Constelação de Gritos Mudos (...

By CarolTeles

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Sinopse: Eles sempre dizem que no interior, as estrelas brilham mais. Em Novo Airão, distrito perdido no meio... More

Apresentação
Protagonistas
O Clube
Prólogo
Capítulo 1: Narrador
Capítulo 2: Sylvia
Capítulo 3: Artie
Capítulo 5: Artie
Capítulo 6: Sylvia
Capítulo 7: Artie
Capítulo 8: Sylvia
Capítulo 9: Artie
Capítulo 10: Sylvia

Capítulo 4: Sylvia

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By CarolTeles




— E ai, vadia, vai demorar muito isso? Necessito de um sorvete agora.

Virginia abaixou a cabeça ao lado do carro e seus cabelos loiros e curtos caíram em cascata ao redor do rosto. Era linda, e seria uma garota perfeita se não fosse tão patricinha e intragável por causa disso. A única pessoa que suportava Virginia era eu, e justamente porque eu era igualmente antipática, a minha maneira. Sem tanto ouro e esplendor. 

— Deixa só eu calibrar isso aqui, espera. — Girei com mais força a chave e senti quando a peça enroscou de vez.

Puxei o chão com os pés e o carrinho onde estava deitada saiu rolando livremente até me tirar de debaixo do carro.

A luz da oficina me cegou por um instante. O suficiente para me lembrar do que Lando sempre dizia sobre equipamentos de proteção por ali, e quase nunca lembrava de usar nada. A não ser as botas, porque já chegaram a derrubar uma caixa enorme de ferramentas no meu pé e não foi nada bonito quando quase quebrei o nariz do mecânico que a derrubou. Até hoje Lando dizia não acreditar que havia sido por puro reflexo. 

Levantei do chão e fui até a pia, lavando a graxa escura dos meus braços e rosto. Mesmo limpa minha pele parecia ter manchas eternas, como meu cabelo sempre parecia oleoso. Não adiantava nada lavar todos os dias, já que eu voltava a entrar embaixo de carros e sujava tudo novamente.  Ainda assim insistia e lavava. Gostava de dormir imaginando que ele cheirava a shampoo, o que raramente acontecia porque o odor da oficina impregnava em mim. Eu só cheirava a óleo.

Baixei o macacão até a cintura, ficando apenas com o top de ginástica por baixo. Andei até Virginia, resplandecente em um vestido azul rodado e pérolas nas orelhas. A bolsa de marca pesando nos ombros e um sapato que custou mais do que o meu guarda-roupa inteiro nos pés claros e bem cuidados. Ela não tinha motivos para se montar toda e andar em Novo Airão, mas ela argumentava que era uma questão de princípios. Que se tinha, porque não usar? Quem era eu para discordar.

Eu sempre dizia que beleza estava intimamente atrelado a dinheiro. Não que só pessoas ricas eram belas, mas elas tinham mais condições de ajeitar as coisas que nasciam erradas.

Se a pele não era boa, existiam tratamentos caros para cuidar. Se o cabelo tinham pontas duplas e era sem vida, dinheiro dava um jeito nisso. Se o nariz era um pouco avantajado, uma cirurgia resolveria. Gente com grana só era feio por opção.

Virginia era dessas que aproveitava com louvor cada centavo que tinha. Só usava roupas e sapatos de grife, vivia no cabeleireiro e cheirava a baunilha qualquer hora da dia. A vaca tinha a ousadia de acordar bela e esplendorosa, enquanto eu continuava cheirar a graxa e parecia que tinha brigado com um gato durante a noite, pela bagunça do meu cabelo de manhã.

Ainda hoje não sabia como aquela garota tinha se tornado minha amiga.

Um ano atrás entrou ali com o pai para trocar o pneu do carro dele. Viu-me trabalhando em separar e limpar algumas ferramentas da oficina e, em silêncio, me ajudou a guardar enquanto o pneu era trocado. Foi o começo de uma amizade que hoje em dia era a coisa mais profunda que já tinha tido com outro ser humano na vida, depois de Lando, e eu prezava muito quem éramos juntas. Ela respeitava meu silêncio raivoso, e eu entendia que ela era uma patricinha irritante.

Encostei em um carro ao seu lado e puxei o cigarro do maço que estava dando sopa em sua bolsa chique, acendendo com o outro acesso na mão dela e tragando com vontade.

— Ei — Ela falou depois de soltar uma baforada propositalmente ruidosa. — Aquele carro é do Artie? — Ela apontou para o Opala prateado. — Atticus Teodosio?

Acenei fitando o carro cinza e perfeito.  Uma versão moderna do que poderia ser o carro dos T-Birds, em Grease, se Artie fosse mais corajoso para pintar labaredas em seu possante prateado.

— Lando, estamos indo tomar sorvete. Volto logo.

Gritei para ele, que estava encostado no balcão analisando uns papéis. Lando só balançou a cabeça e soltou um "até mais Virginia", no que ela respondeu com um "tchau" animado.

Andamos alguns metros em direção ao boliche, onde tinha o melhor sorvete da cidade. Era no quarteirão seguinte e sempre fora o point de todos os jovens dali. Não que tivéssemos muitos outros para disputar o pódio, mas admitia que era bem legal.

— Conhece o Atticus de onde? — Perguntei soltando fumaça no ar, ainda vendo o carro dele estacionado na porta da oficina quando me virei de costas.

— Está brincando? Toda merda de gente rica desse ovo de lugar  participa do mesmo country club, garota. — Ela riu e eu fiquei pensando como seria esnobe um dia com essas pessoas. Caviar, Chandon e risadas escandalosas por motivo algum que fizesse sentido para mim. Queda da bolsa? E eu com isso! Campeonato de salto ornamental? Por favor!  — Meu pai já tentou me jogar para cima dele, uma vez. — Virginia disse aquilo calmamente, como todas as vezes, porque o pai dela vivia jogando a garota para cima de meninos abastados, como se eles já não fossem podres de ricos.

— E você? Não quis porque? Ele é uma coisinha linda!

Ela me fitou por alguns segundos, dando mais uma tragada no cigarro, e voltou a olhar o Opala que havia ficado atrás da gente. 

— Artie não é o meu tipo, e se você falou por um minuto com ele deve ter percebido isso.

— De fato. — Retruquei suspirando. — Ele é educado demais para você.

Rimos juntas e ela continuou.

— Ele é demasiado correto. Tanto que para mim soa chato.  — Fez uma careta quando falou aquilo. —  Estudioso demais e obediente ao pai até nos pedidos mais malucos. Agora preciso admitir que é um líder nato, e gosto disso nele. Sabe ser agressivo como presidente dos diversos clubes na escola em que participa. O cara fundou um clube de astronomia! Pode acreditar nisso? Meninos perdendo as noites de sexta vendo estrelas duas vezes no mês? E o pior, a escola aceitar isso como horas de atividade extracurricular úteis?

— Astronomia? — Perguntei curiosa.

— Clube de astronomia. — Repetiu jogando o cigarro na terra, pisando nele. — Não sei como ele conseguiu, mas juntou uma equipe bem atípica para ficar de olho em telescópios. Se você conhecesse Leônidas concordaria comigo que ele não parece alguém que perde horas do dia olhando para o céu.  — Ela parou, pensativa, e então balançou a cabeça. — Na verdade nenhum deles combina com aquilo, a não ser o próprio Artie.

— Conhece bastante todos eles?

— Cresci com aqueles caras. Como disse, todo mundo se conhece dentro desse meio de víboras. — Ela voltou a me olhar e por um momento me senti meio despida. — Você parece bem curiosa sobre Artie. Raramente é curiosa sobre alguma coisa, a não ser que tenha gerado algum interesse em você.

Não podia mentir para Virgínia. Para ela eu era completamente transparente. Não conhecia todos os meus segredos, porque alguns deles eu escondia até de mim mesma. Mas a Sylvia que morava em Novo Airão, Virgínia conhecia por inteiro.

— Confesso que visualmente o menino chamou minha atenção. — Disse quando ela insistiu em ficar me olhando com aquele sorriso revelador no canto da boca. — Ele é agradável aos olhos e tem uma expressão sonhadora que sinceramente me dá vontade de colocar no colo e dar palminhas no bumbum. — Ela riu e eu dei de ombros. — Mas, como você disse, ele não é o meu tipo também.

— Ele seria, alguns anos atrás. Era muito parecido com você hoje em dia. Rebelde e de uma energia inabalável. Não acho que mudou completamente, mas ele finge bem e faz de tudo para agradar o pai, que prefere um filho dócil, porque tem que lidar com os outros dois que são verdadeiras pestes. — Ela disse quando pisamos na calçada do boliche, já movimentado aquela hora da tarde. — Artie mudou depois que a mãe morreu. E mudou mais ainda quando o pai voltou a casar.

Levantei rápido a cabeça e a fitei por um tempo. Aquilo parecia fazer sentido. A gente mudava drasticamente depois da morte de alguém muito próximo. Não éramos preparados para lidar com a morte com a devida naturalidade que a situação exigia, afinal todo mundo morre. Não sabíamos viver com isso de maneira a não nos modificar. Cada morte em nossas vidas, seja ela de um vizinho que você só via duas vezes na semana pegando jornal na porta ou de um parente, nos muda um pouco. Eu era educada e gentil antes de perder meus pais, mas mudei para me adaptar. E fiquei pior quando visitei o inferno várias vezes depois daquilo. Hoje era só uma concha oca de pérola e sentimentos bons, e não tinha a quem culpar por isso. Não mais.

Sentamos nos bancos altos que ficavam do lado de fora do boliche, que mais parecia um restaurante da década de 80, com neons nos mostradores e pessoas de patins por todos os lados. Até uma jukebox tinha, e naquele momento estava tocando Black Snake Moan. Era um dos motivos que mais me fazia gostar daquele lugar: Tinha uma playlist primorosa.

Fizemos o pedido a uma menina simpática de patins. Virginia soltou uma risadinha debochada e quando que virei para ver porque, ela indicou uma mesa adiante com o queixo.

— Falando no diabo...

Foi quando os vi.

O clube de astronomia.

Não precisei que ela dissesse que eram eles, porque eu sentia que eram. Artie estava bem ali, na ponta, encabeçando a reunião despreocupada dos garotos de aparência mais bela e solidamente perigosa que já vi em minha vida.

Não eram só garotos, ainda que um deles não parecesse ter mais de quinze anos. Não se portavam como garotos nem mesmo sentados em uma mesa, tomando refrigerante. Tinham expressões ferozes e sorrisos contidos. Era como se de repente O Retrato de Dorian Gray fizesse todo o sentido do mundo para mim. Aqueles meninos eram os Dorians da vida, com a beleza do lado de cá, e a velhice de suas almas antigas eternizadas em quadros em algum lugar.

Fiquei arrepiada assim que bati meus olhos neles, como se tivessem uma espécie de campo eletromagnético ao redor que me puxava e repelia ao mesmo tempo. Já tinham feito isso, inclusive. Porque foi prestando bastante atenção neles que percebi que já conhecia quase todos, e não apenas de uma maneira amigável. 

— São intensos, não é? — Virgínia perguntou rindo da minha expressão de idiota.

— Você não vai acreditar, mas eu dormi com eles. — Confessei entortando o canto da boca para ela. Pela primeira vez me sentindo a puta de que me chamavam, e não sabia porque o sentimento me abatera agora,  depois de tanto tempo sendo de fato a puta que todo mundo dizia. Isso jamais havia me afetado antes. 

Virgínia arregalou os olhos e então começou a gargalhar, baixando o volume quando algumas pessoas viraram em nossa direção. Pedi aos céus para não chamar a atenção daquela mesa em específico.

— Mentira! Todos eles?

— Bom, quase. — Cocei o rosto, sentindo ele queimar —  Não dormi com Artie, obviamente, e nem com aquele ali que parece um elfo miúdo. E tenho quase certeza que com o de cachos pretos foi só sexo oral. — Virginia continuava a me olhar, embasbacada. Aquilo me causou uma angústia esquisita. — Porra, eu nem lembro os nomes daqueles caras! — Ela voltou a rir e eu me contorci. — Ok, sou oficialmente a vadia de Airão.   

— Por favor, não me diga que foi uma orgia. — Perguntou com a expressão divertida e assustada.

— Foi uma festa muito louca, tá? Eu não estava em um bom dia. Tinha algo de errado com aquelas bebidas.  — Expliquei, mas a boca dela continuava aberta com o sorriso congelado. Tinha que admitir que até para mim isso era muito. — Ai, Deus, quero um buraco para enfiar a cabeça nesse minuto.

Virginia demorou alguns instantes para se recompor do que eu havia dito, e foi o tempo que levamos para acomodar os dois sorvetes de baunilha com calda de chocolate que a garçonete de patins trouxe para nossa mesa.

Quando falou, sua voz estava mais calma, e tinha um certo sorriso zombeteiro nos lábios.

— O garoto com cara de elfo é o Louis. É o mais novo membro dos astrônomos ali e novo na cidade também. O pai é dono de um petroleiro fora do país, não sei onde, provavelmente em algum lugar do Qatar, e a mãe é uma socialite viciada em remédios para dormir. Ele vive no internato em regime integral, mas as vezes vai passar finais de semana na casa de Baltazar.

Pisquei algumas vezes para Virginia, sem entender porque diabos ela estava me passando a biografia do menino.

— Por que está me dizendo isso?

— Porque você comeu aqueles caras e não tem a mínima noção de quem são. — Ela comentou séria, como se fosse uma irmã preocupada. Era para se preocupar mesmo. Eu não sabia quem eram! — Continuando, o de cabelos cacheados escuros é Vincent, um gênio dos computadores e que vai ser padre, ou pelo menos é o que a mãe dele, uma religiosa maluca, acha. Não sei se um boquete se enquadra nas coisas que ele pode fazer como aspirante ao celibato. Você aliciou o menino?

— Acredite, ele pareceu gostar muito e não o forcei em nada. —  Falei com naturalidade e Vi riu, continuando a olhar para eles.

— O que está ao lado da garota é Thomas, o maior revendedor de drogas da Tenreiro, e aquela é Donatella, estuda comigo na escola. Ela é uma gracinha de pessoa, além de uma deusa de linda, e eles estão juntos há anos. Portanto não diga para mais ninguém que você presenteou o namorado dela com uma transa bêbada. Ela não merece saber disso, e de modo geral Thomas costuma ser um namorado comportado. Ele nitidamente a adora.

— Também não gostaria de saber que meu namorado andou por ai pegando pessoas em festas. — Soltei dando colheradas pequenas no sorvete, sentindo ele queimar na minha boca e doer meus dentes sensíveis. Aquela sensação de dor me transmitindo calma.

Vi se esticou no banquinho e sorriu quando olhou a outra ponta da mesa.

— O de óculos é Nico, e acho que vai ser meio estranho dizer, mas ele é irmão de Artie.

Levantei a cabeça e olhei com cautela para o garoto em questão, largado de qualquer jeito na cadeira vermelha, sugando o que parecia ser coca-cola de um copo grande. Não vi semelhança alguma entre ele e o irmão.

— Mas que porra! — Resmunguei. — Eu transei com o irmão do cara? Baita merda, heim!

— Isso é um problema para você? Porque, Syl, posso te recordar dos irmãos João e Jonathan e...

— Ok! — Levantei as mãos, me rendendo. — Você venceu. Isso não é inédito para mim. Mas João e Jonathan eram dois babacas, e... bom, Artie não parecia ser. Certamente o irmão dele não é. Se mexe bem para um garoto novo.

— Cruzes, me poupe dos detalhes! — Virginia fez uma careta e suspirou. — Nenhum daqueles garotos são babacas, acredite em mim. Pode imaginar agora porque digo que eles não parecem pessoas que perdem tempo vendo estrelas. — Ela explicou dando a última colherada em seu sorvete. — Jamais subestime a inteligência de qualquer um deles. Nico, por exemplo, tem a boca mais suja que já vi alguém ter, e é completamente feroz. Se fosse de eu ter alguma coisa com qualquer um deles, seria com Nico. Ou Etienne, que faz minhas partes baixas latejarem só em olhar para mim.

Soltei uma risada baixinha.

— Qual deles é Etienne?

— Está brincando? — Ela questionou como se a resposta fosse óbvia. — Toda garota sente o mesmo que eu ao olhar para ele. Veja com calma e vai saber quem é Etienne.

Passei a vista com cuidado nos meninos e parei no de cabelos cacheado em tom de ferrugem. Tinha um olhar de pantera e um sorriso relaxado e sexy. Era lascivo só em se mexer na cadeira. A memória estourou e lembrei do garoto em cima de mim, segurando minha perna sobre os ombros e dando estocadas macias e suaves. É, ele era certamente o sexy do grupo.

— Aquele ali. — Apontei discretamente e Vi sorriu. — Lembro dele. Não do nome, porque são muitos nomes, mas as performances sexuais jamais esqueço.

— Isso mesmo, garota! — Ela bateu no meu ombro, animada. — E se você já não tivesse transado com ele, diria para passar longe porque Etienne é nocivo. Desses que trepam de um jeito que consomem seu bom senso e depois somem sem te ensinar a pegar o caminho de volta para a realidade. 

— Isso não é um problema para mim. — Disse dando de ombros. Ela sabia disso.

— Porque você é igualzinha a ele, Sylvia. — Respondeu roubando meu sorvete, que derretia na taça sem que eu fizesse mais nada além de mexer nele, transformando em mingau de chocolate com baunilha. — Sério, me assusta o tanto que você parece com todos eles.

— Como assim? — Perguntei enfiando a colher na boca, me despedindo do gostinho do sorvete que ela roubara.

Vi tomou o resto direto da taça, limpou a boca  com o guardanapo e suspirou. Então voltou sua atenção para eles.

— Está vendo o negro grande e musculoso? — Olhei para o homem enorme entre eles e me retrai. Sim, lembrava dele. Quebrou a mandíbula de um bêbado no dia da maldita festa porque soltou uma piadinha com ele. Por isso o levei para o jardim atrás da casa onde estávamos e fui carinhosa. Pelo menos era do que me lembrava.  —  Aquele é Baltazar. Ele é assustador de muitas maneiras. O pai é assustador, e ele puxou esse lado obscuro do coroa. Ele também parece com você.

— Sou assustadora? — Levantei uma sobrancelha e ela riu.

— Sim, muito. — Admitiu ainda com o sorriso no rosto. — Às vezes com coisas bobas, como me chocar por ter dormido com quase todos os garotos da Tenreiro que conheço. Mas também com coisas mais sérias, como arrebentar um homem porque ele alisou sua bunda em uma boate.

— Ele mereceu. — Soltei a colher dentro da taça vazia, meu bom humor sumindo. Detestava lembrar desses babacas.

— O cara usou cadeira de roda por semanas! E você tem ficha na polícia por causa dele. — Vi falou em alerta. Ela ainda se assustava com as coisas que eu fazia. Já deveria estar acostumada.

— Isso é para ele aprender a respeitar uma mulher. Posso ter dormido com todos os caras da cidade, mas nenhum deles tocou em mim sem o meu consentimento.

— Sei disso, amiga, mas isso não faz de você menos assustadora.

Dei de ombros e senti um vento frio atiçar os pelos dos meus braços. Era aquela sensação de perigo se aproximando. Como se eu fosse o maldito Homem Aranha. E com o meu sentido aranha atiçado, comecei a vasculhar o ambiente.  Foi quando fitei os meninos que notei que Virginia tinha deixado de falar de um deles. O de olhar penetrante no canto, mastigando um canudo e olhando para onde estávamos incessantemente. Eu podia sentir seus olhos queimarem minha testa.

— Quem é aquele? — Perguntei baixo, e não sabia porque estava abaixando o volume de voz. Eles estavam distantes para nos ouvir. De repente me senti diminuir, como se ele fosse a ameaça.

Virginia ajeitou a coluna para ver de quem estava falando, bufou, e usando sua voz mais respeitosa, respondeu.

— Leônidas. Ele é o escudo daqueles meninos. Baltazar é o forte, Artie o líder, Nico tem a língua mais afiada, mas Leônidas é o estrategista. Ele consegue te fazer sentir pequeno com palavras bonitas e em tom baixo sem nem encostar em você. Ele é cruel. Tente não ficar muito perto dele.

Outro estalo no cérebro, e muitos feixes de memória daquele garoto e eu num banheiro.

— Já estive perto dele, Vi. Perto demais. — Selvagem e nem um pouco preocupado com o orgasmo alheio, aquele era ele. Foi uma das vezes em que me senti mais usada em todos os meus anos de devassidão. Quase me arrependi de ter consentido que ele encostasse em mim. Chegou muito perto do que sentia quando visitava o inferno.

— Minha querida amiga, você ainda não entendeu. — Virgínia falou e me puxou do devaneio. — Leonidas atrai tudo de ruim para junto dele, mas se vê que coisas ruins estão chegando perto daqueles outros garotos, principalmente Artie, ele esmaga. E não preciso ser um gênio para saber que Artie te atrai. Pode não ser o seu tipo, mas algo nele chamou sua atenção e sei como você fica quando está fixada em um cara. Leônidas vai chutar sua bunda muito rápido por causa disso.

— Eu sou uma coisa ruim, Virginia? — Questionei e ela soltou uma risadinha baixa.

— Você é destrutiva e destruidora, Sylvia. Eu tenho mais medo de você do que de todos aqueles garotos juntos. Imagina você junto a eles? Uma bomba atômica. E é isso o que Leônidas vai evitar. Ele já tem um macho alfa e um ômega naquele grupo, não vai querer uma delta no meio para atrapalhar. Você não seria uma garota como Donna, submissa e recatada. Você é louca. Um vulcão em constante erupção.

De alguma forma, o que Vi disse me fortaleceu um pouco mais. Não tinha medo de ninguém, e não seria um garoto que me tiraria dos eixos. Ele era amedrontador e me arrepiava os cabelos, mas eu podia lidar com isso. Já lidei com coisa pior e sai vitoriosa de jogos daquele tipo. Drama adolescente não me afetaria.

Vi quando a garota esbelta, Donna, notou Virginia à distância e levantou animada, acenando para a gente. Tentei tirar da cabeça a imagem do pinto do namorado dela em minha boca ligeiro, rezando para que ela só quisesse dar um oi e fosse embora.

A medida que ela andava em nossa direção, eu ia sentindo uma agonia dentro de mim. Se eu achava Virginia um arraso de menina, o que poderia dizer dela? Era alta e tinha um corpo de virar cabeças por onde passava. Seios cheios e empinados, cabelos até a cintura, lisos e brilhosos, e uma boca que faria a Angelina Jolie morrer de inveja. Entendia o garoto gostar de sexo oral, com a namorada portando uma boca daquelas.

— Virginia, como está? — Até a voz dela era doce e angelical. Jamais me senti muito feminina, mas perto dela eu era um ogro. Até o cheiro dela era puro ferormônios e delicadeza.

— Oi, Donna! — Vi respondeu animada. — Estou numa TPM infeliz. — A garota pareceu um pouco desconcertada, e só percebi porque era especialista em garotas que saiam levemente do salto, mesmo que eu própria não usasse um. — Vim tomar um sorvete com a Sylvia para relaxar. Syl, essa é a Donna. Estuda comigo na escola.

Coloquei o meu melhor sorriso e estiquei minha mão para ela, sentindo-me suja demais para apertar a mão macia da menina, e ainda assim ela o fez, sem muita força ou certeza, só uma presença leve em minha palma. Quase uma carícia.

— Tudo bem, Donna?

Ela sorriu e olhou para meu corpo, o macacão abaixado e o top de ginástica. Provavelmente também percebeu os cabelos oleosos e as unhas curtas com sujeira nos cantos. Eu tive certeza de que ela fez uma avaliação feminina de mim naqueles três segundos e que meu visual não a agradou em nada.

— Tudo bem, e com você?

— Fui sequestrada pela Vi para esse sorvete, então estou estressada e atrasada.

Ela soltou uma risadinha e colocou as mãos nos bolsos da saia que estava vestindo. Sério, a menina parecia uma modelo da Vogue.

— Se tivesse visto antes, teria vindo tomar sorvete com vocês. Estou sem paciência para o nível absurdo de testosterona daquela mesa. — Ela revirou os olhos e nós rimos em apoio.

— Se vocês quiserem ficar aqui e tomar outro, fique a vontade. Tenho certeza de que Virginia tomaria mais uns cinco. — Falei levantando da mesa. — Eu preciso voltar para o trabalho.

— Sylvia?

Virei de costas para ver que os garotos já haviam levantado da mesa e estavam saindo do boliche quando Artie me notou. Oh, droga!

— Ah, oi, Artie! — Fingi que estava vendo ele naquele minuto, e acenei.

— Ainda trabalhando? — Perguntou apontando para meu macacão abaixado e um  sorriso lindo no rosto. É, Etiene era o mais sexy, mas Artie tinha o sorriso mais bonito. Do tipo que fazia você perder a noção do tempo e do espaço.

— Lando me prendeu na oficina hoje. — Respondi dando de ombros.

— Bom te ver de novo, Sylvia. — Era a voz perigosa de Leônidas, junto com aquele olhar avaliador, que passeava de mim para Artie com curiosidade. — Nunca mais apareceu nas festas.

— Pois é, ando meio sem tempo. — Era uma puta mentira, mas eu jamais admitiria que a última vez que estive em uma fiquei me sentindo tão suja que deixei de ir. Agora só pegava homens em bares aleatórios. Nada de festas dos meninos da Tenreiro. Tenho certeza de que colocaram algo nas bebidas, mesmo as lacradas. Eu era uma vagabunda, mas não teria feito o que fiz naquele dia se estivesse totalmente consciente.

— Vocês já se conhecem? — Artie perguntou sorrindo de mim para o amigo, e eu acenei, meio neurótica demais. Virginia segurou uma risadinha irônica ao meu lado e passei bem perto de chutar seu pé.

— Ela foi em uma de nossas festas — O irmão dele explicou abaixando os óculos escuros e com um sorriso discreto nos lábios. — Aquela em que você não foi porque estava em Manaus com papai.

— Ah, então não preciso apresentar os outros, com exceção de Louis, que entrou no grupo depois daquilo. — Artie falou indicando os amigos. O negro alto acenou com a cabeça; Thomas fez o mesmo, abraçando Donna por trás, me mostrando que tinha uma namorada; o que ia ser padre só sorriu sem jeito para mim e o sexy de cachos ruivos piscou em minha direção. O pequeno deu um passo a frente.

— Olá! — O garoto estendeu a mão e eu apertei com força, sentindo ele retribuir do mesmo modo. Confiante para um menino pequeno.

— Prazer, Louis, sou Sylvia. — Falei descontraída, feliz de ter ali pelo menos um dos amigos dele que eu não tinha feito gozar. Ah, mas que merda de situação!

— E de onde vocês se conhecem? — Leônidas perguntou, ainda avaliativo.

— Foi Sylvia quem me resgatou quando o carro quebrou semana passada. Ela está consertando o Opala.

— Sorte a sua, heim?

Eu não sabia se Leonidas tinha falado aquilo para Artie ou para mim, pela maneira cínica com a qual disse, mas ignorei o jeito esnobe dele, voltando toda minha atenção para o amigo na frente.

—  Seu carro ainda está na fila, devo pegar essa semana. Lando não esta esquecido de arranjar outro para você, mas, enquanto isso, pode ligar quando precisar.

Fiz questão de dizer aquilo em voz alta, para não parecer que estava favorecendo Artie como cliente, ao dar meu telefone. Ainda assim senti que ele pareceu encolher quando falei. Não entendi se por vergonha ou discrição, mas aquilo já estava ficando sufocante para mim.

— Bom, a conversa está boa, mas vou voltar ou meu chefe vai cogitar minha demissão. — Falei sorridente. — Mas meninos, foi bom rever vocês, Louis e Donna, foi bom conhecer vocês. E Vi, falo com você de noite.

Eles acenaram e se despediram, e eu vi a diversão nos olhos de minha amiga antes de começar a me afastar. Ela sabia como aquela interação tinha acabado comigo.

Enquanto voltava para a oficina, não pude deixar de pensar como o universo conspirava de maneira estranha. Colocar-me naquela estrada para ajudar Artie, me colocar naquela festa para transar com todos aqueles garotos e me colocar no boliche naquela tarde, para ver que eles eram amigos. Era a porra do destino me fazendo sentir coisas que não era costume sentir na vida: arrependimento.

Eram só estranhos com quem eu cruzaria de vez em quando porque morávamos em uma cidade pequena. E não via problema nisso normalmente, porque era comum bater com homens que já tinha dormido por ali, mas ainda assim aquilo me deixou muito incomodada. Não sabia se porque no dia da tal festa eu estava drogada sem ter usado nada, e jamais me drogava ou bebia em festas, ou por ter feito o que dificilmente fazia: dormir com vários caras em um mesmo dia, ou por ter acabado de descobrir que eles eram todos amigos. Ou, no fundo, por estar de fato curiosa sobre Artie e isso faria com que qualquer interesse dele em mim morresse, quando os outros contassem o que aconteceu na fatídica festa.

É... aquilo tinha sido uma completa merda!

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