D E A T H (DEGUSTAÇÃO)

Af loreenf

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A morte sempre esteve ao lado de Sadie Foster. Quando bebê, ela levara seus pais. Quando criança, seu melhor... Mere

D E A T H
epígrafe
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Af loreenf

Meus olhos negros estavam sem brilho.

Nunca tiveram.

As olheiras abaixo deles estavam profundas.

Sempre estiveram.

Meus cabelos pretos ondulados e levemente volumosos, desciam completamente sem vida até metade de minhas costas.

Nunca tiveram.

Minhas sardas, que enfeitavam meu nariz e uma parte das maçãs do meu rosto estavam estupidamente apagadas.

Sempre estiveram.

Sem vida.

Sem brilho.

Apagada.

Profundamente ridícula eu era.

O espelho redondo do banheiro minúsculo revelava a imagem de uma mulher cansada. Já deveria ter me acostumado com essa imagem, eu a via todos os malditos dias quando acordava e quando ia dormir.

Nunca fui a garota mais bonita, ou a mais feliz, ou a mais iluminada. Eu não fazia muita diferença. Na verdade, eu poderia facilmente ser comparada a um Apêndice. Ter minha presença ou não ter era quase a mesma coisa, mas, enquanto o Apêndice era só o abrigo de bactérias boas para o organismo, eu transbordava coisas ruins. Escuridão. Podridão. Só que, assim como ele, se eu me inflamasse demais, causaria estragos.

Eu explodiria.

E toda a podridão se espalharia tão rápido quanto fumaça.

Contaminaria tudo e todos à minha volta. Causaria uma infecção tão grande, que nem o melhor dos antibióticos poderia curar. Nem o melhor dos médicos poderia controlar.

E eu sorriria com os olhos brilhando, dizendo o quanto aquela destruição era linda.

Respire fundo, Sadie.

É só uma temporada na cidade.

Depois você pode voltar à sua vida patética e cômoda.

Abri a torneira e formei uma concha com as mãos, abrigando a maior quantidade de água que conseguia.

Joguei em meu rosto.

Mais duas conchas de água e eu já estava pronta para abrir a porta, e fingir enfrentar o mundo lá fora.

Sequei meu rosto, destranquei a porta e saí do banheiro.

O silêncio do avião era interrompido apenas por alguns cochichos. Uma comissária de bordo elegante, com um vestido social tão vermelho quanto o batom em seus lábios, caminhava pelo corredor empurrando um carrinho preenchido de bolachas, lanches pequenos, chás, cafés e algumas garrafas minúsculas de uísque.

Minha cabeça doía só de pensar em álcool.

Eu não deveria ter tomado aquela garrafa inteira.

Ainda estava tentando descobrir se o enjoo que eu sentia era por conta da ressaca, ou pelo fato de estar voando diretamente e literalmente para o inferno.

Forcei meus pés a caminharem pelo corredor estreito, por entre as poltronas, em direção à minha, ao lado de Robin. No meio do percurso, uma mulher alta e loira se levantou de uma delas, ajeitando seus cabelos. Os olhos verdes de Katherine Green me mediram de cima abaixo, antes de me lançar um sorriso esnobe e passar por mim, trombando propositalmente em meu ombro.

O enjoo aumentou.

A equipe era pequena. Éramos eu, Robin, Blaine — o gênio da computação —, Thomas e Caldwell. Eu não entendia a necessidade de Katherine nessa viagem também.

Na verdade, eu não entendia muita coisa.

Principalmente o meu ataque de coragem ao respirar fundo e pisar neste avião. Era quase como se eu estivesse correndo em câmera lenta e com um sorriso estampado no rosto, diretamente à minha forca.

Cheguei em minha poltrona e me sentei rapidamente. Eu fechei os olhos e respirei fundo, tentando me acalmar.

Eu não podia ter um ataque de ansiedade no meio deste avião.

Ter ataques de ansiedade viraram rotina quando eu fugi de Coolley. Eu tinha pesadelos todas as noites, e assim que eu acordava deles, não conseguia mais me acalmar. Eu só parei de ter quando comecei a tomar remédios para insônia antes de dormir. Eu ficava tão dopada e com um sono tão pesado que não sobrava espaço para pesadelos e, consequentemente, crises de ansiedade.

E se eu não quisesse ter uma agora mesmo, para relembrar aquela época, eu tinha que me acalmar:

Um.

Dois.

Três.

Respira fundo.

Quatro.

Cinco.

Seis.

Uma mão tocou a minha.

Eu abri meus olhos e virei meu rosto para o lado. Robin tinha os olhos escuros em uma mistura de compaixão e compreensão. Seus cabelos negros e finos estavam presos em um rabo de cavalo, seus óculos, como sempre, escorregando pelo seu nariz.

— Você tem medo de avião, não é?

Não.

Não é isso, Robin.

Está longe de ser.

Eu engoli em seco e afirmei com a cabeça.

— É... é exatamente isso... — menti.

Robin soltou um sorriso fraco.

— Está tudo bem, Sadie. Eu também tenho... — sua mão agarrou um pouco mais a minha, seus dedos se entrelaçando com os meus.— Eu sempre fico nervosa quando vou viajar. Mas aí eu coloco um filme e consigo relaxar... — apontou para a tela na poltrona à frente. — Você quer?

Sua outra mão alcançou sua orelha, e Robin me ofereceu um dos fones de ouvido.

Dizem que se uma pessoa oferece seu fone de ouvido, é porque ela realmente se importa.

Allen se importava comigo o suficiente para dividir um fone de ouvido?

Deus, eu era uma vadia com ela!

Eu abri um sorriso fraco e agradecido, tirando delicadamente minha mão da sua.

— Não precisa, Robin. Já estou melhor, obrigada.

A garota me ofereceu um sorriso gentil, antes de voltar a colocar o fone em seu ouvido e seus olhos na tela.

Robin era provavelmente a pessoa mais doce que já conheci.

Ajeitei-me em minha poltrona, até estar confortável o suficiente para não surtar. Cruzei meus braços e encarei o corredor do avião. Até meus olhos encontrarem os dele.

Devan estava a duas poltronas de diferença, na outra metade do avião. Sua cabeça estava virada discretamente em minha direção, seus olhos avelã não perdendo um movimento meu. Seus cabelos dourados estavam bagunçados como sempre estiveram, a barba rala por fazer dava a impressão de que ele cuidava dela todos os malditos dias, com rituais excepcionalmente metrossexuais. Mas eu sabia que ele só havia acordado e dirigido até o aeroporto. A camisa social branca, que abraçava perfeitamente seu corpo perfeito, dava um ar angelical a ele.

Um verdadeiro anjo do inferno.

Ele estava me observando desde que me viu chegar no aeroporto. Acho que ele esperava que eu realmente não fosse. Esperava que eu fugisse como uma coelhinha assustada.

Ele traçou meu perfil como traça o perfil dos seus criminosos.

A palavra covarde estava no topo da lista.

Eu não sabia o que Devan havia visto em mim, mas provavelmente não gostou da minha cara. Ele me olhava como se eu fosse simplesmente medíocre. Como se eu me resumisse a nada.

Não que eu não fosse. Só não gostava que ele soubesse disso, mas ele sabia.

Caldwell sempre sabe quando pessoas escondem coisas, e eu definitivamente escondia muitas, muitas coisas.

Seus olhos ficaram focados em mim por mais alguns segundos, antes de ele se virar para frente e deixar de me observar como um predador prestes a atacar.

Um arrepio percorreu meu corpo.

E não era um arrepio bom.

Era um arrepio que anunciava que aquele olhar, algum dia, provavelmente me mataria.

Ele me inflamaria.

Eu realmente não me importava, e nem vou me importar quando minhas chamas estiverem tão ardentes, que todos sentiriam o fogo me queimar mesmo a metros e mais metros de distância.

Ele poderia me abastecer com vários outros daqueles olhares, se quisesse.

Eu guardaria cada um deles.

E, quando eu explodisse, faria questão de ele ser o primeiro atingido.

Fortsæt med at læse

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