Profundo

By potterfxck

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Louis Tomlinson vê sua vida se transformar em um pesadelo quando o ex-namorado espalha fotos dele nu na inter... More

Avisos
A N T E S
S E T E M B R O
S E T E M B R O - part 2
O U T U B R O
N O V E M B R O - part 2
F É R I A S D E A Ç Ã O D E G R A Ç A
D E Z E M B R O
D E Z E M B R O - part 2
F É R I A S D E I N V E R N O
J A N E I R O
F E V E R E I R O
M A R Ç O
M A R Ç O - part 2
F É R I A S D E P R I M A V E R A
A B R I L

N O V E M B R O

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By potterfxck

L O U I S

Quando penso na padaria, penso em tudo junto. O barulho das folhas secas de outono empilhadas na frente da porta dos fundos, sopradas para o beco, onde ficaram presas. O brilho das tigelas da batedeira e dos balcões sob as luzes fluorescentes depois de Harry terminar de limpar tudo e fechar. O cheiro do pão assando, o fermento vivo esfarelando entre os dedos, a voz de Harry atrás da minha orelha, inclinado por cima do meu ombro me vendo jogá-lo na tigela e dizendo: “Assim mesmo. Exatamente.” A maneira como ele movia o braço em golpes curtos e certeiros ao cortar a parte de cima dos pães, pouco antes de colocar a grelha cheia de formas dentro do forno. O inverno chegou tarde.

Outubro virou novembro e eu passei um longo e frio outono atrás de balcões repletos de farinha e massa crescendo, dedos grudentos, música alta e Harry trabalhando com o boné virado para trás, um avental amarrado na cintura e aquele sorriso pretensioso no rosto. Harry é a padaria. Não consigo imaginar o sentido dela sem ele lá, e não consigo imaginá-lo – a sua melhor versão, a que ele raramente deixa as pessoas verem – sem aquela cozinha como cenário para seus movimentos.

Harry se abaixando para pesar uma porção de grãos. Harry fechando a porta do forno com o ombro e ligando o cronômetro. Harry sovando a massa com as duas mãos, com farinha até os cotovelos, movendo-se no ritmo tranquilo de alguma música dance brega escolhida por Zayn.

Lá, na padaria, enquanto o resto do mundo estava dormindo, o tempo parava e nós encontrávamos alguma coisa fora dele. Eu e ele nos tornamos nós naquela cozinha. Muito antes de Harry me beijar, eu passei uma vida ali com ele, banhada em luz amarela, batizada em água morna da pia, consagrada ao nascer do sol quando abríamos um pão, quando enfiávamos a mão nele e provávamos o que havíamos feito. O que fazíamos não era perfeito. Certa noite, esqueci o sal. Outra vez, coloquei água muito quente e matei o fermento. Havia noites em que Harry se esquecia de me dizer alguma coisa vital e outras em que ele decidia não me lembrar de algo, só para ver se eu faria certo. Ele se continha e eu nem sempre era corajosa o suficiente. Eu não confiava em mim mesma. Nós fracassávamos na mesma medida em que éramos bem-sucedidos. Mas penso no que teria acontecido se ele não tivesse saído para me buscar. Acho que eu poderia ter ficado no meu carro para sempre. Poderia ter continuado fazendo curvas apenas para a direita. Talvez nunca tivesse aprendido a não ter mais medo e aqueles homens continuariam me seguindo, para sempre. Só posso ficar feliz pelo fato de as coisas não terem sido assim.

Em vez disso, Harry saiu, e eu entrei. Depois daquilo, eu raramente queria estar em qualquer outro lugar.

– Você está zumbindo de novo.

Estou no meu canto, uma pequena área entre a pia e a mesa comprida que fica encostada na parede, na qual Harry alinha as tigelas. Gosto desse espaço porque normalmente consigo ver apenas um pedaço de Harry por vez. Observo as botas dele, as pernas das calças dos joelhos para baixo, o avental. Nessa hora da noite, quando sova as massas, Harry está sempre se mexendo. Alterna o peso do corpo de um pé para o outro enquanto alimenta e mexe o preparador de massa. Vai da pia para a batedeira, depois para a geladeira e o depósito, em seguida volta à batedeira, então à pia, depois vai até o balcão para pegar alguma coisa que esqueceu. A forma como ele se mexe é quase mais do que eu consigo suportar. Sua graciosidade preguiçosa. Sua habilidade. Seus braços aparecem no meu campo de visão quando ele tira uma tigela da bancada e põe a seguinte. Ele se abaixa e eu vejo o boné e o pescoço dele. Vejo seu rosto de perfil, sua calça jeans justa na perna dobrada, o formato da panturrilha.

Consigo lidar com ele aos pedaços. São todos belos pedaços, mas não me fazem suar de nervoso, como ontem à noite, quando chegou a hora de ir embora e ele me acompanhou até a porta dos fundos, pôs a mão na maçaneta e disse alguma coisa que o fez sorrir e se inclinar na minha direção. Não sei o que foi. Não consegui ouvir, porque a forma como ele mexeu o braço fez a manga da camiseta se levantar e revelar todo o seu bíceps e algumas tatuagens, uma curva definida de músculo retesado no braço apoiado no batente da porta. Depois de ver o bíceps exposto, cometi o erro grave de olhar para a boca dele, para o formato dos lábios, em seguida para as maçãs do rosto, o queixo e os olhos. E me esqueci de escutá-lo. Esqueci como respirar ou existir fora do rosto de Harry.

É. Aparentemente isso pode acontecer, e, quando acontece, é muito forte. Ele precisou estalar os dedos na frente do meu nariz para me tirar do transe. Isso fez com que eu levasse um susto, desse um passo para trás e quase caísse. Harry apenas sorriu com indulgência.

– Me mande uma mensagem quando chegar em casa – disse ele, e eu respondi algo que parecia um grunhido.

Acho que ele está acostumado com o fato de eu ficar perdido perto dele. Ambos fingimos que isso não acontece. Meio que funciona. Harry e eu somos assim. Nós meio que funcionamos. Tenho vindo à padaria duas ou três noites por semana – em quase todos os turnos dele, eu estou aqui. A insônia está me castigando, mas isso não tem muita importância quando posso ficar perto de Harry e estudar no meu cantinho. Eu cochilo depois das aulas.

Estou me transformando numa criatura notívaga, mas tudo bem. Acho que prefiro ser Bella Swan na casa de Edward Cullen do que a Bella da escola – toda irritada e defensiva, andando pesadamente pela Forks High, convencida de que todo mundo a odeia. Os homens na minha cabeça ficam em silêncio quando estou na padaria. Acho que, se eles me ofendessem, Harry olharia para eles com fúria e os mandaria calar a boca. Se eles fossem reais, quero dizer. O que não são. O telefone de Harry ainda está zumbindo, vibrando a caminho da borda da mesa. Com o dedo, eu o empurro de volta à segurança.

– Moço da massa – chamo alto, porque é difícil escutar com a batedeira ligada. – Seu telefone.

– O quê?

– Seu telefone.

Aponto e Harry enfim compreende. Ele se aproxima e pega o celular no balcão de metal ao meu lado. Cometi o erro de pegá-lo uma vez, para entregar a ele. A expressão de Harry... Ele tem um jeito de fechar a cara completamente que faz parecer que não tem sentimento algum. Ele é divertidíssimo quando quer, muito inteligente, extrovertido e provocador. Então, de repente, eu ultrapasso alguma linha invisível e ele se transforma em um robô. Ou começa a reclamar sem parar sobre alguma coisa que acha que é bobagem, como naquela primeira noite em que apareci aqui.

Ele leva o celular até a frente da loja, de onde não consigo ouvi-lo. Volto para meu dever de latim, embora seja difícil me concentrar sabendo que em dez ou quinze minutos alguém aparecerá na porta dos fundos. Harry vai encontrar a pessoa lá e se posicionará de forma que eu não consiga ver quem é e falará com a voz baixa que o faz parecer qualquer outro cara, um vagabundo qualquer. Ele deixará os ombros caírem e ficará enfiando e tirando as mãos dos bolsos, movimentando-as ao ritmo da voz suave e amigável.

Eu tento não ver. É melhor me ater aos pedaços. É o único jeito de conseguirmos ser amigos – ou não amigos, acho. E eu preciso ser não amigo de Harry. Ele é a única pessoa da minha vida que não me trata como se nada tivesse acontecido, mas que também não me trata como se tudo tivesse acontecido. Ele pergunta “Como estão as coisas?” quando entro e eu lhe digo a verdade. Mas, depois, é só isso. Não falamos mais sobre o assunto. Enfiada no meu cantinho na padaria por algumas horas, duas ou três vezes por semana, me sinto eu mesma. Quando volta, ele senta na mesa mais próxima de onde estou e pergunta:

– O que é isso, latim?

– É. Tenho um teste amanhã.

– Precisa de ajuda com os verbos?

– Não, está tudo certo.

– Você vai ficar por tempo suficiente para eu lhe ensinar todos os detalhes sobre cobertura para bolinhos?

– Provavelmente não. Preciso escrever um artigo para um trabalho de direito constitucional e não trouxe o laptop.

– Devia ter trazido. Gosto quando você escreve aqui.

Eu também gosto.

Harry fica quieto se preciso e, quando quero uma folga, me ensina alguma coisa sobre pães. Se eu leio um rascunho em voz alta, ele sugere alguma mudança que parece pequena mas que sempre acaba deixando o texto mais conciso e o argumento mais forte. Harry é inteligente. Muito. Eu não fazia ideia – a única vez em que frequentamos a mesma aula, não ouvi sua voz. É possível, inclusive, que seja mais inteligente do que eu.

– Na semana que vem, então – diz ele. – Na terça-feira você vai aprender os segredos do glacê.

Sorrio. Acho que ele gosta de me ensinar coisas quase tanto quanto gosta de aprender. A curiosidade de Harry não tem fim. Não importa qual dever de casa eu esteja fazendo, ele acaba perguntando cinquenta coisas diferentes a respeito.

– Parece uma boa. Vai trabalhar no restaurante neste fim de semana?

– Vou. E você? Quais são os seus planos?

Queria passar um tempo com você. Vá lá em casa no domingo, para vermos programas ruins na TV. Vamos sair para beber. Vamos jantar juntos em Iowa City. Às vezes eu invento uma vida em que ser mais do que não amigo de Harry é uma possibilidade. Uma vida em que conseguimos ficar juntos em outro lugar além de uma cozinha no meio da noite. Então me belisco mentalmente, porque, não, eu quero menos escândalos, não mais.

– Liam está tentando me convencer a ir a uma festa amanhã à noite.

– Onde vai ser?

– É de um pessoal do time de futebol.

– Ah, na Bourbon House?

– É. Você vai?

– Vou estar trabalhando.

– E depois que sair?

Ele sorri.

– Não, não. Mas você devia ir.

Quando Liam me convidou, a ideia me deixou apavorado. Uma porção de gente, um monte de rostos que eu precisaria avaliar em busca de sinais de julgamento, pena, nojo. Não consigo me divertir quando estou ocupado monitorando meu comportamento, escolhendo as roupas certas, fingindo um sorriso perfeito e observando tudo ao meu redor, enquanto os homens na minha cabeça dizem que eu pareço um viado e que deveria escolher logo algum cara para levar para o quarto e deixar me chupar, porque é só para isso que um viado como eu serve.

Liam acha que eu preciso sair mais, retomar a minha vida do ponto onde a deixei. Senão o Nate vai vencer. Eu entendo o que ele quer dizer, mas não consigo me obrigar a querer isso. Olho para a sola das botas de Harry, a alguns centímetros do meu rosto. E para os nós dos dedos dele, dobrados na borda da mesa. Para a costura na altura dos cotovelos.

Se Harry fosse à festa, eu iria.

– Talvez eu vá.

– Vai te fazer bem – diz ele. – Tomar um porre, dançar um pouco. Talvez você até encontre alguém que possa ocupar as suas noites para não ficar mais por aqui me perturbando o tempo todo.

Ele sorri ao dizer isso. É brincadeira, Lou, o sorriso diz. Nós dois sabemos que você tem a cabeça fodida demais para ficar com alguém. Antes que eu possa recuperar o fôlego, ele salta da mesa e vai para a pia, onde enche um balde de água com sabão para limpar os balcões. Olho para o meu livro de latim, que realmente é sobre verbos, e pisco para afastar a ardência nos olhos.

Video, videre, vidi, visus. Ver.

Cognosco, cognoscere, cognovi, cognotus. Compreender.

Maneo, manere, mansi, mansurus. Permanecer.

Eu sei o que ele está fazendo. De vez em quando, Harry solta algum comentário meio provocador para me lembrar de que eu não sou namorado dele. Sorri ao me dizer algo que significa: Você não é importante para mim. Nós não somos amigos. Ele me puxa para mais perto com uma mão e me dá um soco imaginário no rosto com a outra. Eu sei por que faz isso. Ele não quer que eu me aproxime. Não sei por quê. Mas eu vejo. E compreendo. Eu fico. Harry e eu somos uma confusão só. Ele limpa as mesas com movimentos abruptos e desajeitados. Agitados. Quando começa a lavar a louça, atira as formas em vez de empilhá-las. Está tão absorto pelo barulho que não percebe quando um vulto aparece na porta dos fundos. Mas eu percebo. Levanto os olhos e vejo Josh ali parado. Ele era meu amigo. Agora, só anda com Nate. Acho que ele está saindo com Sierra. Josh está parado na porta com a carteira na mão, parecendo constrangido.

– Oi, Louis – cumprimenta.

– Oi.

Harry se vira na minha direção e acompanha meu olhar até a porta. Sua testa fica muito franzida e ele vai até lá pisando forte. Josh levanta a carteira e Harry meio que a empurra para baixo e para o lado ao sair para o beco, obrigando Josh a recuar.

– Guarde a porra do seu dinheiro – eu o escuto dizer enquanto as portas se fecham. – Meu Deus.

Então a cozinha fica vazia – ficamos apenas eu e o barulho de fundo da batedeira e da água correndo na pia. Quando Harry volta, está sozinho, enfiando alguma coisa no bolso.

– Você não viu aquilo – diz.

O que é uma bobagem. Talvez ele ache que está me protegendo. Se eu não posso vê-lo traficando, não sou cúmplice. Sou o garoto distraído que fica no canto, incapaz de somar dois e dois e obter quatro.

– Vi, sim.

Ele me encara. Não force a barra. Não via esse olhar desde a biblioteca. Um olhar que me faz largar o livro no chão e me levantar. E, quando me levanto, consigo sentir mais. Consigo sentir meu peito ainda doendo pelo que ele disse alguns minutos antes. Meu coração bate acelerado, porque Harry me magoou de propósito e eu sinto raiva disso. Estou furioso. Ele se vira de costas para mim e começa a lavar uma tigela.

– Qual é o lucro que você tem? – pergunto. – Uma venda dessas chega a valer a pena? Porque eu procurei saber, e vender é crime. Você iria para a cadeia se fosse pego. Com uma sentença mínima obrigatória de cinco anos.

Harry continua lavando a tigela, mas seus ombros estão tensos. O nervosismo no ambiente é palpável, e eu não sei por que estou tocando nesse assunto que me faz tão mal. Ele está certo em tentar me proteger. Meu pai morreria se descobrisse que eu estava ali enquanto Harry vendia maconha com bolinhos na porta dos fundos. Ele me perguntaria se eu perdi a cabeça, e o que eu responderia?

“É só maconha”?

“Acho que o Harry nem fuma”?

Desculpas. Meu pai odeia desculpas. A verdade é que eu não invento desculpa nenhuma para isso. Eu me transformo em cúmplice toda vez que venho até aqui e me sento no chão ao lado de Harry, e não me importo. Realmente não me importo.

Antes eu me importava. No ano passado, eu ficava escandalizado com a maconha. Agora, estou ocupado demais com meu fascínio por Harry. E também existe a questão do dinheiro. Eu penso no dinheiro. Me pergunto quanto ele tem. Sei que as mensalidades estão pagas, porque Harry me disse, e sei que ele trabalha como caddie em um campo de golfe no verão, porque já perguntei por que ele volta das férias tão bronzeado. Imagino que pague o próprio aluguel e a comida, mas, pelo que posso perceber, Harry não tem nenhum hobby ou vício. Não consigo entender por que trabalha em tantos lugares e ainda vende maconha, se não precisa de todo esse dinheiro só para viver. E ele não deve precisar, certo? Deve ganhar mais do que o suficiente se está comprando maconha em grandes quantidades e fazendo empréstimos por aí.

– Pare com isso – diz Harry.

Mas não consigo parar. Não hoje. Não quando a dor no meu peito se transformou nessa insistência e nessa irritação. Estou furioso com ele e comigo mesmo.

– Vou ter que perguntar ao Josh – provoco. – Ou ao Zayn. Aposto que ele me diria. Aposto que quando as pessoas aparecem no seu apartamento você não vira as costas para o Zayn e o deixa sozinho enquanto vende maconha do lado de fora, na escada de emergência. Eu nunca estive no apartamento dele. Só sei da escada de emergência porque passei em frente. É possível que eu tenha virado uma perseguidora.

Harry larga a tigela dentro da pia e se vira para mim.

– Por que você está irritado? Quer que eu venda na sua frente?

Quero?

Por um instante, não tenho certeza. Olho para o chão, depois para a farinha espalhada ao lado da fileira de tigelas. Lembro a primeira vez que entrei aqui e a primeira coisa que ele fala todas as noites desde então. Como estão as coisas, Louis?

– É ridículo – digo.

Ele estreita os olhos. Eu continuo:

– É ridículo fingir não estar vendendo maconha na porta dos fundos, como se fosse me proteger de saber a verdade sobre você. Não é justo que eu venha até aqui e abra meu coração todas as noites enquanto você não me deixa nem tocar no seu maldito celular.

Harry cruza os braços. O maxilar está tenso.

– Você é um traficante. – É a primeira vez que digo isso em voz alta. A primeira vez que penso nisso dessa forma. – E daí? Você tem umas plantas secas em um saco plástico no bolso e troca essas plantas por dinheiro. Grande merda.

Ele me encara. Não por um instante, o que seria normal, mas por muito tempo. Por uma eternidade, ele olha bem dentro dos meus olhos e eu respiro pela boca, com um aperto no peito, os ouvidos zunindo com o barulho da batedeira, que continua sem parar. Então o canto da boca dele levanta um pouquinho.

– Grande merda?

– Cale a boca.

Não estou com saco para provocações.

– Podia pelo menos ter usado um palavrão de verdade.

– Não preciso dos seus conselhos sobre palavrões.

– Tem certeza? Sou bom pra caralho nisso.

Eu me viro e pego a bolsa e o livro de latim no chão. Não quero mais ficar aqui. Não se ele vai me magoar, mentir para mim e me provocar. Não foi para isso que eu vim, e odeio a forma como a expressão dele me afetou.

– Lou – diz Harry.

– Me deixe em paz.

– Lou, eu tive um lucro de 40 pratas. Está bem? É isso que quer que eu diga?

Paro de guardar as coisas e fico imóvel, olhando para a bolsa. Ele teve um lucro de 40 dólares.

– Quanto você cobrou?

– Sessenta e cinco.

– Por quanto?

– Três gramas.

Eu me viro.

– Isso é muito?

– Muito dinheiro ou muita maconha?

– Hã... As duas coisas.

Ele me oferece um sorriso – sincero agora – e balança a cabeça.

– É um pouco mais do que todo mundo cobra, mas a qualidade da maconha é melhor. É a menor quantidade que eu vendo. Por que estamos falando sobre isso?

É nesse momento que eu perco a coragem. Dou de ombros. Olho para além da orelha esquerda dele. Não quero pedir nada. Até este ano, nunca pensei muito sobre dinheiro. Meu pai tem uma situação bem confortável. Fui criado numa casa bacana em um bairro tranquilo em Ankeny, perto de Des Moines, e embora Putnam não seja um lugar barato, não preciso me preocupar com os valores. Sempre soube que meu pai pagaria meus estudos, independentemente do valor. Mas isso foi antes das fotos e de eu me dar conta de que, não importa o que fizer, não vou conseguir fazê-las desaparecer. Não sozinho. Preciso de 1.500 dólares – talvez mais – para contratar a empresa capaz de tirar meu nome do topo dos resultados de buscas e limpar minha reputação on-line.

O cara para quem liguei me disse que casos como o meu podem ser mais complicados, o que significa um valor mais alto. Eu não trabalho. Tive um emprego no ensino médio, mas meu pai acha melhor eu me concentrar nos estudos agora. Tenho 100 mil dólares em uma poupança – minha parte do seguro que recebemos depois da morte da minha mãe, de câncer, quando eu era bebê –, mas não posso tocar nesse dinheiro antes dos 21 anos. Sem renda e sem histórico de crédito, só posso sacar 1.500 dólares do cartão de crédito com a autorização do meu pai. Já tentei.

– Louis? – chama Harry.

– O quê?

Ele se aproxima.

– Em que você está pensando?

Eu respondo a coisa mais idiota do mundo:

– Que você não precisa me proteger.

Porque eu estou cansado disso. De ser protegido. De precisar ser protegido.

– Não estou te protegendo.

Mas quando meu olhar cruza com o dele, vejo a verdade. Ele está. Ele quer me proteger.

– Sabe o que é pior nisso tudo? – pergunto. – Saber que eu sempre fui burro, protegido e... inútil. Todo mundo fala que sou inteligente, como se isso fosse incrível e importante. Entrar numa boa universidade. “Nossa, Louis, que maravilha.” Mas quando uma coisa ruim acontece comigo, eu não consigo nem...

Paro de falar, porque acho que vou começar a chorar e estou com muita raiva para me render à emoção. Harry dá mais um passo na minha direção e começa a acariciar meu braço. A palma da mão dele pousa na minha nuca, por cima dos meus cabelos, e ele me puxa até a minha testa encostar no peito dele.

– Você não é inútil.

– Não, sério, eu não posso... Preciso que você me escute agora, está bem? Porque a questão é que...

– Louis, cale a boca.

O jeito como ele diz isso é, sem dúvida, o jeito mais legal de alguém me fazer calar a boca. Então a mão dele desce até as minhas costas e me puxa na direção dele. E isso é legal também. Consigo sentir sua respiração. O cheiro da sua pele. Sinto meus cabelos roçando na barba rala do queixo dele. Assim está melhor. Eu gosto. Gosto demais. Tanto que passo o máximo de tempo possível aproveitando o calor que emana dele, o peso da mão dele na minha nuca, a forma como a bota dele parece presa entre as minhas sapatilhas. Mas eu preciso perguntar. Preciso.

– Harry?

Ele faz um barulho tipo hã.

– Você tem muito dinheiro?

Levanto a cabeça para perguntar, o que me deixa espantosamente perto do rosto dele. Estou próximo o bastante para ver sua testa começar a franzir. Para ver um olhar desconcertado tomar seu rosto. Depois irritado. Então indiferente. Ele solta minha nuca.

– Por que você quer saber isso?

É tarde demais para não responder, mas o prazer que eu estava sentindo se transforma em desespero e eu sei que está tudo errado. Simplesmente sei. Só que não sei por quê, nem sei como sair dessa.

– Eu, hã... Preciso de um empréstimo.

Ele dá um passo para trás.

– Para quê?

– Lembra quando eu falei sobre a empresa que pode limpar minha reputação on-line?

– Você disse que era caro e que precisaria contar ao seu pai.

– É.

Espero um instante.

– Você não contou ao seu pai.

– Eu não posso, Harry. Pensei nisso, mas eu... E se ele vir as fotos?

Pode acontecer a qualquer momento. Meu pai pode estar sentado na mesa dele e digitar meu nome no Google, só por digitar. Ou alguém que trabalha com ele pode sugerir algo assim. Um amigo. Uma das minhas irmãs. Qualquer um. Fecho os olhos, porque a humilhação, a vergonha de pedir a Harry que me ajude a consertar isso, é de mais para mim. Não consigo nem olhar para ele.

– De quanto você precisa?

– Mil e quinhentos dólares. Eu ouvi você... ouvi você dizer que às vezes faz isso.

Ele suspira.

– Você tem alguma fonte de renda?

– Eu recebo uma mesada.

Abro os olhos, mas não consigo encarar Harry e continuo olhando para baixo. Minhas sapatilhas pretas estão cobertas de farinha, que entrou para baixo da fivela. Duvido que eu consiga limpá-la, mesmo que queira.

– Quanto tempo você levaria para me pagar?

– Posso pagar 150 por mês.

Se não comprar nada nem comer fora do refeitório. Harry chuta a ponta do meu pé com a bota. Espera que eu olhe para ele. Seus olhos ainda estão inexpressivos.

– Vou cobrar juros.

– Imaginei que cobraria.

– Terei o dinheiro na terça.

E não há mais nada a ser dito. É como se ele não estivesse mais ali e eu fosse apenas dor e decepção.

– Obrigado – digo. – Eu vou... vou embora. Preciso fazer aquele trabalho.

Ele só resmunga algo para mim e pesa um pouco de massa. A mil quilômetros de distância. Não vejo Harry na sexta, porque ele está trabalhando no restaurante, e nós não somos amigos. Não vou à festa do time de futebol. Liam faz de tudo para me convencer, mas não consigo. Digo que preciso estudar e me escondo na biblioteca, pensando obsessivamente na conversa com Harry, repassando-a na cabeça. Eu jamais deveria ter pedido dinheiro a ele. Não sei a quem deveria ter pedido, mas não a ele. A expressão de Harry... Não consigo parar de pensar nisso.

Não o vejo no sábado, porque ele está trabalhando no restaurante, e nós não somos amigos. A semana seguinte é igual às outras. Na terça, ele me dá o dinheiro e me ensina a fazer glacê de limão para os bolinhos. Tudo parece normal, mas há uma fina camada de constrangimento em nossas conversas, e quando não estou perto dele parece que ela se acentua. Troco as cédulas que Harry me deu por uma ordem de pagamento e a envio para o cara que contratei para cuidar da minha reputação on-line, mas queria não ter feito isso. Gostaria de jamais ter aberto a boca. No fim de semana seguinte, janto com Liam e depois vamos até o Dairy Queen, na cidade, para comer a sobremesa. As folhas estalam sob os nossos pés enquanto andamos. Como um brownie com sorvete e calda de chocolate quente tão grande que preciso deitar no banco pintado com tinta a óleo vermelha e desabotoar a calça jeans.

De cabeça para baixo, olho para a rua pela janela da frente. Vejo o pequeno quadro de sugestões do lado de fora do restaurante Gilded Pear. Nate me levou para jantar lá no ano passado, antes do baile da primavera. Harry foi nosso garçom. Cada vez que ele vinha até a mesa era mais constrangedora do que a anterior. Quando ele trouxe a conta, sua conversa com Nate estava tão permeada de ironia que tive a impressão de que os dois interpretavam a cena de uma peça. O tipo de peça com duelo de espadas.

Eu não terminei com Nate por causa de Harry. De verdade.

Mas provavelmente terminei por causa da possibilidade de conhecer alguém como Harry.

– Você terminou o trabalho ontem à noite? – pergunta Liam.

Como estou distraído com a lembrança de Harry em seu uniforme de garçom

– calça social preta e camisa social branca –, respondo com um grunhido.

– E está estudando para a aula de direito constitucional?

– É.

Ele usava as mangas dobradas. O bronzeado profundo contrastava com o algodão muito branco.

– Então não tem desculpa para não ir à festa da Aliança comigo.

– O quê? Não.

Eu me sento. Liam está dando seu pior e mais maldoso sorriso.

– Sim.

– Eu realmente não quero ir.

– Você realmente não tem escolha. Não precisa estudar mais. Está na hora de começar a sair, e essa é a melhor festa, a mais fácil, porque pelo menos metade das pessoas que estarão lá é gay. Talvez dois terços, se contarmos os bis e os “curiosos”. – Ele faz as aspas no ar com os dedos. – Além disso, nós nos divertimos tanto no ano passado. Por favor.

Duas horas depois, estou com uma cerveja na mão enquanto Liam puxa o cotovelo do meu outro braço, me levando para a pista de dança. A festa da Aliança Gay acontece no Minnehan Center, a construção do campus usada para diversão em grande escala. O prédio tem o cinema e esse salão, um ambiente imenso de pé-direito alto com um palco, um globo de discoteca e um pequeno espaço em uma das paredes onde os donos da festa entregam uma quantidade interminável de bebidas em copos de plástico para os alunos. Não se pode entrar nas festas no Minnehan Center sem carteirinha de estudante, mas, uma vez lá dentro, não existe menor de idade. O aluno que trabalha entregando as pulseirinhas para os maiores de 21 anos faz uma checagem apressada nas identidades, cuja consequência é que todos na festa podem beber.

A cerveja é sempre de graça. A música é sempre alta. As festas da Aliança têm uma trilha sonora que desperta o ABBA interior de todo mundo – e também causa surtos de exibicionismo. Até onde eu sei, sou a única pessoa no local usando jeans e camiseta. Liam está com variados detalhes em dourado e uma calça flare preta. Parece um rei disco. Ele escolhe um ponto na beirada da pista de dança justamente quando começa a tocar “It’s Raining Men”. Com os braços para o alto e pulando sem parar, ele dança junto a outras cem pessoas.

– Dance comigo! – grita.

Faço que não com a cabeça. Então bebo a cerveja bem rápido para poder me livrar da decepção dela e vou pegar mais uma. Depois de terem tocado metade da trilha sonora de Cher, a rainha do pop e todas as músicas boas da Lady Gaga, a pista está lotada e eu me sinto relaxado o suficiente para entrar na pista, remexendo o quadril e batendo palmas com Liam. Sorrio ao ver Zayn despontar atrás dele. Ele o agarra e ele revira os olhos, mas gosta. Zayn nos leva até o grupo com o qual está dançando. São pessoas que eu não conheço, embora tenha quase certeza de que um das garotos se chama Niall. Eu o reconheço porque ele frequentava o quarto de Zayn e Harry no ano passado. É moreno e alto – uns 10 centímetros maior do que eu, com um quadril largo e um sorriso que parece ter muito mais dentes do que o comum.

Ele agarra a minha mão para me girar e eu fico suado e um pouco tonto. Zayn traz mais uma rodada de cervejas e nós bebemos rápido, lambendo a espuma dos lábios. Ele pega o celular. A tela ilumina seu rosto no salão escuro, fazendo com que ele pareça travesso e quase encantado. Zayn olha para mim, sorri e digita alguma coisa.

– O que você está fazendo?

– Mandando uma mensagem para Harry.

Ele levanta o aparelho e, antes que eu possa impedi-lo, tira uma foto minha. Agarro o braço dele, ofuscada pelo flash e pelo pânico.

– Não faça isso.

O clarão repentino me faz lembrar da noite fatídica com Nate. A surpresa do flash. A mão dele na minha cabeça, o pau dele na minha boca, me fazendo engasgar quase a ponto de vomitar.

– Zayn, não faça isso.

Mas ele não me ouve. Sorri, tocando na tela, enquanto tento arrancar o telefone da mão dele. Só que é tarde demais. Pela expressão dele, a foto já foi enviada.

– Que merda!

Dou um soco no ombro dele, frustrado e chateado, frustrado comigo mesmo por estar chateado. É só uma foto. Não tem importância. Só que eu estou chorando.

– O que foi que eu fiz?

Niall estende a mão para mim, mas eu já estou saindo dali. Passo correndo pela porta, empurrando quem está no caminho. Bebi mais do que deveria. Baixei a guarda e me senti seguro, me senti bem, mas não estou nada bem. Congelado na tela do celular de Zayn, suado, com os cabelos caindo no rosto, a camiseta muito decotada, todo torto, eu pareço um erro esperando para acontecer. Então vejo Nate e me lembro de que sou um erro que já aconteceu. Ele está no meu caminho até a porta. Quando me dou conta, está olhando para mim e não há para onde fugir. Não posso voltar para a pista de dança. Preciso sair dali. Então sigo em frente, com o queixo erguido e fingindo que os homens na minha cabeça não estão gritando a todo o volume. 

Me deixa ver essa bundinha gostosa, gato. Quero comer você todinho. Vou te foder até você não aguentar mais.

– Louis! – Nate põe a mão na porta para barrar minha passagem. Sorri para mim, bêbado. – Não achei que fosse encontrar você por aqui.

Penso em Harry apoiado na porta da padaria ao me acompanhar para fora. Dizendo para eu mandar uma mensagem de texto quando estivesse em casa. Olho para Nate bloqueando minha saída. Seus olhos descendo pela minha camiseta.

Ele sempre foi assim?

Tem uma cerveja na outra mão e os cabelos castanho-claros estão meio compridos, formando cachos ao redor das orelhas. Veste uma camisa polo – que realça o azul de seus olhos – e aquela calça azul-marinho horrorosa com minúsculas baleias verdes estampadas que ele adora usar em festas. Ele afirma que usa a calça ironicamente, mas eu sempre dizia que não é possível vestir uma calça com ironia. Se você veste uma calça com estampa de baleias, está apenas usando uma calça com estampa de baleias.

Babaca, Harry diz na minha cabeça.

– Por que eu não estaria aqui?

– Você não tem saído muito.

– Ando ocupado – digo, tentando me parecer com Harry quando ele fica indiferente.

Como se não desse a mínima para Nate.

– Josh disse que viu você com aquele grosseirão do quarto em frente ao seu no ano passado. O traficante.

– E daí?

– E daí que eu estou preocupado com você, Louis. Primeiro aquelas fotos e agora você fica andando com aquele cara... O que está acontecendo com você?

Estou sem palavras. Literalmente. Não consigo dizer nada. Há tantas palavras querendo sair ao mesmo tempo que elas se acumulam na minha língua. E, de qualquer forma, não sei quais eu diria mesmo que conseguisse colocá-las para fora. Que audácia a dele. Que audácia. Nate levanta o braço mais um pouco e toma um gole da cerveja, como se fôssemos ficar por ali curtindo a brisa.

– Nós ainda somos amigos – continua. – Nós sempre seremos amigos, você sabe disso. Eu só não quero que você se magoe.

É isso que liberta as palavras presas. Nós ainda somos amigos. Ele me traiu. Destruiu a minha vida, depois negou e tentou me convencer de que fui eu que fiz isso. Mentiu, porque é um babaca e babacas mentem. E agora está aqui, bloqueando a minha saída, dizendo que ainda somos amigos.

 – Quer saber, Nate? Vá se foder.

Passo por baixo do braço dele, meio que esperando que ele me segure. Tenho quase certeza de que Nate me odeia tanto e quer tanto me magoar que será capaz de fazer isso. Mas não faz. Eu passo por ele, disparo pelo corredor até o banheiro, me tranco em um cubículo e me sento na tampa do vaso sanitário, com os pés sobre o assento, para poder enterrar a cabeça entre os joelhos. Fico assim até conseguir respirar, até descobrir que o zumbido baixo que estou ouvindo não vem de dentro da minha cabeça. É meu celular vibrando no meu bolso.

É uma mensagem do Harry. Você está bem?

Não estou bem. Nem um pouco. Mas ver o nome de Harry no meu celular – ver que ele quer saber como estou quando nunca me mandou mensagem nenhuma, exceto uma ou duas palavras para responder às vezes que avisei que tinha chegado em casa – ajuda.

Tô bem, digito.

Bom, na verdade, digito to nrm. Mas, de alguma forma, o milagre da autocorreção entende o que eu queria escrever.

Onde você está?

Festa no Minnehan.

Eu sei. Z mandou sua foto. Onde no M’han?

Banheiro.

Depois de um tempo: Z é um idiota.

Eu exagerei na reação.

Tudo bem. Todo mundo tem noites malucas.

Por que quando outras pessoas dizem coisas que já sabemos nos sentimos reconfortados? Por que, quando Harry me diz que estou bem, acredito nele? Não que ele consiga me fazer ficar bem, mas me faz ter esse critério. Quero contar a ele sobre Nate, mas quero mais ainda esquecer o que aconteceu.

Ainda está no trabalho?

Não. Acabei de sair.

Sorrio para o telefone.

Volte para a festa. Z disse que você está ajudando ele a pegar minas. 

Depois de um tempo: Mas são todas sapas.

Babaca!

Eu não. Pergunta para o Niall. Todas aquelas garotas se chamam assim.

Elas se chamam de matas, digito, mas não era o que eu queria dizer.

Gatas, tento uma segunda vez, mas o celular corrige para matas.

Tento uma terceira vez. G-a-t-a-s. Porra de corredor.

Há uma pausa, e então Harry envia: Corredor? Estou morrendo de rir.

Pisco para a tela. Ah. É, pelo visto eu digitei isso. Que bom que eu divirto você.

Respiro fundo. Preciso de três tentativas para conseguir escrever as palavras:

Vem dançar?

Uma pausa mais longa.

Preciso dormir.

Tenho certeza de que é verdade. Ele dorme apenas quatro horas por noite durante a semana. E me disse que tenta recuperar o sono nos fins de semana.

Ok. Bons sonhos.

Mais uma pausa, e estou começando a achar que a conversa acabou, que eu devia sair do banheiro e ir para casa dormir quando mais um balãozinho salta na tela.

Louis?

Oi?

Terça é dia de cookie.

Terça, na padaria. Eu não quero esperar tanto tempo para vê-lo, mas é assim que as coisas são.

Certo. Nos vemos lá.

Aliás.

Nada por vários segundos.

Você está gato pra caralho. Nem vi o espaço entre os dentes.

O que essas palavras fazem comigo... Meu coração fica tão leve que acho que posso sair flutuando e passar através do espaço entre meus dentes da frente. Faço uma captura da tela e guardo o telefone. Ainda sorrindo, me levanto do vaso e lavo as mãos, ouvindo a batida no salão. Meus dedos dos pés se movem minimamente, um minúsculo reconhecimento do ritmo. Meus olhos estão assim também. Brilhando por causa do minúsculo reconhecimento.

Foi a segunda vez que ele me disse isso. Quando saio do banheiro, Liam está vindo na minha direção com Niall. Ou, mais especificamente, está andando em zigue-zague pelo corredor enquanto Niall o observa como um falcão, aproximando-se para firmá-lo toda vez que parece que ele vai cair. O triste é que Liam só bebeu duas cervejas. Ele não tem nenhuma tolerância ao álcool.

– Louis! – grita meu amigo.

– Liam! – exclamo em resposta.

– Eu vi o Nate.

– Eu também.

– E dei um chute no saco do Zayn por ter tirado uma foto sua. Quero dizer, não de verdade, mas metaforicamente.

– Ele deu uma dura incrível nele – comenta Niall.

– O Nate fez você chorar? – pergunta Liam.

– Não. Estou bem.

– Quer ir para casa? Ou podemos tomar outro sorvete.

Penso na proposta. Mas reconheço a música que está tocando e decido que não quero voltar para o quarto e me esconder.

– Não, eu quero dançar.

– É mesmo?

Liam olha para mim piscando muito.

– Mais ou menos. Na verdade, eu quero dar um chute no saco do Nate. Ou dar um soco no nariz perfeito dele.

– O seu namorado já fez isso – diz Liam.

Arregalo os olhos para ele fazendo o gesto universal de ai, meu deus, cala a boca, seu idiota. Espero com todas as forças que Niall não tenha ouvido ou entendido o que ele disse.

– O seu namorado? – pergunta ele, levantando uma sobrancelha.

Aquela sobrancelha sabe tudo.

– O Liam está um pouco bêbado – digo, como que me desculpando. – E nós temos uma piada particular sobre o Harry...

– Que é...?

Tento pensar em uma maneira diplomática de dizer, mas Liam é mais rápido do que eu:

– Que Louis quer arrancar as calças dele.

Sim. Essas palavras realmente saíram da boca de Liam.

– Eu vou matar você – sussurro.

Não consigo olhar para Niall. É possível que nunca mais olhe para ele de novo. Ele pigarreia. Bate o pé no chão. Meu Deus. Não tenho escolha. Olho para ele. Niall ainda está com a sobrancelha arqueada. Aquela sobrancelha não se cansa. É uma atleta de resistência.

– É mesmo?

Não sei como responder. Quero dizer, sim. É claro que eu quero arrancar as calças dele. E não. Não, não, não, eu não quero que ele saiba, ou que o Harry saiba, ou que qualquer pessoa viva saiba, inclusive Liam. Digo alguma coisa parecida com Hummm?

Ele sorri.

– Claro que vou contar para ele.

– Eu mato você se fizer isso.

– Cara, você está cheio das ameaças hoje. Primeiro aquele cara, o Nate... Ah, merda, foi ele quem publicou as suas fotos nu?

Ele diz isso na minha cara, sem qualquer vergonha ou o menor reconhecimento de que é um assunto sobre o qual não devemos falar. Fico tão chocado que apenas digo:

– Foi.

– Não é de admirar que esteja morrendo de raiva. Sabe o que você devia fazer? Jogar rúgbi. Você é rápido?

– Hum, não.

– Ele é muito rápido – diz Liam.

Niall está sorrindo.

– A gente pode derrubar as pessoas no chão. É incrível.

– Parece incrível. – Liam de novo.

– Nós treinamos aos domingos, às onze. Quer ir? Precisamos de mais um jogador.

– Obrigado, mas tenho que guardar meu talento atlético para as pistas.

– Ah, certo. Vou me contentar com rei do boquete¹ aqui, então. – Niall diz isso completamente sem malícia. Esfrega as mãos uma na outra. – E aí, vamos dançar ou ficar parados aqui sem fazer nada o resto da noite? Porque vocês sabem que se a gente não voltar em dois minutos, o Zayn vai estar enfiando a língua na garganta de alguma pobre pessoa.

Liam franze o nariz.

– É mesmo. E eu quero dançar com ele. Ele é tão bonito.... Parece um enfeite de Natal.

– Ele seria o enfeite mais lindo do mundo – concorda Niall. – Vamos resgatá-lo.

Eu não cheguei a falar nada sobre o rúgbi, mas Niall engancha os cotovelos nos nossos e saímos os três assim meio correndo, meio pulando pelo corredor, como mosqueteiros bêbados. Mostramos as pulseirinhas para o cara da segurança, que está completamente entediado e mal olha para a nossa cara. Quando chegamos à pista de dança, estou com outra cerveja na mão e rindo, pensando em Niall, Liam e Zayn. Pensando no celular no meu bolso de trás e na captura de tela que fiz.

Não tenho um pensamento para dedicar a Nate.

-

¹ o termo "rei do boquete", que Niall cita, se refere a uma brincadeira com shots de bebidas alcoólicas.

Está me dando um trabalho revisar esses capítulos, mas sem descanso. Minha meta é terminar essa semana com todos os capítulos postados, torçam pra que eu consiga.

Comentem e votem, meus amores!

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