O Cristalizar da Água - O Flo...

By millarbastos

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{CAPÍTULO INÉDITO! Mais detalhes em breve} Qual é o preço de se lutar por algo que você sempre acreditou ser... More

Antes de ler!
Sinopse
Capítulo 1 - Brianna
Capítulo 2 - Brianna
Capítulo 3 - Brianna
Capítulo 4 - Brianna
Capítulo 5 - Brianna
Capítulo 6 - Brianna
Capítulo 7 - Brianna
Capítulo 8 - Chad
Capítulo 9 - Brianna
Capítulo 10 - Chad
Capítulo 11 - Brianna
Capítulo 12 - Brianna
Capítulo 13 - Chad
Capítulo 14 - Tirzah
Por onde eu ando...
Eu estou de volta (e nem é click bait)

CAPÍTULO 15 - BRIANNA

719 55 28
By millarbastos

PARA TODOS AQUELES QUE ATÉ HOJE ESPERAM.
PARA AQUELES QUE ATÉ HOJE PERGUNTAM.
PARA AQUELES QUE NÃO DESISTIRAM DESTE LIVRO:
Um capítulo inédito. Como uma forma (humilde) de recompensar minha ausência.
Eu não desisti.
Eu estou voltando.
Darei mais detalhes em breve.
Amo a todos .

Instagram:
acamillabastos
—————————-

EU DESMORONEI, CAINDO EM MEUS JOELHOS ao ver a cena de destruição bem em minha frente.
A agonia ao ver tudo o que o fogo consumira fez-me sentir culpada. Culpada por ter o fogo como meu aliado; por ter uma arma letal que destruía tudo à sua frente sem dó nem piedade. Culpada por ter um dia sentido prazer ao sentir o calor das chamas deslizando entre meus dedos; por ter me deliciado da sensação de temor nos olhos das pessoas ao me verem tocar as chamas como se eu estivesse segurando nada mais que um pano em diversos tons de laranja. Culpada por, finalmente, perceber a incrível semelhança que havia entre nós.
Nós destruíamos tudo aquilo que encostávamos.
Eu abracei o meu próprio corpo, tentando conter o transtorno que acontecia dentro de mim, tentando conter minhas entranhas que se corroíam por dentro.
Algo gelado tocou meus braços. Senti alguém me levantando e me envolvendo, e eu vi minha visão se escurecer à medida que as mãos frias de Chad tocavam minha pele fervente.
– Isso não é culpa sua. – Ele sussurrou como se estivesse lendo meus pensamentos.
Eu apertei meus olhos e balancei a cabeça.
Chad se afastou e segurou meu rosto, forçando-me a olhar para ele. Eu demorei em abrir os olhos. Estavam margeados de lágrimas.
– Uma mesma coisa pode ser usada para construir e para destruir. – Ele disse, quando eu finalmente fixei meus olhos nos dele. – Você é quem decide como vai usá-lo.
O nó em minha garganta apenas aumentou, fazendo mais lágrimas jorrarem dos meus olhos. Encarei Chad, mas não consegui dizer uma só palavra. Encostei minha cabeça em seu peito e fixei meus olhos no horizonte, onde o vento brincava com as chamas, aumentando sua intensidade e espalhando a destruição por todos os lados.
– Talvez você não consiga desfazer o que está feito, – Chad voltou a falar, – mas consegue impedir que mais coisas sejam destruídas.
Eu engoli a seco.
Desvinculei-me de Chad e caminhei lentamente em meio à parede cinzenta de fumaça. Voltei-me ligeiramente para trás e vi Tirzah com o rosto espantado, enquanto Chad lhe sussurrava alguma coisa e segurava seu braço com firmeza.
Encarei novamente as chamas. Conseguia ouvir meu coração pulsar descompassadamente em todo o meu corpo. Senti as pontas dos meus dedos formigarem à medida que eu me aproximava e conseguia ouvir melhor o som da melodia cacofônica das chamas e de seu espetáculo de destruição.
Logo, o som de vozes de pessoas podia ser ouvido ao fundo se eu me concentrasse bem. O choro de crianças, os gritos de desespero, de puro terror. Por um momento, era como se eu estivesse de volta àquela visão que eu tive na Casa de Ofélia quando, por alguns segundos, eu presenciei a Grande Destruição. Naquele evento, um reino inteiro havia sido destruído pelo meu antecessor.
Eu não deixaria que isso acontecesse novamente.
Apertei meus punhos e segui em frente, determinada, sem desviar meu foco das chamas.
Caminhei pela primeira rua, uma confusão de fumaça e destruição. As chamas podiam ser vistas nos topos dos telhados das casas mais à frente enquanto elas eram arrastadas pelo vento e devorando o que restava do vilarejo.
Eu continuei em frente, sem me importar com a fumaça que eu inalava, sem me importar com os resquícios de fogo por onde eu passava. Eu podia senti-lo. Era como se fosse parte estendida dos meus próprios braços. A cada passo, minhas botas se afundavam na terra coberta de fuligem e cinzas, e o que restava de fogo ai se exaurindo. Desviei de galhos e objetos que haviam sido consumidos pelas primeiras chamas daquele incêndio e, à medida que eu as ultrapassava, uma onda de imagens invadia minha mente. Imagens de destruição, de pessoas, de lugares que eu nunca havia visto antes sendo destruídos pelo fogo.
Acelerei meu passo, virando para esquerda e para a direita ao me desviar de obstáculos, de casas, de pessoas já sem vida. Eu estava tentando fugir dessas imagens que me sobrecarregavam, mas parecia que elas só aumentavam e eu não conseguia distinguir o que era real e o que não era.
Alcancei um espaço aberto onde eu podia ver algumas pessoas correndo e carregando outras nos braços, fugindo das rajadas de fogo. O calor do fogo me atraiu e, quando corri em sua direção, o silêncio entre as pessoas por perto tomou conta do local.
Sobrecarregada, meus joelhos cederam. Mais e mais imagens invadiam minha mente. Minha cabeça parecia que ia explodir e eu a cobri com os braços, rangendo os dentes e contraindo todos os meus músculos em dor e angustia.
Meus olhos estavam apertados, numa tentativa de bloquear as imagens, mas mesmo assim eu conseguia perceber que eu estava em meio ao fogo. As chamas circulavam ao meu redor como se fossem correntes de ar e, quando a dor pareceu insuportável, eu bati meus punhos contraídos contra a terra e gritei, minha voz raspando em minha garganta.
– Já chega!
Naquele mesmo momento, o fogo se apartou e as chamas desapareceram juntamente com suas memórias de destruição.

O silêncio que pairou no ar foi inconfundivelmente de espanto.
Quando consegui abrir meus olhos, eu pude notar que eu estava em uma região enegrecida pelo fogo. As pessoas à distancia haviam petrificado, mantendo seus olhares assustados em mim. Eu também teria ficado assim caso visse uma louca correndo em direção ao incêndio e saindo de lá sem nenhuma queimadura.
Apoiei minhas mãos no chão e consegui me erguer, cambaleando um pouco para o lado. As imagens não mais me atormentavam naquele momento, mas ainda assim, eu me sentia quase sem forças.
Ouvi passos se aproximando e eu me virei, dando de frente com uma senhora corpulenta de olhos claros assustados. Ela deu um passo hesitante em minha direção, com uma mão trêmula erguida. O lado direito de suas vestes havia sido chamuscado e eu notei que a manga de sua blusa estava grudava em sua pele quando ela tocou levemente meu ombro. Seu rosto contorceu-se de dor quando fitou meus olhos com os azuis claros dos seus olhos.
– Obrigada, – ela sussurrou, e uma lágrima escorreu pelos seus olhos, traçando um caminho pela fuligem que lhe cobria o rosto.
Eu engoli a seco e apertei os lábios, tentando forçar um sorriso.
Nesse instante, Chad se aproximou, tentando retomar o fôlego, enquanto uma Tirzah em estado de choque seguia ao seu lado.
– Você está bem? – Chad perguntou enquanto apertava meus braços e ombros com sua mão boa à procura de alguma ferida. O desespero era nítido em sua voz.
Eu apenas balancei a cabeça afirmativamente, mantendo meu olhar para baixo.
– Pode nos dizer o que aconteceu aqui? – Chad voltou-se agora para a mulher a nossa frente, que nos lançava olhares suplicantes e, ao mesmo tempo, curiosos e espantados.
Ela engoliu a seco, retraindo os braços e apertando-os ao redor de seu corpo. Seus olhos se margearam de lágrimas e seus lábios tremeram quando ela tentou falar.
– Os guardas do Rei. – Ela respondeu, fungando e tentando limpar o rosto com as costas da mão. Seus olhos azuis pareciam vidrados, fixando um ponto aleatório no ar. – Vieram levar nossos meninos. Quando nos negamos a entregá-los, eles iniciaram o incêndio. Destruiu nosso lar, matou nossa família, e ainda levaram nossos filhos.
Chad lançou um olhar significativo para mim. Havíamos ouvido os serviçais conversando sobre recolher rapazes pelo reino todo, e o nosso temor se confirmou. Eles ainda estavam tirando meninos de dentro de suas casas para, possivelmente, montar um exército. Um frio percorreu minha espinha e eriçou os pelos dos meus braços.
– Onde estão os outros? – Chad voltou a perguntar.
A mulher apontou para o único ponto do pequeno vilarejo que ainda não havia sido atingido pelas chamas.
– Pode nos levar até lá? Podemos ajudar com os feridos.
Ela fixou Chad com um inconfundível olhar de gratidão e balançou a cabeça afirmativamente, caminhando na direção que apontara. Chad voltou-se para mim e passou um braço ao meu redor quando notou que eu ainda estava parada, meio que sem conseguir sair de onde eu estava.
– Vai ficar tudo bem, – ele disse.
Eu não tinha tanta certeza assim. Afinal, metade das pessoas desse vilarejo já estava morta. Não tinha como tudo ficar bem. Mas, independente do que eu pensava, eu fiquei quieta, pensando no que poderíamos fazer pelos que ainda estavam vivos. Chad sussurrou algo para Tirzah, que apenas me encarava com olhos esbugalhados, pedindo para que ela voltasse ao nosso acampamento e trouxesse nossas coisas.
Atravessamos o que outrora fora um pátio, parecido com o de Moraiúna, mas infinitamente menor. Apenas algumas casas mantinham-se intactas na direção do horizonte, onde conseguíamos ver as Montanhas do Uivo bem de perto, uma indicação que já estávamos na província de Werscheim. Era estranha a sensação de estar de voltar ao lar. E mais estranho ainda chamá-lo de lar, uma vez que minhas memórias desse lugar, por alguma razão, haviam desaparecido.
Chad e eu seguimos a mulher por uma travessa onde conseguíamos ouvir as vozes abafadas de pessoas que se aglomeravam nas casas protegidas. Viramos à direita, em outra rua estreita onde uma das casas estava com a porta aberta. Ela entrou e nos chamou para dentro, onde nos deparamos com um grupo de meia dúzia de pessoas com olhares nervosos, alguns roendo as unhas, outros balançando as pernas e encarando o teto. Todos os olhares se voltaram para Chad e eu, e eu me contraí contra Chad imediatamente. A mulher parou em nossa frente e respirou fundo, limpando novamente o rosto.
– Sou Isla. Meu marido, Dan, é–era o líder desse vilarejo. – Ela pausou como se estivesse se segurando e tentando se manter forte na presença das outras pessoas na casa. – Já pedimos ajuda ao vilarejo vizinho, que fica cerca de trinta minutos de caminhada daqui, para que tragam carroças e carruagem a fim de levar os sobreviventes para lá. – Ela se virou para as outras pessoas, dirigindo sua fala a elas. – Não temos tempo a perder. Dan se foi e, por enquanto, vou honrá-lo em seu leito de morte tomando conta daqueles que ainda vivem. Mas não posso fazer tudo isso sozinha; Preciso de todos vocês!
Tudo o que eu menos esperava era que Isla fosse fazer um discurso para aquelas pessoas. Ela havia parecido tão frágil do lado de fora que eu cheguei a me perguntar se essa era a mesma mulher que havia me encontrado no pátio arruinado pelas chamas.
As pessoas no pequeno cômodo se levantaram e colocaram expressões determinadas em seus rostos, como se fosse uma máscara que cobria a incerteza e a tristeza que lhes preenchera o rosto segundos atrás. Elas saíram aos sussurros pela porta, curvando ligeiramente a cabeça quando passava por nós.
Isla saiu atrás deles, lançando-nos um olhar que nos dizia para segui-la. Chad e eu caminhamos meio que cambaleando em silêncio atrás dela. Toda a energia que eu devo ter usado para apagar o fogo da cidade inteira parecia estar fazendo efeito agora. Minha cabeça pesava em meu pescoço e minhas pernas e mãos estavam trêmulas. Segurei-me mais em Chad, mas ele não parecia estar melhor do que eu.
Paramos no que parecia ser a última casa do pequeno vilarejo. Inúmeros cavalos puxando carroças se enfileiravam à frente, com filas de pessoas com pequenas e grandes queimaduras cobrindo o corpo, prontas a serem levadas para o vilarejo vizinho. Isla pediu que esperássemos por ela em um canto, enquanto um grupo de pessoas corria em sua direção lançando perguntas e falando com desespero.
– Por favor, senhor Landdin, – Isla implorava para um idoso de olhar carrancudo, – o senhor precisa entrar logo naquela carroça. É para o seu próprio bem.
Ele murmurou algumas palavras que eu não entendia e saiu mancando para longe de Isla, apoiando seu peso em uma vara maior do que ele próprio.
– Eu já sou velho demais para ser salvo, e essa mulher não entende de nada! – O velho resmungou em nossa direção, encostando-se na parede atrás de nós e escorregando até cair sentado no chão com um gemido de dor.
Assim que ele esticou a perna eu consegui ver a grande queimadura que ocupava toda sua canela, logo abaixo do joelho. Chad ergueu uma sobrancelha para mim, apertando os lábios e desvinculando o braço dos meus. Ele se ajoelhou perto do velho de forma desengonçada, sem conseguir usar os dois braços para se equilibrar.
O velho encarou Chad e o canto dos seus lábios se voltou para baixo, murmurando alguma coisa inaudível.
Chad manteve seu olhar fixo no velho, enquanto, com os dedos, arranhava e levantava terra. Ele alcançou o cantil de água em seu cinto e deixou cair algumas gotas de água no bolo de terra que ele havia acumulado.
Quando Chad ergueu os dedos lamacentos, o velho se calou e, com os olhos vidrados, acompanhou a mãos de Chad espalhar terra por todo o ferimento em sua perna.
O soluço que o velho deixou escapar confirmou o que eu imaginava que ele estava sentindo: como se inúmeros espinhos estivessem pinicando sua pele enquanto o corpo trabalhava de forma incomum para se cicatrizar. Chad jogou um pouco de água na perna do velho, limpando a mão e deixando a terra escorrer, revelando uma pele nova por baixo.
Com a boca sem dentes abertas e os olhos assombrados, o velho apontou um dedo trêmulo para Chad e murmurou:
– Eu vejo que você tem o espírito dos antigos deuses em você!
Chad rosqueou o cantil e o pendurou de volta no cinto.
– Não, – ele sorriu levemente para o velho. – Eu sou apenas um servo do verdadeiro Rei de Astafleer.
Com isso, ele se levantou e pegou minha mão, caminhando para a direção que Isla apontava.

– Ainda falta muita gente, – Chad sussurrou. – Eu consigo dar conta.
Eu cruzei meus braços e parei na frente de Chad, impedindo que ele se dirigisse à próxima maca. Círculos enormes rodeavam seus olhos e suas palavras tropeçavam uma nas outras. Eu sabia que Chad não estava mais aguentando nem ficar em pé.
Fazia umas três horas que estávamos circulando entre os feridos do vilarejo incendiado, que mais tarde descobrimos que se chamava Aghundor, e que Chad usava toda sua força para curar as feridas. O seu próprio ferimento no ombro já deveria ter sangrado duas vezes e Chad não me permitia trocar as bandagens.
– Bri, eu...
Ele tropeçou no próprio pé e eu precisei equilibrá-lo.
– Você vai descansar. – Isla chegou por trás de mim, deixando-me feliz por ter alguém para sustentar meu argumento.
Os ombros de Chad se encolheram e eu o segurei pelo braço bom, direcionando-o para fora do grande salão que estava funcionando como ala hospitalar.
O vilarejo de Terhin era significantemente maior do que Aghundor. Os muros que fortificavam a cidade representava isso claramente, o que aumentou um pouco os ânimos dos pacientes. Andando pelas vielas, dava-se para ver refugiados para todos os lados sendo acolhidos pelos Terhianos, os burburinhos do vilarejo incendiado se espalhando numa velocidade descomunal. Para todos os lados viam-se pessoas aos cochichos às portas das casas. Era nítido que, apesar da hospitalidade, os Terhianos estavam preocupados em serem os próximos.
Eu decidi continuar o caminho encarando minhas botas.
Tudo o que eu menos precisava nesse momento era de outra preocupação.
Isla nos direcionou a um pequeno chalé na periferia do vilarejo, longe do falatório do povo. O portãozinho de madeira chiou quando ela o abriu, precisando sustentar todo o peso da madeira corroída. A porta do chalé estava encostada e Chad precisou curvar-se um pouco para conseguir passar. Eu o olhei intrigada. Será que ele ainda estava na idade de crescer?
O chalé parecia mais minúsculo por dentro do que por fora, num total de dois cômodos apertados, além de uma escada apertada num canto que levava para um andar de cima que parecia caber uma só pessoa. Tirzah já estava lá dentro, sentada no chão encarando a lareira vazia. Ela nem se deu o trabalho de olhar para nós quando entramos.
– Somos imensamente gratos pelo que vocês fizeram, – Isla disse, parada à soleira como se já tivesse indo embora. – Descansem agora. Voltaremos a falar pela manhã.
Ela fechou a porta atrás de si, lembrando-nos de que estava do outro lado da rua, na casa de uma conhecida, caso precisássemos de alguma coisa.
Assim que a porta se fechou com um baque surdo, o silêncio pesou no ar. Tirzah se levantou e, ainda nos ignorando, subiu os degraus da escadinha de três em três e sumiu no andar de cima.
Lancei um olhar a Chad, que deu de ombros como se dissesse deixe-a para lá e se jogou no que parecia ser uma cama, também muito pequena, fechando os olhos e soltando uma respiração pesada. Seus pés ficaram pendendo para fora da cama. Será que ele realmente havia crescido? Ou tudo aqui era menor do que o normal?
Antes que eu me sentisse mais estranha ainda, atravessei o chalé até onde era a cozinha. Apanhei água de uma jarra e coloquei em um pequeno caldeirão. Acendi as chamas e esperei a água esquentar, preparando uma xícara e buscando nos potes alguma erva para fazer um chá.
Ah, um chá.
Não tinha nada melhor do que um chá para me distrair do constrangimento que eu estava sentindo agora. Uma coisa era estar no meio da floresta com Chad, fugindo dos serviçais e tentando sobreviver. Outra coisa era estar dentro de um pequeno chalé. Sem nenhum perigo aparente. Era meio que... Íntimo demais. Estranho demais. Tudo bem que Tirzah estava logo no andar de cima, mas...
– Socorro!
A voz de Chad ecoou abafada.
Eu me virei e corri em sua direção, sentindo o coração subindo pela boca.
Apenas para encontrá-lo entalado na própria camisa.
Seus dois braços estavam para cima em posições estranhas, enquanto a camisa justa apertava seus ombros, prendendo-o naquela posição.
– O que você está fazendo? – Eu perguntei, tentando encontrar seu rosto na bagunça que ele havia se tornado.
– Eu precisava tirar a camisa para ver meu ombro. – Chad respondeu, ainda com a voz abafada.
Sentei ao seu lado e abaixei a camisa com cuidado para não doer-lhe o ombro. Um braço de cada vez voltou para suas respectivas mangas e Chad esboçava um sorriso de canto de lábios quando sua cabeça apareceu. Tentei não me prender ao seu rosto e foquei no trabalho. Eu estava apenas ajudando um rapaz ferido. Só isso.
Ainda sim, sentia meu rosto queimando.
– Você não desabotoou a camisa. – Eu soltei um riso nervoso, desabotoando os três botões da forma mais profissional possível. Apenas ajudando uma pessoa ferida. – É obvio que ficaria entalado.
Chad riu, e eu fiz de tudo para não olhar para ele.
– Agora sim.
Ajudei-o a tirar o braço direito primeiro, levantando a camisa com cuidado para não fazê-lo sentir dor alguma. Fixei meus olhos apenas nos meus dedos e passei a gola da camisa pela cabeça de Chad. Enrolei a manga do braço esquerdo e fui tirando lentamente, com medo do tecido ter grudado no machucado.
– O que é isso?!
A voz de Tirzah ecoou atrás de mim como um trovão, assustando-me mais ainda e fazendo com que eu puxasse a camisa com velocidade. Chad fez uma cara de dor, e eu pulei em pé longe dele, jogando a camisa para o alto no susto. Só então me dei conta da nossa proximidade e de como a cena poderia parecer inapropriada para quem estivesse vendo.
Pelas flores**, que inapropriado.
Tirzah, parada ao pé da escada, lançava faíscas pelos olhos.
Saí de perto dela correndo, notando que do outro lado do chalé minha água evaporava do caldeirão. Coloquei o que sobrou da água, quase despejando para fora da caneca de tanto que minha mão tremia. Desde quando eu me assustava tanto assim? Desde quando eu era tão vulnerável? Permaneci de costas para Chad e Tirzah em uma discussão aos sussurros, enquanto eu via a água tornar-se vermelha. Apenas me atrevi a virar quando ouvi os passos de Tirzah ecoarem escada acima, como se cada pé dela tivesse o peso de dez predas de rio.
Chad, sentado à beira da cama, encarava o chão com os ombros caídos. Não sei se de sono ou de frustração. Ou das duas coisas. Ele engoliu a seco, passou as mãos nervosamente pelos cachos escuros e deitou pesadamente no colchão de palha. Eu continuei onde estava, encostada na pia e esperando meu chá esfriar, assistindo Chad cair no sono em apenas alguns minutos. Não demorou muito para que sua respiração se tornasse pesada e constante.
Quando tive certeza de que Chad estava realmente adormecido, peguei sua camisa caída ao pé da cama e sentei-me à cadeira da parede oposta, dobrando a camisa delicadamente no meu colo. Beberiquei meu chá vermelho e fixei meus olhos em Chad.
Eu havia passado muitas horas assistindo-o dormir. Ele tinha a mania engraçada de dormir com um braço em sua testa, como se estivesse cobrindo seus olhos da claridade. Seu ombro estava lentamente retomando a cor natural, o roxo e inchaço se esvaindo, e eu me lembrei das horas mais horríveis da minha vida quando pensei que o perderia para sempre.
Algo havia mudado em mim depois daquilo, era obvio para mim. Era estranho, porém, conseguir admitir isso. Eu nunca havia sentido tanta dor quanto aquele dia. Era como se eu sentisse a sua própria dor. Senti algo partir dentro de mim e todas as emoções que eu sempre escondia bem fundo vieram à tona. Meus olhos estavam inchados até agora de tanto que eu chorei.
Talvez, pela primeira vez em anos, eu não estava conseguindo esconder meus sentimentos de mim mesma.
E isso era terrivelmente assustador e bom.
Pela janela, dava para perceber que o sol já havia percorrido uma boa quantidade no céu, deixando as nuvens uma mistura de rosa e laranja. Mas um dia estava se passando sem eu conseguir pregar meus olhos por mais do que um minuto.
Eu estava quase cedendo minha mente para pensamentos mais obscuros, coisas que eu estava me recusando a pensar, quando Chad resmungou e abriu os olhos de repente, assustado. Ele prendeu a respiração por um segundo, e só soltou quando notou que eu estava ali perto.
Ele virou-se para o lado, deitando a cabeça no braço esquerdo como se nada tivesse acontecido ali. Fechou os olhos e seus lábios se abriram em um sorriso sonolento.
– Você também precisa dormir um pouco. – Chad murmurou.
Eu apertei minha xícara vazia e gelada contra meu peito, sem saber o que fazer.
Chad voltou a abrir os olhos e ficou me encarando, como se esperasse uma resposta minha.
Coloquei minha xícara ao lado da cadeira, peguei a camisa e caminhei hesitantemente até sua direção. Sentei bem na beiradinha do colchão, mantendo uma distância segura de Chad, que voltou a se deitar de costas para me ver melhor.
– Como você está se sentindo? – Eu sussurrei.
Chad franziu o nariz.
– Bem. Com um pouco de frio.
Aproveitei a oportunidade e cobri seu peito com sua camisa. Alcancei uma manta que estava aos pés de Chad e o cobri até o pescoço, deixando apenas o ombro e o braço esquerdo de fora. Pausei minha mão em seu rosto e toquei de leve em sua testa, novamente num modo inteiramente profissional. Meus dedos frios tocaram sua testa ligeiramente úmida e quente.
– Você está com um pouco de febre.
Ele balançou a cabeça afirmativamente e fechou os olhos por um momento. Continuei com minha mão em Chad, contornando sua maçã do rosto com o dedo, como se houvesse algo nele que me prendesse a ele. Chad cobriu minha mão com a sua e trouxe-a junto ao peito. Ele abriu os olhos de novo e fixou seus olhos nos meus. Onde minha mão estava agora, eu conseguia sentir o ritmo acelerado do coração de Chad.
Pela primeira vez na minha vida, eu não consegui sustentar o olhar de alguém. Seu olhar era extremamente penetrante e parecia que poderia ver tudo o que passava na minha mente. Eu me vi totalmente exposta e aberta para Chad, de um jeito que eu não estava acostumada a ser com ninguém.
Como eu queria tapar meu rosto e me esconder...
Engoli a seco e desviei o olhar, notando a enorme cicatriz no ombro de Chad, buscando qualquer coisa para poder falar e quebrar o silêncio.
– Parece ótimo. – Eu disse, desafinando minha voz no meio da frase.
Chad fez cara de quem não entendeu.
– Seu ombro. – Eu desvinculei minha mão da dele e apontei para a cicatriz. – Está... ótimo.
Eu devia estar soando como uma pateta.
Seus olhos se desviaram para o lado, tentando ver o ombro.
– Já quase não sinto mais dor.
– Mais um pouquinho e vai ficar como se nada tivesse acontecido aí.
Chad abafou uma gargalhada e apoiou o braço para se erguer.
– Eu vou deixar a cicatriz.
Eu ergui a sobrancelha e franzi o nariz, grata por ter feito algo naturalmente meu.
– Por que alguém faria isso em sã consciência?
Os olhos de Chad estavam à mesma altura dos meus agora. Ele colocou uma mecha solta do meu cabelo atrás da minha orelha e segurou meu rosto delicadamente, sorrindo e revelando a covinha do lado direito.
– Algumas cicatrizes são muito valiosas. Vale a pena carregá-las.

Acordei com o que parecia um terremoto. Abri meus olhos lentamente, tentando olhar à minha volta, mas tudo ainda estava escuro. O chão chacoalhou novamente e foi quando eu percebi que era apenas Chad parado com o rosto bem próximo ao meu. Eu sorri e estiquei a mão para ele, ainda não muito consciente das minhas atitudes. Meu sorriso se desfez no momento em que consegui entender o que ele dizia.
– Bri, por favor, levante! – Ele passou a me chacoalhar com mais força. – Levante!
Eu sentei na minha cama no mesmo momento, notando pela primeira vez a estranha claridade do lado de fora e sentindo o cheiro acre no ar. Tentei me lembrar de onde eu estava e o que eu estava fazendo ali. Tirzah apareceu à minha direita, descendo as escadas com um estrondo. Ah, sim. O chalé em Terhin, próximo ao vilarejo incendiado.
Um pensamento sombrio me ocorreu.
Cheiro acre no ar.
Levantei-me e alcancei a pequena porta com velocidade, quase tropeçando por Chad.
O romper do dia trazia consigo chuva de cinzas e chamas alaranjadas na pequena casa do outro lado da rua, já enegrecida pelo fogo que a consumia.

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