Capítulo 17

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20 de outubro de 2015

         Seu corpo estava colado ao meu, subindo e descendo devagar, presa a um sono calmo e sem turbulências. Seu cabelo arruivado se destacava no travesseiro branco e minha mão involuntariamente passeava ali. Geórgia havia me dado um baita susto na noite anterior, após entrar sorrateiramente em meu quarto, me abraçando sem explicações e chorando de forma estridente logo em seguida.

   — Tive um pesadelo com o hotel! — contou em meus braços, fungando alto. Eu ainda estava grogue de cansaço, mas a ninei até ela voltar a dormir.

Ter visto seu estado me fez lembrar nossos últimos instantes no hotel. Eu não deveria mais pensar naquilo, afinal, aos 19 anos de idade eu já não sabia mais o que era esperança e vivia dopada com a ideia de que aquela seria a minha vida, ponto. Mas não pensar em tudo aquilo era impossível, então as memórias vinham contra minha vontade, principalmente cercada de seis adolescentes que carregam o mesmo fardo que eu.

O pavor em Geórgia era tão semelhante ao dia que a conheci, enquanto éramos escoltadas para longe do caos do hotel. A forma que seu delgado corpo se perdia ao meu e relaxava, as lágrimas quentes em meu ombro e suas mãos macias em minhas costas. Revivi também o medo, mas diferente de minha amiga, o engoli a seco, virei na cama e dormi — ou fechei os olhos até o amanhecer.

Saí da cama o mais silenciosamente possível e me dirigi até a janela, um arrepio percorreu meu corpo quando meu pé encostou no chão frio. O inverno havia chegado em Beldam. Abri uma fresta da cortina florida da janela e espiei a rua, tomada por uma camada de neve que logo viraria lama e aquela névoa espessa, semelhante à que vivia dentro de mim, mantendo meu coração intacto e seguro.

Percebi alguns meses atrás que a esperança, no meu caso, não estava me fazendo bem, funcionava mais como uma droga e eu era uma boa viciada. Terminar cada dia era como despejar um balde de realidade: É menina, o diabo zombava quando eu repousava na cama, mais um dia e aqui estamos. Você nunca vai voltar para sua vida, ela não existe mais. 

Rosângela nem podia sonhar que eu concordava com isso, não. Eu a fazia acreditar que estava bem e empenhada em ajudar os outros, como sempre fui e como deveria continuar sendo. Ela com certeza não iria gostar nada de saber que provavelmente eu estivesse deixando a depressão me consumir lentamente e caindo em um poço profundo onde as vozes da minha cabeça ganhavam mais força a cada segundo.

Três batidas na porta me fizeram voltar a realidade e esperei Ben atravessar o quarto e me cumprimentar com um aceno breve. Havia farinha em sua camiseta e rosto, o que só o deixava ainda mais adorável. Depois de minha discussão com Rosângela sobre nós dois, me vi em um dilema: o que sinto por Benjamim? A resposta veio rápida: algo além de amizade. 

Mas não havia espaço para um romance na vida que me deram, eu não possuía tal direito. Então, continuamos na amizade e nunca tocamos no assunto. Éramos bons amigos e, por mais que eu desejasse lhe beijar novamente, aceitei o fato e segui a vida.

   — Achei que ela estivesse aqui, não a encontrei no quarto — contou, os olhos presos em Geórgia. — Vai descer?

   — Depois de tomar um bom banho. — Forcei um sorriso e o empurrei para fora lado quarto. — Desço daqui a pouco, não quero acordá-la agora.

  — Mais um pesadelo? — Concordei com a cabeça e olhei para ela mais uma vez. Estava ficando recorrente ela acordar de madrugada aos gritos, assustada, e invadindo o meu quarto.

Talvez, meu lado depressivo cantou em minha mente enquanto seguia Ben pelo corredor, ter me livrado dos remédios não tenha sido uma boa ideia.

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