A teoria do caos

By AyzuSaki

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Alguns eventos moldam as pessoas. Acontecimentos que transformam o caminho de alguém totalmente, por terem um... More

Capítulo I - O homem que trabalha com lixo
Capítulo II - O menino que brinca com lixo
Capítulo III - Que tipo de herói você quer se tornar?
Capítulo IV - Os gatos de rua de Hosu
Capítulo V - Aqueles encontros predestinados
Capítulo VI - Desvios imprevisíveis
Capítulo VII - Convergindo
Capítulo VIII - Endeavor precisa esfriar a cabeça
Capítulo IX - Sua mãe nunca te ensinou a mentir, mas deveria
Capítulo X -Aizawa questiona as suas escolhas na vida - Parte I
Capítulo XI -Aizawa questiona as suas escolhas na vida - Parte II
Capítulo XII - O gato e o novelo de lã
Capítulo XIII - A órbita de um Midoriya
Capítulo XIV - O poder por trás de um nome
Capítulo XVI - Um interlúdio antes da desgraça
Capítulo XVII - O paradoxo da força irresistível
Capítulo XVIII - Aquelas reuniões familiares com parentes que tentam te matar
Capítulo XIX - O menino e os monstros
Capítulo XX - As promessas que fazemos e que nos quebram
Capítulo XXI - O Inverno está chegando
Capítulo XXII - O paradoxo de Epicuro
Capítulo XXIII - Uma fúria feita de gelo
Capítulo XXIV - O inverno está aqui
Capítulo XXV - Efeito bola de neve
Capítulo XXVI - O guia prático de como criar caos, por Izuku Midoriya
Capítulo XXVII - Um cego guiando um cego
Capítulo XVIII - A ponta do fio
Capítulo XXIX - Os galhos da árvore
Capítulo XXX- Izuku é uma calamidade de bolso

Capítulo XV - Os rolês aleatórios de Nora

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By AyzuSaki

" 'Olhe para dentro de você, Darrow, e perceba que você é um bom homem que terá que fazer coisas ruins.'

'Veja, isso é o que eu não entendo. Se eu sou um bom homem, então por que eu quero fazer coisas ruins?'"

- Pierce Brown, Red Rising

Dois anos, sete meses e 20 dias atrás

Min Han Su não se considerava uma pessoa particularmente ambiciosa por bens financeiros. Dinheiro nunca havia sido um problema na sua vida, tendo nascido em uma família que possuía condições confortáveis. Sua ambição se resumia ao conhecimento.

Desde pequena ela queria saber como as coisas funcionavam, principalmente no corpo humano, especialmente a natureza das quirks. De onde elas surgiram? Como? Por que ela tinha uma quirk e sua irmã gêmea não?

Esse foi seu foco, uma vida inteira de estudos e quando eventualmente se formou e se tornou geneticista, ela continuou no mesmo rumo, tentando destrinchar qual exata parte do genoma humana criou essas mutações que vieram a se tornar a norma.

Em algum momento esses estudos se tornaram tudo o que possuía e ela fez alguns sacrifícios pelo caminho. Nada que não julgou necessário, se a levou onde estava no momento. Se a levou até Dr Tsubasa. Há anos ela tentava capturar seu interesse, não só por o homem ser brilhante na área e não se guiar pelos preceitos éticos dos demais como ela, mas também pelo rumor de seu envolvimento com alguém que era considerado uma lenda urbana naquele ponto, mas que ela havia visto sinais suficientes para saber que ele era muito real: Alguém com o poder de remover e dar quirks, foi essa a base que a levou até ali. Era isso que ela tentava conseguir por anos. Foi para isso que colocou sua irmã em uma mesa anos atrás e a colocou a parte tentando entender o que a fazia diferente, tentando a tornar melhor. Outros vieram depois, incontáveis. Sacrifícios em nome de algo maior.

E agora ela colhia os frutos desse sacrifício.

Na penumbra da sala ela conseguia ver apenas os óculos dele brilhando nos monitores. Ele era uma pessoa privada, e Min não se incomodava com os segredos da aparência dele. Não se ela pudesse ver seu trabalho.

Desde que eles começaram aquela sociedade seus resultados alavancaram. Graças a sua quirk de persuasão, ela nunca tivera dificuldade de conseguir os espécimes que necessitava. Crianças sem quirk não eram exatamente bem vigiadas. Alguns foram vendidos pelos pais, muitos do abrigo, outros vieram por conta própria da rua, se não pela possibilidade de um lugar para ficar, também pelo sonho de conseguir finalmente uma quirk. Esses eram os mais fáceis de trabalhar.

Ainda assim ela os perdia rapidamente. Na primeira dosagem ela havia perdido quase todos, uma redução plaquetária drástica e falência dos órgãos, as amostras haviam sangrado da noite para o dia. Alguns ajustes da dosagem e a perda foi reduzida para mais da metade. Os mais fracos sempre eram perdidos na primeira leva, o que no fim era algo positivo. Quanto mais forte o espécime, maior a possibilidade de um resultado final satisfatório.

A sociedade com Dr Tsubasa havia lhe dado mais do que desejava. Com as fichas antigas dos pacientes dele ela agora podia ir direto aos alvos, ao invés de procurar de forma aleatória as amostras. A outra é que ela podia finalmente ver o resultado de quirks transferidas para as amostras, além das mutações que havia conseguido realizar em laboratório. Afinal, trabalhar com mudanças no DNA de uma criança ou adulto era algo dificultoso, e as amostras eventualmente eram perdidas, mesmo com dias de sucesso. Mesmo com crianças sem quirk, que tinha o material mais 'limpo' para trabalhar.

- Quantas amostras você tem atualmente?

- Treze. Nas últimas semanas, estranhamente, o policiamento começou e não consegui mais nenhum. Os heróis notaram os sumiços.

-Isso não é bom.

Era um inconveniente. Havia tido que mudar de laboratório duas vezes, e perdido mais amostras no processo. Alguns do pessoal também comentava sobre o comportamento de algumas das amostras. Eles pareciam menos dóceis, propensos a se rebelar.

- Essas treze são promissoras. Um deles não teve nenhuma reação adversa até agora, é bem curioso. O DNA dele é algo diferente, ele tem alguns cromossomos a mais do que o esperado. Como...

-Como antigamente. A redução começou a surgir depois das quirks se tornaram algo comum. – A voz dele era interessada. Min se agarrou nisso.

-Sim, se não soubesse bem diria que ele é da segunda ou terceira geração, o que não seria possível. Acredito que seja uma mutação. Inclusive ele foi um paciente seu.

-Nome?

-Izuku Midoriya. O tio dele é um dos nossos.

Takashi parecia convencido que o sobrinho tinha uma quirk, e Min também tinha suas dúvidas. Havia algo de diferente nessa amostra. Algo que não conseguia entender. No fim Takashi havia feito seu sacrifício, como Min havia feito o dela, e como sabia que Tsubasa havia feito o dele, se rumores sobre o desaparecimento do neto dele eram corretos.

Alguns dos homens haviam levantado rumores sobre Takashi, mas no fim havia sido infundado. Ela havia requisitado a amostra quando ela ficou viável, e ele a entregou sem resistência. Ele estava ali com ela, e se assim continuasse colheria os frutos também. Ela sabia que ninguém queria conhecer mais All for One do que Takashi. Ele nunca havia errado, exceto por acreditar que o sobrinho tinha uma quirk, e ela não podia o culpar. O caso dessa amostra parecia especial o bastante para se ter uma confusão.

- Interessante. – O homem murmurou, e então virou a cadeira totalmente, em sinal de dispensa.

Min tentou não se sentir insultada. Era tudo por um motivo maior, afinal. E aquela base parecia segura, se não com os laboratórios um pouco antigos demais. Apesar do maior inconveniente ser a companhia. Particularmente uma delas. A primeira vez que ela havia visto o adolescente andando entre as salas sua reação não foi das melhores, ainda mais ao encontrar os restos de alguns dos seus homens que tentaram o impedir no chão. Cinzas, era o que sobrara de algum dos seus melhores.

A quirk era interessante, e ela faria bom uso dela nas suas pesquisas, se não tivesse sido avisada que apesar de instável e temperamental, o garoto era alguém importante e intocável. E que por alguma razão agora estava sempre ameaçando destruir seu trabalho apenas por tédio.

Naquele dia não havia sido diferente.

E ao mesmo tempo foi, porque ele havia resolvido ir direto a cela das amostras, como um dos homens frenéticos a avisou. E Min não podia perder mais nenhuma amostra, não com a dificuldade em conseguir mais no momento.

Ela esperou encontrar um cenário de destruição.

O que ela encontrou foi diferente: Sua amostra mais interessante parecia ter capturado a atenção do seu problema. Enquanto as outras amostras pareciam bem conscientes do perigo, sentadas no canto mais afastado de onde a cela havia sido desintegrada, Midoriya estava sentado na frente do outro, uma expressão intrigada no rosto. A reação estranha havia paralisado o problema, que apenas coçava o pescoço, se mutilando com a própria quirk no processo.

-Por que sua quirk te machuca?

Min Han Su nunca saberia. Não quando apenas semanas depois disso ela acabaria morta por Takashi e seu trabalho utilizado para a melhoria dos nomus por Tsubasa. Ela nunca saberia o encontro que acidentalmente havia provocado, mais cedo que o esperado, e como isso havia mudado muito mais do que se imaginava.

Esse foi o dia em que Izuku viu os olhos do seu pai na cara de outra pessoa, e talvez em outro universo isso não teria feito diferença, afinal, ele nunca havia visto os olhos do seu pai lá para isso lhe chamar a atenção verdadeiramente.

Nesse universo fez.

Esse foi o dia em que Izuku Midoriya conheceu Tomura Shigakari.

Esse foi o dia em que Tenko, sem nenhum deles saber, conheceu o último Shimura vivo além dele.

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Izuku havia conhecido muitas pessoas assustadoras na vida. Monstros realmente, que haviam o feito paralisar de medo e assombravam seus piores pesadelos até os dias de hoje.

No entanto, havia algo particularmente assustador em ver Mitsuki Bakugou naquele estado. Ela costumava ser considerada amedrontadora, o filho tinha herdado isso dela, mas Izuku nunca havia se sentido assustado perto da sua tia Mit.

Até a ver chorando. Porque Mitsuki Bakugou não chorava. Nunca.

Ele esperava ter levado um dos famosos cascudos dela, gritos, perguntas. E talvez elas viessem ainda, mas não naquele momento. Naquele momento Izuku estava no portão da casa em que havia passado tanto tempo na infância, sob os olhos chocados e emocionados do seu tio Masaru, envolvido em um abraço apertado demais da sua tia Mit. Onde sua mãe era suave e macia, ela era forte e sufocante, o perfume era diferente, até a forma como elas choravam não parecia em nada – sua mãe cheia de lágrimas e soluços altos enquanto Mitsuki abafava o máximo qualquer barulho -, e ainda assim era como se fosse ela lá. Há quanto tempo ninguém o abraçava?

- Oi, tia Mit.

Ela o empurrou levemente, pegando seu rosto entre as mãos. Os olhos vermelhos como os do filho focando na cicatriz a mostra. Izuku queria desviar o rosto e fugir. Ele queria que Catchan, estranhamente comportado no chão no momento, o levasse para longe dali. Para longe de perguntas, que o faziam lembrar muita coisa que queria esquecer dos últimos anos.

Ainda assim, ela não perguntou nada. Apenas bagunçou seu cabelo de forma afetuosa, do jeito dela pelo menos.

- Você parece que passou por poucas e boas, hum?

Ela não tinha nem ideia. Izuku também não queria ter.

- Mas agora está em casa. Bem-vindo de volta, Izuku.

Ela por vezes esquecia em como Mitsuki Bakugou o conhecia tão bem.

Nisso, como em muitas coisas, ela era idêntica ao filho.

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Desde que Katsuki se entendia por gente Deku estava lá. Era uma daquelas presenças constantes na sua casa. Na sua vida. Até o dia em que ele sumiu. E agora ele havia voltado, e de repente tudo parecia de volta no lugar.

Exceto que não devia ser assim, porque aquela pessoa não era o mesmo Deku que havia ido embora anos atrás. Deku tinha os sentimentos estampados na cara, onde esse era cauteloso. Deku não teria tencionado no meio de um abraço da sua mãe, ou ficaria de olho nas saídas ao entrar na sua casa. Deku era um idiota feliz, chapado no excesso de café e falta de sono, que se empolgava enquanto falava sobre invenções estúpidas, que queria ajudar todo mundo.

Esse Deku utilizava uma máscara de um sorriso inocente. Uma máscara do antigo Deku.

- Corta a encenação.

- Você é mesmo incrível, Kacchan.

Ele se preparou para gritar com o outro, mas notou que o rosto dele parecia ao menos mais verdadeiro. Ele estendeu a mão em um pedido mudo e Katsuki revirou os olhos, removendo os fones e o entregando. O nerd tirou ferramentas da bolsa e começou a ajustar alguma coisa, sentado no chão do seu quarto sem cerimônias, o gato maldito escalando para seu ombro de forma desinteressada.

Katsuki sentou na cadeira do computador e cruzou os braços com uma carranca. Era algo tão familiar que o incomodava. Como se os anos não houvessem passado.

Mas eles haviam passado.

-Deku.

O nerd ergueu o rosto onde trabalhava, a expressão concentrada. Como uma rotina nunca perdida ele passou para os sinais fluidamente.

'O quê?'

'Eu tenho perguntas.'

O nerd suspirou, mas não parecia surpreso. E não devia. Katsuki franziu a testa, os olhos indo para o aparelho no colo dele. O design tão óbvio, enquanto tentava se convencer que não era possível.

Deku olhava para isso também, a expressão dele atenta. O sorriso dele era suave como não era antes, mas os olhos o fitavam em expectativa. Como se ele soubesse exatamente o que ele queria perguntar.

E isso já era uma resposta, pelo menos para eles.

'Você não faz nada por acaso.'

Rangeu os dentes quando o sorriso do outro aumentou um pouco. O maldito estava se divertindo.

'Isso não foi uma pergunta, Kacchan.'

Soltou uma pequena explosão e o maldito nem mesmo se moveu. O monstrinho no ombro dele o olhou em aviso.

'Se eu perguntasse, você me responderia.'

'Isso não foi uma pergunta também.'

-Deku...

O outro ergueu as mãos em um gesto de paz.

'Você sabe que eu diria.'

No fim das contas ele sempre diria. Porque assim como Deku estava lá desde o começo na vida de Katsuki, Katsuki estava lá desde o começo na vida de Deku. E algo lhe dizia que no final seria a mesma coisa.

E por isso ele sabia, ao olhar para o maldito aparelho, ele sabia. Assim como ele sabia que aquilo havia sido proposital. Deku sabia que ele iria perceber isso.

'Mas não acho que queira saber.'

- Por quê?

'Porque não vai poder voltar atrás depois de saber.'

Bufou, como se isso fosse o impedir. Deku também pareceu pensar a mesma coisa, se o erguer de sobrancelha era alguma coisa.

'Porque já sabe.' Ele deu de ombros. 'Você é um gênio.'

- Está zombando de mim, Deku?!

O outro franziu o cenho. E então o maldito sorriu. Largo, o tecido cicatrizado esticando de forma desconfortável fazendo com o lábio dele caísse um pouco em um dos lados.

'Você precisa de terapia, Kacchan. Isso não é normal.'

Katsuki pegou a primeira coisa à mão e jogou no outro. Ele desviou facilmente, e pela demonstração de agilidade ele viu que o maldito estava mesmo zombado. Ele nem mesmo estava disfarçando agora os movimentos tão conhecidos.

E só por isso ele iria socar Deku. Porque ele era mesmo um idiota. Um completo idiota.

Em segundos tinha pulado por cima da cama em direção do outro, uma explosão pronta.

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Mitsuki ponderou algum tempo no telefone, até enviar a mensagem no fim. Ele merecia saber disso tanto quanto ela. Ele merecia ver Izuku também. Ela não sabia o que o garoto pensaria disso, mas sinceramente estava pouco ligando. Izuku merecia um puxão de orelha por não ter vindo visitar antes. Ela estava sendo legal em não colocar contra a parede.

Assim que viu a confirmação por mensagem ela ouviu o barulho de explosões e pancadas e respirou fundo. Ela sabia que mais cedo ou mais tarde isso aconteceria. Masaru no fogão olhou para o andar de cima de forma sofrida.

Mitsuki não era a mesma de anos atrás. Era uma mulher calma agora, e agiria de acordo.

-SE EU SUBIR AÍ VOU ESFOLAR VOCÊS DOIS, SEUS FILHOS DA PUTA!

-Calma amor...

-EU TO CALMA, MASARU.

Ela se preparou para subir, e Deus protegesse esses moleques quando chegasse lá, mas de repente em um som estranho no ar Izuku estava de pé em cima da mesa. Descabelado, alguns fios chamuscados, um gato nos braços e um olhar aturdido no rosto.

-Hum?

Mitsuki piscou de forma incrédula.

-Desde quando você tem uma quirk, moleque?

-Eu não tenho. – Ele falou ainda parecendo aturdido. – Catchan tem.

Ele apontou para o gato em seus braços.

-DEKU!

E ele havia sumido de novo. Ela ouviu um grito de guerra no andar de cima e um miado ameaçador de gato.

-TIRA ESSE MALDITO DE MIM.

-O gato tem uma quirk. – Masaru falou devagar, a olhando com a expressão estarrecida.

Mitsuki sentiu uma risada histérica subir pelo seu peito, a raiva esquecida totalmente.

- O gato se chama Catchan, Masaru.

Era bom ter Izuku de volta.

Katsuki estava confortável por tempo demais.

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Izuku devia saber que isso aconteceria, ainda assim ele teve que se segurar para não fugir quando desceu para o jantar e os Shinsou estavam lá. Sobremesa na mão e excesso de cabelo roxo e horas mal dormidas nos três.

Ele quase saiu correndo quando Dr. Shinsou o puxou do último degrau da escada em um abraço sufocante. Ele cheirava a hospital e café, e ao perfume que sempre estava no quarto da sua mãe quando ia vê-la.

O homem o soltou, apenas para o segurar no lugar pelos ombros, o fitando de forma clínica, mesmo que os olhos dele parecessem suspeitosamente úmidos no momento. Ele parou na cicatriz também, a expressão ficando triste.

-Você cresceu.

'Você mudou. Quebrou. Uma parte foi perdida. Para sempre e sempre agora.'

- Ele parece do mesmo tamanho para mim.

Kacchan bufou atrás, os braços cruzados, cortando a tensão no ar. E Izuku podia abraça-lo no momento por isso, se não tivesse amor a própria vida.

Keito riu baixo, batendo em seu ombro. Atrás dele Akari Shinsou sorriu timidamente. Ele lembrava dela vagamente de algumas visitas no hospital, principalmente sobre sua quirk.

Atrás da mãe o terceiro Shinsou da família o fitava de forma fixa, um brilho de antecipação no rosto aparentemente indiferente.

E Izuku soube ali que aquela noite estava apenas começando.

'Merda.'

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A comida foi servida, as costeletas empanadas quase o fizeram lacrimejar. Ninguém conseguia fazer um Katsudon como sua mãe, mas esse sempre chegava bem perto.

-Então, Izuku, está estudando na U.A também. – Keito mencionou curiosamente enquanto lhe servia mais uma porção de arroz.

-Departamento de Suporte.

-Izuku aqui sempre foi bom com essas coisas. Foi ele quem fez o aparelho do meu pirralho.

Sentiu seu rosto corar onde estava entre Shinsou filho e Kacchan. Ele não sabia quem havia achado que isso seria uma boa ideia, os dois não pareciam particularmente amigos, e aquele também era o último lugar em que queria estar no momento.

- É um design interessante. – A voz de olheiras tinha falsa surpresa e Izuku paralisou com o hashi na boca. – Familiar.

'Mas que desgraçado.'

Izuku usou de sua força de vontade para não olhar Kacchan, que comida como se nada estivesse acontecendo. Talvez ele tivesse até desligado o aparelho, ele sempre fora um nojento para conversa na mesa.

- Ele sempre gostou de gatos. – Mitsuki brincou e Izuku prendeu a respiração quando sentiu o olhar do outro, a voz falsa em interesse.

-Oh? Não me diga. Gatos, hum?

'Só pode ser brincadeira isso.'

- Toshi também ama gatos. – Akari falou suavemente, sorrindo para o filho. – Desde pequeno.

- Gatos são interessantes. Eles sempre parecem que estão escondendo alguma coisa. Não acha, Midoriya?

-Nunca reparei.

Os olhos dele encontraram os seus.

'Então ele quer jogar.'

- Eu sei que eles são predadores. – Ele comentou inocentemente. – Em tamanho reduzido o comportamento deles parece engraçado e fofinho, mas a verdade é que quando você vê um gato te encarando como se ele quisesse te matar, ele provavelmente está pensando nisso.

O viu engolir em seco e sorriu levemente.

- O que a gente acha que é brincadeira em um gato, pode te matar em um felino um pouco maior. Ao menos... – ele voltou ao arroz de forma contente. – Foi isso que eu li.

O corpo dele tencionou ao seu lado, a expressão de falsa indiferença levemente alterada.

- Você entende mesmo de gatos.

'Esse cara não desiste.'

- Provavelmente já ouviu falar de No...ah!

-Toshi?

-Só bati meu joelho na mesa, oka-san.

Akari sorriu, inocente sobre os eventos ocorrendo debaixo da mesa.

Izuku flexionou a luva que havia se formado na sua mão através do bracelete, as garras em ameaça na perna do Shinsou, perfurando o tecido da calça. Ele olhou o outro em aviso.

Olheiras não falou mais nada.

Sentiu o olhar de Kacchan ao seu lado, uma expressão de interesse.

'Já cansei dessa noite. Catchan podia me tirar daqui já.'

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Eles se despediram antes das sete da noite. Izuku recusou que Mitsuki o levasse para casa, mas Keito o obrigou a aceitar carona até a estação mais próxima.

Ela se sentiu errada ao vê-lo ir embora. Ela queria o prender perto, as suas vistas. Que ele ficasse ali até Inko acordar. Ela sentiu a mesma urgência em Shinsou. E ainda assim, os dois não podiam fazer nada. Eles não tinham mais esse poder.

Ela sentia que se tentassem o forçar ele sumiria de vez.

-Ele está tão diferente.

Masaru comentou aquilo que a remoía desde cedo.

-Os olhos dele...é outra pessoa. – Masaru, sempre observador, continuou quietamente. – A cicatriz...

-Eu sei.

Ela se sentia tão frustrada.

'Inko, eu vou cuidar dele dessa vez. Eu prometo.'

Essa era mais uma promessa que ela não sabia se podia cumprir. Mas faria o seu melhor.

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Hitoshi acordou em algum momento da madrugada de um sono pouco produtivo com seus gatos miando de forma incessante e a sensação de alguém o vigiando. Ele viu olhos laranja no balcão do seu quarto, e por alguns momentos achou que estivesse sonhando ainda.

Ele estava imóvel, as lentes do visor refletindo a luz dos fones, o fitando fixamente.

Sentiu um arrepio percorrer sua espinha, assinalando o perigo eminente. Seus olhos focaram em garras afiadas nas mãos dele enquanto ele se aproximava quietamente até parar ao pé da sua cama.

Hitoshi não se moveu. A sensação era paralisante, sua respiração presa em sua garganta.

- Você não devia dormir com a janela aberta, Toshi. – O apelido da sua mãe soou em falsa inocência na voz contorcida pelo modulador. – Alguém pode entrar e te matar durante o sono.

Finalmente sentiu seu corpo sair do choque e da surpresa, mas antes que pudesse abrir a boca ele havia o imobilizado, uma mão a tampando, as garras muito perto do seu rosto.

- Você parece assustado. Pensei que amasse gatos.

Nora estava bem diferente da última vez que o vira, com certeza. Aquela aura amedrontadora era bem uma novidade.

Talvez Hitoshi tivesse pensado mal aquilo. Ele achou que o risco tivesse sido bem calculado.

'Eu sempre fui ruim de matemática.'

- O que foi? O gato comeu sua língua?

Definitivamente um erro de cálculo.

E então tão rápido como começou ele o largou. Piscou aturdido, principalmente ao notar que seus três gatos, os traidores, estavam subindo no outro de forma afetuosa.

- Que diabos...

- O que você quer para não contar, Olheiras? Eu não to muito afim de sumir contigo, gosto do seu pai.

Pior de tudo é que ele não sabia se aquilo era brincadeira ou não.

Hitoshi sentou lentamente na cama, sentindo seu coração ainda acelerado. Nora estava sentado na beirada do colchão ainda, três gatos em seu colo e tinha a sensação que ele sorria por trás da máscara.

-Eu não vou contar a ninguém.

-Hum... – O outro murmurou, o rosto virando levemente de lado. – Não sei se acredito em você, Toshi. Todo mundo quer algo em troca de alguma coisa.

Respirou fundo. Ele podia ter comandado Nora a qualquer momento da conversa. Não precisava ter medo.

-Eu quero parte nisso.

-Parte?

- É. – Falou devagar. – Em combater o crime.

O outro parecia incrédulo. Ele também estava. Não sabia de onde tinha vindo isso.

-Você está estudando para ser herói. Não é?

-Sim, mas eu sou fraco ainda. – Falar isso lhe dava um gosto amargo na boca. Ele havia perdido de forma tão ridícula, parecia milhas e milhas a parte de todos na sala. – Eu preciso aprender. Eu preciso aprender a como ajudar.

-Escola é para isso.

- Eu aprenderia mais ajudando nas ruas.

-Deixa ver se eu entendi. Você quer um estágio com um vigilante procurado em troca do silêncio?

Falando assim parecia meio ridículo.

-Hum.

Para sua surpresa o outro deu de ombros.

-Okay.

- Fácil assim?

-Eu deixo você tomar parte em algo, se descobrir onde é minha base.

- O quê?

-Isso que ouviu. Se descobrir onde fica a base do Nora em uma semana, você tá dentro. Se não vai ficar na sua.

Por que sentia que estava sendo ameaçado?

'Isso é algo muito estúpido, Toshi.' Sua consciência comentou. 'Muito mesmo.'

- Combinado. Só tenho que descobrir o lugar, certo?

-Isso aí.

O viu paralisar, a sensação do controle o fez sorrir.

-Então me conte onde fica.

Isso tinha sido fácil demais.

Ao menos achava até o ver se contorcer e quase cair da cama, parecendo em dor.

-Porra, não tão forte! – Ele o ouviu xingar baixo, massageando o pulso. Hitoshi o olhou incrédulo e ele sorriu. – Não vai funcionar, Toshi! Mas boa tentativa. Sete dias!

E com isso Nora sumiu do seu quarto, deixando três gatos miando tristes e um adolescente um pouquinho paralisado e um tanto incrédulo.

- Eu sinto que acabei de tomar uma decisão errada.

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- Mecânica, esse choque foi um pouco mais forte do que eu disse.

Izuku ouviu a risada da Mei do outro lado e fez um bico, ainda massageando o pulso. Claro que olheiras havia pensado que seria fácil assim. Como se Izuku não soubesse como a quirk dele funcionava.

'Ainda assim, estava curioso em como seria a sensação. Prefiro não repetir tão cedo.'

A sensação era um pouquinho parecida demais com a de Min Han Su para seu gosto.

-Vai mesmo colocar outra pessoa na equipe?

-Ele não vai achar.

Ele totalmente iria.

- Mas enquanto isso, vamos dar amor a Toshi. – Izuku sorriu – Vamos mostrar o que ele vai ter que passar se quiser mesmo fazer parte do clube.

Mei riu mais do outro lado.

Na sua casa, checando sua janela novamente, Hitoshi sentiu um arrepio percorrer seu corpo.

E foi assim o início de Mei, Izuku e Hitoshi.

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Infelizmente para Izuku sua madrugada não melhorou muito, e aquele não foi o último encontro cheio de emoções da noite.

Parece que Shigakari não havia tomado bem a ideia de que teria que vir pessoalmente, se a onda de vilões na sua cola era alguma coisa. Perto de três da manhã Izuku estava exausto, seu equipamento danificado, Mei teve que ir para casa e ele estava tentando muito fazer o mesmo no momento.

E claro que foi nesse momento que ele teve que esbarrar em Stain.

Ele havia conseguido passar esse tempo em Hosu sem cruzar caminho com o outro vigilante, apenas para dar de cara com ele em um beco, com o corpo de um dos heróis da agência do Endeavor no chão. Era um dos estagiários mais novos, recém-saído da escola. Izuku sabia disso porque ele sempre se mantinha a par do inimigo.

Por alguns segundos ele pensou que o herói estivesse morto, mas ouviu a voz dele tentando barganhar pela própria vida.

E com isso todos os seus planos de evitar Stain foram por água abaixo.

Quietamente ele desceu pelo muro na escuridão. Suas opções estavam limitadas. Entrar em combate com o outro vigilante era suicídio, ele não havia visto a quirk dele em combate, e sabia que o poder do outro não se resumia apenas à sua quirk.

- ... Falsos heróis, em uma falsa sociedade...

Parece que Stain gostava de monólogos.

Izuku remexeu em seu cinto e desceu para o fim do beco quietamente. Pelo menos Mei ia ficar feliz se o brinquedo dela funcionasse. Se não, havia uma possibilidade de Izuku morrer.

Bom, ele esperava que ela estivesse certa.

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Mei estava certa. O brinquedo dela havia funcionado perfeitamente. Em um lançamento perfeito no herói caído e ele havia sido arrastado do beco como um míssil antes que Stain pudesse fazer qualquer coisa.

Ele quebrou alguns ossos quando bateu na parede? Talvez, podiam trabalhar nas curvas. Mas pelo menos ele estava vivo. Coisa que Izuku talvez não estivesse por muito tempo se não conseguisse se livrar de Stain, que agora parecia bem focado nele.

Até agora o kevlar havia o protegido das lâminas que ele lançava, mas não de um golpe direto. E Stain parecia ser do tipo que adorava enfiar uma katana em alguém.

'Isso soou um pouco errado.'

- Não vai poder fugir a noite inteira, Noraneko!

Ele subestimava sua vontade de viver, pelo jeito.

Izuku desviou de outra lâmina, apenas para sentir uma dor aguda em seu rosto quando uma segunda passou perto demais.

Ele sentiu o outro diminuir os passos e escalou uma parede rapidamente, subindo para o telhado de um dos prédios.

Apenas para sentir seu corpo ficar rígido de repente e cair de uma altura considerável em cima dos sacos de lixo.

Entrou em pânico quando tentou se mover e percebeu que não tinha controle algum do seu corpo. Um chute o fez cair dos sacos no chão do beco de bruços, e deu de cara com o rosto do outro vigilante muito perto da sua cabeça.

- Eu gosto de você, Noraneko, seria uma pena se eu tivesse que te matar.

-Eu gosto de mim também, seria uma pena se eu tivesse que morrer.

Pelo menos sua língua ainda estava funcionando.

'Isso talvez não seja uma vantagem'. Sua voz 'Kacchan' lembrou.

Hum.

Stain pegou a katana e encostou no chão perto da sua cabeça, o olhando de cima de forma avaliativa.

- Você protege quem os heróis esquecem. Tem boatos, as pessoas comentam. É estranho um criminoso ter mais honra do que os falso heróis.

- Obrigado...ei eie! O que está fazendo?

O homem se aproximou do seu rosto e abaixou seus óculos e sua máscara, olhando sua cara. Ninguém respeitava o direito da sua identidade secreta?!

- Isso é uma cicatriz bem feia, garoto.

- Falou o homem sem nariz.

Izuku sentiu algo sufocante. Os olhos do homem focaram nos seus e pareciam ler sua alma, uma mão apertando ser queixo com força, a outra com a lâmina muito perto do seu pescoço.

Quando ele se afastou soltou o ar, vendo abismado que ele cobria seu rosto de volta.

- Da próxima vez que se meter nos meus negócios, eu vou matar você.

E com isso ele sumiu da sua visão periférica.

Por um lado, Izuku estava mais vivo do que imaginou que estaria.

Por outro ele estava paralisado no meio dos sacos de lixo e indefeso.

Com sorte era algo temporário e ninguém o encontraria ali até o efeito acabar.

Em dois segundos que ele pensou isso sentiu algo em sua perna, e então uma dor aguda em seus nervos que o fizeram gritar em surpresa. Um choque percorreu seu corpo e parecia uma piada quando pensava o que havia acontecido mais cedo. O choque que Mei havia lhe dado não havia sido nada comparado a isso.

Seus nervos pareciam fritar e sentiu as funções de alguns equipamentos pararem. Será que as pessoas que tentavam o matar não viam que já estava paralisado?!

Ouviu os passos quando eles se aproximaram da sua forma prostrada.

- Isso foi...mais fácil do que pensei.

'Não foi crédito seu, desgraçado.'

Sentiu alguém o cutucar com o pé levemente. Por sua visão periférica ele só conseguia ver as pernas deles.

- A bunda dele fica bonita nesse uniforme.

Uma voz feminina comentou, avaliando sua forma de bruços.

- Obrigado.

'E parece que seu modulador foi algo que parou de funcionar. Droga.'

- Nora é uma garota??

Okay, agora estava ofendido. Sua voz não era tão aguda assim.

-Vamos o levar para o chefe, antes que ele faça mais algum truque.

-Eu não vou encostar nele...ou nela, não depois do que aconteceu com os outros.

- Alguém vai ter que encostar.

-Vai você então.

Izuku estava cansado demais para isso. Tentou flexionar seus dedos, mas nada,

-Ei, se não querem, posso roubar esse gato de vocês.

A voz desconhecida fez os outros paralisarem onde estavam o cutucando. E então gritos.

Izuku sentiu o calor antes de ver as chamas.

Eram azuis.

Izuku não viu o que aconteceu, mas o cheiro de carne queimada e o silêncio repentino lhe pintava uma cena nada agradável.

Um pé o empurrou e virou de costas, dando de cara com um rosto bem peculiar. Piercings, cicatrizes horrendas que se esticavam com um sorriso.

-Acho que vi um gatinho.

.....................................................................

Izuku pensou que viraria churrasco de gato, mas o projeto de Hades da Disney o pegou nos braços como uma princesa e o tirou da cena facilmente.

- Você é bem pequeno. Talvez seja uma garota mesmo.

Teve a cabeça de se manter calado dessa vez. O outro pareceu não se importar, o carregando entre os becos escuros enquanto tagarelava. Izuku ao menos começava a sentir seus movimentos voltarem. Um pouco mais e ele sairia dessa situação.

- Então, gatinho. Você odeia Endeavor e Stain gosta de você.

Gosta tanto que havia tentado enfiar uma katana no seu peito naquela noite, e o fatiado como uma mortadela.

- ... Por isso vou salvar seu pêlo hoje. Só me prometa jogar outro balde em Endeavor. Talvez com cimento dessa vez.

Talvez Izuku já gostasse desse sujeito.

-Mas está bem calado, a lenda é que não consegue calar a boca.

Mas nem tanto.

- Vai me dizer onde mora para te levar para sua toca?

Sua expressão já dizia o suficiente. O outro havia abaixado a parte de baixo da sua máscara para o ajudar a respirar, mas deixado o restante porque 'cortesia de um vigilante que odeia Endeavor para outro'.

- Não? Nesse caso, vamos fazer um ninho.

Hades foi estranhamente gentil ao o colocar no chão entre dois lixeiros. Izuku já podia mexer suas pernas, mas um chute em alguém que aparentemente podia o ajudar parecia contra produtivo. O viu puxar alguns caixotes para a entrada do beco e então o olhar criticamente antes de retornar e colocar um canivete em sua mão.

Muito prestativo.

-Uhum. Parece bem confortável. Vai ficar me devendo um favor gatinho! – Hades se afastou para a entrada. - Vê se não morre.

Quando pulou a barreira ele se virou e sorriu, os olhos azuis como as chamas o fitando de forma maníaca.

- A propósito, o nome é Dabi. A gente se vê por aí.

E com isso ele sumiu.

E Izuku questionou todas as suas escolhas na vida.

..........................................

E foi assim que Izuku conheceu Dabi.

...........................................

Izuku não sabia quanto tempo havia passado até conseguir se mover de onde estava. Ele só sabia que estava fedendo, exausto e puto. Seu corpo estava molenga e estava longe de casa. Ele caminhou devagar pelos becos, apenas apostando em sua sorte de não encontrar mais ninguém e conseguir chegar em casa.

Ele subiu uma escada de incêndio e atravessou dois prédios quando finalmente viu a torre. Ele estava tão exausto que não sabia se conseguiria descer sozinho, e ponderou apenas em pular e tentar não quebrar o pescoço.

- Hey, parece preso, Nora!

Izuku nunca teve sorte na vida.

Ele não precisava se virar onde estava grudado na escada para saber quem era. O bater de asas já era prova o bastante. Hawks estava voando ao seu lado, o fitando com um sorriso estúpido no rosto.

E Izuku estava apenas cansado demais para lidar com isso.

Talvez ele não quebrasse nenhum osso pulando dali.

(Ou talvez ele morresse e seus problemas acabassem).

- Quer ajuda para descer?

Suspirou e encostou a testa no metal. Isso era o som dele desistindo daquela madrugada. Que fosse preso, não ligava mais.

-Sim. – Falou de forma completamente miserável. - Por favor.

..............................................

Quando começou essa noite, Izuku não imaginou que ela acabaria assim.

Com ele e Hawks sentados juntos no topo de um prédio, as pernas balançando na beirada enquanto comiam sanduiche de tuna.

Izuku resolveu oficialmente que ele não estava entendendo mais nada da sua vida, mas o homem não parecia muito inclinado a o prender, ocupado demais falando sobre qual fast food na cidade servia as melhores asas de frango empanadas.

- Isso parece canibalismo.

Hawks o olhou em falsa ofensa.

Ele era uma pessoa surpreendentemente agradável em se estar em companhia, quando não estava o perseguindo.

-Então, vai me prender ou não?

- Muita papelada.

Isso parecia uma falsa desculpa, se conhecia uma. O outro sorriu e o fitou com curiosidade. Havia uma certa sensação de familiaridade em Hawks. Não como se ele já o conhecesse, mas ele o lembrava alguém.

- Você me faz me lembrar alguém.

O comentário do outro o pegou de surpresa, por ser exatamente o que estava pensando.

- Seu gato?

Hawks ignorou sua piada, fazendo um som baixo enquanto olhava os prédios.

- Ele era um sujeito inteligente que fazia escolhas bem burras.

Agora não sabia se havia sido ofendido.

- O coração no lugar certo, mas um terrível desapego a seguir qualquer regra. Fez muita coisa, por muita gente. – Hawks falou de forma pensativa. – Morreu sem ser reconhecido por nenhuma delas. Ele não queria reconhecimento de ninguém, se sabia que estava fazendo o que deveria.

-Parece um bom herói.

- Eu não disse que ele era um herói. – Hawks piscou o olho e então se ergueu. – Quer uma carona, Noraneko?

Sua vida era tão estranha. Tinha recebido uma conversa de coração do Hawks?

-Pode me deixar na esquina ali embaixo.

O herói o desceu, deu uma batidinha em seu ombro e se virou para voar.

Antes de subir ele virou, as asas abertas refletindo a luz do dia que já começava.

- Vê se não morre por estupidez, Midoriya.

Izuku sentiu seu coração parar, o sangue sumir do seu rosto e quase caiu ali mesmo na rua.

A risada de Hawks ao sair voando ficaria na sua cabeça por muito tempo.

...............................................

Izuku mancou até em casa, sentou no sofá em um estado de piedade e se cercou de seus gatos. Pela janela ele viu o sol nascendo e ouviu seu alarme tocando para se arrumar para mais um dia de aula.

Ele precisava de um café bem forte no momento.

E de uma forma melhor de proteger sua identidade, pelo jeito.

................................................

Shoto havia criado um costume de passar no Cat Café toda manhã antes de ir para aula. Ele podia ver Duas caras, comer o melhor bolinho da cidade, e com sorte esbarrar finalmente em quem queria ver.

Aquele havia sido um dia de sorte.

Ele virou a esquina quando o viu saindo. Os passos arrastados e os ombros caídos de forma miserável enquanto bebericava um copo descartável de café, um gato de pelo amarelo caminhando ao seu lado.

Shoto olhou longamente a porta do café, antes de decidir que o acompanhar era mais importante. Na volta ele tentaria visitar Duas caras.

O outro pareceu nem notar sua presença, ao contrário do gato que o olhou de forma desconfiada quando se colocou ao lado dele. Com as mãos na alça da mochila ele tentou não dar passadas muito largas para se manter no ritmo do outro garoto. De perto ele parecia ainda mais miserável. Olheiras pronunciadas, e cabelo solto em desarranjo. Até a gravata do uniforme estava desfeita e ao olhar para baixo desconfiava que ele estava usando sapatos de pares diferentes. Havia algo estranho na forma como ele caminhava também, favorecendo uma perna mais do que outra, e conseguia ver um curativo em sua bochecha.

Depois de anos passando por coisas assim ele conseguia reconhecer em outras pessoas sinais de estarem em dor.

Shoto não era muito bom com interação social, mas ele tinha uma missão ali, e por isso tentaria ser gentil.

- Você está horrível.

Isso tinha saído melhor na sua cabeça.

Talvez ele tivesse o notado antes afinal, porque apenas fez um som estranho na garganta de concordância, fugando e voltando a beber o café.

Eles continuaram caminhando em silêncio. O gato entre os dois parecia ter aceitado sua presença pelo menos.

Após alguns minutos Shoto desistiu e abriu a boca para perguntar sobre a lesão, mas foi interrompido antes.

- Quanto de café acha que posso beber sem acabar morto?

A voz do outro era séria, os olhos fitando o copo na mão. Diferente do anterior.

De onde ele havia tirado outro café Shoto não sabia.

Ele não sabia de muita coisa sobre ele.

-Eu não tenho certeza.

O garoto deu de ombros e virou o copo na sua mão sem nem mesmo fazer uma careta.

- Você está machucado.

O ouviu suspirar. E até esse som tinha um tom miserável.

- Eu tive uma noite difícil. Ou alguns dias. Ou um mês. – Ele pausou e deu de ombros. – Ou uma vida inteira.

Shoto não sabia o que dizer a isso. Então não disse nada.

Apenas aceitou o café que ele ofereceu – De onde ele estava tirando isso?? – e seguiu caminho com o garoto estranho ao seu lado até a escola.

.....................................................................

Mais tarde sentado no fundo da sala, Shoto olharia para Aizawa com afinco enquanto ele anunciava sobre a votação do líder de sala, notando similaridades bem evidentes entre sua companhia de mais cedo e seu professor.

Segundos depois ele olharia para o lado enquanto Shinsou lhe passava o papel de votação e veria certas semelhanças ali também.

-Todoroki-kun, você está bem?

- Dois filhos?

-Hum?

-Nada, Yaoyorozu.

...............................................................................

Dois anos, sete meses e 14 dias atrás

Izuku viu todos eles morrerem. Um por um, alguns rapidamente, outros de forma lenta e agonizante. Outros ele viu sumirem, apenas para notar as similaridades nos monstros que surgiam na cela ao lado.

Ele considerava isso uma morte pior.

Um por um, eles morreram. Os que chegaram ali vendidos, traídos ou enganados. Os que vinham em busca da promessa de uma quirk, os que nem mesmo sabiam porque estavam ali. Os que esperavam um herói chegar, os que sempre souberam que ninguém viria.

Eles eram 37 quando chegou.

Um por um, eles morreram. Ali, ou talvez antes de chegar ali. Abandonados pela sociedade. O lobo doente da alcateia deixado para trás para ser devorado.

Um por um, eles morreram.

Izuku esperou eles virem. Ele esperou algum herói aparecer. Qualquer um.

Ninguém veio.

De certo modo ele morreu ali dentro também. Antes mesmo que Takashi o encontrar dentro dos túneis, quase morto depois de salvar a si mesmo, Izuku sabia que tinha morrido há muito tempo.

Ele morreu quando o último deles morreu sem conseguir fazer nada, antes de promessa de Takashi conseguir os tirar daquele inferno ser cumprida.

Ele morreu quando confiou em Shigakari em fugir com ele, apenas para ele tentar o matar quando Izuku se recusou a ser recrutado por um monstro.

Izuku morreu quando percebeu que nenhum herói viria, e quando Akira usou a quirk dela e teve certeza que ela e Takashi iriam morrer ali mesmo. Porque Izuku esperou demais. Ele esperou por ajuda, quando devia saber que a ajuda se resumia apenas a parte da sociedade, e pessoas como ele, os 37 e Shigakari seriam deixados para apodrecer.

Izuku morreu quando percebeu que não havia lugar para pessoas como eles no mundo, que eles sempre teriam que salvar a si mesmos.

Foi quando a motivo para ele se tornar um herói mudou.

Foi quando seu caminho mudou completamente.

...................................

Notas finais

Alguém precisa ensinar a Izuku a proteger melhor sua identidade, apesar de sim, o fone de ouvido foi proposital para Kacchan descobrir. Já podem fazer um clubinho de quem sabe a identidade secreta de Noraneko!

Uma recapitulação: Dr Tsubasa é o mesmo médico que diagnosticou Izuku. Tem uma teoria de que ele seja o médico do All for One. Sobre o neto dele, lembram do garoto com asas que andava com Kacchan no primeiro mangá e depois não apareceu mais? E lembram do Nomu com asas que capturou Izuku no arco do Stain? Então...

Quem é Hawks na história? De quem ele estava falando? Como ele conhece Izuku?

Será que Shinsou vai entrar para o clube, ou se jogar de um lugar alto ao perceber que mordeu mais do que consegue mastigar?

Que nova teoria Shoto vai criar?

E o maior mistério: De onde Izuku tira esse café? Do mesmo lugar da fita métrica da Mei?

Vejam nos próximos capítulos!

Na próxima: Shigakari e Nora conversam, Akira aparece, Shinsou se torna uma babá e o início da USJ.

Talvez o próximo demore um pouco mais, estou na fase final da minha tese e irei focar apenas nisso por um tempo, então um pouco de paciência, serão recompensados!

P.S: Imagem do capítulo por CrazyClara, Catchan V.S Kacchan!

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