O Filho Do Meu Patrão (Romanc...

By qojorgeop95

778K 54.1K 18.1K

Me chamo John Kennedy e tudo começou quando conheci o filho do meu novo patrão. Alto, forte e muito bonito, J... More

O Filho do Meu Patrão
Prólogo
1.Sobre Mim
2. Demitido
3. Secretário Pessoal
4. Surpresas
5. O Filho Do Patrão
6. Desejo Perigoso
7. Herói
8. Presente De Desculpas
9. Doce Vingança
10. Colega De Trabalho
11. Jogo Perigoso
12. Me Desculpe
13. Alguns Medos
14. Escolhas
15. Erros Ou Acertos
16. Ficha Suja
17. Eu Te Amo
18. Redenção
19. Do Céu ao Inferno
Mary Kennedy (Small Chapter)
20. Visita Surpresa
21. Medos e Preconceitos
22. Cuidado
23. Verdades Reveladas
24. Eu Não Te Amo
25. Covil dos Abutres
26. Negócios
27. A Queda Part. 1
28. A Queda Part. 2
29. Fique
Uma Ligação Inesperada (Smal Capter)
30. Felizes para Sempre
31. Primo Kennedy
32. Bem-vindos a Porra do meu Noivado, Viados
33. Um Possível Romance
34. Um Possível Romance Part 2
35. Sem Promessas, Sem Decepções
36. Feridas
37. Pelos seus Pensamentos, Um Beijo
38. Sacrifícios
39. Sombras
41. Carla Findy
42. Carla Findy Part. 2
43. A Caça e o Caçador
44. Ultimato
Júnior Louis (Small Chapter)
45. Verdades Óbvias
John Kennedy (Small Chapter)
46. Despedidas
47. Ao Pôr-do-Sol (Extra Chapter)
Touch
Agradecimentos
Curiosidades
Playlist Spotify e YT Music (YouTube)
Almanaque Ilustrado de O Filho do Meu Patrão
3 Mil Vidas: Primeiro Capítulo

40. Desejos Lícitos

4.9K 371 77
By qojorgeop95

Tudo me é lícito, mas nem tudo me convém.

Minha mãe costumava pregar esse versículo todos os sábados em suas reuniões de igreja em casa quando eu era criança. Ela repetia a frase diversas vezes entre suas pregações, dizendo que Deus não se alegrava dos desejos humanos.

"Eles são perversos" dizia ela, "não se condiz na imagem e semelhança do Criador"

Eu sempre me perguntei quais eram esses desejos humanos tão proibidos, mas tinha medo de descobrir. Por muito tempo, isso foi um tabu, pois minha mãe o tornava assim.

"Não pode mentir"

"Não pode xingar"

"Não pode roubar"

A vontade de Deus passou a ser associada em "não poder".

Não pode isso, não pode aquilo....

Aí a adolescência chegou, e eu descobri o desejo mais pecaminoso, segundo minha mãe, que eu poderia encontrar em minha vida: o amor.

Não o amor.

Aquele amor.

Desejar outro homem.

Quando eu tive finalmente a noção que eu era gay eu desmoronei. Guardei aquilo com tanto medo, tanta culpa. Me sentia um monstro na maioria das vezes, principalmente quando ia à igreja. Mal conseguia me olhar no espelho. Naquele momento eu podia quase sentir um fino véu me separando de minha mãe.

Eu me tornara aquilo que ela mais abominava.

Isso doía em mim, me corroía.

Por mais que a gente tente se enganar, fingir sermos o que não somos por medo do mundo, uma hora a verdade surge. Não podemos fingir o tempo todo.

Ou você acaba com a mentira, ou ela acaba com você.

Então eu me entreguei aos desejos da carne e não vi nada de monstruoso. Não me senti impuro, tão pouco culpado. Pelo contrário, eu estava no paraíso.

Foi nesse momento que eu me revoltei.

Concluí que tudo o que a igreja e minha mãe pregava não passava de uma mentira. Como falar tão mal de algo que de fato, nunca trouxe nada de ruim para ninguém? Amor é amor, certo? Eu não conseguia entender mais, nem achar qualquer lógica para o que pregavam. Porque o amor entre dois homens poderia ser considerado algo "abominável aos olhos de Deus"?

Mas então, na última vez que estive de férias na antiga fazenda do Tio Sam, eu compreendi.

Meu primo teve a péssima idéia de me levar para caçar, tínhamos uns quinze anos na época. Na verdade a idéia foi mais do meu Tio do que dele, percebendo a rivalidade que crescia entre nós, afinal, desde pequenos nunca nos demos bem, achou que Evan me levando para "uma noite só de meninos" acabaria com as indiferenças. Pensando em me humilhar mais uma vez, o garoto magricelo e aparelho nos dentes adorou a idéia.

"Só tenham cuidado, principalmente você, Evan" disse meu tio apontando para a espingarda que acabara de dar ao filho.

Eu levei um susto quando o vi segurando aquilo nas mãos pela primeira vez e levei outra em seguida quando soube que meu Tio não iria conosco.

"Tem certeza que é uma boa ideia?" perguntou minha mãe, preocupada.

Naquele momento queria dar um beijo nela de agradecimento. Por incrível que pareça, naquela noite a mente mais sensata era a dela.

"Não se preocupe Mary" dizia meu Tio acalmando-a, "Não existem mais onças por perto, apenas pequenos animais, e Evan conhece muito bem a região, desde pequeno levo ele pra caçar"

Mas algo me dizia que o medo dela não era as onças. Sabia disso porque seu olhar de preocupação refletia os meus: Evan com uma espingarda.

Eu quero dizer não, mas Tio Sam não me colocaria em uma situação ruim, colocaria? Ele sempre foi meu tio predileto, ele sempre gostou de mim como um filho.

Ilumino com a lanterna a escuridão em minha frente, não há nada a não ser uma densa floresta com barulhos apavorantes. É lua nova, então está escuro demais para que dois garotos saiam se aventurando por aí.

"Não vire a lanterna para cima, eles vão ver"

"Eles quem?" pergunto instintivamente.

Só consigo ver uma sombra do sorriso diabólico de meu primo, que estava se aproveitando muito daquela situação para me pôr medo.

Miro a lanterna no chão irregular, vez ou outra tropeço em alguns troncos de árvores ou escorrego no chão coberto de musgos. Aos poucos entrando cada vez mais fundo na floresta que parecia impenetrável do lado de fora. Nessa hora resolvo olhar para trás.

Tarde demais para desistir, penso.

A entrada no qual viemos não existe mais e foi substituído por mais árvores e vegetação.

Evan de vez em quando para, e examina o chão, à procura de pegadas então segue em frente.

Me pergunto em qual momento meu tio pensou que seria uma boa ideia deixar dois garotos que se odeiam entrar em uma floresta com uma espingarda.

Antes de concluir meus pensamentos, escuto um barulho. Eu quero gritar, mas meu primo me segura e tampa minha boca.

"Shhih" diz ele em meus ouvidos.

Apenas concordo com a cabeça. Ele me liberta e nos escondemos atrás de um tronco de uma árvore centenária caída.

"Desliga isso" diz ele apontando para minha lanterna.

Apenas o obedeço, convicto que essa não seria uma boa ideia.

Ele então prepara a arma, e a mira para a escuridão.

Ele coloca os dedos na boca e emite um som estranho aos meus ouvidos. Depois de um tempo de novo. Meus olhos aos poucos vão se adaptando à escuridão, permitindo que eu possa visualizar alguns contornos da floresta negra. Então é aí que o vejo. Uma pequena raposa, solitária, que foi atraída pelo som. Não sinto medo, pelo menos não por mim. Então meu primo me passa a arma.

"Atire" sussurra ele.

Eu não tenho nenhuma reação até ele insistir mais uma vez para que eu pegasse a arma. Meus dedos tocam o metal frio da espingarda que é comprida demais para o uso ágil por um desconhecido. Quase a derrubo. Ouço um "cuidado" de meu primo em repreensão, avisando que ela está carregada.

Ele me ensina como segurá-la e aponta o cano da arma em direção ao filhote de raposa que desesperada, está a procura de algo.

Meu coração dói. Ele coloca meu dedo indicador no gatilho.

"Quando estiver pronto" sussurra ele, animado. Posso ver o brilho em seus olhos. Brilho no qual eu só vi em apenas uma pessoa anos mais tarde. Júnior. O mesmo brilho de um predador. Aquele no qual está no controle.

Eu não quero pensar em uma resposta. Eu não quero pensar em nada. Então a pequena raposa assustada em um relance olha em nossa direção, mas não nos vê. Essa é a hora, eu sei que é. Encosto no gatilho, mas não o aperto. Começo a suar. Estou pensando.

Eu não quero fazer isso. Eu não vou fazer isso.

Vendo minha hesitação, meu primo toma a arma de mim e aponta para o animal do outro lado do campo, e em milésimos de segundos atira. O barulho ecoa em minha cabeça, fazendo instintivamente eu abaixar e por as mãos nos ouvidos.

"Fracote" ouço ele dizer.

Então o predador vai até sua caça.

O sigo, temendo no pior, vendo o pior acontecer. Ele a acertou, mas não a matou. Ela respira apressadamente e seus olhos miram em mim. Fixos e sobressaltados, eu posso ver a vida se esvaindo dela, aos poucos, até não restar nada além de um olhar vazio.

Eu também morri um pouco naquela noite.

"Somos como ovelhas, todas juntas em um rebanho. Mas o inimigo tenta nos separar, para nos caçar. Usa atrativos pecaminosos, para poder nos fazer se perder, para nos devorar".

Desejos. A arma. A isca. Eu nunca esqueci aquele olhar. Provavelmente nunca esquecerei. Ela foi atraída para o abate.

Foi aí que entendi. Somos meramente iscas em um mundo cheios de predadores. Mas o inimigo não é o diabo. O inimigo somos nós mesmos. Só que alguns são a caça, outros os caçadores. É preciso bem mais do que força de vontade para escolher o lado certo.

Depois daquele episódio, nunca mais eu quis passar as férias de verão na fazenda do tio Sam e me afastei completamente do meu primo. Melhor assim, para mim, para ele.

Agora estou andando pelos corredores escuros do escritório onde trabalhei no último ano. Meus passos são silenciosos, mas pesados. Sinto que uma pessoa a dois quilômetros pode ouvir minha respiração ofegante e as batidas descontroladas do meu coração.

— Tem alguém aí? — pergunto para a escuridão.

Felizmente ou infelizmente não há resposta.

Não percebi que estava tremendo até mirar a lanterna em minha mão esquerda e vê-la sacudir descontroladamente.

No final do corredor enxergo uma luz sendo emitida por baixo da porta. Vem da sala do Sr. Louis.

Meu trajeto até lá parece durar uma vida. E dura mesmo. É como num maldito filme de terror, onde a vítima está prestes a se deparar com o horror, mas mesmo assim ela continua.

Saia daí, sussurra minha mente.

Agora.

Mas insisto em desobedecer. Porque nunca ouço a maldita voz da sabedoria em minha cabeça?

Não há nada, digo a mim mesmo, tentando me convencer que todo o perigo está apenas em minha mente. Queria que fosse verdade. Eu precisava que fosse verdade.

Mas abro a porta e descubro que todos os pesadelos podem se tornar realidade. Que todas as alucinações diabólicas, todos os avisos no qual minha mente sempre me alertaram, prepararam para aquele momento. Eu havia voltado ao passado. Pior que isso, eu havia trazido o passado para o presente, o mesclando com a atualidade e fazendo que com aquela triste lembrança da pequena raposa voltasse a se materializar, em uma versão mais pesada, mais obscura ali, diante de mim. Mas aqueles olhos aterrorizados não eram de um pequeno animal assustado.

Aqueles olhos eram humanos. Aquele sangue por toda parte, era humano. O murmúrio de socorro, também era humano.

Então eu sedo, e me mergulho ao horror, sangue e morte.


⟶⧫⟵


Um dia antes

Existe uma grande possibilidade de eu estar procurando algo a mais para me machucar. Há uma razão pelo qual acredito que nada disso é normal. O comportamento de Carla, sempre com medo, e Júnior, que quando não está bêbado ou em seu apartamento completamente desprotegido, insiste em dizer que o que tivemos não significou nada pra ele. Nada me tira da cabeça que existe algo a mais.

Pensei sobre a possibilidade de pedir demissão, de sair daquele inferno e, como meu primo disse, recomeçar.

Recomeçar, mais uma vez.

Juntar os caquinhos daquilo que um dia foi meu coração e tentar colar, tudo em seu lugar. Mas, eu conseguiria? Evan não desistiria, eu tenho certeza. O garoto caipira que um dia me odiou, agora pode ser meu único Totem. A salvação improvável que a vida trouxe até mim. Muita ironia do destino, isso tenho que confessar, pois nunca, mesmo se vivesse mil anos imaginaria que Evan, o babaca do meu primo, seria aquele que mais me ajudaria naquela que se tornou a fase mais obscura de minha vida. Só que sou um Kennedy, não desisto fácil das coisas, mesmo essa coisa te trazendo dor e sofrimento. Haviam muitas peças que não se encaixavam nessa história. E não era apenas pelo comportamento estranho de Júnior e Carla. Como eu havia dito, sombras rondavam. Um sexto sentido gritava apontando algo. Então eu insisto. Não vou largar meu emprego enquanto não souber a verdade. Mesmo que isso custe caro.

A toca de lobos dos Louis é o único lugar que consigo pensar encontrar algo. Mais precisamente no quarto de Júnior. Por sorte, como eu fiquei responsável pelos convites do casamento do filho do meu patrão, tenho uma desculpa ótima para entrar na mansão. Assim que pego os convites na gráfica, os levo para lá.

— Oi — digo assim que vejo Maria, a empregada.

— Oi sumido. O que faz aqui em pleno sábado a tarde? — pergunta ela, curiosa.

Levanto o pacote em minhas mãos:

— O mesmo que você. Servindo aos Louis.

Ela me lança um olhar, em solidariedade.

— O Sr. Louis está aí? — estou explorando o campo, mas sou cauteloso — preciso mostrar à ele antes de começar a enviar...

— Ele saiu com o Júnior logo cedo. Ele não te contou?

É claro que contou, afinal, eu que cuido de sua agenda. Só que todo cuidado é pouco e eu preciso ter certeza que nenhum dos dois estão em casa.

— Ah — digo, sou exagerado, mas a mulher não nota — eu acho que me esqueci. É tanta coisa para lembrar! Está uma confusão depois daqueles escândalos... Bom, eu acho que vou deixar no escritório do Sr. Louis daqui....

— O escritório está trancado — alerta ela.

Eu também sei disso. Desde daquele infame vazamento de informações à imprensa, o Sr. Louis não confia em mais nenhum empregado — e quando digo nenhum, refiro a mim — então seu escritório tanto em casa quanto na advocacia vivem trancafiados quando o velho precisa se ausentar por longos períodos. Eu também sabia disso, para variar.

— E você teria a chave? — pergunto, já cético com a resposta.

— Sinto muito, as chaves só ele tem. Eu nem pude limpar o escritório hoje por causa disso.

Finjo desânimo. É claro que meu alvo não é aquela sala.

— Estou encrencado então.

— Porquê? — pergunta ela, inocentemente.

— Porque ele vai me fazer vir amanhã ver isso e não poderei. Um amigo meu se acidentou e vou ficar com ele no hospital, você sabe... Eu passei por isso e ele estava lá. Não posso abandoná-lo nesse momento...

— Entendo, entendo. Mas sinto muito, as chaves eu não tenho.

Fingi estar pensando em uma solução. Esperei um tempo até sugeri uma ideia que para a concepção de Maria, surgiu na hora.

— E se eu deixar no quarto do Júnior?

Ela pensou se isso seria uma boa ideia.

— Eu só vou deixar e ir embora, prometo — sorri pra ela, o pelo menos tentei. Quase dava pra ver o desespero em meus olhos.

— Está bem, afinal, ele é o noivo né?

Fiz que sim com a cabeça, animado. Ela me passou as chaves.

— John — chamou ela.

— Sim?

— Só não faça barulho, a Sra. Louis está em casa.

Disse um "pode deixar" e disparei para as escadas. Passando pela sala, ao olhar o sofá branco me lembrei daquele dia que enfrentei a mãe de Júnior. Até hoje não acredito que aquela conversa aconteceu, e acredito menos ainda que tive coragem de dizer aquelas coisas à ela e não fui demitido no mesmo instante. A Sra. Louis deve ter decidido não contar ao marido. E isso me deixa encabulado. Ninguém ousaria insultar um Louis, ou veria as graves consequências, mas parece que eu fui imune a regra.

Dormir com um Louis faz de você um privilegiado, e, imune a suas regras? Era engraçado e aterrorizante ao mesmo tempo pensar sobre isso, mesmo levando na brincadeira. Sabe-se Deus o que o Sr. Louis faria comigo se descobrisse que enfrentei a mulher dele. Ou que dormi com seu filho.

Subi as escadas no mais silêncio possível, mesmo sabendo que meus sapatos não fariam barulho nas escadas de vidro, eu tive precaução. Ninguém iria estragar meus planos, eu estava convicto que só sairia dali com uma resposta, ou na pior das hipóteses, com uma pista. Qualquer coisa.

Abri a porta de Júnior com a chave e depois a encostei com o máximo de cuidado e bem devagar. O quarto era grande, bem arrumado, e praticamente não mudará nada a não ser o retrato de família que foi removido de cima do criado mudo. Coloquei o pacote com os convites sobre o mesmo e fui para o closet de Júnior, examinando as gavetas, caixas e até nos bolsos de camisas e calças.

Nada.

Depois no banheiro investigando cada gaveta e porta do armário. Nada também.

Desanimado, me sentei na cama e pensei. A primeira vez, desde que tive essa péssima ideia. Já estava começando a me arrepender. Até porque meu histórico de péssimas ideias é longa. Essa agora vai para o final da lista. É aí que meus olhos percorrem o quarto, investigando, parando no pacote que está sobre o criado mudo.

O criado mudo.

Seria o lugar mais óbvio, e o primeiro se eu não fosse tão burro.

Abro as gavetas investigando as coisas ali. Um par de chaves, alguns documentos pessoais, um celular...

Um celular.

O pego e coloco no bolso. Assim que fecho a gaveta escuto alguém abrir a porta.

O mulher de meia idade, mas com o rosto quase inalterável leva um susto ao meu ver. Ela parece bem irritada. Muito irritada....

— Achei que tivesse mandado você se afastar do meu filho. Isso inclui seu quarto.

Mantenha a calma John. Mantenha a calma.

Me mantenho imóvel, tanto meu corpo quanto minhas expressões que escondem a real reação de "puta merda". Meu coração é o único que insiste não me obedecer e parece querer saltar do peito a qualquer momento. Olho para o pacote sobre o criado mudo.

— Vim entregar os convites do casamento — aponto para o pacote.

Ela olha de relance por alguns minutos sobre meus ombros e depois volta a me fuzilar. O celular queima dentro de meu bolso, mas permaneço inalterável...

— Poderia ter feito isso amanhã, não? — diz ela, cruzando os braços elegantemente.

Por mais filha da puta que ela poderia ser, continuava graciosa. Desgraçada.

— Amanhã não posso vim. Então resolvi trazer hoje. Se eu soubesse que a senhora não tinha ido com eles, eu teria entregado para diretamente a Senhora — eu blefo. Preciso. Necessito.

Ela me investiga, mas tudo que vê — por fora, é claro — é um garoto com o foda-se ligado, sem nada a esconder. Ainda bem que ela não consegue me ver por dentro. Estou quase gritando, em pânico

Percebendo a deixa que ela mesma dá, eu peço licença e vou em rumo à porta.

A mulher segura em meu braço e por um segundo eu sedo, entrando brevemente em pânico.

— Eu já te avisei uma vez — as unhas dela encravam na pele de meu braço — e vou repetir — seus olhos verdes encontram os meus — se afaste de meu filho — aquilo era uma ameaça. Com certeza uma das bravas.

De repente o pânico passa. Sou tomado pelo mesmo sorriso diabólico da outra vez que tivemos aquela conversa na sala.

— Sra. Louis — meu tom de voz é aveludada, quase sinto o veneno em minha boca — estou apenas fazendo meu trabalho. Se está tão incomodada, fale com seu marido. Tenho certeza que ele te escutará e tomará as devidas decisões. Agora, ameaçar um simples empregado, isso é descer o nível. Até mesmo pra você.

A mulher me solta violentamente. Há ódio saindo de seus poros, eu quase consigo ver. Eu mais uma vez a desestabilizei.

— Eu já suportei o bastante de suas brincadeiras garoto. Saia da minha casa. Agora. A partir de hoje você está proibido de entrar aqui. Entendeu?

Eu iria confrontá-la, mas resolvi deixar quieto. Minha cota de estresse com algum membro da família Louis estava preenchida por hoje.

— Como a Senhora desejar — digo e saio, rindo da situação.


⟶⧫⟵


Não é como eu me importasse agora. Meu "foda-se", ligado há um tempo atrás nunca surtiu tanto efeito como agora. Avisto a loira no balcão, atendendo um cliente. Ela sorri para ele, esbanjando sua mais perfeita falsidade. Em seus olhos, um brilho inegável de carinho, gratidão e bondade. Mal sabe aquele pobre cliente, que tudo não passa de um disfarce.

Carla é a falsidade em pessoa. Eu tenho vontade de vomitar. Porque é inacreditavelmente e inegavelmente realista sua atuação. Digno de um Oscar. Reviro os olhos involuntariamente em protesto.

— Como ela consegue? — eu mal percebo a garota até ela falar. Fico inquieto. A quanto tempo Amanda estava me observando. O quanto ela viu de minha total repulsa a Carla?

Vendo que eu não diria nada, continuou:

— Ela sempre consegue tudo que quer — não havia raiva ou inveja em seu tom de voz.

Nós dois fitamos a menina loira do outro lado da recepção. Carla era muito bonita. Ela conseguiria qualquer homem que quisesse, do tipo, o presidente da república ou um big milionário ou coisa parecida. Mas a garota optou por Júnior Louis. O que em minha percepção é tão grandioso quanto, mas minha fadada visão não é racional e nem certa, pois sou completamente apaixonado por aquele mentiroso descarado. E mesmo que Júnior fosse o homem mais feio do mundo, continuaria o achando o melhor partido.

Suspiro melancolicamente alto. Amanda escuta. Mais que isso, ela continua a falar:

— Eu venho notado coisas ultimamente.

Minha atenção imediatamente se direciona à ela.

— Que tipo de coisas?

Ela diminui o tom de voz, como se houvesse alguém escutando, como se o que estava prestes a falar fosse o maior segredo do mundo.

— Carla sempre foi uma puta egocêntrica, nunca demonstrou fraqueza.

Essa era exatamente o tipo de definição que se encaixaria pra ela. Amei Amanda um pouquinho mais depois daquela frase.

— Mas... Depois do anúncio de noivado eu peguei Carla chorando no banheiro. Foi tipo, bizarro. Era para ela estar feliz, não é mesmo? E sempre a vejo triste pelos cantos, como se o noivado fosse um funeral. Nem me provocar ela faz mais, não que eu sinta falta disso, longe de mim. Bom, vê-la pra baixo me deixa feliz também. Qualquer coisa que faça aquela vagabunda sofrer não será perto...

Carla chorando? Não. Não mesmo.

Vendo minha expressão incrédula, ela completou:

— Foi exatamente essa a minha reação.

Esse é o tipo de coisa que te faz ter certeza: há algo de muito errado acontecendo. Eu não tive coragem de ligar o celular depois que cheguei em casa no sábado. E nem no domingo. Eu quase desisti da ideia e pedi demissão hoje de manhã. Quase. Porque por julgar minhas atitudes ultimamente, eu não estava batendo bem da cabeça. Tudo poderia ser... imaginação? Paranoia? Um motivo para rejeitar a verdade, a de que Júnior não me amava. Mas agora... Amanda mesmo disse.

Coisas estranhas vem acontecendo.

Bom, Amanda. Tenho um novidade: muitas coisas estranhas vêm acontecendo há muito tempo. 

Continue Reading

You'll Also Like

8.7K 431 9
Guto é hétero, joga basquete em sua escola e está no último ano do ensino médio, ele é sedento por sexo e capaz de fazer o que for preciso para atend...
3.5K 276 7
Conto gay completo inspirado em Fleabag. Além de uma mãe que o odeia, uma irmã mais nova se casando antes dele e seu maior segredo, ainda não ter se...
1.4M 109K 50
Will Clark começa mais um ano na mesma escola, o mesmo lugar, os mesmos professores, as mesmas pessoas e os mesmos amigos, apesar de ter Alissa Walke...
397K 2.6K 5
No jogo dá verdade raramente sabem que estou mentindo, bom aqui vai, sempre minto. Um carinho aqui, um gesto ali, um sorriso aqui esses sempre funcio...