Profundo

By potterfxck

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Louis Tomlinson vê sua vida se transformar em um pesadelo quando o ex-namorado espalha fotos dele nu na inter... More

Avisos
A N T E S
S E T E M B R O
S E T E M B R O - part 2
O U T U B R O
N O V E M B R O
F É R I A S D E A Ç Ã O D E G R A Ç A
D E Z E M B R O
D E Z E M B R O - part 2
F É R I A S D E I N V E R N O
J A N E I R O
F E V E R E I R O
M A R Ç O
M A R Ç O - part 2
F É R I A S D E P R I M A V E R A
A B R I L

N O V E M B R O - part 2

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By potterfxck

L O U I S


– Trouxe um presente para você.

Harry levanta os olhos da balança, onde está pesando farinha na tigela maior.

– É?

Balanço o saco plástico branco que tenho na mão.

– Salgadinho de milho, chocolate, dois brownies.

– Você sabe como me conquistar.

– Eu sei como evitar que você se transforme em um mala nas noites de quarta.

Harry sorri e pega o saquinho. Abre uma bebida energética e fecha os olhos enquanto toma um gole direto da lata. Parece cansado. Quartas-feiras são os piores dias, porque ele tem aula no laboratório à tarde. Nos outros dias ele costuma dar um cochilo depois do turno da manhã, mas nas quartas assiste a todas as aulas depois de ter dormido só quatro horas à noite e ainda vai para o laboratório, em seguida para a biblioteca e depois para a padaria, para o turno da noite.

– O que você está misturando, o pão francês?

– É. Quer começar o de endro?

– Claro.

Confiro a prancheta pendurada ao lado da pia para ver de quantos pães Bob precisa. Harry vem logo atrás de mim, repousa a mão no armário onde a prancheta está pendurada e encosta a lata gelada no meu pescoço.

– Aaai! Não faz isso!

Ele dá uma risada e se afasta, mas não muito. Se eu me mexesse alguns centímetros... Se me encostasse nele... Se pressionasse o corpo todo contra o dele...

– O dia foi bom? – murmura ele.

Ai. O que ele está fazendo comigo? Eu nem acho que Harry precise conferir a prancheta. Já sabe tudo de cor. Ele está com a camisa de flanela xadrez desabotoada. As mangas estão dobradas, com os punhos soltos, e balançam quando ele mexe os braços. Penso em passar a mão no antebraço dele. Sentir os pelinhos macios, a pele acetinada. Penso em me virar para encará-lo. Mas só inspiro. Expiro. Mantenho a voz normal ao responder:

– É, foi tranquilo. Cruzei com o Niall no almoço, e Liam e eu acabamos sentando com ele e Zayn.

– É a segunda vez esta semana que você teve companhia para almoçar.

Reúno coragem suficiente para me virar e sorrir como se não esperasse nada dele, como se não precisasse de nada dele.

– Pois é. Vida social intensa, né?

Harry quase sorri. Eu me sinto como se fosse uma experiência que ele está fazendo. Como ele vai agir se eu fizer isto?

– Dormiu antes de vir para cá?

– Algumas horas. E dei um cochilo beeeeeeem longo depois da aula também. Aqui, tá vendo? – Viro o rosto para mostrar a marca da almofada na bochecha. – Eu estava tentando ler um texto de inglês, mas caí no sono no sofá e fiquei com o veludo cotelê da almofada marcado para sempre no rosto.

Ele se aproxima ainda mais para ver as marcas quase apagadas depois de tantas horas. Passa os dedos de leve pelo meu maxilar e vira meu rosto na direção dele. Seria assim que ele me beijaria. Exatamente assim, com uma bebida na mão e um meio sorriso casual, os dedos experientes direcionando meus lábios para onde ele quisesse. Inspiro. Não fique empolgado demais, Louis. Ele só está olhando porque você disse para ele olhar.

– Legal – diz ele. – Fiquei com inveja.

– Do meu cochilo?

– Da sua almofada.

Fico ali parado com o calor subindo pelo meu rosto, respirando pela boca, tentando me convencer de que ele não quis dizer aquilo. Fermento, idiota. Endro, cebola em flocos e sementes de papoula. Foque no trabalho. Mas não consigo, porque é impossível desviar o olhar dos olhos dele. Estão verde-acinzentados, como nuvens de tempestade com minúsculos relâmpagos cintilantes.

O que você quer de mim? Pegue. O que quer que seja. Por favor.

Ele bebe o resto do energético e eu fico observando seu pescoço. Ele está com a barba por fazer, como em todas as noites de quarta. Não tem tempo de se barbear. Desse jeito, com a cabeça virada para trás e os olhos fechados, percebo como a pele de suas pálpebras está escura e magoada, como a aba do boné preto pressiona sua nuca, como seus cabelos estão mais compridos do que no mês passado, enrolando atrás das orelhas e por cima do tecido do boné. Ele parece cansado e... sei lá. Precioso. Queria poder lhe dar algo mais do que porcarias que comprei no mercado no caminho para cá.

Queria poder lhe dar descanso. Calma. Queria que ele parasse de me torturar assim, quando fico tão ligado nele que me sinto como se pudesse explodir, e ele é tão doce que não consigo nem saber se está fazendo de propósito. O antebraço dele se tensiona quando ele afasta a bebida da boca e se contrai quando ele amassa a lata. Minha atenção é atraída pelo que parece uma algema de couro preto no pulso dele.

– O que é isso?

Ele olha.

– Uma pulseira.

– Eu sei, seu bobo. É nova?

– É.

De repente, ele se vira, atira a lata do outro lado da sala, no lixo seco, e volta a pesar os ingredientes. Eu nem penso. Só vou até ele e agarro sua mão quando ele está despejando mel do pote dentro da tigela.

– Cuidado!

Não acho que ele esteja me alertando sobre o mel.

– Eu quero ver.

É o tipo de pulseira que se compra em feiras de artesanato – uma faixa de couro rígido com um padrão estampado de rosas vermelhas e azuis e o nome dele impresso e pintado de branco. A tinta preta deixou o pulso dele meio azulado.

– Que chique.

Ele puxa a mão e eu olho nos olhos dele. Quero que me diga de onde veio a pulseira, porque alguém deve ter dado a ele. É nova. Como está usando para trabalhar, embora seja meio brega, deve significar alguma coisa para ele. Mas não posso simplesmente dizer tudo isso e sinto que realmente não deveria.

– Minha irmã mandou para mim – diz ele, afastando o pulso de mim.

Embora não haja quase nenhum espaço entre nós, ele se agacha, me obrigando a dar um passo para trás para que ele possa tirar a tigela da balança e colocá-la na batedeira. Eu não consigo nem levantar as tigelas quando estão cheias, mas Harry faz parecer fácil. Ele liga a batedeira. O gancho da massa inicia sua canção batida e agitada.

Ele tem uma irmã.

– Quantos anos ela tem?

– Nove. Vai fazer 10 daqui a alguns meses.

– Como ela se chama?

– Gemma.

– Ah.

Quando levanta os olhos da batedeira, eles estão ameaçadores.

– Mais alguma pergunta?

Eu não deveria falar mais nada. Sei como são as coisas. Quanto mais perguntas eu fizer, mais rapidamente ele vai se fechar.

– Por que você nunca me disse?

– Você nunca perguntou.

– Se eu tivesse perguntado, você teria me dito?

Harry dá de ombros, mas está emburrado.

– Claro. Por que não?

– Não acredito em você.

Ele balança a cabeça, mas não diz mais nada. Observo enquanto vai até a prateleira, passa a primeira receita de pão para baixo da pilha e começa a trabalhar no que quer que esteja a seguir na lista. Seus lábios se movem em um sussurro, palavras que ele diz apenas para si. Poderia estar repetindo os ingredientes na lista, mas, assim como a prancheta, sei que já sabe todas aquelas receitas de cor. Volto a atenção para o pão de endro, furioso, com o coração partido. Ele tem uma irmã chamada Gemma. Está usando o amor dela por ele no pulso, e eu fico feliz por ele. Fico feliz que haja mais alguém no mundo que goste de Harry o suficiente para imprimir seu nome numa pulseira de couro, uma palavra na pele, um ato de lembrança. 

Eu faço isso às vezes, no escuro. Deitado na minha cama, fico olhando para as molas que sustentam o colchão de Liam acima da minha cabeça enquanto traço as letras do nome dele no meu corpo. H-A-R-R-Y na minha barriga, nas laterais. Uso apenas uma unha, que deixa minha pele arrepiada. H-A-R-R-Y em meu esterno. Sobre a clavícula, tropeçando e parando um pouco nos mamilos. O nome dele parece um segredo, e agora ele o está usando no pulso. Quero saber sobre essa menina que o colocou ali. Como ela é. Se tem covinhas, cabelos claros ou escuros, como os dele. Se é brigona ou calma, divertida ou séria, moleca ou mocinha. Sei que o ama, então quero saber todo o resto. Mas Harry não quer dividi-la comigo. Eu não deveria continuar tentando escalar esses muros que ele ergue à minha frente. Eu escalo muito mal. Não gosto de discutir, e ele não me deve nada.

-

– Fique de quatro – diz Niall, apontando. – E passe o braço pelas costas de Luke.

A grama está fria. A umidade encharca os joelhos da minha calça de moletom quase imediatamente, mas tenho a impressão de que isso não será a pior coisa que me acontecerá nos próximos minutos. Estou me agachando na posição que Niall me disse se chamar scrum e que é bem desconfortável. Mas não tão desconfortável quanto passar o braço pelas costas de uma estranha. Formamos um agrupamento bastante apertado: três fileiras de homens, mãos agarradas às camisas, ombro no ombro, quadril no quadril.

Niall diz que em um minuto nossos oito integrantes se atirarão contra os oito integrantes adversários, então a bola vai rolar no meio e... alguma coisa vai acontecer. Ele me antecipou muitas das regras no caminho até aqui, mas quando ele disse que eu teria que derrubar pessoas, esqueceu de mencionar o tamanho delas. Atrás de mim, um jogador abaixa a cabeça e enfia os ombros entre as duas jogadoras da segunda fileira que estão ao meu lado. Agarra minha camiseta com a mão.

– Pronto? – pergunta Niall.

– Hum... Não?

Ele me dá um sorriso bem aberto.

– Você vai dar um jeito. – Então começa a correr de costas para as laterais, onde agarra uma bola. – Muito bem, vamos lá!

Segundos depois ele está rolando entre as duas metades do scrum e toda a minha fileira de formação está indo para a frente. Preciso me esforçar para me segurar em Luke enquanto a grama tenta sair de debaixo dos meus tênis. Há gemidos e empurrões, depois mais uma rápida guinada para a frente e alguém grita:

– Bola!

A formação toda meio que desmorona e se dissolve ao mesmo tempo, e eu fico ali parado, confuso, enquanto todo mundo no campo sai correndo.

– A bola é sua, Louis! – grita Niall. – Vá atrás dela!

Passo a meia hora seguinte me sentindo um irmão caçula muito burro, correndo atrás dos garotos mais velhos e gritando Ei, me espera! Como tenho duas irmãs mais velhas, esse, pelo menos, é um papel que conheço bem. Sempre que pego a bola, me livro dela o mais rápido possível. Descubro que tenho um pavor profundo de ser derrubado. Derrubar também me assusta. Em certo momento, um jogador do time  adversário vem com a bola na minha direção e eu digo a mim mesmo Vou derrubá-lo, mas, quando chega a hora, eu só agarro a camiseta dele de qualquer jeito. Porque eu sou péssimo. Ainda assim, é meio divertido. Até o momento que o estacionamento ao lado do campo começa a se encher de carros e uma van com a inscrição

“Universidade Carson” na lateral para.

A Carson é uma faculdade a uns 40 quilômetros de Putnam. A van está cheia de garotas vestindo camisetas de rúgbi pretas e shorts combinando. De repente me ocorre que talvez Niall tenha me feito vestir uma camiseta azul por um motivo. E que Niall é, na verdade, uma baita de um mentiroso que me manipulou para aceitar participar de uma partida de rúgbi, não de um treinamento. Os garotos da Carson que saem da van são muito maiores do que nós. Muuuuuuuito maiores. Além disso, elas têm uma treinadora – uma treinadora de verdade, adulta, membro do corpo docente da universidade. O time de rúgbi masculino do Putnam College não tem sequer uniforme. É só um clube aparentemente composto apenas por amigos de Niall, muitos das quais estavam reclamando de ressaca poucos minutos antes.

Enquanto isso, os integrantes do time da Carson parecem estar com sangue nos olhos. A treinadora tem um assistente que deve ter nossa idade, mas carrega um apito e uma prancheta e, portanto, passa uma impressão muito mais oficial. Estou muito fora da minha realidade. Começo a tentar pensar em um bom motivo para implorar para sair. Preciso estudar. Péssimo. Torci um tornozelo. Quando? Preciso fazer... coisas. Em outro lugar. Certo. Cruzo os dedos atrás da cabeça e olho para o céu em busca de inspiração, mas o que descubro é que o dia está lindo. O azul está perfeito e o vento me dá uma sensação boa quando bate no meu rosto.

Os jogadores da Carson conversam com as do nosso time, Niall conversa com a treinadora deles e todas parecem muito felizes. Eu não tenho nenhum outro compromisso para hoje e de repente me dou conta de que não há nenhum outro lugar onde eu gostaria de estar neste momento. Gosto disso. Tento me lembrar da última vez que fiz algo completamente novo, assustador e de que eu tivesse gostado e penso em Harry na padaria, com o boné preto virado para trás e o avental branco. Queria mandar uma mensagem para ele contando que estou jogando rúgbi com o Niall, mas, em vez disso, corro até ele e peço que me dê uma ideia melhor sobre o que eu deveria estar fazendo no jogo. Agora as coisas vão ficar sérias. Meia hora depois, Niall está todo enlameado, sorrindo, e grita para mim do outro lado do campo:

– Não é o máximo?

Nós estamos levando uma surra do time da Carson. Em 80 por cento do tempo eu não tenho a menor ideia do que estou fazendo.

– É incrível! – grito de volta.

E é mesmo. Estou adorando tudo. Penso em como é bom correr e, quando agarro a bola e a seguro firme embaixo do braço, penso em como ela é dura. De repente, sou atropelado por um caminhão. Tá, tudo bem, o caminhão é uma pessoa. Mas ela parece um caminhão, e me deixa totalmente sem ar. Fico deitado de costas, piscando para o céu, tentando respirar. Dobro os joelhos e levanto os quadris por motivos que não ficam claros para mim. Deve parecer que estou tentando transar com o céu, mas não tem importância, porque do outro lado do campo alguma coisa emocionante acontece e ninguém presta atenção na minha quase morte. Um vulto bloqueia a minha visão do céu e ouço uma voz masculina dizer:

– Você ficou totalmente sem ar.

Não estou morrendo. Que ótima notícia. Fico tão grato que poderia beijá-lo. Mas ainda não consigo respirar.

– Vire de lado – diz o sujeito, levantando meus quadris na sua direção.

Eu obedeço, porque ele tem uma voz tranquilizadora e eu gosto do apito dele. Fico olhando para as canelas peludas e as meias pretas que parecem ser feitas especificamente para a prática de rúgbi, com travas e tudo. Tento respirar de novo. Nada acontece. Começo a ficar com a sensação de que meus olhos vão saltar das órbitas.

– Não entre em pânico. O seu diafragma está tendo um espasmo, mas logo vai relaxar. Apenas se acalme. Feche os olhos.

Faço o que ele manda. Depois de alguns segundos, o aperto no peito diminui e consigo inspirar.

– Ótimo – diz o homem.

Respiro. Abro os olhos. A grama está embaçada. Pisco, mas não consigo focar.

– Não consigo enxergar.

Ele se abaixa e observa meu rosto, estreitando os olhos.

– Você usa lentes de contato?

Ah.

– Uso.

Pisco de novo e então reconheço o que vejo. É assim que fica o mundo quando estou só com uma lente. O cara também está meio fora de foco, mas de um jeito legal. Tem cabelos castanhos cacheados bem curtos e um furinho no queixo.

– Será que a lente pulou para fora do olho?

– Acho que sim. Aquele homem era feita de tijolos?

Ele sorri.

– Ele deve ter uns 50 quilos a mais do que você. Foi bem violento. Quer uma mão para se levantar?

Seguro na mão dele pensando no que tinha acontecido. Levei uma porrada tão forte que perdi uma lente.

– Meu nome é Scott – diz ele.

Estou tão distraído que mal o escuto. Penso Caramba, fui derrubado e não morri. Sou duro na queda.

– Louis – digo, mas acho que devo ter murmurado, porque ele passa os cinco minutos seguintes me chamando de Lewis, enquanto me traz um pouco de água do isopor do Departamento de Esportes da Carson e insiste em que eu me sente em sua cadeira dobrável.

Assisto ao jogo e tento entender melhor as regras. Peço que Scott me explique as partes mais complicadas. Ele me atende e, quando sorri, eu retribuo o sorriso. Que mal pode haver nisso? Ele não sabe nem o meu nome. O apito soa alguns minutos depois. Niall olha para mim com aquela sobrancelha levantada. Aceno com a cabeça e volto correndo para o campo. Depois, fico sabendo que todas as partidas terminam em um bar. Isso, aparentemente, é inegociável. A treinadora do time da Carson aperta a mão de Niall e vai embora, depois o restante de nós forma uma imensa massa masculina enlameada e machucada – mais Scott – e segue pelos trilhos do trem que dividem o campus em dois. Passamos pelo centro de ciências e pela escultura fálica que me faz lembrar da galinha de borracha de Zayn. Um dos garotos da Carson tenta escalá-la.

Quando entramos no bar, a maioria das jogadores está cantando uma música tão pornográfica que chego a corar. De alguma forma, Scott está ao meu lado justo neste momento totalmente inoportuno.

– Não vai cantar? – pergunta ele.

– Não sei a letra.

Ele sorri.

– Você é mesmo novo nisto, né?

– Eu nunca havia tocado em uma bola de rúgbi antes.

Minha visão está um pouco embaçada só com uma lente, mas ainda consigo ver todas as sardinhas em seu rosto. São várias espalhadas até sua bochecha e o furinho no queixo. Quando vai até o balcão com um dos garotos do time dele para pedir a primeira jarra de um fluxo interminável de cerveja, fecho um olho para conseguir apreciar a largura de seus ombros e a forma definida das panturrilhas.

Os jogadores do Putnam começam a juntar mesas na parte principal do bar. Como são apenas duas da tarde, o lugar é todo nosso. Sento e fico aliviado, alguns minutos depois, quando Scott senta ao meu lado e não perto de algum jogador da Carson. Quando ele põe um braço por trás da minha cadeira, me sinto empolgado e cauteloso, e não sei o que fazer com essa combinação de sensações. Ele está dando em cima de você. Ele gosta de você. Ele parece legal, mas até que ponto uma pessoa é realmente legal? Como será que ele fica quando se masturba? Talvez Scott tenha visto as minhas fotos e por isso esteja sendo tão amistoso. Ele acha que eu sou fácil. Está imaginando minha boca no pau dele. Está pensando que sou um qualquer.

– E então, Lewis? – Ele está com um meio sorriso, totalmente relaxado e tranquilo. – O que o levou a jogar rúgbi hoje?

Lembro a mim mesmo que, só porque as minhas fotos estão on-line, não quer dizer que todos os homens as viram. Eu nunca tinha ouvido falar desses sites nojentos de fotos pornôs até agosto, e embora saiba que garotos são seu público principal, acho que isso não significa que todos eles passam cada segundo livre da vida procurando fotos de genitália na internet. Talvez Scott seja apenas um cara que acha que meu nome é Lewis e queira me conhecer melhor. Provavelmente é isso. Então respiro fundo. Sinto o cheiro de cerveja, terra e suor. Olho ao redor da mesa e penso: Estou seguro aqui. Essas pessoas são minha cobertura. Se eles confiam em Scott – se gostam dele, o que evidentemente é o caso –, então posso confiar nele também. Pelo menos um pouco.

– Niall me obrigou.

– É mesmo? – Os olhos dele meio que me avaliam, mas não de um jeito tarado. Uma avaliação normal, um cara olhando para um garoto antes de dizer: – Você não parece o tipo de pessoa que seja fácil de obrigar a fazer alguma coisa.

– Bem, eu estava meio bêbado quando concordei.

– Ah, sei como são essas coisas.

Um dos garotos da Carson está em pé em uma cadeira, com o copo de cerveja no ar. Todos estão gritando e felizes, e só consigo me concentrar em pequenos trechos da conversa.

– Boquetes.

– Seis tentativas.

– O melhor do universo.

– Copa do mundo.

Niall está com um sorriso enorme, mexendo os dedos e dizendo:

– Algumas mulheres não precisam de um pau para gozar.

Luke enche um copo de cerveja e o empurra na minha direção.

– Beba!

Quando ele se vira, digo para Scott:

– Só para você saber, não vou beber tudo isso. Tenho um teste amanhã.

– Tudo bem. Não estou bebendo também.

Olho para o copo dele e vejo que pediu água em vez de cerveja. Eu não havia notado.

– Sou o motorista da vez.

– Isso é, tipo, o seu trabalho?

– Não. Eu sou pago para ajudar a treinadora durante os jogos, mas nesse momento só estou aqui porque muitos desses garotos são meus amigos e não quero que eles dirijam bêbados.

– Legal.

Ele sorri.

– Não é nenhum sacrifício. Quer que eu peça uma água para você?

– Não, obrigado. Está tudo certo.

Ele levanta o próprio copo e brinda com o meu.

– Ao seu primeiro jogo de rúgbi. Saúde.

– Saúde.

– Espere, primeiro jogo de quem? – pergunta um dos jogadores da Carson.

Scott aponta para mim.

– Do Lewis. Ele nunca havia jogado antes.

– Rapazes, temos um virgem na casa!

Antes que eu me dê conta do que está acontecendo, estou de pé em cima de uma mesa com quarenta homens cantando para mim.

Os jogadores de rúgbi são as maiores
E os melhores
Nós nunca desistimos
E nunca descansamos
Nós jogamos melhor
E trepamos melhor
E nunca cansamos de jogar
No campo!
No scrum!
Jogadores de rúgbi te fazem gozar!

Estou morrendo de vergonha, mas com um sorriso no rosto. É impossível não sorrir. Eu me sinto forte e rápido, cercado de solidariedade e afeto. Me sinto normal de novo, como costumava me sentir antes de tudo sair dos trilhos. Em Massachusetts, há um prédio comercial onde alguém tem a tarefa de apagar a bunda de Louis Tomlinson da internet. Se funcionar, em um ano aquele garoto não existirá mais. Ele estará morto, e parte de mim terá morrido com ele.

Talvez o que eu deva fazer nesse meio-tempo seja me envolver em algo novo. Encontrar alguma coisa em mim para alimentar e ver crescer. Me transformar em um garoto que joga rúgbi, dança em festas e flerta com caras alegres e abertos que não vendem drogas nem evitam falar até mesmo sobre os menores detalhes de sua vida pessoal. Rúgbi é incrível. Eu sou tão durão que mal consigo acreditar.

-

Na primeira vez que vejo o interior do apartamento de Harry, ele não está em casa. Eu me sinto estranho com isso, mas não invadi o lugar. Liam e eu cruzamos com Zayn no diretório acadêmico e ele nos convidou para ir à casa dele com Niall para ver programas ruins na TV e beber coisas piores ainda. Nenhuma de nós conseguiu resistir ao atrativo do misterioso “coisas piores ainda”. Então aqui estamos nós, largados em um sofá grande de couro, bebendo uma garrafa de licor de caramelo que Zayn tirou das profundezas do armário na entrada e assistindo a episódios de Esquadrão da Moda que ele gravou em uma quantidade que me assusta um pouco. Harry está trabalhando na biblioteca, mas deverá chegar logo.

Mando uma mensagem para ele: Já saiu?

Já, ele responde. Estou indo para casa. E você?

Tô na sua casa, mexendo nas suas coisas.

Não é verdade, mas chama a atenção dele. VOCÊ ARROMBOU A PORTA?

Arrombei, eu ando com um arame escondido na boca.

O grande mágico Houdini costumava fazer isso. Acho a ideia nojenta, mas ao mesmo tempo me fascina.

Muito engraçado. Você está mesmo aí?

Estou, Z me convidou. Gostei da decoração.

É uma piada, óbvio. Está claro o que aconteceu aqui: Zayn comprou tudo o que considerava importante – o sofá, a TV, as bebidas, uma cama king-size que consigo ver pela porta aberta do quarto dele –, e ele e Harry compraram todo o resto em um brechó, por uma ninharia. As louças só devem ter custado alguns trocados, porque estou bebendo licor em um copo de geleia dos Flintstones. Estou só de meia, com os pés apoiados na mesa de centro feita de compensado e blocos de concreto.

Fiz um grande esforço criativo, digita Harry.

Dá para notar.

Se encontrar a minha coleção de cachorros de pelúcia, NÃO TOQUE EM NENHUM.

Eles estão no quarto?

Você pode entrar e descobrir. Vá lá procurar.

Por quê?

Eu guardo meus bichinhos em uma rede.

Sorrindo, olho para a porta fechada do quarto dele. Eu poderia entrar. Poderia sentar na cama dele. Tocar no lençol, ver o que ele pendura nas paredes, quais livros estão nas estantes, quanta roupa suja há no cesto. Quero fazer isso.

Está no meu quarto, Lou?

A pergunta faz meu coração bater tão rápido quanto se ele me perguntasse o que estou vestindo, ou como se estivéssemos fazendo sexo virtual, o que não é o caso – nem perto disso. Então por que, ao tomar um gole do meu licor, acabo me engasgando e começo a tossir descontroladamente?

– O que você está fazendo aí? – pergunta Niall.

– Falando com o Harry– diz Liam. – Dá para perceber porque ele está mordendo o lábio e está meio inclinado sobre o telefone, como se balas fossem sair de dentro dele, ou um arco-íris, e...

– Eu sei disso – interrompe Niall. – Só quero saber o que ele disse para fazer Louis se engasgar.

– Nada – resmungo.

– Ahhh, o quê? – pergunta Liam.

– Vocês dois precisam trepar e acabar logo com isso – sugere Zayn.

– Cale a boca.

Minhas respostas são sempre geniais. A porta se abre e Harry entra. Ao me ver no sofá, sorri.

– Achei que fosse encontrar você na minha cama.

Eu fico em chamas. Não literalmente, claro, mas bem que poderia. Seria um jeito melhor de dissipar calor do que ficar sentado ali, com a cara toda vermelha.

– Com essas orelhas? Nem pensar – digo.

Harry ri e larga a mochila ao lado da porta.

– Oi, Niall. Liam. O que o Zayn deu para vocês beberem?

– Licor de caramelo – responde Niall.

– Que nojo.

– É horrível mesmo – diz ele.

– Eu acabei de dizer para a Louis que vocês dois precisam trepar – fala Zayn.

– De novo isso? Você está obcecado demais com a ideia de com quem eu trepo ou deixo de trepar.

– Não estou obcecado. Estou preocupado. Você é um cara de 20 anos que trabalha demais e está sempre com essa cara de solitário. Se não começar a usar isso para transar, provavelmente vai morrer reprimido. E Louis...

– Será que vocês podem parar de falar de mim como se eu não estivesse aqui?

– E parem de falar “trepar” – pede Liam. – É degradante. E eu acho...

– Está vendo? Seu problema é esse – diz Zayn a ele. – Você acha que trepar é degradante.

– Como se fosse eu que tivesse um problema. Isso vindo do maior galinha do campus, que...

– Claro que é você que tem um problema! Você nunca se diverte.

– Eu estou aqui, não estou? Isto é diversão, certo?

– Só para vocês dois – resmunga Niall.

Harry vem por trás de mim e põe a mão nos meus ombros. Viro a cabeça para trás e olho para ele, preocupado com o que está achando daquilo tudo, mas ele está com a boca relaxada e os olhos alegres.

– Não é isso que rola entre mim e o Lou.

Sorrio para ele, porque sua negação parece uma confirmação e porque as mãos dele agora estão acariciando meus ombros. Seus polegares encontram um ponto de repouso e pressionam minha nuca, o que me deixa com uma sensação de completude no peito. Estou ridiculamente contente com a insinuação de Zayn de que Harry está no meio de uma longa seca. Ainda que, considerando a fonte, isso poderia significar apenas que Harry não transa há uma semana. Não gosto de pensar em Harry transando. Não gosto nem um pouco.

– Então o que rola entre vocês? – pergunta Zayn.

– Eles são amigos – diz Liam.

– Não, não somos – corrige Harry.

Liam parece confuso. Eu entendo. É meio confuso.

– Podemos não falar sobre isso? – peço.

Mas agora Zayn não quer parar:

– Não, eu preciso entender. Todas as vezes que fui à padaria nas últimas semanas, você estava lá, Louis. De repente, parece que Harry está sempre mandando mensagens para você. Ele acabou de entrar aqui sorrindo para você como se o sol nascesse e se pusesse na sua bunda, e agora está com as mãos em você.

Niall contribui:

– Ele está sempre com as mãos em você.

– Não está nada.

Mas, na verdade, está, certo? A sensação das mãos dele nos meus ombros já é bem familiar. Na padaria, ele está sempre me tocando. É uma coisa casual – dá um tapinha no meu joelho ao passar, faz um carinho na minha cabeça quando vou embora, massageia meus ombros quando estamos parados conversando com Zayn. Ele é uma pessoa que toca. Não significa nada para ele. Sou eu que fico com o coração acelerado, toda vez.

– Isso não é da conta de ninguém. Só da nossa – diz Harry.

Qualquer pessoa normal seria dissuadida pelo olhar ameaçador dele ao falar isso, mas Zayn não é normal.

– Se vocês não treparem logo, vamos arranjar alguém para Louis. Já está na hora de ele voltar para o jogo, não acha?

Liam dá um soco no braço dele.

– Não é um jogo.

Zayn fala com uma voz aguda, imitando Liam:

– Não é um jogo, não é divertido, a bunda dele não é gostosa. – Então, com a voz normal, diz: – Porra, Liam, parece que você tem alergia a qualquer coisa que poderia ser maneira.

– Babaca.

– Puritano.

Ele mostra a língua para ele e Niall resmunga algo que parece com Por falar em pessoas que precisam trepar...

– O quê? – grita Liam. – O que você está insinuando? Se estiver tentando dizer que...

– Deixa pra lá – responde Niall.

Fico esperando Zayn se manifestar sobre esse comentário, mas ele me surpreende se levantando do sofá e desaparecendo na cozinha. Volta com uma cerveja, embora já tenha uma bebida. Abre a garrafa e toma um longo gole. Não olha para Liam, e nós ficamos observando-o, fascinados. Ou, melhor, eu preciso me contentar com relances, porque Harry afundou os polegares nos músculos do meu pescoço, forçando minha cabeça para a frente. Meus cabelos caem sobre a testa. Os polegares dele são como ferros de marcar, duros e quentes, traçando linhas paralelas na minha pele desde o final do couro cabeludo até a gola da minha blusa, várias vezes. Os dedos dele agarram meus ombros como se ele fosse meu dono, e eu fico todo derretido.

Sou dele.

– Não vamos esquecer o assunto em pauta – diz Zayn. – A questão é que Louis precisa de uma transa para dar a volta por cima.

– Ah, preciso?

Pareço drogado.

Estou drogado.

Liam protesta por mim:

– Não precisa, não.

– Sério, Zayn, você está sendo um babaca – diz Niall.

– Precisamos arranjar alguém para ele. Depois do feriado de Ação de Graças, o objetivo da minha vida vai ser arrumar alguma diversão para o Louis.

– Ele é capaz de fazer isso sozinho – retruca Liam. – Quero dizer, se ele quisesse, o que...

– O que eu não quero – interrompo.

– Porque está traumatizado – acrescenta Niall.

– Não estou traumatizado.

Estou confuso e com calor. Espero, quase desesperadamente, que essa sensação nos meus mamilos não signifique que eles estão enrijecidos e que todo mundo na sala consiga ver como Harry está me deixando, bem na frente deles.

– Está tudo bem – continua Niall. – Ninguém aqui está julgando você. Esta é sua zona de conforto.

– Louis não precisa de uma zona de conforto – retruca Liam. – Ele está se saindo muito bem sozinho. Conte para eles sobre...

Ele vê a expressão que faço e para, mas é tarde demais.

– O quê? – pergunta Zayn.

– Nada.

– Não parece nada.

– Não é nada. Sério – digo.

Estendo a mão para a frente e pego minha bebida, interrompendo o contato com Harry, porque a situação está prestes a ficar feia. Posso sentir. O ar ficou pesado. Minha excitação foi embora como um coelho assustado correndo de volta para a toca. Bebo um longo gole de licor e me engasgo de novo, o que é um erro tático, porque, enquanto estou impossibilitado de falar, Zayn vai atrás de Liam.

– O que você ia dizer? – insiste ele.

Eu me viro de lado no sofá, tossindo tanto que preciso levantar os joelhos. Harry esfrega as minhas costas.

– Respire – sussurra ele.

Até isso é sexy. Estou quase morrendo de tossir, todo culpado pelo que Liam quase revelou, e meu cérebro ainda consegue se abalar com o nível de gostosura de Harry. Sou um caso perdido.

Liam cruza os braços, enfrentando Zayn.

– Não vou dizer.

– Vai, sim.

– Não vou.

– Vai sim vai sim vai sim vai sim vai sim vai sim vai sim.

– Ah, tá bom. Eu só ia falar do cara que ele conheceu.

– Tem um cara? – pergunta Niall.

Mal consigo inspirar. Quando digo “Não tem cara nenhum”, babo um pouco no sofá e preciso limpá-lo com a palma da mão. Não consigo olhar para Harry.

– É tarde demais para negar – diz Zayn. – O Liam já contou. Quem é o cara?

Não vejo outra saída senão contar para eles. Eu me endireito no assento.

– Lembra o Scott? – pergunto ao Niall.

– O Scott do rúgbi?

– É.

– Ele te convidou para sair?

– Não! Não. Não é nada. É só que... eu comentei com o Liam que talvez tentasse descobrir o sobrenome dele. Com você. No caso.

– Para ligar para ele?

– Talvez.

– Ele ficou a fim de você – diz Niall. – Com certeza deve ligar para ele.

– Você acha?

– Claro. Por que não?

– Quem é o Scott do rúgbi? – indaga Zayn.

– Ele estuda na Carson – explica Niall. – Você não conhece. Ele é muito legal. E gostoso. Mandou bem, Louis.

– Eu ainda não fiz nada.

Ele me dá um empurrão no ombro.

– Ainda, mas devia fazer. Voltar à vida, sabe?

Abaixo a cabeça. De lado, olho de relance para Harry. Ele está inexpressivo. Zayn está olhando para ele também, e eu não consigo entender se ele forçou Harry a essa expressão de indiferença de propósito ou se não se deu conta. Isso me incomoda em Zayn – eu nunca sei se ele está sendo um babaca de verdade ou se está fingindo ser um. Enfim. Ele se joga no sofá ao lado de Liam, bebe o resto da cerveja e diz:

– Acho melhor a gente procurar outra coisa para ver.

Harry abre a porta do quarto dele.

– Preciso estudar.

Então se fecha lá dentro e agora os únicos sons no apartamento são o barulho da TV e o ruído de Liam se remexendo desconfortavelmente na ponta do sofá.

– Eu não fiz nada – digo. – Nem sei o sobrenome dele.

Mas não sei ao certo com quem estou falando. Ninguém responde.

-

– E aí, quando você vai para casa? – pergunta Harry.

– Amanhã.

É a terça-feira antes do Dia de Ação de Graças – ou quarta, acho, já que são três da manhã. O campus está deserto desde a hora do almoço e Harry passou o dia todo na padaria. Teve que vir cedo hoje. E vai ficar até tarde. Tem uma quantidade absurda de pães para assar, para ajudar Bob a dar conta de todas as encomendas do feriado. Ele me disse que não se importa. Tem todo o resto do feriado para dormir.

– Cedo? – diz.

– É.

– Pode ventilar o forno para mim?

Vou até o forno – que mais parece um armário de metal com vidro na porta – e aperto o botão para ventilar o vapor, para os pães começarem a secar durante os últimos minutos do cozimento.

– Obrigado.

Sento no balcão e olho ao redor. Desde outubro, este ambiente se tornou quase tão familiar para mim quanto meu quarto, e eu parei de perceber como ele está sempre cheio de coisas, como o vapor cheira a massa úmida, crua e molhada, como as mãos de Harry estão sempre ocupadas, e o chão, sempre sujo, e como eu me sinto seguro aqui, mesmo que nem sempre esteja confortável. Oficialmente, é feriado, e eu deveria estar em casa. Casa se tornou um conceito cada vez mais difícil. Ainda falo com meu pai uma vez por semana, mas passei a temer nossas conversas. Fui o filhinho do papai a vida toda e agora não sei o que dizer a ele. 

Ele quer saber como estou indo em direito constitucional, se é tão difícil quanto eu temia. Me lembra de que eu deveria procurar estágios para o verão, porque preciso ter alguma experiência antes de mandar minha inscrição para as faculdades de direito, daqui a alguns anos. Diz que me ama e que é para eu me cuidar. Desligo o telefone com uma dor perfurante no estômago. Eu me sinto um mentiroso, embora não tenha dito nenhuma mentira. Pela primeira vez desde que cheguei a Putnam, não quero ir para casa num feriado. Meu pai fica envolvido com o preparo do peru e eu fico encarregado do recheio. Minha irmã Charlotte e o noivo fazem o molho e os pães. Felicite, minha outra irmã, está em Lesoto, trabalhando com o Corpo da Paz, mas, se estivesse em casa, seria responsável pela torta de abóbora.

Talvez eu faça a torta.

Preciso experimentar meu terno de padrinho para o casamento de Charlotte, que vai ser no verão. Ela me manda e-mails contando sobre as opções de local, as cores de que gosta, os convites que mandaram fazer. Sei que deveria estar empolgado, então ajo como se estivesse, mas não consigo sentir nenhum entusiasmo.

– Você ligou para aquele cara? – pergunta Harry.

Faz dois dias que ele se fechou no quarto. É a primeira vez que um de nós dois menciona aquela história.

– Scott – digo.

– Eu não me esqueci.

– Não, ainda não liguei.

O telefone dele vibra. Harry confere e digita uma mensagem para alguém. Ficou a noite inteira colado no aparelho, distraído. Não me disse com quem está falando. Pode ser com a irmã, a mãe, alguma namorada ou namorado na cidade dele de quem nunca falou. Ele não me conta nada. 

Hoje Harry não tem nada para me ensinar. Depois de todas essas semanas fazendo glacê e provas, tenho a sensação de que nunca conversamos sobre o que eu deveria de fato estar aprendendo. Nunca pedi a ele que fosse meu professor. Não é o que quero dele. Mas, por outro lado, encontrei provas dos ensinamentos de Harry em todos os aspectos da minha vida. Prova de que o que Nate fez comigo não é o único assunto relacionado a mim digno de conversa. Prova de que, da mesma forma que fui capaz de entrar na padaria em uma noite qualquer, também posso entrar em uma festa ou em um campo de rúgbi. Ainda estou vivo. 

Estou basicamente bem. Não preciso ser mimado e não vou mais cair em qualquer papo furado. Estou escolado, farto de fingimento. Porque a outra descoberta que fiz desde outubro é que Harry não me conta nada, e se não há nada que eu possa ensinar a ele, nós nunca seremos mais do que somos na padaria. Ele vai ficar na cidade durante o feriado. A passagem para Oregon é muito cara e a viagem é muito longa para os poucos dias de folga que temos. E, de qualquer maneira, Bob precisa da ajuda dele.

Harry me disse tudo isso. O que ele não me disse é se gostaria de ir para casa, mas tenho certeza de que quer, embora eu não saiba ao certo onde é a casa dele, de que cidade ele é, o que costuma fazer lá. Não sei, porque ele não diz. Também não me conta por que está tão obcecado com esse celular, por que tem andado tão distraído o tempo todo, o que o preocupa. Sei que ele está preocupado, sei que tem alguma coisa o incomodando. Mas também tenho plena consciência de que ele nunca vai levantar os olhos do pão e me dizer Lou, posso te contar uma coisa?

Um tipo constrangido de objetividade se instalou entre nós hoje, e acho que deve ser por causa daquele papo no apartamento. Mas talvez eu esteja enganado. Talvez isso tenha acontecido quando ele me entregou o envelope cheio de dinheiro. O dinheiro mudou alguma coisa. Se Harry dividisse a própria maconha com os amigos, seria um cara divertido com quem sair. Como ele a vende, é um criminoso. A culpa é do dinheiro. Eu deveria ser o rico, e Harry, o pobre. Mas ele me deu 1.500 dólares e agora alguma coisa está diferente entre nós, só que ele não me diz o que é e eu também não pergunto.

Não tenho coragem suficiente para pressioná-lo, mas queria que ele me dissesse. Queria que precisasse de mim. Não sei por quanto tempo mais posso suportar ser o único nesta cozinha a admitir a própria vulnerabilidade. Também não sei ao certo por quanto tempo mais vou precisar ir de carro tarde da noite até a padaria, para passar horas com Harry trabalhando.  Há tantas coisas que poderíamos estar dizendo um ao outro...

Hoje o barulho da batedeira parece um lamento e eu não sinto nada além de dor. Acordei de um pesadelo antes de vir até aqui. No sonho, eu estava no campo de rúgbi com um smoking de noite, passando por uma névoa espessa, e não conseguia encontrar algo de que precisava, não conseguia escutar ninguém me chamando. Me senti totalmente perdido. Esta noite – este momento – é o fim de alguma coisa, e nós fracassamos.

– Vou sentir saudade – digo a ele.

Harry está de costas para mim. Sem responder ou mesmo demonstrar ter me escutado, ele aumenta a velocidade da batedeira. O aparelho bate tão alto que não consigo ouvir a música. Tapo os ouvidos, fecho os olhos e escuto as batidas do meu coração. A mão dele na minha coxa me faz abrir os olhos e o vejo parado bem na minha frente. Seus olhos estão verde-prateados, impressionantes e intensos. Zayn e Niall têm razão: Harry está sempre me tocando. A mão dele na minha coxa me faz pulsar bem no meio das pernas. No coração. Na garganta. Em todo lugar. Garoto idiota. Quando ele move a mão, eu a seguro. Cubro-a com meus dedos e aperto com força. Harry olha para as nossas mãos e suspira.

– O que eu devo fazer em relação a você? Acho que é melhor você me dizer, Lou, porque eu não faço a mínima ideia.

Olho para o ossinho do pulso dele. Para os pelos escuros nos antebraços, o pomo de adão, a faixa abaixo dos lábios em que sobraram alguns pelos quando ele fez a barba. A boca. Os olhos. A boca. Sempre a boca, larga e esperta, generosa e contida. Espero que a boca de Harry produza palavras que eu nunca vou escutar. 

Vou sentir saudade.

Eu gosto de você.

Não quero que você saia com aquele cara, porque quero você para mim.

Quero que sejamos mais do que isto.

Eu quero dizer Me conte tudo, Harry, por favor. Por favor.

Mas amanhã de manhã vou pegar o carro e vou para a casa do meu pai. Qualquer coisa que Harry tenha a dizer, esta noite não é o momento certo para fazer isso e eu não sou a pessoa certa para ouvir. Não é apenas ele. Sou eu. Não sou corajoso o bastante.

Traço as formas do rosto dele com as pontas dos dedos. O arco da sobrancelha e a cicatriz que a divide em dois. A curva da orelha. A beleza carnuda da boca. Quero inspirar quando ele expira, repousar contra o corpo dele, passar as pernas ao redor de sua cintura e colocá-lo dentro de mim. Não sei como me livrar desse desejo. Não sei como desistir dele.

O cronômetro do forno toca. Harry se afasta de mim e o desliga. Abre a porta. Tira o pão. Durante todo o resto da noite, ele mantém distância. De manhã, pego o carro e dirijo quase 100 quilômetros para longe dele, mas não é longe o suficiente. Não sei a que distância eu precisaria ir para ficar longe o suficiente.

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