Setembro ainda não acabou, mas o assunto entre os meus pais na mesa de jantar já é sobre as festividades do final de ano, que iniciam em novembro com o Festival de Outono, havendo sua conclusão no primeiro dia de dezembro, com o baile do Dia Branco, em memória da independência.
Desde que a minha mãe voltou da sua viagem oficial para a Tailândia, ela não para de comentar sobre os preparativos que estão sendo iniciados por todas as principais cidade do país, porque, por algum milagre ou apenas seu poder de persuasão, ela conseguiu convencer a minha irmã de vir para Orion durante esse período, o que Elisabeth não faz desde que ingressou no internato para meninas.
"Vai ser legal ter a Lizzie aqui de novo", Niklaus diz. "Ela sempre me deixa treinar esgrima ao invés de perder tempo com aulas de piano".
"As aulas não serão perda de tempo se você se dedicar mais", Irene Maximoff rebate. "Tenho certeza que os seus irmãos podem te ajudar nisso".
A cara de desgosto que Nik não consegue esconder fala qual é a sua opinião a respeito do piano, e deixo um riso nasal escapar.
"Posso te ajudar sempre que quiser", digo para Niklaus e pisco quando nossa mãe não está olhando, o que o faz sorrir para mim com ares de cumplicidade.
Quando eu era um pouco mais novo que ele, detestava passar horas treinando no piano e preferia gastar o meu tempo com arco e flecha, da mesma forma que Leo também sempre optou pela natação. Dentre nós, apenas Theo sempre gostou de música e passava horas sozinho praticando.
"Eu estou ansiosa para o baile do Dia Branco", Antonella comenta de modo repentino.
"Por acaso você já tem alguém em mente para convidar, Ella?", minha mãe a questiona, mas seu interesse me soa forçado.
Assim como o sorriso que Antonella lhe lança.
"Estava pensando em convidar o Kyle, tia".
Não é surpresa que acabe sobrando para mim, que sou encarado por vários pares de olhos. De um lado, os meus primos e irmãos estampando caras repletas de deboche e do outro os meus pais repletos de pesar. Entre eles, Antonella, que sorri tanto que me faz respirar fundo antes de pensar em uma boa resposta para lhe dar.
"Sinto muito, prima", faço questão de lembrá-la da nossa proximidade familiar, para que talvez então perceba o quão errada é a sua insistência sobre mim. "Mas eu vou ter de recusar o seu convite dessa vez".
"E nós todos vamos poder saber o motivo disso?", Irene pergunta, olhando-me com seus olhos cor de sol poente, exatamente como os meus, os quais transmitem curiosidade.
"É só que eu já estava pensando em convidar outro alguém", desconverso, apesar de não se tratar de uma mentira.
"Quem?", Irene insiste. "Por acaso se trata daquela garota da praia?".
A volta à tona das fotos de um mês antes me deixa apreensivo. Foi mais complicado do que gosto de me lembrar convencer os meus pais de que eu consertaria as coisas e tomaria conta da situação, sem me meter em mais encrencas com Amy Stone.
"Ainda não é o momento certo para falar".
Tenho plena noção de que não posso revelar nada sobre Aeryn quando sequer sei se ainda terei alguma chance depois de tudo. Mesmo que, por algum motivo, o seu amigo lhe revele a verdade e ela saiba que não sou totalmente culpado pelo que aconteceu, eu ainda tenho a minha parcela de culpa e nada disso garante como serão as coisas para nós dois daqui pra frente.
"Quando será esse momento então?", a nova pergunta me faz ter certeza que Irene Belmont Maximoff poderia facilmente ter "Insistência" como segundo nome.
"Em breve, mãe".
Ao mesmo tempo em que a rainha parece ficar satisfeita com a resposta, Antonella me encara com uma cara nada boa, a qual decido apenas ignorar pelo resto do jantar.
Quando enfim somos liberados, sigo para uma das antessalas do palácio com Cassiopeia em meu encalço, querendo saber como foi a conversa entre Aeryn e eu.
"Então vocês dois se acertaram agora?".
"Eu não diria isso com tanta convicção, mas acho que consegui fazê-la ao menos buscar me entender um pouco".
"E você acha que as coisas vão voltar a ser o que eram antes?".
"Eu não sei", sou sincero e deixo um suspiro escapar, pensativo. "A Aeryn parece bastante insegura sobre muitas coisas, principalmente sobre eu ser um príncipe, e não a julgo por isso".
"Ela certamente não esperava que o garoto dos truques de mágica fosse um príncipe", Cassie concorda, ponderando. "Mas a Aeryn parece te corresponder, se quer saber".
"Disso eu sei", falo. "Mas ela só corresponde a parte de mim que é o Sky".
"Então 90% de você".
Eu dou de ombros.
"Dos outros 10%, que é o Kyle príncipe, ela parece ter pavor", é o que digo, e Cassie torna a ficar pensativa, então me aproveito do momento para poder mudar de assunto. "Você sabia que o Caellum está saindo com uma nova pessoa?".
"Eu parei de contar as namoradas dele depois da décima oitava", Cassiopeia dá de ombros. "Mas quem é a nova infeliz que caiu na lábia do meu irmão?".
"Uma amiga de Aeryn. Miranda".
"Miranda", Cassie repete o nome como se estivesse tentando se lembrar. "Eu só espero que ela não fique tão chateada quando o lado cafajeste do Caellum superar o príncipe encantado que ele finge ser".
"Não está sendo um pouco dura com o seu irmão? Talvez ele goste dela de verdade dessa vez".
"É por conhecê-lo que eu sou dura, Kyle. O Caellum é um ótimo irmão, mas péssimo companheiro. Diria que, dentre os homens que conheço, ele só consegue ser menos pior que o Tobias e o Timotheo".
"Por Buda, Centopeia. Você nunca para de falar de mim pelas costas?", Theo escolhe justo esse momento para se juntar a nós, e percebo o exato instante em que Cassie franze os lábios em desgosto.
"Ouvindo escondido a conversa dos outros, vossa alteza?", a minha prima rebate.
Timotheo, no entanto, parece achar graça da expressão zangada dela e sorri com certo deboche.
"Apenas tenho algo para discutir com o Kyle, Centopeia", meu irmão mais velho diz, e, se os olhos escuros de Cassie soltassem lazer, receio dizer que eu estaria fadado a ser o próximo rei de Orion.
"O que você quer conversar comigo?", decido intervir na conversa antes que Cassiopeia o rebata e dê início a mais uma discussão entre eles, deixando-me no meio dos dois.
"É sobre a garota Kannenberg. Eu sei que foi você quem a indicou ao meu tio para o projeto do livro da rainha Avery".
"E?", sinto-me nervoso ao questionar, perguntando-me se acaso Timotheo está ciente de mais coisas do que parece.
"Talvez queira saber que ela vai precisar de ajuda na tradução das cartas em mandarim", ele continua. "Como vocês parecem ser próximos, devia oferecer essa ajuda".
A pergunta que eu possuía se torna uma certeza após essa resposta.
"Como você sabe sobre a Aeryn e eu? O Tobias te falou?", não seria nenhuma surpresa que o lorde Durkheim houvesse dado com a língua nos dentes outra vez.
"É verdade que o Tobias não é a pessoa mais confiável para se guardar um segredo, mas eu estava com você na noite em que encontrou ela na rua e depois saiu correndo sem me dar explicações, lembra? Eu reconheci a Aeryn".
As palavras dele me fazem perceber de que eu não devia ter me esquecido completamente desse detalhe. Agora, aparentemente, quase todo mundo sabe sobre Aeryn e eu, com exceção de Niklaus, Elisabeth, meus pais e talvez Antonella.
Respiro fundo.
"Não comente sobre ela e eu com ninguém", peço.
"A confiança que deposita em mim é palpável".
"Como se ele tivesse motivos para confiar em você", Cassiopeia resmunga.
Theo arqueia uma sobrancelha para ela.
"Quase me esqueci da sua presença inconveniente por aqui, Centopeia".
"Pare de me chamar assim".
"É claro, Centopeia".
Há de se duvidar se Timotheo é mesmo o meu irmão mais velho de vinte e um anos com essa maturidade.
"Já chega", eu peço. "Dado o comportamento de vocês dois, já está tarde e é hora das crianças irem para seus quartos".
"Muito engraçado, Kyle", Cassie resmunga.
Porém, felizmente, tanto ela quanto Theo concordam em se recolher e logo eu também estou em meu quarto, perguntando-me se, a essa altura, Aeryn já está sabendo da verdade.
xXx
Depois das aulas da manhã, uma chuva começa a cair sobre Dominique e eu sigo por entre os prédios da Aureum College debaixo de um guarda-chuva segurado por Gideon, que foi designado a me acompanhar hoje, por causa da abertura dos jogos esportivos.
"Eu não entendo o motivo do Timotheo não poder estar aqui quando é o príncipe herdeiro. Não deveria ser ele a discursar?".
"Soube que o príncipe mais velho não acordou muito disposto hoje, vossa alteza", Gideon responde. "Por isso tivemos que preparar o seu discurso em cima da hora".
Sei muito bem que a ausência do meu irmão nada tem a ver com indisposição e que é só mais um de seus caprichos, mas reclamar não irá adiantar de nada. O meu plano no momento é apenas fazer esse discurso, permanecer no evento por alguns minutos e logo depois sair para encontrar Aeryn e concluirmos a nossa conversa, conforme o combinado no dia anterior.
"Lady Lawrence".
O cumprimento de Gideon me tira de meu momentâneo devaneio e eu percebo que fomos abordados por Antonella.
"Olá, Gideon", ela diz. "Será que posso falar a sós com o Kyle por um instante? Eu prometo que serei rápida".
O secretário me lança um olhar que transmite uma pergunta silenciosa, então apenas assinto, dispensando-o por alguns minutos.
"Por acaso aconteceu alguma coisa?", eu questiono à Antonella.
Nada discretamente, ela se coloca ao meu lado e cruza os nossos braços, passando a caminhar pelo corredor do prédio principal e me levando junto.
"Não sei se está sabendo, mas a garota que quer convidar para o baile do Dia Branco provavelmente tem namorado", Antonella diz, quase como quem não quer nada.
"Você sequer sabe quem ela é", apesar da minha afirmação soar confiante, sinto uma pequena semente de medo de que, na verdade, Ella saiba sim.
"Aeryn Kannenberg", o nome dito por minha prima parece soar muito errado.
"Como você...?".
"Não está sendo exatamente discreto, Kyle. Todo mundo a viu com você ontem, assim como logo depois a viram com outro homem em um carro".
"E o que te faz supor que o outro homem seja o seu namorado?", eu rebato.
"Ora, porque...".
"Não fique tentando plantar discórdia em cima de mim, Ella", eu a interrompo, afastando o seu braço do meu. "Você sabe que eu não gosto de rumores e tampouco de pessoas que os tomam por verdade sem procurar saber mais a respeito".
"Kyle...".
"Eu já vou indo".
Ao mesmo tempo em que uma parte minha quer acreditar que Antonella não estava agindo por maldade, a outra crê que é melhor não remediar. Ela pode não ser inteiramente uma má pessoa, mas sinto que herdou algumas das atitudes maliciosas de minha tia Ametista.
Deixando-a para trás, eu sigo à procura de Gideon para que possamos ir para a quadra de esportes, mas é quando avisto Aeryn no café em frente ao prédio em que me encontro, estando com Miranda ao seu lado e debaixo de um guarda-chuva amarelo.
Bobamente, eu observo as duas conversarem e olharem a chuva como se se perguntassem quando ela vai parar, mas então Aeryn estende uma mão para fora da proteção do guarda-chuva, olha para sua amiga por um momento e depois sai correndo em direção ao prédio de ciências humanas para não se molhar, o que daria certo se a grama do campus não estivesse escorregadia e ela não acabasse escorregando.
"Alteza!", escuto Gideon atrás de mim, mas não lhe dou atenção e sequer me importo com o que pensarão sobre o segundo príncipe estar debaixo da chuva. O mais depressa que consigo, vou até Aeryn e a encontro ainda estabanada na grama, analisando o rasgo no joelho de sua calça jeans.
"Você está bem?", ela só parece tomar consciência da minha presença depois que eu me ajoelho ao seu lado.
"O que diabos você está fazendo?", Aeryn rebate.
O seu tom de voz soa desesperado e ela olha ao redor como se tivesse medo de alguém nos ver juntos, mas a plateia que nos observa se resume a um Gideon parado na entrada do prédio principal e uma Miranda que se aproxima com o seu guarda-chuva amarelo.
"Eu te disse para não correr", ela repreende a amiga assim que nos alcança, mas, ao se dar conta de mim, curva-se em uma singela reverência. "Alteza", murmura.
"Olá, Miranda", eu respondo.
"Você está bem?", ela não demora muito a se voltar para a amiga outra vez.
"Eu só ralei o joelho", é o que Aeryn responde, olhando-me de esguelha. "Estou mesmo bem".
No entanto, quando eu a ofereço a mão para levantar e Aeryn parece não querer apoiar o pé direito no chão, eu a olho com desconfiança.
"Tropeçou sobre o pé, não foi?".
"Você não devia estar na abertura dos jogos esportivos?", Aeryn tenta mudar de assunto.
"Posso fazer isso depois que te levar para a enfermaria".
"Depois que você... o quê?".
Aeryn só toma consciência dos fatos depois que já está em meus braços e parece chocada o suficiente para apenas me olhar com a boca aberta em indignação.
"Não se preocupe, Gōngzhǔ", eu digo. "Você vai ficar bem".
Olá, pessoas!
Estou escrevendo essa notinha final para avisar que o próximo capítulo demorará um pouco, em decorrência do fato de que falta pouquinho para o ENEM e eu estarei bastante ocupada para escrever. Assim, a parte 24 de SPNE sairá apenas na segunda metade de novembro, mas não se desesperem quanto a isso. Tão logo eu conseguir mais tempo, haverá a possibilidade de postagens semanais ocorrerem pela primeira vez em muito tempo.
Espero que tenham gostado do capítulo e até a próxima <3