Profundo

By potterfxck

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Louis Tomlinson vê sua vida se transformar em um pesadelo quando o ex-namorado espalha fotos dele nu na inter... More

Avisos
A N T E S
S E T E M B R O
S E T E M B R O - part 2
O U T U B R O
N O V E M B R O
N O V E M B R O - part 2
F É R I A S D E A Ç Ã O D E G R A Ç A
D E Z E M B R O
D E Z E M B R O - part 2
F É R I A S D E I N V E R N O
F E V E R E I R O
M A R Ç O
M A R Ç O - part 2
F É R I A S D E P R I M A V E R A
A B R I L

J A N E I R O

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By potterfxck

L O U I S

As férias de inverno pareciam que não iam terminar nunca. Eu dormia até tarde e ficava em casa o dia todo, de chinelos. O resto do mundo estava trabalhando, produzindo, mas eu não tinha nada para fazer. Joguei 6 milhões de partidas de campo minado, o que é... Pois é, nem eu sei. É claro que existem jogos melhores. Mas não consegui me concentrar em nada que envolvesse mais de uma fase ou qualquer tipo de estratégia complexa. Foi muito cansativo ficar em casa. O Natal no Caribe acabou comigo. Ter que sorrir o tempo todo, conversar sobre a faculdade, os meus amigos, os meus interesses, e nunca falar de Harry ou da padaria, de Nate ou das fotos. Guardar segredos é exaustivo. E quando toda a nossa vida se transforma em um segredo?

Contei ao meu pai sobre o rúgbi. Ele não gostou da ideia de eu praticar um esporte de contato.

– Você deveria jogar golfe.

– Eu detesto golfe.

– Qual é o problema do golfe?

Isso me faz pensar em Harry, em seu trabalho de caddie. Ele deve saber quando se deve usar um taco ferro nove ou um sand wedge. Deve ter opiniões sobre tacos e usar uniforme – talvez uma camisa polo impecável com uma bermuda cáqui. Deve ficar muito diferente. Passei muito tempo olhando para o Google Maps, procurando campos de golfe no Oregon, tentando adivinhar em qual ele trabalhava. Minhas notas chegaram. Dois A, dois A-. Meu pai as prendeu na porta da geladeira. Ele perguntou se eu encontraria com Nate, e quando eu lembrei a ele que havíamos terminado, ele disse: Vocês eram amigos antes de saírem juntos.

Talvez seja melhor não derrubar essa ponte. É óbvio que eu não liguei para Nate. Em vez disso, tirei um cochilo de quatro horas. No ano-novo, papai me levou para jantar e fez um auê por ter me deixado beber uma taça de champanhe. Na manhã seguinte, me emprestou o cartão de crédito para eu comprar "alguma coisa legal" para mim. Porque eu tirei boas notas. Porque ele estava muito orgulhoso de mim. Quando apareci com o casaco de caxemira que comprei no shopping – da cor dos olhos de Harry –, ele simplesmente me deu um beijo na testa, fez um carinho no meu ombro e me deixou sozinha vendo filmes de má qualidade no escritório.

À noite, bem depois que papai já tinha ido dormir, eu ficava deitado na frente da TV ligada esperando Harry ligar. Eu apagava algumas vezes. Estava tão cansado...

Mas quando o telefone tocava eu acordava. Dava risada. Sentia desejo. Sentia saudade. Ficava com o corpo em chamas, mordia os lábios, sussurrava palavras que nunca imaginei ser capaz de falar. Quero você. Preciso de você dentro de mim. Meu Deus, Harry. Ele me dizia coisas que queria que eu falasse. Sacanagens que de alguma forma não eram sacanagem para ele, eram apenas verdade. Eram reais. Ele pedia que eu falasse e eu falava. Qualquer coisa que ele quisesse. Mas havia palavras que eu não dizia.

Estou com saudade.

Eu te amo.

Devo ter pensado que haveria tempo para isso depois. Após as férias, quando voltássemos a nos ver, seríamos diferentes. Estaríamos próximos – tão próximos quanto ficávamos pelo telefone. Seríamos reais. Eu ainda não havia aprendido que, quando toda a nossa vida é um fingimento, a realidade não é algo que aconteça conosco. Quando nos cercamos de mentiras, todas as coisas verdadeiras começam a se decompor. Uma hora depois de ter chegado a Putnam, decido ir até o apartamento de Harry. Não consigo evitar. Preciso vê-lo.

Queria ter ido buscá-lo no aeroporto ontem à noite, mas ele deixou o carro em Des Moines e ia chegar tarde. Então acompanhei o voo, vi quando chegou a Ankeny, a apenas vinte minutos de mim. Imaginei Harry dirigindo sozinho para Putnam, no escuro. Hoje de manhã, eu havia prometido ao meu pai que ficaria para almoçar depois que minha irmã e eu fôssemos à loja de noivas para pegar o meu vestido. Charlotte não parou de me perguntar sobre minha vida amorosa, querendo saber se eu já havia esquecido Nate.

– Você devia começar a pensar em conhecer outro cara – sugeriu ela umas cinco vezes. – Não faz bem só ficar estudando.

Meu pai me disse que eu não deveria ter pressa. O tempo todo eu pensei em Harry a uma hora de distância. Quase perto o suficiente para que eu o tocasse. Quero subir a escada de incêndio de dois em dois degraus, mas me controlo. Eles estão congelados. Bato na porta, sem fôlego, com o coração disparado. Venho sonhando com este momento há semanas. Passei as férias todas esperando este reencontro, este beijo. Harry me pressionando contra a parede, o corpo contra o meu, a pressão no quadril. Eu passando as mãos pelos braços e as costas dele. Me perdendo nele, assim como fiz na minha imaginação durante o mês inteiro.

Quando ele abre a porta, no entanto, nada acontece como eu havia imaginado. O rosto dele está inexpressivo. Indiferente como o céu, cinzento e frio. Fico esperando que ele perceba que sou eu – que a recepção fique mais calorosa –, mas ele diz apenas Oi e eu percebo que ele já me reconheceu. E que esta é a minha recepção. Harry não dá um passo para o lado para me deixar entrar. Está vestido para trabalhar no restaurante – calça social preta, camisa social branca e sapatos pretos lustrosos. Tão lindo que chega a ser assustador, com os olhos daquele jeito.

– Oi. Você voltou – digo.

De repente sinto a vontade urgente de conferir o número na porta para me certificar de que estou no apartamento certo. Na dimensão certa.

– É, voltei.

-–Como foi seu vôo?

Porra, nós deveríamos estar nos beijando agora. Ele se vira e pega o casaco no armário.

– Foi bom. Preciso ir trabalhar.

– Numa quinta-feira?

– Peguei um turno.

– Posso ir caminhando com você?

Ele dá de ombros como se não fizesse diferença para ele. Estou perplexo. Na outra noite mesmo ele disse que queria entrar em mim, me deixar morrendo de tesão, trepar comigo até ficarmos exaustos e trêmulos, e que depois queria fazer tudo de novo, devagar, cuidadosamente, e ficar me vendo gozar. Ele disse isso há dois dias. Eu não inventei. Quando passa por mim, está cheirando a lã e menta e nem me olha. Eu o acompanho escada abaixo.

Ele está com um chapéu que nunca vi antes, com listras pretas e cinza- escuras. Olho para a nuca dele. Meus dedos anseiam por tocá-la. O humor dele me impede de fazer isso. O temperamento de Harry é algo real dividindo o espaço entre nós, sólido como granito. Vá embora, diz o comportamento dele, e isso me lembra as outras vezes que ele ficou assim. Semanas atrás. Eu quase havia me esquecido. Todas as regras que tínhamos, acho que estavam suspensas durante as férias. Nossas conversas sobre nos tocarmos, nos desejarmos, os pensamentos sacanas que trocamos fizeram com que eu apagasse essas regras da mente. Não sei direito quais são as normas agora, mas sei que, quaisquer que sejam, estão totalmente ativas.

– Qual é o problema? – pergunto.

– Problema nenhum.

– É mesmo? Você parece meio distante.

Ele se vira um pouco para mim, com as mãos enfiadas nos bolsos. Por um instante, todo o rosto dele se contrai.

– Acho que não estou muito a fim de conversar.

Você estava a fim na outra noite. Você me fez ter dois orgasmos conversando antes de desligarmos o telefone. Eu ouvi você gozando.

O que há de errado com você?

Eu deveria ser capaz de dizer algo assim. Mas acabei de passar um mês na casa do meu pai escondendo e calando tudo o que eu realmente sentia. Harry era a única pessoa com quem eu podia me abrir e, mesmo com ele, eu me censurava. Sinto um nó na garganta.

Chegamos a um cruzamento. A pilha de neve está na altura da cintura, mas há um recorte nela, e nós atravessamos pelo meio. O restaurante fica a meio quarteirão de distância, à direita. Está ficando escuro, embora sejam apenas quatro da tarde. O mundo parece sombrio e intimidador. Um carro passa por nós e o som dos pneus sobre o gelo parece uma ameaça.

Está frio. Muito frio.

– O que você vai fazer depois? – pergunto.

– Vou trabalhar até tarde.

Ele não diz quando vai voltar para casa. Não me convida para ir até lá. Esse rosto inexpressivo dele é um truque, um papel que ele aprendeu a desempenhar. E me deixa louco, porque não sei como me esconder desse jeito e não fiz nada para merecer esse isolamento dele. Me faz lembrar aquele dia na biblioteca em que tentei dar um tapa nele. O jeito dele naquele dia – aquele é Harry. Aquela era eu também. Nós dois naquela tarde, furiosos, intensos, impulsivos, reais. Enquanto isto aqui... isto aqui é apenas Harry sendo babaca.

– Como está seu horário de aulas neste semestre?

Ele dá de ombros de novo.

– Preciso conferir. Ainda não decorei.

Há um leve desdém nessa frase. Ainda não decorei, como tenho certeza de que você já fez. Harry nunca me menosprezou antes. Já me provocou, desafiou, seduziu, mas nunca zombou de mim. Alguma coisa está profundamente errada aqui. Reúno toda a minha coragem e seguro na manga do casaco dele, fazendo-o parar no meio da calçada.

– Aconteceu alguma coisa com você? Ontem à noite, ou na sua volta para cá?

É pouco provável, mas ele poderia ter uma desculpa. Uma explicação. Poderia.

– Eu já disse, não tem nada de mais.

– Então por que você está agindo assim?

– Assim como?

Empurro o braço dele com as pontas dos dedos, olhando para seu rosto inexpressivo.

– Assim.

Ele meio que revira os olhos para mim. Não totalmente, mas olha para o céu, como se eu o estivesse perturbando. Um garoto chato qualquer.

– Acho que você está com uma ideia errada a respeito da gente.

– Como assim?

– Aparecendo no meu apartamento sem avisar. Nós não vamos ser desse jeito.

Nós não vamos ser desse jeito. Era aí que ele queria chegar com isso. Era esse o objetivo dele.

– Você está me afastando.

Ele ainda não olhou para mim, e a princípio eu acho que é mais do mesmo – uma forma de Harry fingir que estou ficando previsivelmente reclamão, o apego carente completo –, só que os olhos dele estão brilhando. O pomo de adão dele se mexe, subindo e descendo enquanto ele engole.

A voz dele está áspera ao me dizer:

– É só que vou estar muito ocupado. – Ele pigarreia e continua: – Vou fazer dezoito créditos neste semestre, além de um turno extra na padaria, e não acho que...

– Quem você pensa que é?

– O quê?

– Você é a mesma pessoa com quem eu falei pelo telefone há dois dias? E na noite anterior, e na outra, e duas vezes por dia em vários dias, quando a casa estava vazia, com Gemma na escola? Aquele era você ou outro cara que parecia você?

– Você sabe que era eu.

– Então o que você está dizendo?

Ele cruza os braços. Totalmente incapaz de olhar para mim.

– Estou dizendo que quero parar com isto.

– Isto?

– Nós dois.

– Você está terminando comigo?

– Nós nunca estivemos juntos.

As palavras desabam sobre mim, seu peso me esmagando. Harry está parado, tenso – as pernas abertas, os braços cruzados, a porta do restaurante 3 metros atrás dele, brilhando como um farol. Ele planejou isso. Se preparou. E ainda está se saindo pessimamente, mal fingindo não dar a mínima. Nós nunca estivemos juntos. Não somos amigos.

Ele me disse há menos de 48 horas que queria lamber meu pau até minhas pernas ficarem bambas. Não sei o que mudou. Algo. Nada. Ele não se deu o trabalho de me dizer. Afinal, quando ele se dá o trabalho de me dizer qualquer coisa que seja?

Eu deveria estar com raiva, mas estou bastante surpreso e totalmente decepcionado. Pensei que a esta altura estaria na cama dele. Pensei que estaríamos sorrindo, nus, pegando uma camisinha para que eu enfim pudesse senti-lo dentro de mim. Em vez disso, Harry está tão distante que eu não consigo sequer reconhecê-lo.

– Certo – digo devagar, lembrando as palavras patéticas que ele acabou de falar. – Nós nunca estivemos juntos.

Ele olha para o restaurante atrás dele.

– Preciso ir.

Eu devia deixá-lo ir. Devia mandá-lo ir se foder. Mas eu preciso ter alguma ideia do que vai acontecer a seguir. Então pergunto:

– Quando vou ver você? Na padaria, na festa do time de rúgbi no sábado ou...?

– Tenho certeza de que a gente vai se ver por aí.

– Tá. Ótimo. Que ótimo, Harry.

Ele franze a testa, como se eu o tivesse afetado um pouquinho. Pode ser porque as lágrimas estão correndo quentes pelo meu rosto, caindo pelo meu queixo, gelando meu pescoço. Pode ser isso.

– Tenha um ótimo turno de trabalho – digo. – A gente se vê. Que bom que não somos amigos, senão eu talvez sentisse sua falta. Ou alguma coisa mais do que amigos. Que bom que não estávamos juntos, senão eu estaria destruído agora. Mas, claro, nós não estávamos juntos. Óbvio. É tão óbvio que não sei bem por que não recebi o comunicado. Talvez tenha sido o sexo pelo telefone, enganando meu cérebro apaixonado imbecil. Ou, caramba, talvez tenham sido todas aquelas horas que passamos juntos na padaria, conversando, ou aquela vez que eu dormi na sua cama e chorei no seu colo no chão do banheiro. Eu só fiquei confuso sobre o que nós somos. Eu não recebi o comunicado.

– Louis...

Dou um passo para trás, perco o equilíbrio, escorrego e caio de bunda no chão. A dor provoca mais lágrimas. Quando Harry me oferece a mão, eu a afasto.

– Não. Estou bem. Tenha uma ótimo noite.

Eu me levanto com dificuldade, e se os olhos dele enfim se suavizaram – se a expressão dele está tão triste como estou me sentindo –, merda, eu não vou deixar isso me afetar. Vou me afastar dele antes que tudo possa tomar conta de mim. Caminho rapidamente e então começo a correr, porque tenho medo de que, ao permitir que todos os meus sentimentos venham à tona, tenha que aceitar que ele está partindo meu coração de propósito, e ele não vai me dizer por quê. A festa do time de rúgbi é antológica.

Na verdade, são três festas. Primeiro é um jantar, seguido de uma pré-festa no salão Rawlins, apenas para o time. Às nove, começa a festa para todos os alunos no Minnehan Center. Está lotada, porque é a primeira festa grande depois das férias de inverno, as músicas são as melhores e nunca falta cerveja. E eis o motivo pelo qual é antológica: concurso de boquete. No ano passado, perdi a festa. Acho que estava estudando. Mas agora vou, com certeza. Ajudei Niall com o planejamento, decorei o salão com recortes de revista de jogadores de rúgbi incríveis e um mural gigantesco, que acho que deveria ser uma representação em tamanho real de um scrum, mas acabou ficando parecida com uma grande orgia gay, toda cheia de línguas e mãos. Sério, nós temos muita sorte por ninguém da universidade prestar atenção às decorações, porque, nossa...

Nossa.

Niall disse que vai guardar o mural para pendurar no quarto dela depois da festa. Fiz uma pastinha de queijo com salsinha e cookies, mas ninguém está com fome. Todo mundo está com sede. Niall levou 10 litros de ponche e três garrafas de vodca. Misturamos as bebidas direto nos copos de plástico vermelhos. A minha me dá dor de estômago – vodca sempre me dá dor de estômago –, mas tomo uns goles e fico na beirada da pista, vendo os outros dançarem.

Não quero beber demais. Tenho medo de fazer alguma bobagem, como aparecer na porta de Harry e gritar com ele. Ou lhe dizer que embora eu saiba que ele não vai a festas e que quer parar com "isto", eu queria que ele estivesse comigo hoje. Para poder chutá-lo. E então, provavelmente, beijá-lo. Eu queria tomar um monte de drinques seguidos, mas isso seria uma estupidez. Então aqui estou eu, bebendo meu ponche bem devagar, com cuidado, como um bom menino, e quando Niall me puxa para fazer a dança temática com ele, eu apenas sorrio e digo Não, obrigado, vou só assistir. Vou assistir o Liam e Zayn rindo juntos do outro lado do salão. Os dois oficialmente não deveriam estar aqui, mas nos ajudaram a arrumar tudo e, na verdade, ninguém se importa. Vou assistir o Niall ondular, fingindo ser uma água-viva, porque este é o papel que lhe coube na dança temática. Vou ficar olhando para a porta, embora Harry não vá aparecer - ele não foi convidado e, mesmo que tivesse sido, não viria.

Vou ficar parado olhando a vida passar por mim, porque eu sou um bom filho, um produtor de festas, um covarde bajulador que segue todas as regras. E do jeito que as coisas estão indo, nunca serei mais que isso.

Quando saímos do salão, estamos acabados. Vestimos casaco e chapéu, enrolamos um cachecol no pescoço e seguimos cambaleando pela noite escura. A temperatura está um pouco abaixo de zero, e a neve, espessa e lamacenta. Caminhamos devagar na direção do campo de rúgbi acompanhando o trilho do trem até um ponto atrás do Minnehan Center que Niall e eu limpamos cuidadosamente mais cedo. Doze metros de pista livre de neve cintilando em linhas paralelas. Algumas pessoas já estão por lá – a maioria amigos das jogadoras, namoradas, namorados. Enquanto tiramos as garrafas das mochilas e desembrulhamos copinhos de shot descartáveis para dispor ao longo do trilho, a multidão aumenta. Comigo, um envelope de tecido cheio de dinheiro. Eu devo ser a tesoureira, mas quando Niall afunda os joelhos ao lado do trilho e diz Vamos lá, galera. Alinhar!, não quero mais ficar só olhando. Não quero estar de fora.

Localizo Zayn no meio da aglomeração e o chamo.

– Você agora é o tesoureiro – digo a ele, entregando-lhe o envelope.

– Só se você fizer em mim de graça.

– Tudo bem. Você pode ser o primeiro. – Vejo o olhar de Niall. – Quero participar.

– Ótimo! Temos mais uma virgeeeem!

A ideia de que eu nunca tenha pagado um boquete é hilária, mas ninguém está zombando de mim. Niall abre um espaço a seu lado, prepara um shot e o coloca no trilho à minha frente.

– Vamos lá! – grita, e a multidão começa a se reunir ao nosso redor. – Todo mundo sabe como isto funciona! Dez dólares valem dois boquetes: um para você, outro para a incrível, maravilhoso e poderoso jogador do outro lado do trilho. Você paga a sua pessoa, ela deixa você enfiar a sua nota de dez na blusa ou na calça dela, tudo bem depravado. Todas começam ao mesmo toque do apito. A bebida é colocada no trilho e é preciso tomá-la sem as mãos em uma tentativa. Se engasgar ou babar a cara toda, vai para o fim da fila. Se o seu jogador se engasgar ou derramar nele mesmo, você recebe o dinheiro de volta. Se vocês dois engolirem feito gente grande, você pode pagar mais dez e ir de novo, se quiser. Todo mundo conhece o Zayn?

Olhos se voltam para ele. Cabeças assentem.

– Ótimo. Todo mundo conhece o Zayn. Se precisarem de troco, falem com ele. Eu também o estou nomeando árbitro de babacas. Isto aqui é para ser divertido e arrecadar dinheiro para o time de rúgbi. Sim, os shots são chamados de boquete. Sim, é bem safadinho. Mas se você ultrapassar a linha da diversão e começar a agarrar, xingar ou fazer qualquer outro tipo de babaquice, o Zayn vai dar um chute na sua bunda e todas os jogadores vão ajudá-lo. Aqui é um lugar seguro. Para to-do mun-do. Entendido?

Mais assentimentos e algumas vibrações. Todos estão felizes, nós estamos felizes. Não fomos as únicas a realizar uma pré-festa.

– Muito bem! Vamos lá! Onde está o meu garoto do apito?

De alguma forma, Liam está com o apito. A primeira fileira paga e se ajoelha.

– Mãos nas costas! – grita Liam.

Enfio os dedos nos bolsos de trás, para não ficar tentado. Zayn pisca para mim.

– Chupem! – exclama Liam, e em seguida soa o apito.

Abaixo a cabeça. É estranho apenas baixar o rosto até o nível do trilho, e preciso abrir muito a boca para encaixá-la ao redor do copo, a ponto de doer. Quando me sento, alguma coisa espoca na minha visão periférica, uma câmera ou um flash ou apenas luz refletindo nos trilhos. Vejo a mim mesma de fora. A cabeça atirada para trás. Os olhos fechados. Uma paródia de exploitation, de cinema apelativo.

A bebida desce pela minha garganta – Bailey s, Kahlúa, chantili. Quente e gelado ao mesmo tempo, estranho e assustador. Seguro a ânsia de vômito. Meus olhos se enchem de lágrimas. É impossível não me lembrar de mãos nos meus cabelos, puxando com força. O pau de Nate enfiado na minha garganta mais fundo do que eu gostaria e essa mesma sensação de quase engasgo. Não é divertido. Não é. Mas quando engulo e levanto a cabeça, ninguém está com as mãos em cima de mim. Niall encontra-se à minha direita. Liam sorri com seu apito. Zayn está na minha frente, com chantili espalhado pelo casaco preto todo, sem fôlego de tanto rir.

– Que porra mais nojenta – diz ele.

– Você perdeu! - brinca Niall. – Para o fim da fila.

É a coisa mais estranha do mundo, porque não estou bêbado, não estou traumatizado e não estou louco. Eu não sou uma bunda burra. Não sou um vulgar, não sou frígido, não sou uma decepção. Sou apenas um garoto que tomou um shot de bebida direto do trilho do trem, comemorando com os amigos, saboreando o calor que desce por sua garganta e chega até o estômago. É ridículo, mas eu estou bem. Na verdade, estou meio feliz. Os dois shots seguintes são com caras que não conheço. Consigo beber o primeiro, mas me engasgo com o segundo e o cara deixa o dinheiro quando tento devolver. Permito que ele compre mais uma dose, embora seja contra as regras. Ele se engasga e baba o líquido amarelo esbranquiçado pelo queixo, o que é nojento o bastante para fazer com que nós dois caiamos na gargalhada.

– Aaron – diz ele, estendendo a mão.

Eu a aperto. Está grudenta.

– Louis.

Ele sorri.

– Eu sei.

Decido que ele quer dizer exatamente o que disse. Ele sabe meu nome. Nada pior do que isso.

– Quem sabe nos vemos na festa mais tarde? – diz Aaron quando se levanta, com os joelhos da calça jeans molhados.

Quem sabe. Vem mais um cara. Depois dele, as coxas que se agacham na minha frente pertencem a Scott. O Scott do rúgbi.

– Oi - diz ele.

– Oi.

– Legal ver você aqui.

Rio disso. Na verdade, eu meio que ronco. Eu bebi... Ô-ôu. Alguns drinques. Cinco. Ou seis? Não foram muito grandes. Niall nos ensinou a prepará-los com muito chantili e pouca bebida, porque há alguns anos um dos jogadores acabou no hospital em coma alcoólico. Nós devemos fazer pausas de vez em quando, mas ainda estou bem. Estou melhor do que bem.

– Você achou que não fosse me ver?

– Hã... – Os olhos dele fixam nos meus. – Essa pergunta tem uma resposta certa?

– Hora de pagar, pessoal! – grita Liam.

Scott estende a mão, com uma nota de 10 dólares entre os dedos.

– Onde eu devo botar isto?

Há dinheiro saindo do meu bolso e os 20 dólares colados no meu pescoço estão cutucando a minha orelha. Olho para o céu, fingindo exasperação.

– Onde você quiser, garanhão.

Isso faz com que nós comecemos a rir. Ele põe no meu bolso. Eu me pergunto se ele andou bebendo também. E me pergunto por que está aqui. Se veio pensando que iria me ver. Se estava esperando por isso. Um dos jogadores serve um shot na minha frente e outro na frente de Scott. Liam sopra o apito.

– BEBAM!

Abro bem a boca. Abaixo a cabeça, posiciono a boca ao redor do copo e viro para trás. Meus olhos não ardem mais. Meus lábios estão grudentos e doces, e as mãos frias, por estarem fora dos bolsos há muito tempo. Scott bebe o shot dele também e tira mais 10 dólares da carteira.

– Eu preciso fazer isso de novo agora? – pergunta.

– Você tem o direito de fazer de novo.

– Ah, é um privilégio.

Sorrio.

– Com certeza é um privilégio. E é por uma boa causa.

Desta vez ele enfia o dinheiro no meu casaco, que está com o zíper fechado até o meu pescoço, enrolado no cachecol. Assim, quando ele enrosca os dedos no colarinho, apenas por um instante, toca uma parte totalmente inocente do meu torso, cerca de 10 centímetros acima dos meus seios. E ainda assim através de duas camadas de roupa. Mas nossos olhares se cruzam. Eu sei o que ele fez, e ele também.

Apito.

– BEBAM!

Este desce estranho. Começo a me engasgar e preciso me agarrar ao trilho por um instante, ferro frio através do couro marrom. Inspiro pelo nariz. Na minha visão periférica, percebo uma confusão. Movimento. Uma onda de agressividade.

– Não é a sua vez, cara – ouço Zayn dizer.

– Eu tenho o direito de ir de novo – acrescenta Scott.

– Não me interessa.

Conheço essa voz. Olho para cima e vejo Harry, apoiado em um joelho na minha frente. Ele deve ter forçado a barra para chegar até o primeiro lugar na fila. Então empurrou Scott para o lado, o que é estritamente proibido. Se outro cara tivesse feito isso, Zayn o teria expulsado, mas Harry é Harry, e além disso eles são amigos. Harry é Harry, e ele quer provar alguma coisa. Sabe Deus o quê. Ele está com o maxilar tenso. A testa enrugada. Os lábios rígidos. Eu me pergunto há quanto tempo ele estava assistindo e que tipo de direito ele acha que tem.

O músculo do maxilar dele se flexiona e ele range os dentes.

– Você está aqui para um boquete? – pergunto.

– Não.

Cruzo os braços e fecho a cara.

– Bom, é isso que temos. Vai querer ou não?

Alguém põe um shot no trilho diante dele. Liam grita:

– Pague!

Harry franze mais a testa, abre a carteira, tira uma nota e a estende para mim.

– Você deve colocá-la em mim.

– Não vou fazer isso.

– Todo mundo está fazendo.

Ele hesita, e eu acho que ele não vai botar. Parece incomodado com tudo isso, sem saber se estou sendo explorado ou explorando a mim mesmo. Eu também não sei, mas quero dizer a ele que às vezes precisamos simplesmente confiar no que sentimos. Precisamos acreditar que coisas felizes podem nos fazer felizes e que coisas erradas parecem erradas. Quero dizer a ele que esta noite ele precisa confiar em que eu sei o que quero em vez de decidir por mim. Não estou sob o comando dele. Nunca estive. Nós nunca estivemos juntos. Não éramos amigos. E eu não passei todas as horas desde que o vi pela última vez, há dois dias, com o coração partido, furioso, me sentindo traído.

Atrás dele, Scott está esperando. O esperançoso Scott. O legal, normal, possível Scott. Um cara que eu poderia apresentar ao meu pai. Ele deve ter vindo de carro de Carson hoje por minha causa. É uma pena que não seja Scott que eu queira.

Estendo a mão, agarro o pulso de Harry e o puxo até meu peito.

– Aqui é um bom lugar.

Nossos olhares se encontram. Ele enfia a nota no meu casaco, os dedos compridos em chamas. Eu não estive tão perto dele desde antes das férias. Só nos meus sonhos. Na minha cama, no escuro, lembrando o som da sua voz no meu ouvido, o calor do seu corpo, o deslizar da sua língua.

O apito toca.

– BEBAM!

Mantenho os olhos em Harry quando me abaixo para tomar meu shot. Ele não bebe o dele. Apenas me observa engolir a bebida. Ainda está olhando para mim quando termino. O que faço a seguir talvez se deva ao fato de estar bêbado, mas acho que não. Acho que é porque estou cansado de agir do modo como todo mundo imagina. Estou cansado de esperar que alguém me domine e de dizer a mim mesmo que é isso que eu quero. Estou cansado de ter medo do que pode acontecer. O fato é que vou até o outro lado do trilho, me abaixo, pego o shot de Harry e o viro com os olhos fechados. Então, quando os abro, o encaro diretamente e passo a língua pelos lábios, devagar e de forma sedutora. É o que basta.

Harry estende o braço, agarra meu casaco e me puxa para ele. Nossas bocas se encontram. É o beijo mais obsceno da minha vida. Profundo e forte, quente, doce, molhado, insano. Harry nem precisa de palavras para deixar claro o que foi dizer ali.

Meu. Meu, meu, meu.

Mas não sou dele. Sou meu. Agarro seus cabelos, puxo, arranho seu pescoço, punindo-o por não entender isso. Castigando-o por fazer isso ou por não ter feito isso antes, não sei. Estou punindo-o por me torturar. O beijo continua e tenho a vaga impressão de ouvir alguém comemorar. Talvez várias pessoas. Não me importa. Minhas mãos apertam e soltam os quadris dele. Ele chama o meu nome enquanto beija o meu pescoço. Depois para e recupera o fôlego, pressionando a testa contra a minha. Então se levanta, me deixando no frio. Sozinho. Olha furioso para Scott e vai embora. E só então compreendo a profundidade da minha fúria. Estou sem camisa, dançando no meio de uma multidão de mulheres sem blusa, sorrindo e rebolando. Estou seguro, bêbado e cansado de homens reivindicando meu corpo.

Cadela, Nate escreveu na minha pele, e eu acreditei nele.

Meu, Harry escreveu, e eu deixei, eu me derreti, eu lhe entreguei a minha rendição e a minha língua, mas agora estou bravo. Não aguento mais essa merda.

Niall dá um tapa na minha bunda, levanta meu braço e me faz girar. Duas garotas se abraçam e dão um beijo de língua na minha frente. Liam está dançando com Zayn com uma cerveja na mão. Há um motivo pelo qual a festa do time de rúgbi é popular para além dos boquetes, e tem muito a ver com o monte de blusas em cima do palco, ao lado do DJ. Estamos todos sem camisa, muitos metros de pele exposta, garotas e garotos gordos, magros, de todos os tamanhos, e nenhum de nós se importa. Estamos aqui para dançar. Estamos aqui umas pelas outras.

Começam uma coreografia, mas eu não sei os passos. É simples, só que sempre esqueço a sequência, bato nas pessoas, giro para longe demais e perco o equilíbrio, que reencontro em seguida. Quando caio, mãos se estendem para segurar a minha e me levantar. Corpos me pressionam, uma irmandade de abraços, quadris e braços levantados, óculos escuros e beicinhos, tudo banhado à luz de globos espelhados. Não sou mal. Não sou bom. Estou apenas vivo, dançando. Amo todo mundo. Todo mundo me ama. Somos calor e suor, jovens e bonitos, sexy e unidos. Nenhuma dessas pessoas me magoaria. Estou bêbado e continuo bebendo. Danço e respiro, me mexo, vivo. Estamos no meio da pista de dança, o centro de tudo, e às vezes acho que consigo vê-lo no entorno do salão. Botas e pernas cruzadas, apoiado na parede. Olhos semicerrados. Observando.

Às vezes, acho que vejo uma calça com baleias estampadas. Um sorriso malicioso que sabe demais. A mesma covinha que me fez pensar que eu estava seguro quando isso não era verdade, não importa até que ponto seus pais fossem legais e ele fosse educado. Mas estou com raiva e estou dançando e não me importo.

Fodam-se. Fodam-se os dois.

– Eu não quero vê-lo.

– Shh!

– O que foi? Eu estou sussurrando.

Tropeço em alguma coisa, e Niall segura meu cotovelo e me ajuda a levantar. Estamos no apartamento de Harry. Ainda estou bêbado, mas sóbrio o suficiente para saber que vir até aqui foi uma má ideia.

– Você não precisa vê-lo – diz Zayn. – Ele está dormindo. Fique calado e vai ficar tudo bem.

Niall liga a TV, eu tropeço em algo e caio no chão.

– Ai! – digo.

– Merda!

Ele começa a rir. Niall e Zayn brigam pelo controle remoto. Penso se não seria melhor ir embora, mas LIam me ajuda e coloca uma garrafa de água na minha mão, para que eu beba. Fecho os olhos, saboreando cada gole gelado e incrível. O som da TV fica bem baixinho. O apartamento tem o cheiro de Harry e está cheio de lembranças que não quero neste momento – a não ser, é claro, pelo fato de que sempre as quero, e sempre quero Harry, e não há nada que eu possa fazer a respeito. A água pelo menos acalma a minha garganta irritada. Já meus sentimentos precisarão esperar por outra noite. Abro os olhos porque estou ficando tonto, o que se torna muito mais evidente agora que não estamos na festa. Liam encontra-se bem na minha frente, acariciando meu cabelo talvez para eu manter quieto, e eu preciso estender o braço e me segurar em um armário para que sua preocupação cheirando a cerveja não me derrube de novo.

– Por que vocês me trouxeram para cá? – Minha pergunta é para ser um sussurro, mas parece uma lamúria. – Eu não quero vê-lo.

– Eu sei, querido, eu sei. Nós não sabíamos mais o que fazer com você. Precisamos deixá-lo sóbrio, e você estava falando alto demais para voltar para o alojamento.

Ele me leva até o sofá, onde Liam e Zayn já estão sentados. Quando eu também me acomodo, Liam puxa minha cabeça para o colo dele e desembaraça meus cabelos com os dedos. Sinto frio no pescoço. O filme é ridículo, algo sobre carros e armas. Justamente quando meus olhos começam a ficar pesados, chega comida – três caixas imensas de nachos da pizzaria. Sento-me no chão, entre o sofá e a mesa de centro. Enfio nachos, sal e queijo na boca.

– Isto é tããããããão gostoso.

– Não se esqueça de mastigar – aconselha Zayn. – Você sabe que tudo isso vai voltar depois.

– Não – diz Niall. – Você está falando sério?

Zayn e Niall ainda estão discutindo amigavelmente sobre quais são as chances de eu vomitar antes do amanhecer quando a porta da frente se abre de repente. Harry pisca para nós numa surpresa embotada durante vários segundos antes de Zayn dizer Merda.

– Bela saudação.

Ele se abaixa para tirar as botas cobertas de neve e desaparece. Estou no chão, coberto de farelos de nachos e provavelmente toda sujo de queijo. Ele não me viu. Não me importo.

– Cara, achei que você estivesse dormindo no seu quarto – diz Zayn.

– Não estou.

– É, tô vendo. Você estava no bar?

Ouço uma batida surda.

– Estava.

Então um silêncio de alguns minutos e um barulho alto.

– Merda – diz Harry.

– Você está bêbado.

– Não diga.

Zayn se vira para Niall com os olhos arregalados. Ele faz um movimento de xô com as mãos que quer dizer Leve ele para o quarto. Zayn se levanta com os nachos na mão, e é o movimento errado, porque Harry vê a caixa, pergunta se eles pediram comida e se encaminha para o sofá. Então dá de cara comigo e para.

– Preciso conversar com você.

– Eu não quero conversar – respondo.

– É. Aposto que não quer. Escute aqui... – Ele para. Olha para Liam, Niall e Zayn. – É melhor vocês saírem.

– São três da manhã – diz Niall.

– E estamos no inverno – observa Lian.

Zayn cruza os braços.

– Nós somos responsáveis por ele esta noite.

– Eu vou ser responsável – diz Harry a ele.

– Você está bêbado.

– E daí?

– E daí que você não consegue nem tirar os sapatos sem cair. Não vou deixar Louis com você.

– Ei! Eu estou aqui! Vivo e bem, perfeitamente capaz de tomar minhas próprias decisões.

– Eu quero ficar sozinho com ele – decreta Harry.

– Eu não vou deixar – insiste Zayn.

– Tudo bem. Fique. Mas nós vamos para o quarto.

– Talvez eu não queira... – começo a dizer.

E então estou de cabeça para baixo, com o ombro de Harry pressionando minha barriga, e preciso me concentrar, porque meus olhos estão lacrimejando e quentes e estou com medo de vomitar nele. Ele me levantou. Me levantou do chão e me jogou por cima do ombro. Que babaca. Quando ele me larga, bato na parede. Ele fecha a porta e a tranca à chave. Vou matá-lo.

– Seu Neanderthal. Seu... seu... homem das cavernas dos infernos. Como ousa? Como ousa?

Ele está em frente à mesa, tirando a carteira do bolso e guardando na gaveta. Depois, tira o casaco e abre o zíper do moletom. Então abre outra gaveta, pega várias camisinhas e bota uma no bolso.

– Para que é isso?

– Não se preocupe com isso.

– Não me preocupar? Que tal você parar de agir como um verdadeiro homem das cavernas que pode simplesmente me beijar quando quiser, me atirar por cima do ombro, me levar para o quarto e pegar uma camisinha, como se isso algum dia fosse acontecer, que pode fazer sexo comigo pelo telefone quando quer bater uma punheta e se livrar de mim quando acabar? Que tal...

– Louis. – Ele senta na cama. Sua voz está baixa e calma. – Nós precisamos conversar sobre algumas coisas. Será que você consegue ficar cinco minutos sem berrar?

– Eu não estou berrando!

Mas a frase sai bem parecida com um berro. Eu me viro de frente para a parede e cubro o rosto com as mãos, porque dói demais olhar para ele. Preciso ficar com raiva, porque, se parar de sentir raiva, tudo o que me restará serão decepção e desejo, e eu não posso mais lidar com nenhum dos dois sentimentos. O preço é alto demais e já faz muito tempo que venho pagando por isso. As molas da cama dele rangem. Até isso me comove, porque me lembro de quando estive na cama dele, com as mãos e a boca dele em mim. Meus olhos se enchem de lágrimas e eu estou muito decepcionada comigo mesma.

– Louis.

Harry está logo atrás de mim. Eu já o ouvi dizer meu nome assim, baixo e íntimo, logo antes de ele gozar. A forma como meu coração se alegra e meu corpo reage, mesmo enquanto tento me concentrar na minha raiva e segurar as lágrimas, é mais do que consigo suportar.

– Não.

Mas ele não escuta. Apoia uma mão na parede e a outra nas minhas costas. Se inclina para a frente e aproxima os lábios da minha orelha, o calor do corpo atrás de mim, perto o bastante para me fazer desejar, para me arrastar para ele de novo se eu deixar, se eu ceder, se eu for fraco.

– Por favor – diz ele.

Alguém bate na porta.

– Tá tudo bem, Louis?

É a voz de Niall. Posso imaginá-lo com Zayn e Liam do lado de fora. Preocupados comigo. Penso na festa de hoje, na dança, na sensação de estar cercada de pessoas que me amam. Não sou fraco. Estou um pouco bêbado – ficando mais sóbrio a cada segundo –, mas sou forte. Respiro fundo e encontro essa força. Me envolvo nela. Então afasto as mãos do rosto e me viro de frente para Harry.

– Estou ótimo – digo, alto o bastante para eles me ouvirem. – Ele tem dez minutos.

– Tem certeza? – pergunta Zayn.

– Vão ver a porra do filme de vocês – diz Harry.

Depois de um instante, o volume da TV aumenta. Então eu e Harry ficamos apenas nos olhando. O rosto dele é tão perfeitamente imperfeito. A boca larga e pretensiosa que consegue me deixar acesa, fazer com que eu tenha a sensação de estar me afogando, como se só fosse possível viver dele. A boca dele é uma mentira. Eu o desmonto, um pedaço por vez. Queixo, maçãs do rosto, nariz, sobrancelhas. Os olhos com as pupilas dilatadas, a íris clara ao redor, olheiras embaixo. É apenas um rosto. O rosto de Harry. O hálito dele é apenas hálito, cheirando a álcool. Ele é só um homem aqui parado. Não é um problema que eu precise resolver. Não é uma obrigação, uma necessidade, não é amor. Talvez realmente não seja nem mesmo meu amigo. Quase consigo me convencer disso.

– O que você quer? – pergunto.

A boca dele se abre. Ele estreita os olhos. Põe a mão na nuca, abaixa a cabeça, expira.

– É – digo, porque é fácil ver agora.

Não sei se é a falsa sabedoria de todos aqueles shots e cervejas ou se é porque estou com muita raiva, mas sinto como se todo o fingimento tivesse sido eliminado, como se todas as mentiras convenientes atrás das quais eu havia me escondido tivessem sido expurgadas na pista de dança. Estou me sentindo sábio, e agora sei coisas que não sabia antes.

Como esta... esta verdade: Harry não sabe o que quer.

– Este é o seu problema, não é?

Ele fez aquele discurso no meu quarto naquele dia, dizendo Quero você. Não sei como parar de querer. Quero entrar em você. Entrar fundo, e depois mais fundo, até estar tão dentro de você que a gente não saiba mais quem é quem. Ele só falou, mas não se decidiu. Tem medo. Ainda está desenhando limites ao nosso redor. Eu poderia dizer que agora é tarde demais. É tarde demais há muito tempo, talvez desde o começo. Em vez disso, digo:

– Estou cansado de esperar que você descubra.

Ele levanta os olhos. Aquelas marquinhas brilham com algo, talvez um protesto. Algum apelo.

– Estou cansado de você agir como se eu estivesse disposto a ser qualquer coisa que você queira. Talvez as coisas tenham sido assim até agora. Acho que fiz tudo o que você disse, segui todas as suas regras. Mas acabou. Isto não é um jogo e você não está no comando. E eu acho...

– Lou...

– Não. Eu estou falando agora e você que espere. Eu tenho sido paciente, mas minha paciência acabou, Harry. Você não pode furar a fila na festa e me beijar na frente de todo mundo depois de ter me dado o fora, depois de ter se recusado a admitir até mesmo para os nossos amigos que nós tínhamos alguma coisa há meses, e então ir embora, como se tivesse dito o que queria e pronto. Você não pode me atirar no ombro e me arrastar para o seu quarto como se eu não tivesse o direito de protestar. E botar uma camisinha no bolso para quê? Caso tenha vontade de me comer mais tarde? Não. Você não pode fazer isso. Quer ser meu amigo? Nós poderíamos ter sido amigos. Quer só me comer e mais nada? Sabe, eu estava disposto a isso! Eu provavelmente teria me apegado demais e ficado de coração partido, mas e daí? Eu não seria a primeira pessoa da história a passar por isso. Mas foi você quem me falou para dizer quando estivesse pronto para sair com outros caras, e você quem me abandonou depois das férias como se nada do que havíamos dito ou feito pelo telefone importasse, então não venha fingir que tem algum direito de bancar o namorado ciumento quando você não é a porra do meu namorado.

Agora estou cutucando o peito dele, e é possível que esteja chorando, mas não quero pensar muito, porque preciso fazer isso. É um alívio imenso botar tudo para fora, acusá-lo, bater nele com essas palavras que eu vinha segurando havia muito tempo.

– Desculpe – diz ele.

– É bom se desculpar mesmo. Você foi um cretino comigo e eu simplesmente aceitei. Eu deixei. Mas não vou mais deixar. Se quer ficar comigo, se decida, porra.

Ele envolve meu rosto com as mãos. Não consigo nem escutar com o barulho do sangue nos meus ouvidos, as batidas do meu coração, a minha fúria. Não sei bem o que há de errado comigo. Eu disse o que queria e agora deveria ir embora, mas ele me prendeu aqui entre as suas mãos, os olhos me encarando, e não quero estar em nenhum outro lugar. Tudo o que eu disse é verdade e ainda assim quero estar exatamente aqui.

– Você é covarde. – Minha voz está rouca.

Baixa. Chocado, porque só agora estou me dando conta disso.

– Eu sei.

– E um mentiroso.

– Eu sei.

– Você está brincando com meus sentimentos.

Ele nega com um gesto de cabeça.

– Não. Não estou... Não é a minha intenção. Eu só não posso.

– Não pode o quê?

Dou mais uma sacudida nele e nossos narizes se chocam e passam um pelo outro. Ele não está me beijando. Está com o rosto encostado no meu, roçando a bochecha na minha. Passando a barba por fazer no meu queixo. Eu preciso de você. É isso que ele está tentando me dizer. Eu quero você. Eu também preciso dele. Também o quero. Mas não é justo ele me dar isso e mais nada. Não basta.

– Eu não posso – repete Harry.

– Eu não sei nem do que você está falando. – Não pareço mais tão duro. Minha voz está mais suave, porque, meu Deus, eu gosto dele, embora seja errado e estúpido. Ele está sofrendo, e eu me importo. – Não tenho como saber, porque você não me diz nada.

– Eu sei. Eu sinto muito.

Afasto as mãos dele de mim e agarro sua cabeça do mesmo jeito que ele tinha agarrado a minha. Quero que ele olhe para mim. Quero que ouça, que compreenda. Afundo os dedos nos cabelos dele. Eu o faço escutar.

– Você pode me contar. Não há nada que você não possa me contar. Meu Deus, qualquer coisa... Você sabe que eu estou do seu lado. E se você simplesmente me...

Paro de falar, pensando em como seria se ele me obedecesse. Eu deveria me calar, mas estou com muito álcool no organismo para ser capaz de evitar dizer tudo o que quero. Olho nos olhos dele.

– Se você me contasse, nós poderíamos deitar naquela cama e ir para baixo das cobertas. Poderíamos tirar a roupa e ficar juntos. Fundo e depois mais fundo, exatamente como você disse. Você sabe como seria, Harry. Nós dois sabemos.

– Seria incrível.

Desço o polegar, passando pelo arco da sobrancelha dele.

– É. Incrível.

Passo os braços ao redor dele, aproximo seu corpo do meu, encaixo a cabeça no pescoço dele, porque acho que Harry precisa disso. Tenho certeza de que sou a única pessoa em Iowa que já o abraçou, e talvez no Oregon também. Talvez ninguém mais o abrace além de mim. Eu o abraço apertado, e ele está tremendo. Tremendo de verdade. Sinto pena de Harry. Isso é uma novidade. Acho que é a primeira vez desde que o conheci que não tenho a sensação de que é ele o detentor de todo o poder, de todas as cartas. A primeira vez que eu acredito que ele pode ser ainda mais ferrado do que eu.

Beijo seu maxilar. Acaricio suas costas, porque elas são largas, quentes e fortes, e a verdade é que eu não consigo evitar. Nunca consegui. Mas depois de tudo isso eu o solto. Dou um passo para trás. Olho nos olhos dele e levanto o queixo.

– É mais fundo ou nada – digo. – Então tome uma decisão.

Desta vez, sou eu que vou embora.

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