AO NOSSO HERÓI, UM TIRO NO PE...

By wlangekeinde

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Em um país chamado Kailan, governado por uma ditadura militar, a jovem Kristina Lan Fer está mais preocupada... More

APRESENTAÇÃO
BOOK TRAILER
CAPÍTULO 1 - OS LAÇOS QUE PRENDEM A CORDA
CAPÍTULO 2 - AMIGO DE LONGA DATA
CAPÍTULO 3 - TRÊS MESES DEPOIS
CAPÍTULO 4 - BASTIDORES DA PÁTRIA
CAPÍTULO 5 - DISTÚRBIO
CAPÍTULO 6 - LONGE DEMAIS
CAPÍTULO 7 - OS INCONFORMADOS
CAPÍTULO 8 - O VISIONÁRIO DA COSTA BAIXA
CAPÍTULO 9 - NOSSO ABRAÇO DE AGULHAS
CAPÍTULO 10 - AS TRAMAS OCULTAS DA GUERRA CIVIL
CAPÍTULO 11 - ESBOÇO DE UM CRIME FEDERAL
CAPÍTULO 12 - MEIA DÚZIA DE PROMOTORES DO CAOS
CAPÍTULO 13 - PENSAMENTOS PROIBIDOS
CAPÍTULO 14 - O TERCEIRO-SARGENTO
CAPÍTULO 15 - NO ALBERGUE I
CAPÍTULO 16 - NO ALBERGUE II
CAPÍTULO 17 - PAZ? SOMENTE AOS SUBMISSOS
CAPÍTULO 19 - RECOMPOR
CAPÍTULO 20 - O DIA DA DECISÃO
CAPÍTULO 21 - O HOMEM QUE USURPOU A NAÇÃO
CAPÍTULO 22 - PEDRAS NA POÇA DE ÁGUA (final)

CAPÍTULO 18 - O PRIMO

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By wlangekeinde

Ele chegou depois de cinco minutos, trazendo o capacete debaixo do braço e uma expressão fechada. A Capitã falou com ele em voz baixa, depois saiu com os recrutas. Kristina tentou falar sem mostrar os dentes, que provavelmente estavam vermelhos de sangue:

— Keiton. Achei que você não vinha.

— Cala a boca! — disse ele. Kristina arregalou os olhos. — Você podia ter evitado tudo isso.

— Você é que podia. Você é que me trouxe. E eu ainda não tô acreditando que você foi capaz disso.

— Não se faz de burra. Tinha gente armada no albergue. Você tava com eles, não tava? Eu sei que tava. Você mesma apontou uma arma pra mim... — Ele torceu a boca, uma aflição evidente. — Quando eu subi, acionei os dois colegas que tavam comigo. A gente pegou os capacetes, desligou a energia e entrou nos quartos ocupados. Eram poucos. Meus colegas entraram no quarto do lado do seu e quando eu ouvi os tiros, soube que tinha gente perigosa lá. Eu não sabia quantos eram, mas escutei pelo capacete as vozes dos meus colegas morrendo e me mandando recuar. Eles mataram meus colegas, Kristina. Podiam ter me matado também... Por que você se meteu nisso?

"Morte" trazia à tona Elinor. Kristina quase sentiu de novo aquelas unhas ficadas em seu braço antes de se soltarem para sempre. Mas agora o que apertava os braços da garota eram correntes de metal.

— Por que é que você me meteu aqui pra ser torturada?

— Você pediu por isso! O que resta agora é você fazer isso acabar.

Ela balançou a cabeça em negativo. Todos os traços do rosto de Keiton se comprimiram.

— Vai se foder, Kristina! Fala logo o que a gente quer! Se não falar, vai ser pior.

— Não é assim que eu quero falar com você. Eu quero aquele menino de onze anos que implicava comigo. O menino de quinze anos que me chamava pra jogar videogame. O cara de dezoito anos que me disse que ia entrar no exército pra ninguém mais morrer que nem sua mãe. Mas o que é que acontece com as pessoas na câmara de tortura?

— Isso não vai funcionar. Eu não sou mais criança. Eu sei quem tá certo e quem tá errado entre nós dois.

— Keiton...

— Pra você, é Sargento.

As mãos de Keiton estavam em punho. Kristina deu uma pausa para respirar e sentir a dor em seus músculos e a ardência das queimaduras de cigarro. Engoliu tudo aquilo e falou:

— Quer saber de uma coisa, Sargento? Quer saber o que eu acho?

— Eu tô pouco me fodendo pro que você acha. Ou você me dá logo as informações, ou eu vou embora e vai ser muito pior pra você.

— Elinor — disse ela. Keiton a fitou com atenção. — Elinor. É a garota que você matou. Desarmada e sem evidência de que ela tava cometendo um crime. E eu não sei se pela visão noturna era difícil enxergar o medo dela, ou se isso foi só outra coisa que você ignorou.

— Eu te odeio.

Aquela falta de argumentos incitava a fagulha de esperança em Kristina.

— Tirar vidas desse jeito e ainda chamar isso de paz pode dar certo pro governo. Mas e você, Sargento? Como é que você se sente com isso? E como você se sente me vendo aqui, presa e torturada?

— Não tem nada a ver com sentimentos nem motivos pessoais — disse ele, o rosto sério, mas uma lágrima no olho. — Assim como não tinha a ver com sentimento quando seus colegas mataram meus colegas.

— E já não é suficiente esse número de mortes? Ou você quer que eu seja a próxima?

Sem responder, Keiton andou a passos largos até Kristina e deu um soco no estômago da garota. Ela contorceu as pernas enquanto tossia e lutava para recobrar o ar. O homem virou as costas e foi socando as paredes no caminho até a porta, mas ainda antes de ele sair, Kristina conseguiu dizer:

— Então pode me chamar de Elinor também.

Ela passou o resto do dia na cela. Pelo menos lá existia alguma noção de tempo, pois havia uma janela pequena no alto que deixava entrar a luz do dia ou a escuridão da noite. Os militares lhe deram comida e água no fim da tarde. Ela devorou tentando se assemelhar o mínimo possível a um animal faminto. Depois, esperou as horas passarem encolhida em um canto daquele cubículo sujo, tremendo de frio e aguardando o instante em que alguém a arrancaria dali e a levaria de volta à câmara para mais uma sessão de tortura.

Perguntou-se pelo menos mil vezes o porquê de não revelar logo tudo que sabia. Afinal, aquele plano não daria certo e nada garantia que os donos dos nomes que os soldados tanto queriam não estivessem mortos. Nesse caso, ela poderia sair dali? Ou apenas passaria o resto da vida na prisão? E, se eles estivessem vivos, devia existir algum jeito de burlarem a segurança daquele lugar e a salvarem, até porque ela era minimamente parte da equipe, não era? Quanto a Briel, não havia nada que ele pudesse fazer, sendo tão íntimo da presidenta da Horizonte? Precisava existir uma saída daquele ritual de se arrastar um pouco mais para a penumbra da cela quando uma sombra passasse por baixo da porta e de ceder ao peso das pálpebras para depois acordar sobressaltada e ver que ainda permanecia na mesma miséria.

Pai, com você também foi assim? Agora ela não tinha dúvidas de que o pai fora torturado. No momento, poderia estar trancado em uma cela fria com paredes de pedra e um luar em forma de retângulo assim como a dela. Ou poderia estar abaixo da terra provavelmente junto com outras dezenas de pais, mães, filhos e filhas, ou no fundo de um rio alimentando os peixes, ou espalhado pelo ar em cinzas que entrariam pelas janelas e grudariam nos móveis das casas de Kailan. Mas se você tivesse informações pra dar, teria sido diferente?

Uma confissão e cinco nomes. Marko Danton, Adriana e Esteban Lan Paker, Franke, Tone, e ela estaria livre da tortura. Com certeza viveria as próximas décadas como prisioneira, mas não seria mais torturada. Era o máximo que podia esperar. Fechou os olhos, deitada em posição fetal. Uma confissão e cinco nomes eram apenas algumas palavras, não eram?

Sim, seu lado simplista a obrigava a pensar. Não, chorava sua consciência. Não, não, não!

Kristina tentava, mas não conseguia se enganar quanto àquilo. Sabia que protegia mais do que palavras, do que nomes, do que pessoas de quem nem gostava, do que um plano com probabilidades altas de fracasso. Mais do que tudo isso: era a ideia de uma vida na qual ela pudesse expressar seus pensamentos com liberdade em um país onde as pessoas vivessem sem medo de um soldado arrombar suas casas ou salas de aula e as levarem para a prisão por uma denúncia que nem precisava ser verdadeira. A ditadura tinha transformado a verdade em um detalhe e o povo em inimigo. O que Kristina defendia naquele momento era a ideia de que tudo poderia ser diferente. Até mesmo aceitar que sua integridade física e psicológica fosse usada como objeto de chantagem, como moeda de troca, seria assassinar aquela ideia, e era isso que os militares queriam fazer. Por outro lado, se a ideia não fosse assassinada, Kristina seria.

Mãe, pegou-se evocando. Nos momentos mais críticos, quase se arrependia de não ter se submetido a ela e ficado em casa. Se você soubesse o que eles fazem com a gente aqui, mãe... Se ela soubesse, abriria os olhos, aqueles olhos tão empenhadamente vedados. Só assim para alguém apoiar a ditadura: negando-se à verdade, conformando-se com mentiras bonitas. Laisa sabia da censura, mas não a via como violência. Tal qual os outros governistas de Kailan e tal qual Kristina até algum tempo atrás. A diferença era que Kristina não vivera a guerra civil. Não era desesperada por uma ilusão confortável. Por um lado, isso era bom, mas, por outro, a levara até ali.

Ela olhou pela janela. Devia ser madrugada. Provavelmente só teria outra sessão no dia seguinte, pensamento nem de longe consolador, mas suficiente para permiti-la dormir o mínimo que fosse.

Acordou com o barulho da porta se abrindo. Viu apenas as pernas do soldado antes de ele prender uma venda em seus olhos e outra em sua boca. Dessa vez, Kristina não se debateu enquanto era carregada. Ao contrário do que esperava, não foram a nenhuma outra sala; a brisa úmida e o fim dos ecos nos passos do soldado e das vozes de outros militares e detentos indicava que eles estavam do lado de fora.

O soldado retirou as vendas. O lugar era um pátio pequeno, sob um céu matinal, ao lado do portão dos fundos, que estava aberto. Duas latas de lixo imensas e um camburão do exército completavam o cenário. O homem lhe apontava um fuzil. Vestia o capacete, mas Kristina tinha certeza de quem era.

— Por que você? — perguntou ela.

— Eu me ofereci.

Era mesmo a voz de Keiton. A garota apontou para o camburão:

— Esse carro vai levar meu corpo?

Ele ignorou a pergunta e apenas continuou a mirá-la com a arma. Mas os dois ficaram parados daquele jeito por muitos segundos.

— Você não vai atirar? — disse ela sem malícia, sem provocação. Realmente achava que morreria naquele momento.

— Você tem alguém pra te buscar?

A princípio ela não se moveu. Porém, em um movimento vagaroso, fez que sim com a cabeça. Ele tirou do bolso um celular, colocou-o no chão e o chutou para ela. Tirou de dentro da gandola um lençol velho e o arremessou ao lado. Kristina se agachou devagar, como se estivesse a dois passos de um animal selvagem, e pegou os objetos. Andou até o portão. A mira do fuzil não a acompanhou. Ela olhou para trás uma última vez e foi embora pela calçada, enrolando-se no lençol. Já estava longe quando ouviu o barulho dos disparos no alvo inexistente, ou porventura em algum desafortunado saco de lixo.

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