A teoria do caos

By AyzuSaki

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Alguns eventos moldam as pessoas. Acontecimentos que transformam o caminho de alguém totalmente, por terem um... More

Capítulo I - O homem que trabalha com lixo
Capítulo II - O menino que brinca com lixo
Capítulo III - Que tipo de herói você quer se tornar?
Capítulo IV - Os gatos de rua de Hosu
Capítulo V - Aqueles encontros predestinados
Capítulo VI - Desvios imprevisíveis
Capítulo VII - Convergindo
Capítulo VIII - Endeavor precisa esfriar a cabeça
Capítulo IX - Sua mãe nunca te ensinou a mentir, mas deveria
Capítulo X -Aizawa questiona as suas escolhas na vida - Parte I
Capítulo XI -Aizawa questiona as suas escolhas na vida - Parte II
Capítulo XII - O gato e o novelo de lã
Capítulo XIII - A órbita de um Midoriya
Capítulo XIV - O poder por trás de um nome
Capítulo XV - Os rolês aleatórios de Nora
Capítulo XVI - Um interlúdio antes da desgraça
Capítulo XVII - O paradoxo da força irresistível
Capítulo XVIII - Aquelas reuniões familiares com parentes que tentam te matar
Capítulo XX - As promessas que fazemos e que nos quebram
Capítulo XXI - O Inverno está chegando
Capítulo XXII - O paradoxo de Epicuro
Capítulo XXIII - Uma fúria feita de gelo
Capítulo XXIV - O inverno está aqui
Capítulo XXV - Efeito bola de neve
Capítulo XXVI - O guia prático de como criar caos, por Izuku Midoriya
Capítulo XXVII - Um cego guiando um cego
Capítulo XVIII - A ponta do fio
Capítulo XXIX - Os galhos da árvore
Capítulo XXX- Izuku é uma calamidade de bolso

Capítulo XIX - O menino e os monstros

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By AyzuSaki

"Aquele que luta com monstros deve acautelar-se para não tornar-se também um."

Friedrich Nietzsche

10 anos, 6 meses e 3 dias atrás

Akira se sentia uma covarde. Só alguém covarde ligaria em um horário que tinha certeza que ninguém iria atender, porque era bem mais fácil deixar uma mensagem de voz do se explicar. Aos poucos ela cortaria contato, se afastaria da sua família. Era melhor assim.

Olhou para fora da cabine telefônica, as ruas cinzentas e a garoa fina que caia. A voz gravada do seu pai sendo recebida com alívio até o final bip.

"É melhor assim."

Hey Mei! – Falou tentando passar animação na voz. – Soube que ganhou sua quirk. Zoom, hun? Muito legal. Desculpe perder seu aniversário, Nee-san andou bem ocupada nesses dias. Espero que tenha recebido o presente. Nos vemos logo.

"Mentirosa."

Desligou e deu um suspiro longo. Que grande bagunça.

Fechou a cabine com mais força que o necessário e desceu a rua até o galpão. Eles tinham se instalado no começo da semana, tentando rastrear um fugitivo da comissão. Geralmente teria resolvido tudo muito rápido, mas Hisashi estava tenso demais, cometendo erros, algo que ele nunca fazia. Talvez fosse a pressa para voltar ao Japão, ele parecia estar esperando alguma notícia de lá.

Não que quisesse saber, preferia ficar fora de todo o drama.

Quando avistou o galpão paralisou por alguns segundos, chocada. A parede lateral havia sido arrancada, os danos se estendendo para os prédios abandonados ao redor. Eles haviam sido descobertos? Atacados?

Antes que pudesse reagir alguém foi jogado do buraco contra o prédio, outro corpo seguindo pelo buraco velozmente. Demorou alguns segundos para compreender a situação.

Takashi estava jogando Hisashi como uma boneca de trapos para fora, o atacando de forma brutal. Era uma cena tão absurda que demorou um pouco para começar a correr em direção a eles.

Ela mataria aqueles idiotas. Por sorte que estavam em uma área abandonada, mas se eles continuassem chamando atenção assim estariam ferrados.

Viu Hisashi desviar de um ataque, se preparando para soltar uma bola de fogo no outro, mas parando no último segundo, engolindo o fogo com uma careta de dor, tossindo fumaça escura e escapando do concreto que o outro jogava em sua direção.

Parem com isso!

Foi ignorada, claro. Takashi gritou algo, sua mão se movendo em direção a um dos prédios e viu toda a estrutura tremer. Ele estava fora de controle, e da forma como Hisashi estava apenas na defensiva, os dois iam acabar se matando.

Xingou alto, tirando uma luva com o dente e tocando no prédio destruído do lado.

Odeio vocês.

Ela os fez parar.

Se pudesse voltar no tempo, mudaria alguma coisa? Ai! Calma.

Quieto.

Akira revirou os olhos, tentando manter as mãos firmes na sutura que fazia nas costas do idiota. Geralmente ela usaria a quirk em algo pequeno assim, mas fazer os dois idiotas parar havia a deixado exausta. O esconderijo havia ficado totalmente destruído.

A comissão não iria ficar nada feliz com isso.

Eu saio por meia hora e vocês tentam se matar. O que diabos fez com Takashi?

Por que a culpa tem que ser minha? – O olhou fixamente, parando onde costurava o ferimento no ombro dele. – Ah, certo, talvez tenha sido.

Tentou não fazer mais perguntas, ficar longe do drama daqueles dois, mas era difícil, os três sendo colocado constantemente juntos nas missões. Takashi era um Deus na ofensiva, Hisashi era um estrategista nato, Akira sabia como manter os três vivos. Eles eram o time ideal, apesar de constantemente sentir como se eles a vissem como uma outra pessoa, como se ela fosse a substituta de alguém.

Hisashi e Takashi estavam sempre se bicando, desde que os conhecera dentro da comissão, mas nunca havia visto algo tão extremo como aquilo. Por alguns momentos pensou que eles se matariam, o que era algo absurdo em si. Era de conhecimento popular que Takashi era o único que Hisashi realmente ouvia, e que Hisashi era o único com que Takashi se importava.

E ainda assim chegara no meio de uma briga tão brutal que não havia sobrado nada do prédio em que estavam, Takashi havia perdido o controle da maldita quirk. Takashi não perdia controle de nada.

Não respondeu minha pergunta. Tem algum arrependimento?

Ter sido apresentada para vocês dois.

Rude.

A voz dele seria brincalhona, se não o conhecesse já há algum tempo. Ele parecia exausto e triste.

Eu me arrependo de muita coisa. – Ele comentou quietamente, fazendo uma careta quando a agulha passou no segundo corte. Ser jogado como uma boneca de trapos deve ter sido doloroso. – Mas não mudaria nada.

Akira bufou suavemente: Você não faz sentindo algum.

Mudar alguma coisa me tiraria o que eu consegui.

Akira pausou por um segundo antes de continuar. Era raro ver Hisashi com um tom tão sóbrio, sem bancar o lunático que não conseguia calar a boca.

Eu não quero perder a família que eu consegui. – Ele deu uma risada baixa. – Eu faria qualquer coisa. Passaria pelo inferno de novo e de novo e de novo...

Ela não sabia o que falar. Terminou a sutura e limpou o lugar em silêncio. Haviam alugado um quarto em um motel barato e duvidoso, mas Takashi não havia retornado. Havia a ajudado a levar Hisashi desacordado para dentro e dado as costas, sumindo na madrugada.

O que diabos tinha acontecido entre esses dois?

Eu amo os Midoriya. – Hisashi a deixou o ajudar a vestir uma camisa, ainda murmurando, como de costume. – Os Midoriya têm uma terrível sorte, eles sempre atraem os monstros, Akira-chan.

Você não é um monstro, Hisashi.

O homem riu e passou a mão nos olhos.

Pergunte isso ao Takashi. Se Inko souber da verdade...eu não quero perder minha família.

Akira não sabia o fazer. Ela se sentia alerta e confusa.

Hisashi, por que vocês brigaram?

Olhos vermelhos a fitaram de forma calculista. Ela conhecia Hisashi o bastante naquele ponto para saber que ele estava ponderando algo, imaginando o curso de alguma decisão que estava para tomar. Alguma resolução tomava forma.

Eles podiam fingir que ela não havia perguntado e continuar como se nada tivesse acontecido. Aquele segredo morreria ali, Takashi nunca revelaria nada.

Depois que um segredo se revela, não tem mais volta, Akira-chan. Quer mesmo saber?

Mas por alguma razão, que não entendeu na época, Hisashi confiou em Akira.

Me fale.

E isso mudou tudo.

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Atualmente

A vida inteira Izuku ouviu que tirou uma carta de mão errada na vida. Era tudo um terrível azar, realmente. Ele era a criança sem quirk dos pais da quarta geração, o garoto que o pai havia sumido e ninguém sabia se estava vivo ou morto, com uma situação financeira complicada o bastante para cedo começar a se preocupar em ter que tirar o peso das costas da sua mãe.

Havia algo de infinitamente errado na vida de uma criança cujo maior medo era de um dia sua mãe ouvir os conselhos das pessoas e o deixar na porta de algum abrigo, porque apesar de todo o azar, ele ainda era um dos sortudos, ele tinha sua mãe que era louca por ele e que estava se fodendo para a opinião das outras pessoas. Por seu filho, Inko havia rompido amizades, sacrificado oportunidades de emprego e se alienando de praticamente todo o bairro. Izuku sempre estava em primeiro lugar para ela.

Era como viver constantemente lutando no sentido oposto da corrente, tentando não ser arrastado, afundar e se afogar. Inko Midoriya mantinha seu filho na superfície. Então seu pai apareceu naquela tarde e tudo ficou melhor. Sua mãe lhe dava força, seu pai lhe deu propósito. Foi a primeira vez que pensou que tudo ficaria bem.

Até a sorte dos Midoriya atacar mais uma vez. Mas ele tinha Takashi. Takashi mantinha os dois na superfície. Eles eram os resquícios da pequena e quebrada família dos dois. Ele sabia como era difícil respirar também. Como era difícil não se deixar afundar.

Izuku realmente pegou uma carta de mão ruim na vida.

E mais uma vez ele estava tentando não ser arrastado ou afundar, a diferença é que dessa vez ele estava sozinho.

— Está comigo, ainda?

Seus lábios se curvaram em um pequeno sorriso, os olhos verdes arregalados e sinceros. Hound dog franziu o cenho, o observando de onde estava sentado na poltrona ao seu lado. Izuku se perguntou o que ele via, notando a frustração disfarçada.

"Pode bater na porta o quanto quiser, não vai gostar do que vai encontrar se entrar."

Recovery Girl falou que o herói estava conversando com todos que estavam em USJ, e ele ficava feliz com isso, realmente. Ajuda, terapia, era algo que sabia que muitos iam precisar. Não era fácil ver um colega morrer. Não era fácil ser o sobrevivente de algo assim. Ele não sabia se toda a repercussão negativa havia os puxado a isso, mas ficava feliz de estarem oferecendo ajuda.

— Estou bem.

Era morbidamente divertido, no entanto, para ele. Izuku não era como os outros alunos. Izuku não era uma criança como eles há muito tempo.

O herói pareceu insatisfeito, suspirando e fechando o caderno. Será que os outros conseguiam ver isso também? Perceber o que ele percebia?

— Bem, se estiver pronto para o depoimento...Se não pode tomar o tempo que quiser, ninguém vai o puxar a nada.

Assentiu, o tom protetor sendo apreciado. Falar com Naomasa não seria fácil, mas queria acabar com isso o quanto antes. Havia uma bola se expandindo em seu peito a cada segundo que passava ali, como uma bomba marcando um tempo. Tic toc.

Ele tinha que estar longe quando ela explodisse, ninguém precisava saber o que tinha abaixo da superfície.

"E não perdeu a surpresa que trouxe para você"

Era algo feio e destrutivo, brutal, visceral.

"A surpresa que trouxe para você"

— Eu estou bem, não se preocupe.

"Trouxe para você"

Izuku deu uma braçada e tentou se manter na superfície por mais tempo.

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Conseguia notar os olhares de Fuyumi. Apreciava a preocupação, mas não entendia o motivo.

Havia muita coisa que Shoto não entendia sobre o que estava acontecendo. Ele não entendia a expressão de Hound dog no dia anterior quando fez aquelas perguntas inúteis. Shoto estava bem. A paranoia sobre ser atacado a qualquer momento era algo com que estava acostumado. Ele não conhecia Mineta Minoru ao ponto de se sentir traumatizado. Ele sabia que era algo terrível, mas não conseguia sentir nenhuma perda realmente. Ele sabia o que era uma perda de verdade.

Isso o incomodava. Havia tanto ressentimento e raiva, talvez não tivesse espaço para muito mais coisa. Seu pai tinha marcado um treino, furioso das aulas terem sido adiadas e, talvez, por saber que ele não tinha usado o fogo na luta. Shoto sabia que não seria agradável, mas nada de novo.

— Shoto?

— Estou bem. – respondeu de forma monótona.

Fuyumi suspirou e continuou olhando para o jardim. Pensando, sua mente sempre retornava para um mesmo ponto. Talvez estivesse se obcecando com algo inútil, mas não podia ser evitado. Era incomodo como as coisas que envolviam Deku não podiam ser evitadas.

Será que alguém mais tinha visto o que vira no plaza? Será que ele tinha realmente visto o que achava que tinha visto? Fora tudo tão rápido, mas sabia que não estava enganado.

— Shoto!!

Ignorou os gritos de Endeavor, pelas pancadas na casa ele havia tido um dia ruim. Fuyumi o olhou de forma incerta e se ergueu sem falar nada.

Por que os olhos dele eram tão familiares, também? Era como olhar em um espelho, até a cicatriz refletida, oposta. A forma como os dois pareciam gerar o desconforto pela forma como tomaram a situação inteira. Os que a violência era algo tão comum, que não impressionava mais.

— Shoto!!

Entrou na casa, os olhos de Fuyumi o seguindo o tempo inteiro.

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Masaru Bakugou era um bom pai.

Não era fácil estar sempre entre duas pessoas com personalidade tão forte como Mitsuki e Katsuki, mas ele conseguia manejar os dois melhor do que ninguém, com sua infinita paciência.

Como um bom pai, ele conhecia muito bem seu filho. Ele sabia o que se passava naquela cabeça e acabava sempre sofrendo junto com ele, mesmo quando Katsuki insistia em não pedir ajuda com seus problemas. O que era sempre.

Da mesa do café observou seu garoto sentado no sofá. A expressão carrancuda, as olheiras escuras abaixo dos olhos vermelhos. Ele estava sem o aparelho de audição, as roupas suadas de uma corrida.

— Ele dormiu?

Mitsuki negou, a expressão fechada, mas os olhos aflitos. Ela estava tentando ser paciente também, e agradecia por isso.

— Quando desci de manhã cedo ele estava entrando em casa. O pirralho correu durante a madrugada.

Fez uma careta, a situação não era nada boa.

— Você acha que é sobre o garoto que morreu?

Mitsuki deu uma risada baixo, mas não parecia realmente divertida. A situação a afetava bem mais do que queria demonstrar. Todos eles estavam, era impossível não pensar nos pais do garoto. Pensar se fossem eles naquela situação.

Era essa a grande questão, não era? Masaru estava com medo também. Uma parte sua queria tirar Katsuki de U.A, mesmo sabendo que seria uma guerra. Ele preferia que ele o odiasse a vida inteira do que arriscar perder seu filho assim.

— Nam, ele nem o conhecia direito. – Ela empurrou a cadeira e sentou com mais força que o necessário. – Isso é sobre Izuku.

— Ah sim.

Olhou seu filho novamente de forma disfarçada.

— Parece que proibiram as visitas hoje, estão instalando novo sistema de segurança. Eu liguei para lá, ele vai ser liberado apenas hoje mais tarde.

Mitsuki parecia tão carrancuda quanto o filho sobre isso, mas preferiu não comentar. Os Midoriya sempre afetavam esses dois muito mais do que conseguia entender.

E por isso sabia que tirar Katsuki de U.A seria muito mais complicado, porque Izuku estava lá.

— Precisamos conversar sobre isso.

Mitsuki lia seus pensamentos, pelo jeito.

Antes que pudesse falar algo a campanhia tocou.

— Eu atendo.

Katsuki não havia se movido da sua posição no sofá e suspirou preocupado.

Abriu a porta e piscou confuso, mas com um leve sorriso no rosto, para os três desconhecidos.

— Ah, bom dia. Sr Bakugou?

Uma menina da idade de Katsuki com grandes olhos castanhos e uma expressão cansada no rosto, um garoto de cabelos vermelhos e sorriso amigável e uma mulher adulta de óculos de cabelos escuros, que era de alguma forma familiar.

— Sim?

— Nemuri Kayama, sou professora do Katsuki na U.A. – A mulher sorriu gentilmente enquanto as crianças davam bom dia e faziam reverências.

Fechou um pouco a porta saindo para a varanda, olhando para trás brevemente e vendo Mitsuki se levantar.

— Masaru Bakugou. Algum problema?

— Oh, não, não. A escola decidiu recrutar alguns dos professores para fazer companhia aos alunos que moram longe das famílias, diante da... situação, achamos melhor. Fiquei com Uraraka aqui esses dias. – Ela apontou para a menina que sorriu timidamente. – Ela e Kirishima me pediriam para vir com eles checar Katsuki. Eles estavam preocupados.

— Hn.

Por essa ele não esperava. Um sorriso se desenhou em seus lábios com isso e viu Mitsuki surpresa também ao seu lado.

— Vocês são amigos do meu pirralho?

Os dois assentiram rapidamente, o garoto tomando a frente com um sorriso charmoso, um tanto tímido enquanto coçava a cabeça.

— Ele está em casa? Se não for incomodo.

Mitsuki puxou a porta e abriu de uma vez, um sorriso no rosto que beirava a maníaco.

— Imagina! Pirralho! Você tem visita!

— Amor, ele está sem o aparelho.

— Ah é. Vocês dois, pulem nele no sofá. Se joguem. Xô.

— Mitsuki...

Kayama-sensei deu uma risada baixa com isso. Logo os três adultos ouviram gritos, xingamentos e explosões da sala.

Uma hora depois Masaru observou Katsuki na varanda de trás, ainda com uma carranca, revirando os olhos enquanto corrigia a posição da mão dos outros dois sentados na sua frente, que sorriam brilhantemente sempre que acertavam alguma coisa. Viu curioso os ombros dele mais relaxados, mesmo quando batia com um livro na cabeça do outro garoto.

Mitsuki olhou em sua direção do balcão onde conversava com Kayama-sensei e os dois assentiram brevemente em entendimento.

Talvez ficar em U.A fosse o melhor para seu garoto, afinal.

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Levando em consideração a expectativa de vida dos heróis, Chiyo, também conhecida como a heroína Recovery Girl, havia vivido bastante. Foram anos e anos trabalhando primeiro em campo cuidando dos seus companheiros e depois dentro da U.A, tomando conta do futuro, dos heróis que estavam por vir.

Chiyo havia vivido muito e se orgulhava em saber que muitos heróis haviam passado por suas mãos, alguns mais que outros, porque sempre havia 'aqueles' que davam mais trabalho. E ela conhecia bem cada um deles, cada maneirismo e idiotice que, infelizmente, a maioria tomava parte.

Então não era uma grande surpresa em ver Aizawa fora da cama quando não havia recebido alta ainda, os dois braços ainda imobilizados, aguardando que ele tivesse estamina o bastante para ser curado depois da longa cirurgia a que havia sido submetido dias atrás.

— Onde pensa que está indo, Shouta-kun?

— Estou bem.

Ele teve a decência de parecer levemente envergonhado quando o olhou com descrença e recriminação.

— ...Diante das circunstâncias.

Chiyo não podia negar isso. A situação podia ter sido bem pior. Às vezes pensava no quanto eles estavam mal-acostumados com sua quirk, ao ponto de se quebrarem a esse ponto na confiança de que ela os curaria rapidamente. Seu poder, no entanto, só podia ajudar a tal ponto.

Toshinori Yagi era um exemplo disso.

Embora não pudesse recriminar Shouta totalmente, diante da situação em que ele havia se encontrado. Só agradecia que os danos não tivessem sido irreversíveis.

Ergueu a bengala e apontou para a cama.

— Sente.

— Eu não...

— Se não sentar vou chamar Nemuri-chan aqui para te colocar para dormir. – O viu fitar a porta e três anos com ele como paciente quando estudante e mais alguns como professor a faziam ter certeza que ele estava ponderando o quão rapidamente podia alcançar a porta. – Vai poder vê-lo em alguns instantes. Sente.

Ela disse que os conhecia bem.

Principalmente os mais problemáticos.

Aizawa sentou com uma carranca e tentou não sorrir. Algumas coisas nunca mudavam.

— No final do dia terminamos com os braços, mas vai passar ainda algum tempo com a imobilização em um deles. Espere cicatrizes. Como está a visão?

— Normal.

— Tuts. Tente não usar Erasure por alguns dias. A pancada destruiu o assoalho ocular. Há chances de ter perdido alguma capacidade, mas isso só iremos saber com o tempo. Teve sorte, diante da situação.

—Hum. Não me sinto sortudo.

Chiyo ignorou a carranca de seu paciente e examinou o braço que havia sofrido o dano da quirk no ataque, músculo e pele reconstruídos, mas com uma cicatriz distinta. Sua quirk havia se fixado nas partes mais importantes, cicatrizes eram o menor dos problemas quando ele chegou depois do ataque.

A cicatriz lhe fez pensar em outra que estava lhe intrigando, por serem tão parecidas.

— Como ele está?

Não precisava perguntar quem, era a exata pessoa que estava em seus pensamentos no momento.

— Fisicamente, bem melhor que você. Pronto para ir no final do dia e parar de trazer gatos para dentro da enfermaria.

Viu o outro repuxar os lábios levemente com isso. Shouta era bem mais transparente do que pensava ser. Em contraste do outro paciente que discutiam. Ao contrário da primeira impressão que tivera do garoto tímido, estranhamente adorável com toda sua curiosidade sobre sua quirk e dificuldade de se concentrar em uma conversa por mais de alguns minutos sem se distrair com a própria sombra, em alguns dias perto dele percebera que Izuku Midoriya era um enigma.

Ele era extremamente inteligente, preocupantemente independente para alguém da idade dele e com uma habilidade em direcionar a conversa para onde queria que, tinha que admitir, era impressionante, se não inconveniente para os adultos ao redor.

Nos últimos dias todas as crianças que estavam em USJ tiveram que participar de uma conversa mandatória com Hound Dog e alguns deles foram direcionados a terapia diante da experiência traumática que sofreram. A morte de uma colega não era algo a se tomar de forma descuidada. As conversas geraram alguns alarmes em Ryo sobre alguns estudantes em específico. Chiyo não queria estar no lugar de Shouta, ele teria algum trabalho com aquela sala, não tinha dúvidas.

Midoriya havia sido um dos casos específicos. Não se é todo dia que uma criança de 15 anos manipula alguém como Ryo, com anos de experiência, ao ponto de ele não ter certeza de nada sobre ele. Era como se Midoriya tivesse saído da sala com mais informações sobre Ryo do que o contrário.

Somado as cicatrizes que havia encontrado, antigas demais e em diferentes graus de cicatrização para serem atribuídas a USJ e a tensão, bem disfarçada, mas nem tanto, que não havia sumido do corpo dele desde que acordara na enfermaria, seus alarmes estavam apitando loucamente.

Ponderou alguns segundos sobre isso, sobre comentar o caso com Shouta. Ele e Toshinori pareciam estar investidos em Midoriya, tomando responsabilidade sobre ele. Era fofo, e realmente conseguia entender bem o sentimento, ela também havia se apegado ao seu novo paciente problema, mas não sabia o quanto isso iria interferir no julgamento deles.

Midoriya era um caso estranho.

Antes que pudesse tomar uma decisão, notou a expressão dele mudar com algo que reconhecia bem. Para quem se bicava tanto, Aizawa era bem parecido com Toshinori em algumas coisas. Eles tinham o mesmo complexo de culpa.

—Shouta-kun, não foi sua culpa. Você fez muito mais do que seria possível na situação.

—Não foi o bastante. Não o suficiente para um deles não morrer.

— Foi uma tragédia.

—Não. – Ele a cortou com firmeza, a expressão ainda mais fechada. Era o pesadelo de todos eles, afinal. De ver alguém morrer sob a responsabilidade deles. Aizawa mais do que qualquer um carregava isso, não era à toa que ele expulsava tantas crianças todo ano que julgava não estarem prontas. Para muitos ele parecia desnecessariamente rígido, poucos percebiam que ele queria evitar alguém despreparado em campo. Porque se um deles morresse por isso, estaria nas costas dele. E na sua consciência.

Como agora.

—Foi um assassinato. Perfuraram uma criança com um tridente e o deixaram para morrer afogado. Um estudante sob minha responsabilidade. Minha culpa.

—Shouta-kun...

— Midoriya? Ele não devia nem estar ali, eu o levei para o meio do caos e não consegui fazer nada enquanto ele era esmagado por um monstro. Ele nem mesmo é da classe de heróis, ele não devia estar ali, nessa situação.

—E ainda assim, pelo o que ouvi, ele se virou bem e tudo deu certo.

—Ele não...

—E também pelo o que ouvi, você salvou a vida dele e o protegeu.

—Não o bastante.

Chiyo suspirou, sabendo que nada o que diria o faria mudar de ideia. Para Aizawa a morte de Mineta Minoru estava nas suas costas, assim como a situação do famoso Midoriya.

—Quer ir vê-lo agora?

Tentou não se ofender quando ele mal a deixou falar e já estava saindo.

Aqueles seus garotos.

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Naomasa se sentia frustrado. E começava a perceber que talvez esse sentimento fosse um padrão quando conversava com Midoriya.

— ... talvez se eu focar menos na distância e mais na resistência a futuras interferências o resultado pode ser melhor no próximo ataque. Não que eu esteja dizendo que vá acontecer um próximo ataque, eu espero que não, mas caso aconteça.

—Midoriya. – Interrompeu tentando não parecer muito sofrido. Pela leve tossida de Toshinori na poltrona no canto da enfermaria, falhou nisso.

Ele devia saber que aquele depoimento não seria fácil. Pelo menos havia menos gatos dessa vez, só um enroscado no colo do garoto na cama da enfermaria, o olhando com intensidade anormal para um animal.

— Pode me chamar de Deku!

—Midoriya. – Ignorou o bico do adolescente com isso, sorrindo de maneira forçada. – Não foi isso que perguntei.

— Oh.

O rosto do garoto esquentou e ele abraçou o gato contra o peito, os olhos verdes o fitando de forma culpada entre os fios de cabelo. Tentou não revirar os olhos quando Yagi pareceu derreter em uma poça na poltrona, porque 'Ele é uma criança muito fofa, não é?'.

—Eu perguntei porque estava com os rastreadores.

Havia aquela voz em sua cabeça, um cutucão desde que ouvira os depoimentos. Noraneko havia lhe dito que ele receberia o sinal se algum ataque acontecesse, e esse sinal veio de um dos rastreadores de Midoriya que ele espalhou entre os alunos que saíram. Provavelmente. Porque Toshinori havia lhe lembrado que não tinha como ele ter absoluta certeza disso, já que ao analisar os rastreadores que coletou nenhum bateu com o aparelho que recebeu. O que era bem conveniente. Se o sinal tivesse vindo de dentro do platô ele seria atribuído a algum dos vilões, algum informante, talvez até mesmo Nora disfarçado entre eles, mas não. O sinal havia vindo de fora.

—Eu sempre ando com rastreadores, detetive. Foi algo que meu tio me ensinou. Ele é bem paranoico.

Novamente, quão conveniente.

—Foi o mesmo motivo que o levou a lutar tão bem contra um dos líderes?

Um garoto de 15 anos com experiência em combate para derrubar vilões mesmo em desvantagem, e ainda comandar os outros alunos, ao ponto de convencer até mesmo um herói experiente a cooperar com ele. Alguém que incrivelmente estava no departamento de suporte, o lugar onde menos se suspeitaria em encontrar alguém assim.

"Onde menos se esperaria encontrar um vigilante." A voz suspeita sussurrou em sua cabeça.

—Meu tio me ensinou combate também.

— Muito bem, pelo jeito. Algum motivo para todo o preparo?

A expressão dele ficou um pouco mais dura, quase imperceptivelmente.

—Eu sou um garoto sem quirk, detetive, que quer um dia ser um herói. Eu não o culpo por tentar me preparar para uma situação em que estou em desvantagem. Então sim, Takashi me preparou bem.

O tio claramente era um tópico sensível.

Antes que pudesse puxar mais Toshinori interrompeu. Era obrigatório ter algum responsável durante os depoimentos, mas era um pouco frustrante quando seu amigo fazia isso.

—Ele retornou para casa, ou ainda está viajando?

O viu trincar levemente a mandíbula, engolindo a saliva enquanto desviava os olhos para as mãos. Havia sido a reação mais visceral desde que começara aquela conversa.

—Ele está em casa.

Toshinori o fitou de lado e assentiu com a pergunta muda do outro. O garoto não havia mentido. Sabia que o amigo estava preocupado em o garoto retornar para casa e ficar sozinho, todos os estudantes tiveram que ser acompanhados depois de USJ, aqueles que não tinham os responsáveis na cidade haviam ido para casa com algum professor. Um ataque dentro de um ambiente que pensaram estarem seguros, mais a morte brutal de um colega e verem seus professores serem brutalizados enquanto lutavam pela própria vida, era um combo para transtorno de estresse pós-traumático, se conhecia algum.

—Ele vem buscar você?

—Não. Ele não está bem-disposto. – Os olhos dele se ergueram, estranhamente calmos. Era preocupante a Naomasa como alguém com tão pouca idade atuava tão bem. Toshinori abriu a boca, com certeza para oferecer sua casa ao garoto, mas ele o interrompeu antes disso. – Não se preocupe, Yagi-san.

—Hum. – Naomasa bateu a caneta no papel, sua quirk plácida. O garoto o fitava inocentemente, ainda assim sua intuição lhe dizia que havia algo a mais. A maneira como o garoto sabia exatamente como formar as frases na sua frente...era muito conveniente. – Midoriya, conhece Noraneko?

—Naomasa? O quê...

Ignorou Toshinori. Viu o garoto virar a cabeça levemente, os olhos nos seus.

— Sim. Quem não conhece? Principalmente em Hosu.

Sua pálpebra tremeu e não perdeu o leve sorriso dele com isso.

—Durante o ataque no plaza. – Notou a postura dele ainda mais rígida ao falar disso, era algo que havia ficado em sua cabeça com os testemunhos dos estudantes que viram a cena. – Só para passar os fatos. Durante a luta com o líder, que se apresentou como Shigakari?

Midoriya assentiu com isso, o rosto muito sério.

—Shigakari atacou você, mas parou no meio e direcionou o ataque a Aizawa. Está correto? Imagina o porquê?

—Não dá para se ter certeza de alguém como ele.

Se empertigou levemente com a frase.

— E quanto ao monstro, o que que pode dizer sobre ele?

—Com todo respeito, está me pedindo para lembrar de coisas com uma concussão e cinco costelas quebradas, detetive. Com um herói quase morto atrás de mim, eu não sei o que quer que eu diga. Eu nem mesmo pensei no que estava fazendo, meu corpo se moveu sozinho.

Toshinori fitou o garoto de forma ainda mais atenta com isso.

—Eu pensei que Eraserhead estava morto. Ele esmagou a cabeça dele, e ele não estava se movendo mais e eu...eu não sei.

O garoto havia ficado terrivelmente pálido. Toshinori o olhou em aviso e recuou na pergunta que faria, porque notava os sinais de um possível ataque de pânico que viria se puxasse mais. Naomasa sabia que estava sendo pouco ortodoxo, e que aquilo estava mais parecendo um interrogatório, mas Midoriya apenas estava despertando aquele instinto.

Um que ligava bem a certa pessoa.

E Naomasa via várias possibilidades, e pelo bem de todos queria estar errado em todas elas.

—Sabia da possibilidade do ataque em U.A?

Toshinori quase saltou da cadeira com essa pergunta, mas tinha que saber. Ele tinha que ter certeza que o garoto não tinha uma conexão com Nora, ou, na pior das possibilidades, com a própria liga. Foi tudo muito conveniente.

—Ninguém podia pensar que alguém atacaria U.A, detetive. Um lugar aparentemente tão seguro. É insanidade. Como eu poderia saber disso?

O garoto o olhou de forma incrédula, e teve a estranha sensação que estava levando uma bronca de algum superior, o que era ridículo.

— Eu construí esses rastreadores, eu estava com meu equipamento quando Eraserhead me chamou para a aula de campo. Eu fiz o que pude para pedir ajuda. Eu sinto muito que não foi o bastante.

— Jovem Midoriya...

E agora Naomasa se sentia um monstro.

Eu só tentei ajudar. Não queria que ninguém se machucasse.

Naomasa fechou o bloco de anotações e viu Toshinori voltar a sentar na cadeira.

—Desculpe, Midoriya. – Sorriu de forma culpada. – Tinha que checar.

O garoto parecia ainda mais estressado e Toshinori o fitava de forma feia. Foi salvo pela batida na porta.

Recovery Girl entrou e o fitou com desagrado ao ver o estado do seu paciente, Eraserhead logo atrás dela fitou o garoto na cama, pálido e com a respiração parecendo perigosamente irregular no momento. Pelo olhar que ele lançou aos dois adultos na sala com isso, talvez não estivesse tão salvo.

—Eraserhead.

—Detetive Tsukauchi, Yagi-san.

Aizawa era o único que conhecia que conseguia fazer uma formalidade parecer um insulto.

Midoriya tinha os olhos em Aizawa, ainda mais pálido e viu o lábio dele tremer levemente. Bem diferente da imagem calma e tímida que mostrou em quase todo o depoimento. Se deu conta que da última vez que ele havia visto o herói ele estava em um terrível estado. Agora se sentia ainda pior de ter forçado um interrogatório em um garoto que passara por uma situação traumática em razão de seu instinto que gritava para ele.

Aizawa os ignorou e foi até o garoto na cama, que seguia cada passo seu até lá. No momento em que ele sentou do lado na cama e abriu a boca para falar algo parou quando sem aviso o garoto o abraçou. O homem parecia surpreso com o gesto, mas retribuiu como pode, os braços enfaixados como estavam, ele afundou o rosto no cabelo do garoto que tinha começado a soluçar baixo.

Era um gesto íntimo, percebia. De dois sobreviventes, de duas pessoas que viram a outra sendo brutalizadas e sobreviveram. Naomasa virou as costas para sair, se sentindo um intruso. Toshinori pareceu hesitar por alguns segundos, ele conhecia o amigo o bastante para saber o quanto ele queria consolar o garoto, mas no fim ele o seguiu para fora do quarto.

—Naomasa, o que foi isso? Como pôde...

—Desculpe, Toshi. Eu sei que passei do limite.

— Você acha? Fez uma criança traumatizada chorar!

É, droga.

—Eu tinha que saber. Toda a situação é suspeita e eu apenas tenho essa sensação...não me olhe assim.

Toshinori passou a mão no rosto esquelético, a expressão ainda mais cansada. Podia ouvir os soluços e vozes do outro.

— Ele é um bom garoto.

Eu só tentei ajudar. Não queria que ninguém se machucasse.

— Não estou dizendo que ele não é.

— E então?

— Ele não mentiu. Em nenhum momento.

Notou o outro relaxar visivelmente e sorrir.

Naomasa não relaxou, não quando percebera a manipulação nas frases, as perguntas respondidas com outras perguntas.

Ele ficaria de olho em Midoriya.

........................................................................

Aizawa, em qualquer outro momento, teria se sentido mais estranho com a situação. Crianças geralmente fugiam dele, não o abraçavam abruptamente, chorando de forma tão sentida.

Nesse momento ele estava aliviado demais para se sentir estranho. Da última vez que havia visto Midoriya, ele estava ensanguentado e gritando depois de atacado por o mesmo monstro que havia o esmagado como se não fosse nada. A cena dele na frente daquele monstro, estupidamente entre os dois, nunca sairia da sua cabeça.

Midoriya, o mesmo que havia ficado em sua mente por anos, e que aparecera tão milagrosamente anos depois, trazendo os mesmos problemas com ele e o mesmo instinto estranho em seu estomago, ainda mais ao o ver chorar assim.

—Desculpa. Me desculpa.

Suspirou de forma exasperada: — Por que diabos está se desculpando, criança problema?

O garoto se afastou tentando parar as lágrimas com as mãos de forma inútil.

— V.você parou a quirk dele por mim e ele pegou sua cabeça e...

Aizawa fez uma careta. É, infelizmente ele lembrava dessa parte. Era terrível que o garoto tivesse presenciado algo assim. Toda a situação era terrível.

— Não foi sua culpa. – Viu o garoto abrir a boca para negar e o parou com um olhar. – Se não fosse por mim nem estaria lá. E eu sou o herói e professor, é meu dever proteger meus alunos.

—N.não sou seu aluno.

Ele falou isso de forma tão triste e tão confusa. Esse garoto ainda o mataria desse jeito.

— Naquele momento era. Você me desobedeceu.

Os olhos verdes se arregalaram alarmados com seu tom.

— Eu disse para fugirem, ouvi dizer que correu como um idiota em direção do vilão.

— Ele ia te matar!

—Eu sou um herói! – O outro se encolheu com seu tom de voz e viu ele engolir outro soluço, desviando os olhos para baixo. Que maravilha. Suavizou mais a voz, batendo de leve o cotovelo na testa do outro para que o olhasse. – Não vai fazer isso, ouviu? Nunca mais. Me prometa.

Midoriya ergueu a cabeça, a expressão menos chorosa e mais determinada. Ou teimosa.

— Não vou prometer nada.

— O que disse?

Sua voz saiu em tom de aviso. O garoto ergueu mais o queixo e fez uma carranca que devia ser intimidadora em outra pessoa, porque Aizawa só tinha a visão mental de um gato com o pelo eriçado.

— Não vou prometer nada, eu faria de novo. Não vou me desculpar por fazer a coisa certa.

Aizawa queria as mãos livre no momento para dar umas sacudidas naquele pivete. O tamanho da audácia. Ignorou o que parecia suspeitosamente uma risada vinda de Chiyo e estreitou os olhos para aquela terrível criança.

— De todas as idiotices...

Respirou fundo tentando se acalmar, o garoto desviou os olhos dos seus e se recostou novamente mais perto, a testa em seu peito. Lhe lembrava terrivelmente do seu gato quando fazia algo errado e ia se esfregar nele depois. Ele não sabia se ele estava fazendo de propósito para escapar da bronca, mas funcionou perfeitamente.

Aizawa olhou para Chiyo e ela apenas deu de ombros com um pequeno sorriso no rosto enrugado. A mulher parecia terrivelmente satisfeita e ouviu ela resmungando algo sobre 'Karma'.

—Obrigado.

Olhou para baixo ao ouvir a voz baixa. Um olho verde abriu e o fitou com intensidade e gratidão.

— Foi a segunda vez que me salvou. – Ele fechou os olhos e ouviu um sussurro tão baixo que talvez não fosse para ser ouvido. – Geralmente ninguém vem.

Bom, agora essa doeu. Como poderia continuar brigando depois disso?

Suspirou se recostando mais na grade da cama. O gato se aninhou em suas pernas também, parecendo despreocupado com todo o drama.

— De nada, Midoriya. – Pausou e o viu se acomodar mais. – Obrigado também, apesar de ter sido a coisa mais idiota que já vi.

Deveria se ofender com o pequeno bufo, parecido demais com uma risada, perto do seu peito.

Após um longo silêncio ouviu a voz dele de novo.

—Eu sinto muito pelo seu aluno.

É, Aizawa também.

—Pelo o que ouvi, teria sido bem pior sem você.

Ele não respondeu, olhou para baixo e o viu de olhos fechados. Não sabia se ele estava dormindo ou escapando da conversa, mas havia algo estranhamente natural na cena.

Tentou se mover, mas com um gato nas suas pernas e um adolescente praticamente dormindo no seu colo, estava imobilizado.

A heroína viu a cena e apenas riu baixo.

—Eraserhead foi capturado.

Ela ignorou sua cara feia e veio até ele.

— Só assim para ficar parado. Agora posso terminar o tratamento em paz e você tira seu cochilo. Se soubesse que isso é o que bastava, teria feito antes.

Aquela mulher era terrível.

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Estava sendo dias difíceis em U.A, e todos os professores sentiam isso. A morte de um dos alunos dentro do próprio campus era algo que não acontecia há muito tempo, e nunca causada por um ataque de vilões. Nunca no lugar mais seguro do Japão.

Entre alunos traumatizados, pais irados, transferências acontecendo e a imprensa tentando os engolir vivos, havia muito a ser feito nos últimos dias, e as aulas foram suspensas por uma semana até tudo se acalmar.

Hizashi conhecia bem Shouta para saber que ele estava sentindo tudo isso como uma falha pessoal. Era o maior pesadelo dele tomando forma, e por isso havia tentando ficar colado nele desde que saíra da cirurgia, Nemuri e ele revezando as visitas e mandando notícias para Tensei, que não podia entrar dentro do campus no momento devido as medidas de segurança sendo reinstaladas.

Por isso quando não o encontrou no quarto ao o visitar pirou um pouco, gritando e andando no corredor como uma galinha perdida, até lembrar que sabia exatamente onde encontrar, da primeira coisa que saiu da boca do outro herói quando acordou no dia anterior.

Recovery Girl o olhou de forma mortal quando entrou com balbúrdia no quarto e fechou a boca de imediato, engolindo o grito que daria. Não importava quanto tempo passasse, ela sempre seria assustadora quando o fitava assim.

—Hn. Onde?

A heroína apontou para a cortina mais distante e fez novamente sinal de silêncio, antes de voltar a ler seus papéis na mesa.

Hizashi sorriu e seguiu para a cama, tomando cuidado para não usar sua quirk com o entusiasmo. Shouta havia lhe dado um susto e tanto. Já tinha o visto machucado muitas vezes em todos esses anos, mas nunca no estado em que o vira em USJ. Era uma imagem que não sairia da sua mente em muito tempo.

O pensamento o deixou mais sombrio, até abrir a cortina: —Oh.

E sim, ele estava exatamente onde pensara. Só não esperava o encontrar apagado e babando, com um gato dormindo em suas pernas e uma criança encolhida em cima dele.

Pegou o celular do bolso e tirou algumas fotos rapidamente, porque nem pensar que privaria Nemuri e Tensei dessa cena grandiosamente fofa.

E ninguém acreditaria se não tivesse provas.

—Own.

—Não acorde os dois.

—Sim senhora. – Sussurrou, notando que ele ainda tinha uma das imobilizações, mas o outro braço já estava livre, seguro ao redor dos ombros do garoto. Tão fofo. – Eles estão bem?

—Fisicamente.

Recovery Girl se colocou do seu lado, a expressão terna na cena também. Hizashi engoliu uma risada ao ver o penteado dos dois e as olheiras. Com o gato na equação a piada estabelecida sobre o carinha ser filho do Shouta até que fazia sentido.

—Eles se parecem um pouco.

— Sim, são dois teimosos com pouco instinto de autopreservação quando querem salvar alguém e um complexo de culpa.

—Hum, eu ia falar do cabelo, mas tudo bem. Ele deu trabalho?

— Shouta-kun sempre dá trabalho.

—Hum. Estava perguntando sobre o carinha, mas bom saber.

Chiyo-sama riu: — Ele é um daqueles.

Oh oh. Nada bom. Sempre tinha um em todo ano que fazia da enfermaria sua morada. No ano deles havia sido Shouta e Hizashi. Dizia a lenda que All Might havia sido o pior de todos.

— A diferença é que é uma boa companhia.

Hizashi se sentia um pouco ofendido por isso.

— Exceto pelos gatos, ele passou muito tempo perguntando sobre minha quirk. Tem um conhecimento bem avançado sobre medicina para alguém da idade dele.

— Um interesse na área?

A expressão da mulher ficou séria, a boca se curvando em desagrado e as linhas de preocupação no rosto a deixando ainda mais enrugada.

— Ou alguém que se machuca bastante e tem que cuidar sozinho disso. Essa cicatriz dele é terrivelmente familiar com a que Shouta-kun agora tem.

— Oh, quer dizer que...provavelmente produto de uma quirk?

Ela balançou a cabeça levemente: — Talvez. Não é a única também.

Várias coisas passaram em sua cabeça nesse momento. Abuso? O carinha não tinha quirk, Hizashi não era tão idiota ao ponto de não saber o que isso podia causar.

Isso não era nada bom.

— Alguém vem o buscar? É mandatório que nenhum dos alunos envolvidos no ataque fique sozinho, a experiência foi muito traumática para isso. Ele pode vir com a gente. Shouta com certeza vai pedir isso, mesmo que ele seja emancipado...

—Alguém vem me buscar.

Hizashi se controlou para não dar um grito de susto. Chiyo-Sama apenas suspirou exasperada, como se já esperasse isso. Olhos verdes alertas estavam em sua direção. O rosto dele corou ao ver a posição em que estava em cima de Shouta, mas notou com certa diversão que ele se afastou com hesitação.

— Eraserhead...?

—Apagou depois que usei minha quirk nele. Quem vem buscar você?

—Uma amiga do meu tio, só tenho que ligar para avisar.

Hizashi estreitou os olhos levemente: — Por que ele não vem buscar você?

Ele queria dar uma boa olhada nesse tio, a situação lhe parecia cada vez mais suspeita, e se tinha uma coisa que Hizashi odiava era quem maltratava crianças.

— Ele não está muito bem. Estou liberado?

Hizashi olhou para Recovery Girl, querendo que ela arrumasse uma desculpa para o prender ali. Aquele era o garoto que Shouta havia procurado por anos. Chiyo-sama também parecia em conflito, mas no fim ela apenas suspirou.

—Depois do check-up.

Infelizmente não havia nada que eles pudessem fazer.

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Meia-hora depois que viu Midoriya sair em um carro, Chiyo recebeu as ligações da família Bakugou e Shinsou perguntando se podiam vir buscar Izuku. Teve que lidar com Shouta-kun que acordou procurando o garoto e ainda a cara de cachorro chutado de Toshinori quando não o encontrou por lá.

Izuku Midoriya gerava uma reação estranha nas pessoas, se não soubesse bem diria que era uma quirk. Era irônico como uma criança tão dolorosamente independente tinha tantos adultos querendo cuidar dele e que, temia, ele não permitiria que fizessem.

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— Eu admito que não esperava que entrasse em contato tão rápido.

Akira olhou para o garoto no banco do lado, a testa levemente franzida. Izuku estava tenso, os ombros estreitos e os olhos firmes no painel do carro. Podia ver seus punhos apertados na calça do uniforme, o gato miando em seu colo por atenção. No momento que tinham ficado sozinhos ele se transformou, do garoto tímido e cansado que se despedia da heroína no portão, para alguém totalmente diferente.

Era assustador o quanto Izuku lembrava Hisashi nessas horas, diante do tão pouco que conviveram. Para alguém tão terrível em esconder a identidade, Izuku era um bom mentiroso. Mais uma coisa que o transformava em uma contradição.

Pela imprensa ela sabia o que havia acontecido em U.A, mas as informações eram vagas sobre muitas coisas. A escola iria em breve dar uma conferência sobre a situação. A morte de um aluno não era algo pequeno e havia deixado as outras escolas também em alerta. Mei havia comentado de forma mais vaga ainda sobre o ataque, mas os sussurros sobre 'liga dos vilões' haviam a levado a concluir que o pior havia acontecido.

—Foi Shigakari que atacou?

A respiração dele pareceu parar por alguns segundos, mas ele assentiu em confirmação. Apertou a direção com força. Ela queria estar errada. Havia pedido para Izuku se afastar da liga, mas era difícil quando eles iam até ele.

— Vocês se confrontaram?

Ele assentiu novamente e xingou baixo.

A situação se complicava ainda mais. Primeiro a comissão, que havia lhe deixado em paz nos últimos anos depois da sua injúria incapacitante, havia voltado ao contato e tinha certeza que havia sido devido a esse ataque. Logo iria descobrir.

Agora isso. Takashi sumindo ao tentar resolver as coisas sozinho, Izuku perigosamente perto de onde menos deveria estar, Mei em perigo por causa dele. E tinha certeza que se a comissão colocasse as mãos nele, se eles soubessem da verdade completa sobre os Midoriya, iriam tentar o usar para a mesma coisa que usaram Takashi.

Se a verdade sobre os Midoriya saísse, talvez a comissão fosse o menor dos problemas deles.

—Mei?

Akira desviou os olhos para o garoto e suspirou.

— Em casa, nosso pai ficou mais alerta com ela depois do ataque em U.A.

Ela sabia que isso ia durar pouco, toda aquela família tinha um talento para negligenciar uns aos outros, cada um resolvendo seus próprios problemas.

— Eu sei que ela andou fugindo para ir para Hosu esses dias, mas sei que está em casa.

Não se sentia mal por colocar um rastreador nela. O que menos queria era se esbarrar com a irmã estando com Izuku, ela não precisava se envolver com essa confusão mais do que estava envolvida. Akira tinha tido um bom motivo para se afastar da família até ser liberada da comissão, apesar dessa liberação agora parecer ter sido revogada.

—Eu encontrei Takashi.

Akira parou a respiração, o carro desviando um pouco para a direita, mas logo ajustado. Olhou devagar para o garoto no silêncio repentino. A expressão dele seria uma imagem que não sairia da sua cabeça e teve um estranho deja vu naquele momento. Ela lembrava de olhos vermelhos tempestuosos, um rosto sujo de sangue em uma expressão de pura fúria. Havia algo estranhamente assustador em ver algo assim no rosto de uma pessoa que sempre parecia calma e amigável.

De alguma forma essa expressão era ainda mais terrível no filho dele.

—Onde ele está? Izuku? Como ele está?

Izuku limpou os lábios feridos onde havia mordido com força, os olhos ainda fixos no painel do carro e a voz rouca trêmula em um sussurro.

—Eles conseguiram criar um Noumu.

Akira parou o carro no acostamento e tentou controlar sua respiração. Seus olhos fixos nos limpadores do para-brisa girando.

Eles passaram um bom tempo assim, sem dizer mais nada.

Akira percebeu naquele momento, debaixo do luto terrível que a abateu com o que aquilo implicava, que ela havia falhado na tarefa que Hisashi tinha colocado em seus costas.

"Depois que um segredo se revela, não tem mais volta, Akira-chan."

Nada que fizesse iria parar Izuku de se meter naquilo agora, não havia ninguém que o faria parar. Assim como só a morte havia parado Hisashi.

"Os Midoriya têm uma terrível sorte, eles sempre atraem os monstros, Akira-chan."

Ela podia quase ver o curso em que aquilo se encaminhava. O curso do desastre.

O som da chuva lá fora se misturou com a respiração alta do garoto ao seu lado.

—E.eu preciso de ajuda. Você pode...?

—Claro. – Falou suavemente, voltando a funcionar o carro. – Claro, Izuku.

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Havia uma lenda urbana, antiga, que circulava nas ruas do Japão, principalmente nas áreas mais pobres e perigosas. Izuku lembrava de ouvir sobre isso quando criança, entre os meninos na escola. Eram aquelas histórias que tinham o propósito de assustar as crianças e as fazer dormir mais cedo.

O homem que roubava quirks, era assim que o chamavam. O ladrão mais terrível. Quirks, eles cresciam sabendo, representavam a essência de alguém, era o que os tornava reconhecidos como pessoas. Não ter uma quirk era o pior dos destinos, perder sua quirk era a pior coisa que podia acontecer com alguém. Ser quirkless, afinal, era ser um pária.

Anos depois, na cela do laboratório, com olhos arregalados enquanto via um monstro na cela ao lado, ele percebeu que talvez não fosse só uma lenda. Entre os sussurros de Shigakari sobre o 'sensei' e o quanto ele ajudaria Izuku a ter uma quirk, promessas e histórias vindo da boca de uma pessoa manipulada por um monstro oportunista, percebeu que toda lenda tem que começar de algum lugar. Que quase sempre a realidade é mais assustadora do que uma história de terror contada no banheiro da escola.

"Será que ele não percebe?" Havia pensando na época. "Como ele não percebe o quanto isso é terrível?"

Entre as ruas calmas do Japão, a vida das pessoas prosseguia, onde um monstro era apenas uma lenda, uma história escrita de um sonho distante e esquecido. Nas ruas escuras, entre as pessoas que sumiam sem nunca serem procuradas, que ninguém fazia perguntas, o pesadelo nunca havia acabado. O monstro era real. Izuku nunca havia duvidado disso, ele havia visto com seus próprios olhos a marca dele.

Fechou os olhos brevemente ao ouvir a pancada das vibrações nas paredes enquanto descia as escadas da torre, abaixo das ruas de Hosu. O barulho acabou no momento em que Catchan sumiu do seu ombro, desaparecendo para trás da porta.

Akira vinha silenciosa atrás. Os sinais de Mei estavam em todo lugar, ela com certeza havia estado ali no dia anterior. A porta, no entanto, ainda estava trancada. Eles haviam feito aquele quarto do pânico mais como um experimento, um lugar com paredes sólidas e sem som em que pudessem explodir coisas dentro, testar a resistência das paredes. No fundo, sabia que se ele quisesse sair teria saído facilmente dali.

A janela transparente na porta estava aberta, onde Mei devia ter acessado a situação. Alguns gatos miavam na porta, outros estavam dentro, cortesia de Catchan. Parou alguns segundos o olhando, de pé no meio do quarto. Imóvel. Como uma estátua de pedra.

Ouviu Akira segurar a respiração atrás.

— Izuku, espera, tem que certeza que é seguro?

A ignorou, colocando o código na porta e a abrindo. No mesmo momento a estátua ganhou vida, o rosto virando em sua direção.

Os dois se mediram, e por alguns momentos não sabia o que aconteceria. Quase em câmera lenta, deu um passo para frente.

— Izuku! Espera!

O Nou...Takashi estendeu uma mão enorme em sua direção, se curvando. Catchan em seu ombro, mais gatos miando nas pernas dele por atenção. Prendeu a respiração, ainda sem se mover.

A boca monstruosa se abriu, os olhos desviando para baixo e então para seu rosto, um dedo apontando a multidão de gatos.

— U...m?

Izuku deu uma risada, que se tornou um soluço.

"Eu juro que vai ser só um gato, tio Taka! Só esse!"

Sem esperar por mais nada correu e se jogou em cima dele.

.......................................................

Akira havia participado da missão de Takashi anos atrás. Naquela época, ela havia frequentado os laboratórios de Min e Tsubasa, e as coisas que havia presenciado ainda eram combustível para seus pesadelos. O pior de tudo era saber que em nome da comissão ela havia contribuído para algumas daquelas mortes.

Quando Izuku havia sido levado, seu trabalho dentro dos laboratórios serviu para algo finalmente bom. Havia sido fácil trocar algumas das fórmulas e assim adiar o máximo possível qualquer efeito que eles esperavam nele, com o auxílio da genética própria dele, ele havia saído lá de dentro sem nenhuma deformação gerada por experimentos.

A maioria não teve a mesma sorte. Os que tinham maus resultados eram descartados logo no começo, os que passavam adiante chegavam ao último estágio e iam para Tsubasa. Akira e Takashi viram o nascimento dos noumus, e, caso as coisas tivessem saído de forma diferente, se Izuku não tivesse se envolvido e ele mudado o foco totalmente da missão, eles talvez tivessem conseguido ajudar a comissão a fechar esse projeto.

Era de uma ironia terrível que agora estivesse frente a frente com o que, se lembrava bem, seria um passo para a perfeição do projeto de Tsubasa. Um Noumu quase consciente, diferentes das bestas que lembrava, com danos cerebrais tão severos que se tornavam meros bonecos, apenas obedecendo.

Claro que Takashi tinha que ser diferente. E ela desconfiava exatamente a razão disso. Se perguntava como ele havia conseguido esconder isso, diante de todo o horror que tivesse passado, da agonia que sem dúvidas estava passando naquele momento, como ele havia conseguido esconder tudo.

Pelo o pouco que lembrava de Tsubasa o homem não teria deixado algo assim passar. Pelo o que havia conseguido tirar de Izuku, Takashi havia atacado Eraserhead sob ordens, e ele também, mas ao ver o rosto de Izuku ele havia parado. Como um gatilho de memória. Algo que não devia ser possível.

Olhou a besta – Takashi, seu amigo, seu único amigo vivo – cercada de gatos, com Izuku seguro em seu braço monstruoso. Ele o segurava com delicadeza extrema, em contraste com a demonstração de força que havia deixado nas paredes do quarto do pânico em que havia sido colocado. Porque claro que Izuku, enquanto lutava para sobreviver, ainda tinha tempo de pensar em algo assim, de fazer seu gato o trazer para esse lugar.

Parece que o impossível era uma especialidade dos Midoriya também.

Akira quando não conseguia acreditar ao ouvir as palavras quebradas vindas do Noumu, era quase como se ele estivesse tentando consolar o garoto que havia se jogado nele.

—Ele é diferente, n.não é? Dos outros.

A voz rouca e esperançosa do Izuku a tirou do transe onde estava na porta desde que chegara lá. O Noumu o segurava como um bebê agora e seu coração acelerou de medo ao ver a diferença entre os dois, em como ele poderia facilmente esmagar Izuku, ou nos dentes tão perto do garoto, afiados e perigosos.

—Akira?

Ergueu os olhos e encontrou os verdes avermelhados. Ao ouvir o nome o Noumu finalmente a fitou, E aqueles olhos eram claramente de Takashi. Inteligentes, mesmo preso naquele corpo.

—Sua quirk, você acha que...

—Izuku. – Interrompeu suavemente, se aproximando com cautela dos dois. – Você tem um caderno ou dois sobre minha quirk, sabe como ela funciona, talvez melhor que eu. Você sabe que isso está acima do que sou capaz.

O garoto não respondeu, mas os dois sabiam que era verdade.

—Eu sinto muito. Muito mesmo. – Tentou não se assustar quando o Noumu ergueu a mão livre em sua direção. Um dedo tocou de leve em sua bochecha e sentiu seus olhos queimando. – Sinto muito, Takayashi.

—Tem que ter um jeito. – a voz de Izuku saiu tão quebrada.

Ela não queria tirar as esperanças dele, porque era impossível.

—Eu vou dar um jeito. – A voz dele saiu mais firme. – Eu vou.

Akira suspirou, sentando no chão frio com os dois.

Ela quase podia acreditar nisso.

A especialidade dos Midoriya, afinal, era conseguir o impossível.

.........................................................................

Era raro uma reunião na U.A ser tão silenciosa. O clima sombrio estava pesando em todos na sala, como um manto sufocante. Uma falha pessoal, como heróis e como professores. Uma pancada que seria difícil de se recuperar.

Mais cedo naquele dia havia sido a cremação de Mineta Minoru. A conferência de imprensa estava marcada para o outro dia. Treze alunos haviam sido transferidos pelos pais em três dias, talvez houvesse mais nos próximos dias, dependendo do resultado dessa conferência. Surpreendentemente, nenhum deles havia sido da classe mais envolvida na situação.

Nezu ouviu os relatórios sem o sorriso usual. Sua expressão era de alguém se preparando para guerra. A morte de um aluno podia mudar muita coisa, principalmente como havia ocorrido. Representava uma falha da U.A. Para o público, representava uma falha do All Might, e isso era o suficiente para gerar terrível pânico.

—Aizawa, pode ficar um pouco?

Assentiu, os ombros tensos. Hound dog e Recovery Girl também não se ergueram. Maijima não saiu da sala, voltando a sentar no sofá. Hizashi olhou para trás antes de sair. Cabelo para baixo, expressão fechada. Para ele, era o símbolo de como a situação havia realmente mudado. Na próxima semana eles teriam que estar prontos para os alunos, para todas as mudanças que viriam.

— Ryo conversou com os alunos. – Assentiu. Aizawa mesmo estava preparado para chamar cada um a parte para conversar, se preciso. Os deixar saber que estava disponível. – Ele trouxe a mim algumas...preocupações sobre alguns deles, que talvez não estejam envolvidas com o que aconteceu em U.S.J.

Ficou mais atento com isso, a sobrancelha franzida. Pela presença de Maijima na sala sabia que um dos alunos devia ser Midoriya, o que não o surpreendia.

— Quem?

— Katsuki Bakugou, embora pela ficha dele já fosse esperado. – Hound Dog comentou. – Transtorno de estresse pós-traumático.

Assentiu, porque realmente não era uma surpresa. Ele já havia visto os sinais no exercício de batalha. U.S.J devia ter piorado a situação.

— E ele não é nem o pior caso, Aizawa. Todoroki me deixou realmente preocupado, eu falei com Nezu já sobre a situação dele. Se eu estiver certo, essa história vai virar uma bagunça.

—Que tipo de bagunça?

Perguntou de forma cautelosa, uma pontada de preocupação o atingindo.

— Do tipo que vá deixar algumas pessoas poderosas bem desconfortáveis. – Nezu respondeu, a expressão ainda fechada.

Aizawa estava odiando as implicações disso.

— Denki Kaminari também, mas esse assunto recomendo deixar nas mãos de Recovery Girl. Nezu já me informou que a condição médica dele já foi discutida antes de ele entrar em U.A, ainda assim recomendo ele ser acompanhado. E quanto ao seu aluno, Maijima, eu não sei nem por onde começar.

O homem fez uma careta, mas não parecia surpreso com isso. Nezu curvou levemente os lábios, um brilho curioso voltando aos seus olhos. Para Aizawa, isso era ainda mais preocupante.

— Ele é calculista, manipulador e parece preocupantemente acostumado com coisas que não deveria estar. Eu não tenho inveja de vocês. Principalmente você, Aizawa. Ele quer ir para a classe de heróis, vai acabar caindo no seu colo.

Como se ele já não fosse seu problema. Aizawa não tinha ideia de quando isso tinha acontecido, mas tinha que engolir a realidade, a tendência era só piorar.

Nezu sorriu de forma satisfeita, o que era ainda pior.

Aizawa sentia a dor de cabeça aumentar.

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10 anos, 6 meses e 3 dias atrás

Ainda acha que não sou um monstro?

Akira não soube o que responder, as palavras ainda girando ao redor da sua cabeça, tentando fazer algum sentido em toda aquela história. Era tão fascinante quanto terrível e se arrependia de ter aceitado ouvir sobre ela. Hisashi tinha razão, alguns segredos depois de revelados não podia voltar a se esconder.

Fechou as mãos trêmulas em seu colo, os dois sentados no chão do motel na penumbra. Ergueu os olhos para Hisashi, fitando o canto queimado da boca dele, então os olhos vermelhos com uma expressão que não conseguia definir. Por que ele havia lhe contado tudo isso? O que diabos estava pensando?!

A comissão sabe?

Hisashi negou devagar: Eles sabem que sou um Shimura, que anos atrás uma parente lutou contra um grande vilão, o pior deles, e morreu. Que ele caçou toda a família depois disso. Mais nada.

Eles não sabiam de nada.

Sobre os Midoriya?

Ele sorriu de canto, a expressão mais triste: Nada. Itsume Midoriya nunca foi particularmente conhecida, sempre fora do radar. O nome dela foi esquecido há muito tempo. Por quase todos.

Passou a mão no rosto, tentando controlar os tremores. Ela entendeu o que isso implicava, infelizmente.

No que diabos estava pensando quando escolheu usar o nome Midoriya?! Perguntou de forma incrédula. – Você é insano?

Não há melhor forma de esconder algo, do que o deixar bem a vista.

Você não faz sentido algum.

Hisashi ou era terrivelmente inteligente, ou insano. Ela não sabia mais.

E Takashi descobriu isso ontem? Você o contou?

Hisashi fez uma careta e assentiu.

Por que agora?

Inko recebeu os resultados do Izuku ontem. Ele não tem quirk.

Akira fechou os olhos e passou os dedos na testa.

Ela ficou confusa, sobre como seria possível nós dois sendo da quarta geração.

E você percebeu que não iria poder esconder por muito tempo.

Bingo. Hisashi sorriu, mas não havia humor nenhum em sua voz. Estava na hora deles dois saberem da verdade. Quando algo acontecer comigo...

Quando?

Hisashi deu uma pequena risada e a olhou com se ela fosse terrivelmente ingênua.

Akira. falou suavemente Eu não faço ideia como não morri ainda. Estou vivendo em tempo emprestado já faz um tempo. Não se consegue sair de algo assim.

Então porque você...Por que fazer isso com eles? Com Inko? Takashi?

Com ela. Porque agora estava metida nisso até o pescoço.

Eu amo os Midoriya, Akira. Takashi e Inko me deram um propósito, salvaram minha vida, e eles nem fazem ideia de como. Se apaixonar por eles era inevitável, é inevitável.

Ela entenderia isso da pior forma possível.

Por que me contou tudo isso?

Porque eu confio em você.

A expressão dele era tão sincera, mas Akira o conhecia bem. Hisashi nunca fazia nada por fazer. Ele sempre planejava a frente. Era a razão por ter contado tudo a Takashi, mesmo sabendo do risco, justo agora. Ainda assim ela sempre acabaria o ajudando.

Anos depois ela perceberia, que assim como Midoriyas amavam monstros, Hatsumes pareciam se tornar leais a Midoriyas.

No que posso ajudar?

E quando se ganhava a lealdade de um Hatsume, você o tinha até o fim.

..............................................

Notas finais.

Esse capítulo é um monstro enorme, para compensar que não postarei nada em setembro :') Sorry.

Então, como podem ver a morte de Mineta trouxe muitas repercussões, inclusive colocar Endeahoe no radar da U.A. Fiquem atentos, que o efeito borboleta daqui para frente vai ser ainda mais evidente.

P.S: Izuku :'( my baby. Corre que ele ta puto. Shigakari não sabe a bomba que ele acionou com o que fez.

Não me deixem na mão! Mandem feedback. Qual a expectativa de vocês para o festival? Quem está esperando Endeavor se foder também? Qual o segredo do Hisashi?

Inté!

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