encaravam o nada e seguravam as lágrimas. O pavor me dominou quando a ficha caiu: há bombas no hotel e se não sairmos daqui logo tudo vai explodir e ir pelos ares, nos matando em sequência.

As luzes dos lustres acima de mim ganharam mais vida e turvaram minha visão, não senti minhas pernas, mas sabia que estava no chão, de joelhos. Vamos morrer, vamos morrer, vamos morrer. Que tipo de pessoa insana coloca bombas em um local de lazer?

  —  Florence! —  Mãos enlaçaram meu pescoço e o cheiro familiar de chapinha misturado com xampu caro lentamente me fizeram recobrar os sentidos.

Levantei do chão e virei para me esconder nos braços de Joana, ela estava tremendo, assim como mais cedo, mas agora era de total medo. Ela retribuiu o gesto e me puxou mais para perto sussurrando um vai ficar tudo bem, que, e nós duas sabíamos disso, era mais para ela do que para mim. Por cima de seu ombro vi Roberto, o olhar sério em direção a Tomás, como se a culpa de toda a desgraça que aconteceria a qualquer momento fosse culpa dele.

  — Vamos! —  disse, carregando duas malas e indicando um sofá vazio. Joana se afastou, entregou minha mala e nos conduziu até meu tio.

Sentamos lado a lado, comigo no meio, e fizemos um sanduíche de Florence, eu teria achado engraçado em outra situação e com certeza teria aproveitado se soubesse que...

  — Atenção, todos vocês! — gritou Tomás, atravessando o aglomerado crescente e voltando a subir no balcão. Ele fechou os olhos por um instante e colocou as mãos na cintura, o que quer que os seguranças tivessem dito não era boa coisa. — Temos um carro. — Fez-se silêncio e eu podia jurar que havia visto uma centelha de esperança brilhar no rosto multidão. — Infelizmente, apenas um carro, uma minivan, com capacidade para no máximo dez pessoas.

E da mesma maneira repentina que chegou, a esperança se foi, dando lugar a raiva, porque quando a esperança se vai só há duas alternativas: chorar ou gritar. Roberto escolheu a segunda opção:

  —  Como você pode ser tão irresponsável? Onde estão ônibus em que viemos? —  Todo e qualquer sentimento de companheirismo que ele estivesse nutrindo por Tomás morreu naquele momento, era possível sentir no ar, assim como o cheiro das flores que rodeavam o lugar, inebriante e tóxico aos sentidos.

  — Os ônibus retornaram à cidade, iriam voltar no domingo, no último dia de hospedagem —  respondeu Tomás, com demasiada calma e parcimônia, mais uma vez me assustei com a tranquilidade que ele mantinha. O hotel dele estava prestes a explodir e matar cerca de trinta famílias e ele continuava sereno, inabalável.

  — O que vamos fazer? —  Alguém, encorajado pela atitude de meu tio, gritou e todos concordaram. Aquela era a perguntam que mais ansiávamos obter resposta.

Tomás encarou os seguranças e depois um grupo de funcionários apavorados atrás de si, apontou para uma mulher de pele chocolate e em seguida para as portas. Ela entendeu o recado e abriu espaço entre os hóspedes que chegavam e se acomodavam e se pôs ao lado de um segurança que estampava o significado de tédio no rosto.

  —  Tenho certeza que vocês concordam que será melhor mandarmos as crianças irem primeiro! —  Primeiro o silêncio, depois vaias de protesto e por último o consentimento. Tudo aconteceu de forma rápida, afinal, era um momento de desespero. Essas três etapas foram uma das causas de meu estado atual.

Então, como Tomás determinou, uma fila na frente da porta foi feita, apenas com crianças. Segundo Tomás, que continuou a falar apesar de ninguém querer ouvir, as crianças iriam primeiro para a cidade com um adulto responsável, no caso Rosângela — a mulher de pele chocolate — ele também garantiu que os ônibus já estavam voltando e logo estariam todos a salvo.

Me agarrei a Joana com mais força. Se íamos todos embora de qualquer forma, por que mandar um grupo de crianças antes? Uma voz, aquela voz que sempre vê o lado ruim de tudo, aquela mesma voz que tentamos não dar atenção, respondeu minha pergunta de forma provocativa e sincera: Porque, menina tola, não se sabe ainda quando as bombas vão explodir e a cidade mais próxima fica a quatro horas, assim, mandando um grupo de crianças ir antes, Warrior morrerá com a consciência limpa ao lembrar que ao menos alguns foram salvos.

Me arrepiei com a conclusão e me afastei de Joana quando um grandalhão me puxou pelo braço sem o mínimo de delicadeza, me arrancando de meus pensamentos. Debati em seus braços e gritei, na esperança que alguém o detivesse. O objetivo de todo e qualquer grito de socorro é esse, mas ninguém se moveu, porque além de mim —  por toda a extensão do saguão —  o ato se repetia, seguranças puxavam crianças de seus familiares, que gritavam em resposta.

  — Vá com ele! —  Roberto pediu com delicadeza, toda a fúria se dissipara.— Você vai na frente com as outras crianças e nos encontramos em Trevo.

  — Eu prometo! —  afirmou Joana, fortificando a fala do marido.

Eu prometo. Eu podia ser uma garota de 12 anos que não lidava bem com regras de comportamento e que se deixava levar pela curiosidade, podia não saber de muitas coisas, mas era ciente de que promessas eram feitas para serem quebradas. Empurrei o brutamontes com todas as minhas forças, um ato em vão, ele não se moveu nem um milímetro. Mesmo assim, continuei a lutar como as heroínas de meus livros me ensinaram. Por que eles dizem isso com tanta convicção? Porque não conseguem enxergar o óbvio?

Um tremor amoleceu meu corpo e me deixei ser levada pelo homem alto e forte, mais um objeto de decisão no meu futuro. Ele abriu espaço violentamente entre a multidão e vi o rosto de meus tios se tornar menor à medida que a distância crescia. Eu não os veria de novo, isso era tão certo quanto a cor do mar e tão doloroso quanto um tiro no peito.

Fui arrastada até um fila só de crianças na frente das portas fechadas, que foram abertas de maneira lenta, nos dando a visão de um céu taciturno e nublado, uma fina chuva riscava a paisagem do campo aberto e suas flores silvestres. Lindo, se não fosse a situação. As portas abertas eram um ótimo convite, qualquer um poderia correr e se afastar do prédio antes que fosse tarde demais, mas ninguém ousaria. Havia seguranças demais, eles eram fortes demais e começaram a investir sobre qualquer espertinho que tentasse sair. Por que não nos deixam sair?

A mistura de vozes estava me deixando enjoada a tal ponto que a dor do puxão em meu braço foi esquecida, eu precisava me concentrar em um único som se quisesse manter a sanidade e acreditar na bela mentira de que veria meus tios novamente, vivos, e não em um caixão.

Por favor, por favor, por favor. Implorei aos céus e ouvi, além da chuva fraca lá fora, além dos gritos e do alvoroço, um choro. Um choro fraco e dolorido aos sentidos e bem à minha frente. Tinha uma menininha de cabelos levemente avermelhados e pele sardenta agachada bem na frente, tão pequena e frágil que havia se passado despercebida.

A fila caminhou, uma criança havia sido empurrada para fora. Espreitei sobre a ponta dos pés e vi a garota que eu havia feito chorar sendo levantada do chão pela mulher que Tomás indicara. Continuei estática vendo a menina passar um dedo sobre os lábios e perceber o corte que havia ganhado com a queda. Mãos fortes me empurraram mais uma vez e por pouco não cai sobre a pequena.

Abaixei para puxá-la, do jeito que aqueles seguranças eram, era bem provável que fossem tão gentis com ela quanto haviam sido com a outra, já do lado de fora. Segurei sua pequena mão e a força com a qual ela me apertou enviou uma onda em meu corpo. Ela lutaria pela vida, lutaria mesmo que estivesse com medo, e eu deveria fazer o mesmo. Acreditar. Fiz dessa palavra meu mantra e cravei a voz de Joana em meu coração: Eu prometo. Olhei por cima do ombro para ver meus tios mais uma vez, a fila à minha frente diminuía rapidamente.

Meu olhar atravessou aquela imensidão de rostos petrificado no terror, mas não foi Joana ou Roberto que vi e sim, um homem. Um homem alto e visivelmente alterado, ele levou a mão até o bolso do paletó e tirou uma arma dali, as pessoas mais próximas a ele se afastaram. Eu reconheci seu rosto, era um dos amigos de Tomás, o vi no restaurante fazendo piadinhas e sorrindo para tudo. Minha visão dele agora se destoava cem por cento.

  —  Eu não quero morrer! — gritou, três seguranças correram em sua direção, mas já era tarde demais. O homem apontou para um direção qualquer e disparou.

Eu já havia escutado o barulho de um tiro antes, nos filmes, o barulho na vida real era mil vezes mais alto e assustador. Tão alto que a pequena me agarrou pela cintura e enterrou o rosto em meu peito, tão alto que me senti fraca e me joguei no chão. Em poucos segundos o cheiro de sangue me atingiu como um soco e o enjoo voltou. Era o mesmo cheiro que senti no andar proibido e, se os seguranças não tivessem me carregado para fora, eu teria pensando mais a respeito disso.

Um grupo começou a brigar e o caos velado veio a tona, socos, chutes e palavrões. Lutei contra as mãos que me puxavam mais uma vez, era em vão, qualquer tentativa minha seria em vão. O homem que me carregava era maior e mais forte, ele correu comigo a tiracolo e me largou no chão como um saco de trapos. Minha cabeça rodou e eu podia sentir algo ardendo na minha perna, mais um corte.

  —  Vamos! —  A mulher negra e gorda que a adrenalina me fazia esquecer o nome me puxou e me fez correr em direção a um carro cinza, outras crianças nos seguiam, a garotinha ruiva entre elas.

Olhei para trás mais vez, a bíblia alertava o quanto era errado olhar para trás enquanto se fugia de uma paisagem caótica, mas o medo de virar uma pedra de sal foi menor que minha vontade de ver meus tios. Eu prometo. Procurei seus rostos, mas tudo o que vi foram borrões e vultos brigando e, próximos aos homens de terno que tentavam conter a saída de qualquer um, Tomás.

Sinto muito. Ele disse sem emitir som, olhando no fundo de meus olhos, alheio ao inferno atrás de si. Queria xingar, mas era tarde, fui enfiada dentro do carro e percebi, em meio as lágrimas que deixei cair, que havia perdido minha vida.

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