Cidade de Mellen, ano de 1980.
Os passos dos dois irmãos agora estavam acelerados. Kleber temia por alguma difamação que pudesse surgir ao seu respeito, e o pior, se lembrara da corrente que carregava em seu peito e que agora estava na residência em que todo o terror da sua vida havia começado.
Com as mãos entrelaçadas a da pequena Clara, agora estavam em frente a casa de um conhecido.
- Eu posso ficar aqui? - Kleber perguntou, com lágrimas em seus olhos. - Não temos aonde ficar. - abraçou a sua irmã.
O gramado em frente a casa do seu amigo, o céu cinzento e nublado como estava o seu coração. Os céus pareciam estar tristes com o que Kleber e a pequena estavam a passar.
Nuvens densas se formavam.
Antes, pode passar em frente a sua escola. O lugar aonde nunca frequentaria novamente após os acontecimentos ocorridos atualmente.
- O que aconteceu, meu amigo? - o garoto aparentava estar preocupado.
- Eu só preciso de algum lugar para ficar. - Kleber começou a se tremer.
Suas pernas cambaleavam, um suor surgiu de seu rosto e os seus cabelos escuros estavam sujos de manchas vermelhas.
- Que diabos aconteceu, Kleber?
Kleber puxou a sua irmã mais uma vez, tapou os seus ouvidos com as suas mãos, de modo que ela não pudesse ouvir o que falariam dali em diante.
- A mamãe está morta. - disparou agora, de um modo frenético.
- Valha - me Deus, que horrível! Entre, por favor. Papai está no trabalho. Estou sozinho em casa. - disse, abrindo o portão amarronzado para permitir a passagem do seu amigo.
Caminharam até o final da casa, um enorme local. Agora estavam no quintal da residência, sendo considerada uma área de lazer.
- Você precisa se lavar. E terá de me explicar como tudo aconteceu.
O irmão de André correra para o local, tomando impulso para abraçar a pequena Clara e assustado com o estado de Kleber.
A garota estava sentada sobre a cadeira, de forma tímida não argumentava uma sequer palavra. Mas é claro, ela estava assustada e a mistura de emoções, pensamentos e sentimentos a deixavam atordoada.
- Clara, minha amiga! Que saudades de você. - Enzo disparou, ao perceber a presença de sua amiga ao quintal.
- Oi, En..zo. - gaguejou ao avistar a sua amiga.
A garota se encolhia sobre a cadeira, mas foi puxada pelo seu amigo.
O garotinho lhe deu um beijo em sua bochecha, em seguida de um abraço, era uma coisa linda e ingênua de se ver.
Kleber sorriu ao ver tal cena, André fez um sinal com as suas mãos de forma que estivesse chamando o seu amigo e cochichou em seu ouvido.
- O que você acha de levar Clara para dentro, Enzo? Alegre - a. Ela precisa. - sugeriu o adolescente, com esperança de que pudesse ficar a sós com o seu amigo para poder entender o que havia acontecido.
Enzo pulava de alegria e agarrou a sua amiga pelo pescoço, direcionando - a para dentro de sua casa.
- Estamos a sós agora, preciso que você me conte como tudo aconteceu. Eu sou o seu amigo, você sabe que pode contar comigo. - sentou na cadeira suavemente. - Mantenha calma, conte - me o que apenas quiser e puder.
- O nosso pai assassinou mamãe durante uma discussão. Eu deixei o corpo no banheiro, a essa hora já devem ter achado. - mais uma vez, chorou, chorou e chorou.
- Se acalma, Kleber. Vocês vão ficar bem, poderão ficar aqui o tempo que quiser. Eu sei o quão difícil isto é, perder uma mãe. - franziu o cenho.
- Muito obrigado, André. Você tem sido um irmão para mim ultimamente.
- Não há de quê. - abraçou - o.
O silêncio pôde predominar naquele local, os amigos se olhavam e Kleber olhou para o vidro.. Clara sorria, de felicidade. Estava feliz, totalmente ingênua e.. Sorridente.
Cada sorriso da garota despedaçava o coração do maior, seus batimentos aumentavam a cada segundo e ele se sentia preso, em um mundo e corrente do qual nunca poderia se sair.
- Bom.. O que acha de entrar? Pode usar o banheiro, sinta - se a vontade.
Kleber se sentia incomodado, era como se ele pudesse sentir que estivesse atrapalhando.
- Não precisa se preocupar, André. Estamos bem assim.
- O quê? Você é louco! - deu um tapa em seu ombro. - Você está completamente sujo de sangue. - sorriu, na esperança de alegrar o seu amigo.
- Eu nunca irei tirar esta blusa, nela tem as últimas gotas de sangue da mamãe.
- Ao menos tome um banho, relaxe.. Eu sei o quão difícil isto é, e eu Enzo estaremos aqui. - levantou Kleber da cadeira. - Vamos, entre.
João, o garotinho entrara em seu quarto. Abrira lentamente a porta, e avistou sobre a sua mesa papéis. Uma ideia surgiu em sua mente. Naquele exato momento, sentou - se sobre a cadeira e seus sentimentos e imaginação haviam decolado.
Sobre a mesa de cor esverdeada, em seu quarto extenso e com presentes dados por Clara ele se divertia.
O garoto escrevia intensamente, sorrisos eram dados durante a sua escrita. Produzia pausas, coçava a sua nuca e passava a mão dentre os seus cabelos.
Ficara sem graça totalmente ao ler as suas próprias palavras, mas era necessário.
Ao acabar a produção, abriu o extenso papel. Começando a ler em voz alta, o garoto se emocionou.
"Olá, Clara. Me preocupa saber como você está. Eu diria que, você é uma das pessoas que eu mais amo em toda a minha vida.
Sua voz me traz paz, a sua presença me faz tão bem... Olhar nos seus olhos e sentir você próxima a mim é uma das minhas melhores sensações.
Eu faço este texto no automático, mas você merece, o que você passa é difícil... Eu sei, mas aguenta, por mim, por todos nós e por nosso futuro.
Você faz a minha vida, ter você me faz realizado, dar cor a minha vida... E eu gosto de lhe ressaltar isto todos os lindos dias. Por que você faz o meu dia completo, você não sabe o quanto eu espero para lhe ter novamente aqui... Comigo, e dessa vez... Pra sempre.
Acaba por não caber em meu peito.
Eu vou querer ser o seu melhor, que lhe faz feliz e sempre está contigo. Por que você é demais, eu estou disposto a passar com tudo e com você por todas as dificuldades impostas pelos que nos rodeiam.
Você me completa, é a responsável por apaziguar os conflitos internos que existem em mim, você me controla, me faz feliz, melhor.
Isso é eternamente e completamente indescritível.
Eu nunca senti isto em toda a minha vida por nenhuma outra garota.
Por que, você é inexplicável. Eu amo de modo extremo o seu jeitinho, a sua personalidade, o seu cheiro, o seu toque, o seu jeito de pensar... O modo como você me olha e me admira, você é responsável por todos os dias me fazer dar o último sorriso ao dormir.
Responsável por agora, me fazer deitar na cama e viajar em meus pensamentos sobre você. Me pego pensando em nosso futuro, na nossa vida juntos... E eu quero te merecer, te amar cada dia mais e lhe fazer extremamente feliz. Quero que você se sinta amada todos os dias da sua vida, que tenha orgulho ao citar meu nome pra teus conhecidos, familiares. Eu quero mudar a sua vida, fazer parte dela por inteiro e mais uma vez, te amar por completo.
Por você, tudo vale a pena. Saudades dos nossos encontros naquela alta colina, saudades do seu sorriso, do seu abraço.. Esta perda lhe dói, eu sei. O que você passa é difícil, você terá forças o suficiente. Você é forte, guerreira! E sempre poderá vencer qualquer obstáculo, garotas como você são únicas. Você me fez sentir parte de uma sociedade, me passou sensações mistas e indescritíveis.
Tudo parece estar tão escuro. Eu lhe amo, eu sempre estarei aqui.. Para mim, para você, para nós. O nosso lugar a espera, que você finalmente consiga mais uma vez.. Encontrar a sua verdadeira felicidade."
Com amor, João Booker.
- Isto está ótimo, eu acho. - coçou seus cabelos. - Será que eu realmente consegui demonstrar o que eu sinto neste momento? - se entristeceu. - Ao menos eu tentei, eu lhe amo Clara. - suspirou.
Embrulhou os papéis, e o amarrou com uma fita amarela.
A fita que remetia a doçura da sua melhor amiga, a sua cor favorita. A cor dos seus vestidos que a marcavam todos os dias quando se encontravam naquela mesma montanha, a cor do sol que ao bater em seus olhos podia brilhar ao projetar a visão nela. A cor dos girassóis que uma vez lhe presenteara.
Levantou - se da cadeira e foi em direção a sua janela. Pôde abrir a extensa janela de vidro de qualidade fosca, abriu a gaiola e de lá pôde tirar o seu pássaro.
- Eu irei precisar da sua ajuda, Flocão. - disse se direcionando ao seu querido pássaro. - Leve para ela, eu sei que você sente o que eu sinto neste momento, e sabe de quem se trata. Voe alto, transmita o amor.
Amarrou o bilhete em sua pata, e beijou o animal.
Se pôs em frente a sua janela mais uma vez, e desta vez soltou para longe e para cima o seu companheiro.
- Voe, Flocão! Alto! Eu sei que você irá voltar. - exclamou.
O animal voou alto, logo pôde sumir das vistas do garotinho. O menino fungou o ar que o cercava, entrando para a sua casa e fechando as suas janelas. Deitou - se sobre a cama, e avistou a sua foto com a pequena.
- Você irá fazer saudades. - o garoto exclamou, baixinho.
Restrinchos no interior da porta de seu quarto, ela estava sendo aberta. Era possível ver a silhueta da sua mãe, Aurora aos poucos pôde entrar no quarto de João.
- Oi, meu filho. Como você está?
- Mamãe! - o garoto se espantou, escondeu o porta - retrato abaixo do seu travesseiro e se deitou sobre o mesmo. - Tudo bem? - dizia, tentando disfarçar.
- Eu estou bem, querido. - sentou na cama de seu filho. - Clara lhe faz certo, não?
- Muita, mamãe.. - o garoto disse, encostando a cabeça em seu corpo.
- Fique tranquilo, ela irá voltar. Vocês nunca poderão ser separados. - beijou a sua testa. - Nós o esperamos lá em baixo para a janta. - se despediu.
O garoto não argumentou uma sequer palavra, apenas assentiu com a cabeça de modo afirmativo.
- Ele realmente a ama. - respirou fundo ao sair do quarto. - Meu Deus, não deixa a desunião acontecer. - entrelaçou as suas mãos.
Cada gota que podia tocar o corpo do adolescente era como uma chama, que o consumia por dentro. A dor da alma. Via o sangue da sua mãe escorrer ali, pelo ralo. Fechara os olhos e a cena se repetia um trilhão de vezes, nunca teria coragem de revelar a verdade para a sua irmã.
Acima de tudo, ele reconhecia a sua fragilidade. Teria que mostrar braveza, mas a responsabilidade em cuidar de uma criança o assolava.
- O que fez você vir parar aqui, Clara? - Enzo sorria, com um urso em suas mãos.
- Eu não sei, Kleber me trouxe para cá. - a garota dizia, de modo seco.
- Aonde estão os seus pais? - o garoto se sentiu curioso.
- EU NÃO SEI, ENZO! Fazem horas que eu não os vejo. - a garota desabou em lágrimas. - Eu sinto saudades, tudo está tão confuso.
- Ei. - colocou a mão sobre o queixo da amiga. - Você tem a mim. - sorriu, um sorriso único e doce. - Toma. - estendeu a sua mão, lhe presenteando com o seu melhor urso.
- Obrigada, Enzo.. - a garota agarrou o presente, com um olhar cabisbaixo.