— Pode entrar. - Digo ao escutar alguém bater na porta do meu quarto.
— Descansou?
— Dormi a noite inteira. - minto, a joia no meu dedo não me deixou pregar o olho.
— Que bom filha. Podemos conversar ?
— Aconteceu alguma coisa? - Nem precisava perguntar seu olhar me mostra que algo não está certo.
— Não, tá tudo bem. - Agora é vez de Dona Priscila mentir. — Se arruma e me encontra lá em baixo. - Ela nem espera a resposta me dá um beijo na testa mas antes de sair e ela se volta pra mim. — É bom te ter em casa filha.
Volto a olhar pela janela do quarto, a qual eu passei a última hora vendo Belinha brincar na rua com outras crianças, minha infância toda foi exatamente assim.
Meu celular toca e eu saio a procura dele, mas sem sucesso, quando finalmente eu o encontro ele já não tocava, mas havia uma notificação de que era meu canadense que havia me ligado.
Penso em retornar mas desisto no momento que olho a aliança em meu dedo, jogo o celular em cima da cama e vou em direção ao banheiro tomar um banho.
Prendo o cabelo, e entro em baixo da água fria, ficando por alguns minutos simplesmente parada ali, deixando a água escorrer pelo meu corpo, e meus olhos fixados no brilhante anel em meu dedo.
Não sei por que isso me incomoda tanto, nós já estávamos juntos, mas agora colocar um título na nossa relação é como se alguma coisa mudasse e se eu não voltasse o que seria de nós?
Saio do banheiro ainda sem me vestir e quando entro no meu quarto, vejo minha irmã com meu telefone na mão, conversando com alguém por ligação.
Fecho meus olhos e torço com todas minhas forças pra que não seja Josh, mas em vão porque em menos de segundos quando Belinha me passa o celular e eu coloco no ouvido escuto a voz dele.
📞Ligação on.
J: Bom dia linda. - É impossível não sorrir ao ouvir sua voz rouca.
A: Bom dia, aí não é madrugada ainda ? - Pergunto ao puxar o pulso de Belinha pra poder ver a hora em seu relógio, e logo depois a expulso do quarto empurrando-a até a porta.
J: Sim mas eu queria ser o primeiro do dia a falar contigo, pra te deixar feliz, deu certo?
A: Deu sim. - Respondo sincera.
J: Como estão as coisas por aí?
A: A gente não tem muito o que fazer agora, só esperar a resposta do advogado.
J: Mas porque seu pai quer a guarda dela agora ?
A: A um tempo atrás minha mãe namorou um cara, que estava metido numas encrencas e foi preso, meu pai acha que minha mãe tava envolvida também.
J: Mas vocês têm como provar que ela não estava? - Abro a porta pra conferir de que Belinha não estava por perto, coloco o celular no viva voz em cima da escrivaninha e vou até meu guarda roupa procurar o que vestir.
A: É complicado meu pai, tem muitos amigos na polícia, e a justiça aqui no Brasil nem deveria ter esse nome.
J: Eu queria poder fazer alguma coisa.
A: Eu também.
J: Mas vai ficar tudo bem.
A: Eu quero muito acreditar nisso Josh. - Minha voz muda de tom, e eu posso escutar um grunhido do outro lado da linha, dele suspirando.
J: Mas ei sua irmã me falou que você vai sair, eu tô aqui te empacando, vai la.
A: Depois a gente se fala, tchau
J: Fica bem , tchau
A: Josh...
J: fala
A: Eu te amo. - Minha voz trava um pouco e eu gaguejo fazendo ele rir.
J: Eu também te amo Gabrielly.
📞ligação off.
(...)
— Podemos ir ? - Minha mãe nem se quer espera eu terminar de descer as escadas.
— Aham, Belinha não vai ?
— Não.
Eu nem se quer questiono, minha mãe nunca foi de dar respostas curtas, e ao longo da minha vida aprendi que quando isso acontece eu preciso ficar na minha.
Entramos no carro e ela não fala nada, eu resolvo ficar quieta também, apenas canto algumas partes da música que toca no rádio e fico olhando pela janela as poucas coisas que tinham mudado no tempo em que fiquei fora.
— Chegamos. - Ela estaciona o carro na frente de um prédio que eu reconheço bem.
— Mãe, o que estamos fazendo aqui? - Não recebo resposta alguma ela desce do carro e espera eu descer, trava as portas e entra na portaria.
— Bom dia dona Priscila suas coisas já chegaram. - O simpático senhor da portaria diz com um sorriso no rosto.
— Seu Pedro?
— Any eu não te vejo desde... - Ele para e sinto seu arrependimento em dizer aquela frase, a última vez que eu tinha o visto foi no velório da minha tia Laura a qual morreu de câncer a pouco mais de quatro anos.
— Desde que a titia se foi, mas então ainda tem balinha aí?
— Pra você sempre, vem pegar. - Ele abre um grande sorriso.
Desde pequena sempre muito apegada a minha tia eu estava ali no apartamento quase todos os dias, seu Pedro nunca teve coragem de nos dar bronca quando os vizinhos ligavam reclamando do barulho que fazíamos enquanto cantávamos, e depois que ela se foi nunca mais tive coragem de voltar lá, bom pelo visto até hoje.
Vamos pelas escadas como de costume, tia Laura morria de medo de elevador e nunca nos deixava usar quando estávamos com ela.
Paro na frente do apartamento 22 e espero minha mãe abrir a porta.
— Está tudo do jeitinho que ela deixou, e como pode estar limpo depois desse tempo todo? - Pergunto passando a mão por tudo.
— Eu pedi pra virem limpar essa semana. - Ela larga a bolsa no sofá e vai em direção à cozinha, não faço ideia do que estamos fazendo aqui, mas resolvo aproveitar matar a saudade do lugarzinho que tanto amo. Pego a banqueta que ficava em baixo da janela e sento lá.
Então minha mãe volta da cozinha com um copo de água na mão.
— Mãe o que tá acontecendo?
— Eu vou me mudar pra cá.
— A tia Laura comprou esse apartamento exatamente porque só da pra uma pessoa morar nele você sabe disso, é muito pequeno.
— É perfeito pra eu morar aqui... sozinha. - Ela solta o copo e se aproxima de mim.
— Mãe você ainda não sabe se o pai vai conseguir a guarda dela.
— Sei sim, eu assinei os papéis autorizando. - Suas mãos tentam me tocar buscando conforto mas eu me levanto e me afasto dela.
— Do que você tá falando, você entregou ela assim? No que você tava pensando ?
— Eles acharam comprovantes das transferências feitas pela minha conta Any, transferencias que eu fiz e que ajudou aquele canalha, eu não sabia o que tava fazendo, ele dizia que era pro trabalho e eu sempre acreditei.
— Eu não acredito nisso.
— Desse jeito eu posso ver ela de quinze em quinze dias, se a gente fosse até o juiz eu perderia totalmente ela, tenta me entender Any.
Nós duas já estamos em prantos, seus olhos, olham fixamente dentro dos meus.
Estico os braços a chamando pra um abraço e ela vem, ficamos minutos e mais minutos ali, abraçadas e chorando.
— Você não precisa se mudar, eu vou ficar aqui. - Digo ainda tentando engolir toda a situação.
— Nem pense nisso mocinha, em duas semanas você vai pegar um avião e voltar pra sua nova casa.
— Em dois meses minhas aulas acabam, e eu não vou te deixar sozinha.
— Any eu sei que você ama o Brasil e sei quanto me ama também, mas nós duas sabemos que lá é seu lugar, você tem uma vida inteira pela frente, vai viver minha filha.
— Mãe meu lugar é aqui com você, cadê aquela mulher que ficou brava quando eu falei que ia embora?
— Aquela mulher viu a filha indo embora e se cuidando muito bem sozinha, viu a filha feliz e construindo uma família de amigos, aquela mulher viu a filha que criou e sentiu orgulho por ver ela voando com suas próprias asas, eu não preciso de você aqui pra estar comigo filha.
— Mas mãe... - As lágrimas voltam escorrer pelo meu rosto, mas logo ela seca carinhosamente com seus dedos.
— Mas nada filha, eu sei me cuidar e vou ficar muito bem eu prometo.