YOONGI
Não é que eu tenha pensado que seria diferente. Não é que eu tenha achado que acordaria com Hoseok passando o braço por cima de mim ou esfregando o rosto em meu pescoço ou me dando beijinhos na bochecha, testa, nariz e boca. É que poderia acontecer, né? Já aconteceu. Por meses.
Mas agora não mais. E eu ainda não estava acostumado ou preparado para isso.
Hoseok não estava no quarto quando acordei, nem quando me arrastei para tomar banho, nem quando fui tomar café ou quando fui fazer qualquer coisa sem graça que não incluía o Hoseok e sua risada e seu cheiro e seu toque.
Cheguei na cozinha e Namjoon estava terminando de preparar um sanduíche.
- Bom dia, Bela Adormecida.
- Acho que estou mais para Fiona, abandonada no castelo pelo príncipe.
- Bom ver que você acordou de bom-humor.
Ignorei aquela alfinetada e fui procurar alguma coisa para comer, enquanto pegava uma xícara de café.
- Cadê todo mundo?
- No terraço.
- Como foi a noite com o Jin? Teve salsicha com ovos pro café da manhã?
Namjoon quase engasgou em uma risada.
- Não. Não foi isso.
- Foi só a salsicha?
- Para! - Mais uma risada - Foi só... Nós meio que dormimos de conchinha. E eu acordei com a cabeça no peito dele, recebendo carinhos nas costas.
- Parece bom - Disse com sinceridade. Eu queria ter acordado assim.
- E foi. E é. Sei lá. É legal saber que ele não quer apenas minha salsicha com ovos.
- Ele quer a salsicha, os ovos, a conchinha, o carinho, tudo. Ele gosta de você. Eu já disse. Ele já disse. Todo mundo já disse.
- É. Talvez... - Uma covinha apareceu em seu rosto, enquanto ele fazia uma pausa e sorria sozinho - E você?
- Então, Nam. Você é muito bonito, legal e divertido, mas não. Eu só te vejo como amigo mesmo. Desculpa - Me fiz de desentendido.
- Idiota. Como foi com o Hobi?
- Não foi - Ao contrário da noite do Namjoon, a minha tinha sido mais próxima de um drama triste e solitário do que um desenho Disney.
- Você precisa conversar com ele.
- Namjoon.
- Yoongi.
- Podemos não falar sobre isso, por favor?
Ele deu uma última mordida no sanduíche e me lançou um olhar pesaroso.
- Eu tô preocupado com você, Yoon.
- Eu sou grandinho, ok? Não precisa se preocupar.
- Aparentemente preciso sim.
Não respondi. Não havia o que responder.
Fomos até terraço, onde Tae e Hobi ensinavam aos meninos algumas poses de Yoga. Jin era incrivelmente desastrado e estava tendo dificuldade em fazer movimentos básicos. Hoseok ficava indo até ele e corrigindo sua postura, perna, braço, enquanto ele ria e sentia ainda mais dificuldade de manter a posição.
- Tá doendo - Reclamou e colocou os joelhos no chão.
Hoseok deu batidinhas em seu joelho, pedindo que levantasse mais uma vez. Peguei uma manta e sentei ao lado do Jackson, que assistia tudo com um sorriso no rosto, enquanto zombava dos meninos.
- Eu vou morrer - Jimin choramingou, lutando para manter a postura correta - Minha perna tá tremendo. E não é pelo motivo que eu gosto.
- Alguém pode me lembrar de novo por que estamos fazendo isso? - Jungkook perguntou.
- Pra alongar o corpo e acalmar a mente - Tae explicou calmo, enquanto se mantinha agachado com as pernas abertas e os joelhos flexionados e suspensos - Namjoon e Yoongi não querem participar?
Balancei a cabeça enfaticamente. Eu tinha acabado de acordar e estava enrolado em duas blusas e um casaco grande e grosso. A última coisa que eu queria era ter que tirar meu casaco e ficar esticando as partes do meu corpo naquele frio. Principalmente na frente do Hoseok.
Não, não.
Eu estava muito bem ali. Sentado. Encolhido.
Namjoon topou e tomou um lugar ao lado do Jin. Hoseok foi até ele ajudá-lo com a pose.
- Cuidado com o meu denguinho, Hobi - O Jin brincou - Presta atenção onde você coloca essas mãos!
O comentário deixou Namjoon tão nervoso e envergonhado que ele escorregou e caiu de bunda no chão. Hoseok não riu ou esboçou qualquer reação. Sério e calado estava, sério e calado continuou.
Fiquei sentado, observando-os e obrigando meu cérebro a não olhar para o Hoseok. Mas era quase impossível quando ele (do nada!) colocava as mãos no chão, levantava o quadril e ficava com a bunda empinada para cima em uma pose com algum nome estranho como: postura do gato bebendo leite ou cachorro com a cabeça para baixo ou ainda esfregando na cara do seu ex o que ele perdeu.
Eu só queria voltar para o quarto e dormir os quatro dias seguidos. Mas os meninos e o universo estavam pouco se importando para o que eu queria.
Passamos a manhã em casa, Hoseok me ignorando, Jimin e Jungkook trocando carinhos e vozinhas fofas, Jin tentando fazer o Namjoon nota-lo, Tae fazendo alguma gracinha, Jackson chapado e eu torcendo para que esses dias passassem rápido.
À tarde, ficou decidido que iríamos passear pela montanha e procurar um lugar para brincar de escorregar na neve. Segui o Jungkook até o carro, que me segurou pelos ombros e me guiou até o carro do Jin.
- Você vai com o Jin e o Nam.
Respirei fundo.
Não era apenas com o Jin e o Nam. Era com o Jin, o Nam e o Hoseok.
Parei ao lado da porta, em silêncio, Hoseok se aproximou e parou do meu lado, esperando abrirem o carro. Entramos e sentamos no banco de trás.
Ele olhava pela janela, calado, de tempos em tempos, eu virava o rosto em sua direção discretamente, enquanto Nam e Jin riam e conversavam sem notar o clima estranho no banco de trás.
Em algum ponto da montanha, o carro parou e descemos para apreciar a vista. Namjoon e Jin andavam um ao lado do outro e eu e Hoseok nos demoramos um pouco para dar privacidade e espaço aos dois.
Não havíamos trocado nenhuma palavra o dia inteiro além de um "bom dia" e um "me passa o arroz, por favor". Eu não sabia o que fazer com as mãos, esfreguei uma na outra e percebi que estava sem luva. Merda. Devo ter esquecido na casa.
Hoseok estava sério e quieto.
Eu queria acabar com aquele silêncio, mas não sabia como. Tentei puxar qualquer assunto.
- Tá frio, né?
Ele me olhou sem mover a cabeça.
- Hunrum.
Silêncio.
Mordi o lábio inferior me forçando a pensar em qualquer outra pergunta.
- Você e o Jackson vem muito pra cá?
Mais um silêncio pesado, duro, tangível. Sendo quebrado apenas pelo barulho dos nossos pés caminhando na neve.
Tudo bem.
Não é como se ele fosse obrigado a me responder.
- A gente vinha todo ano - Explicou devagar e calmo - No Natal. Com nossas famílias.
Oh!
Ele respondeu.
- Eu também! - fiquei tão animado, que falei sem pensar.
- Sério?
- Não - Meu rosto e orelhas esquentaram - É a primeira vez que eu vejo neve na verdade - Cobri as bochechas com as mãos, cogitando a possibilidade de sair correndo ou de afundar o rosto na neve - Desculpa. Eu não sei porque disse isso.
Eu sei.
É porque eu tô nervoso. E burro. Você me deixa nervoso. E burro.
Hoseok finalmente olhou em minha direção. E riu. Alto, genuíno, vivo e caloroso.
Não lembro dele ter rido nenhuma vez desde que cheguei ali. Será que ele não queria rir perto de mim?
Seu olhar caiu sobre minhas mãos.
- Cadê suas luvas?
A pergunta me pegou desprevenido. Tive que parar o que estava fazendo para entender que ele estava falando comigo e não, sei lá, com qualquer outra pessoa do mundo, mesmo que só existisse eu ali perto dele.
Baixei os olhos e encarei minhas próprias mãos. Elas estavam vermelhas e, veja só, percebi apenas naquele momento que estavam dormentes, muito dormentes.
- Esqueci na casa. Acho.
Eu podia sentir seu olhar em cima de mim. Me julgando.
- É. Eu sei. Eu sou desorganizado.
- Eu não disse nada.
- Mas pensou.
Ele parou de andar e segurou meu pulso, me fazendo parar também. Puxou meu braço para perto de si com delicadeza e apertou meus dedos entre suas mãos.
- Você não sabe o que eu penso.
Ele estava concentrado, suas mãos gentis e cuidadosas trabalhando para esquentar a minha. Eu não podia sentir sua pele, por causa da luva, mas ainda assim minhas veias pareciam derreter com aquela proximidade.
Como se tivesse escutado meus pensamentos, Hoseok tirou as próprias luvas, colocou no bolso do casaco e voltou a apertar minha mão como estava fazendo. Mas agora pele com pele. Tato com tato. Toque com toque.
Meus olhos ficaram presos naquela cena. Hipnotizados. Como se jamais tivessem visto sua mão ou sentido ela acariciar a minha.
Se antes meu corpo parecia fraco como uma geléia, agora eu era todo feito de líquido, borbulhando por dentro, como se meus músculos e ossos não tivessem força para mais nada.
Hoseok era assim. Quentinho, aconchegante, capaz de derreter até a montanha mais gelada do mundo.
- O que achou?
Meu cérebro se forçou a acordar. Tão distraído eu estava com aquele toque.
- Do-do que?
- Da neve.
- Ah - Pisquei repetidas vezes. Como é mesmo que se mexe a boca e faz sair algum som? - Gelada?
Mais uma risada e alguns metros de neve derreteram ao nosso redor. Daqui a pouco ele transformava aquilo tudo em verão. Só com a sua voz, seu jeito e seus toques.
- Bonita - Continuei - Dá uma tranquilidade e me lembra os filmes da Sessão da Tarde, então é nostálgico mesmo que seja a primeira vez que eu esteja vendo.
Ótimo, Yoongi. Você escreveu uma tese sobre sua primeira vez na neve. Você é tão divertido quanto um documentário do Discovery Chanel.
Hoseok não respondeu. Tirou sua luva do bolso e vestiu em mim. Pegou minha mão livre e ainda vermelha e repetiu o processo de aconchega-la entre as suas.
Eu o assistia. Completamente fascinado.
Como assim eu tinha mãos? E como assim elas ficaram duas semanas longe do Hoseok? Eu era idiota?
Subi os olhos e aproveitei para prestar atenção em seu rosto. Eu estava uma completa bagunça, mas ele continuava perfeito. Mesmo com olheiras, mesmo sério, mesmo com o nariz vermelho do frio, ele era perfeito.
Não sei por quanto tempo ele acolheu minha mão entre as suas, mas não foi o suficiente. Nunca era.
Então ele calçou a segunda luva e se afastou, caminhando sem dizer nada. E eu me vi desesperado, pensando em algo para falar, para comentar, algo que o fizesse ficar mais um pouco, que o fizesse voltar a segurar minha mão e sorrir e derreter aquele frio.
- Você me odeia? - Perguntei sem pensar, como uma piada sem graça meu subconsciente, me lembrando um medo que eu tentava esconder.
Ele virou para mim e nossos olhares se encontraram. Finalmente.
- Não - Fez uma pequena pausa antes de completar - É exatamente o contrário.
O contrário?
- Indiferença?
Um sorriso brotou em seu rosto e ele se afastou, me deixando sozinho sem uma resposta.
🐱
Depois dessa parada, voltamos para o carro e fomos até uma colina próxima para escorregar em cima de uma bóia, apostando uma corrida idiota que, como todas as ideias idiotas, essa tinha sido dada pelo Jackson.
Nos enfileiramos no topo da colina. Cada um em cima de uma bóia. Lembro de olhar para o Hoseok e me perguntar se ele estava com frio nas mãos, agora que tinha me dado as luvas. Abri a boca para falar alguma coisa, mas antes disso, Jackson gritou "UM, DOIS, TRÊS E JÁ!" e eu dei impulso para a frente.
Eu estava lado ao lado com Hoseok e, de repente, não estava mais. O vi passar na minha frente em cima da bóia, vi a minha bóia passar sozinha por mim, enquanto eu sentia a neve no meu rosto, cabelo, pescoço, roupas, e escorregava colina abaixo igual a um saco de batatas, rolando, sozinho, e pensando: Universo, o que eu te fiz?
Depois do que pareceu tempo suficiente para passar um vídeo na minha cabeça com todas as escolhas erradas que fiz na vida, eu parei de rolar e aterrizei na estrada de neve, ainda desnorteado e ouvindo as risadas e vozes dos meninos: Ele tá bem? Você viu ele rolando? Parecia um rocambole! É bolo de rolo que chama. Caguei, ele saiu rolando do mesmo jeito.
- Gi! - Era ele - Tá tudo bem?
Finalmente encontrei forças suficiente para engolir toda aquela humilhação e olhar o que acontecia ao meu redor. Hoseok corria em minha direção.
- HOSEOK! - Gritei me levantando - VOCÊ TENTOU ME MATAR.
- Não foi assim. Você tá bem?
- VOCÊ EMPURROU MINHA BÓIA!
Ele mordeu o lábio, tentando não rir.
- PARA DE RIR!
Eu gritava irritado e ele ria cada vez mais.
- Não foi de propósito, Guinho - Tentei empurra-lo pelo peito e ele segurou meus braços pelos pulsos - Eu juro.
- Me solta.
Mas ele não soltou. Ao invés disso, riu mais uma vez.
- PARA DE RIR!
Não era apenas uma risada. Era uma gargalhada.
Ele estava gargalhando.
GAR
GA
LHAN
DO.
- Hoseok! Você tentou me matar - Eu continuava tentando bater no meu peito dele e empurra-lo, mas ele segurava meus braços com facilidade e ria ainda mais.
- Foi sem querer, Guinho.
Puxei minhas mãos e me soltei do aperto dele. Peguei um punhado de neve, fiz uma bolinha e joguei em sua direção.
Droga.
Ele desviou.
- Guinho!
Fiz outra bola de neve e joguei em sua direção. Ele revidou. E eu desviei. Logo estávamos jogando bolas de neve um no outro, desviando e rindo. Hoseok se aproximou, com a mão escondida atrás das costas e um sorriso no rosto, me deixando ainda mais fraco e mole.
- Saaaaaaai - Gritei sem forças.
Mas ele não saiu. Ao invés disso, soltou um punhado de neve no meu cabelo. Eu tentei derruba-lo no chão, mas estávamos rindo tanto, que caímos juntos.
Eu estava com as costas no chão e ele quase em cima de mim, apoiando o cotovelo ao lado da minha cabeça.
E então as risadas cessaram. E o clima ficou diferente. Ele ficou em silêncio, um sorriso de lado enfeitando o rosto, me olhando fixamente. Seu rosto pairando acima do meu e me desarmando por completo.
- Você me empurrou - Eu disse baixinho e devagar, fingindo que meu coração não estava batendo tão forte que eu sentia meus ouvidos pulsarem.
Hoseok sorriu.
- Minha bóia bateu na sua. Foi sem querer.
Eu não conseguia me mover. Não com ele tão próximo e em cima de mim daquele jeito.
Sua mão foi até o meu rosto e retirou alguns flocos de neve espalhados pelas minhas bochechas, orelhas e cabelo. Eu parei de respirar. Congelado e quente ao mesmo tempo.
Hoseok saiu de cima de mim e deitou ao meu lado, olhando para o céu. Virei o rosto para o lado, encarando-o.
- Desculpa por te derrubar - Ele disse com seu sorriso em formato de coração. Como acontecia quando ele estava verdadeiramente feliz.
Abri a boca para responder, mas não consegui. E as palavras ficaram entaladas em minha garganta: Eu senti sua falta. Muito.
***
Oieee, meus amores.
Como estão?
O capítulo passado drenou todas as minhas energias e foi muito difícil conseguir escrever o dessa semana.
Parecia que as palavras não queriam sair. Mas saíram. E tá aqui mais um capítulos pra vocês.
Espero que gostem.
OBS1: Pra quem não sabe, essa cena do Hoseok derrubar o Guinho da bóia é real e aconteceu no Winter Package 2020.
Eu tentei colocar o gif aqui, mas não consegui pq o Hoseok também me deixa burra e nervosa, então vai só a foto mesmo.
O Hobi é o de casaco e boné vermelho no canto direito e o Gi é o que tá caído ao lado dele, se perguntando porque aceitou entrar no BTS junto com o Hoseok.
OBS2: Quem aí ficou a madrugada inteira assistindo Bangbangcon ontem?
Resposta: eu.
Quem aí vai ficar hoje de novo?
Resposta: eu.
Beijos.
Se cuidem.