Chances (Português)

By lesbianshipper

1.6M 123K 156K

Camila e Lauren dividem o mesmo quarto no dormitório da faculdade, mas essa é a única coisa que as duas têm e... More

Capítulo 01
Capítulo 02
Capítulo 03
Capítulo 04
Capítulo 05
Capítulo 06
Capítulo 07
Capítulo 08
Capítulo 09
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 42
Capítulo 43
Capítulo 44
Capítulo 45
Capítulo 46
Capítulo 47
Capítulo Final
Epílogo

Capítulo 41

25.3K 2K 3.2K
By lesbianshipper

Mãe.

Camila não vê ou ouve falar de seus pais há meses. Não que ela esteja reclamando, mas o fato de essa ligação ser tão inesperada só confirma que algo deve ter acontecido. Sua mãe nunca ligaria para ela só para dizer um oi e ver como ela estava.

"Camila?" Lauren chama seu nome mais uma vez, com a voz mais preocupada do que antes. Camila sabe que ela viu o nome no seu celular.

A mais nova continua a encarar a tela até o toque parar abruptamente. Agora só aparece escrito "1 chamada perdida".

Camila solta a respiração que estava segurando e derruba o celular sobre a cama, seus dedos ainda tremendo levemente. Lauren empurra seus ombros com delicadeza, fazendo com que ela se sente na beira da cama. Então Lauren faz o mesmo, virando-se para ficar de frente para Camila.

Os olhos de Camila estão focados em seu colo enquanto ela se perde em pensamentos. Por que sua mãe estava ligando? Ela estava perfeitamente bem sem qualquer tipo de comunicação com seus pais desde que a faculdade começou, e ela sabe que eles podem dizer o mesmo. Eles são tudo menos aquele tipo de família que se vê em comercial de margarina. Na verdade, eles são o exemplo perfeito de uma família imperfeita.

Ela sente a mão de Lauren pousar em suas costas e começar a fazer carinho a fim de tranquilizá-la. Camila vira a cabeça e encontra uma expressão preocupada no rosto da outra garota.

"Você está bem?" Lauren questiona unindo as sobrancelhas.

"Eu... Eu não sei." Camila responde com honestidade. "Ela nunca falaria comigo voluntariam-"

O celular toca novamente e Camila dá um pulo, com a cabeça virando em direção ao som. Agora não há dúvidas de que alguma coisa está acontecendo. Ela só não sabe o que poderia ser tão importante a ponto de fazer sua mãe tentar entrar em contato com ela.

Então Lauren pega uma de suas mãos e dá um aperto suave. Camila pisca algumas vezes, olhando para as mãos das duas juntas. Segurar a mão da mais velha sempre a fazia se sentir segura e dessa vez não foi diferente.

Lauren lhe lança um sorriso delicado como forma de encorajá-la e Camila engole em seco. Então, com uma mão segurando firme na de Lauren, ela usa a outra para atender o telefone.

Dessa vez ela clica em "aceitar".

"A-Alô?"

"Camila." A voz de sua mãe, Sinu, soa de maneira severa em seu ouvido. Ela não lembra da última vez que a ouviu. Quase soa desconhecida.

O polegar de Lauren acaricia seu dedo indicador.

"Uh... Sim?"

"Onde você está nesse momento?"

Camila olha para Lauren por um segundo. A garota está olhando para a mais nova com aqueles olhos verdes e delicados que ela tem.

"Estou no dormitório da faculdade. Por quê?"

Sua mãe fica em silêncio por um momento, mas então solta um suspiro. "Seu pai teve um derrame hoje mais cedo e está no hospital agora."

O corpo de Camila fica tenso e ela encara a parede do outro lado do quarto. Ela não sabe ao certo o que está sentindo, o que diz muito a respeito do relacionamento que ela tem com seus pais. Ela não deveria estar preocupada? Ela não deveria estar assustada? Ela não... Deveria se importar mais do que está se importando?

Camila não sabe o que dizer além de um simples "oh".

Os olhos confusos de Lauren ainda estão focados no rosto de Camila, que está perdida demais em seus próprios pensamentos para reagir a isso.

"Eu... Eu não sei se ele vai ficar bem depois disso." Sinu murmura. Camila não deixa de notar a falha em sua voz.

Camila pode não saber muito a respeito de seu pai, Alejandro, mas uma coisa que ela sempre soube foi que sua saúde sempre foi um problema. Devido à genética, aquele lado de sua família sofre de uma variedade de problemas de saúde, incluindo pressão alta e colesterol alto. E a idade de seu pai também não ajuda muito. Derrames não são tão improváveis de acontecer em homens de meia-idade como ele.

A de olhos castanhos aperta a mão de Lauren distraidamente em busca de conforto. "Você está, hum, no hospital agora?"

Aquela palavra chama a atenção de Lauren e seu corpo fica tenso. Ela consegue somar dois mais dois.

"Sim." Sua mãe suspira profundamente. "Eu estou na sala de espera faz mais de uma hora, mas pode ser que eles me deixem ou não ver seu pai essa noite. Vai depender de como ele vai estar."

"Ok." Camila murmura. Ela está mais confusa do que nunca nesse instante. Ela sabe que deveria ir visitar seu pai, que acabou de ter um derrame e está no hospital, mas ao mesmo tempo, por que ela deveria ir? Ela não tem uma relação próxima com ele. Na verdade, ela não tem nada com ele. Seria como visitar um desconhecido.

Mas, por outro lado, ele ainda é o seu pai. Ele ainda é o homem que colocou um teto sobre a sua cabeça e comida na mesa. Ele nunca a deixou passar fome ou frio ou a privou de suas necessidades mais básicas. Ele ainda é o homem que cuidou dela, não importa o quão ruim ele tenha se saído nessa tarefa. Ele ainda é sangue do seu sangue. Ele ainda é o seu pai e ela ainda é sua filha.

E se ela não for vê-lo agora, talvez ela não o veja nunca mais.

Naquele momento em que nada se ouvia, ela ponderou mentalmente e tomou uma decisão no meio do silêncio entre sua mãe no telefone e Lauren sentada ao seu lado. As duas esperando-a falar.

"Estarei aí em algumas horas." Camila acaba dizendo com a voz pouco confiante, mas ao mesmo tempo também não demonstrando nenhum sinal de incerteza. Foi quase robótico, indiferente.

"Tudo bem." A voz esgotada do outro lado da linha fica muda. Então a chamada se encerra antes que Camila possa dizer mais alguma coisa.

A mais nova então larga o celular sobre a cama e afunda os olhos com as palmas das mãos, esfregando-os. Ela está começando a sentir uma dor de cabeça infernal e não sabe ao certo o que fazer. Camila não imaginava que seus pais pudessem ligar para ela, mas ela está mais surpresa ainda por ter atendido o telefone. Ela estava confortável e satisfeita por não ter seus pais desempenhando um papel importante em sua vida.

"Está tudo bem com ela?" A voz de Lauren se faz presente de repente. Camila tinha esquecido por um segundo que ela estava ali até sentir a mão da mais velha dar um aperto delicado na sua.

Camila fixa o olhar no rosto de Lauren e aqueles orbes verdes são tão doces. A delicadeza de suas feições distrai Camila por uma fração de segundo antes de ela acenar com a cabeça, rápido demais. "Sim, sim. Tudo certo."

Ela não soou nada convincente e Lauren percebeu isso, mas resolveu não insistir. Lauren sabe de seus limites e não quer bancar a prepotente.

"Ok." A mais velha sussurra, lançando-lhe um sorriso.

Não é como se Camila não confiasse nela o suficiente para contar o que aconteceu, é só que ela não quer envolver Lauren no assunto complicado que é a sua família. Seus pais e Lauren estão em lados opostos na balança que mede o quanto cada um significa para Camila. Lauren é a sua felicidade e sua sanidade. Ela não quer deixar que seus pais tirem isso dela ao misturar esses dois mundos. Há uma razão por Camila nunca ter se aberto sobre seus pais não só com Lauren, mas com qualquer outra pessoa.

Lauren ainda está segurando a mão de Camila de maneira firme, e a de olhos castanhos encara suas mãos juntas mais uma vez e sorri para si mesma. Por Deus, como ela sentiu falta disso. Segurar a mão de alguém é um dos gestos mais inocentes que existem, mas significa tudo poder fazer isso com Lauren novamente.

"Obrigada." Camila diz baixinho depois de erguer a cabeça para poder olhar para a mais velha outra vez. Lauren está inacreditavelmente bonita essa noite. O quarto está pouco iluminado, mas seus olhos estão mais brilhantes do que nunca.

"Pelo quê?" Lauren pergunta, inclinando a cabeça levemente para o lado.

"Por estar aqui."

As bochechas de Lauren ficam rosadas, mas ela não se incomoda em tentar esconder esse fato. "Sempre."

Um silêncio se faz presente entre elas por um momento antes de Camila e Lauren soltarem a mão uma da outra ao mesmo tempo. Camila cruza as mãos sobre o colo, abaixando o olhar timidamente. Ela não quis dizer o que disse para flertar com Lauren, mas sim porque sente uma gratidão imensa por tê-la em sua vida. A mais velha sempre se importou muito com as outras pessoas, mas suas atitudes hoje só ressaltaram essa qualidade. Não importa a quantas anda o relacionamento das duas, elas sempre estarão presentes uma para a outra quando qualquer delas precisar.

Mas então Camila se levanta assim que se dá conta de que está perdendo tempo. A viagem até sua casa demora cerca de quatro horas, o que significa que ela chegaria ao seu destino por volta da meia-noite se entrasse em seu carro e começasse a dirigir nesse exato momento.

Lauren franze o cenho ao observar Camila pegar algumas roupas e começar a colocar suas coisas em uma mochila. A de olhos castanhos fica listando baixinho as coisas que não pode esquecer de pegar enquanto circula apressada pelo quarto.

"Camila." Lauren diz da cama, chamando a atenção da mais nova por um momento enquanto ela coloca sua escova de dente em um saquinho plástico. "Você tem certeza de que vai ficar bem dirigindo essa noite? Está ficando meio tarde." Lauren vocaliza suas preocupações.

"Aham." Camila murmura enquanto fecha a mochila. "Tenho certeza de que ficarei bem."

"Essa resposta não é boa o suficiente."

Camila olha para ela e seu rosto suaviza ao ver Lauren observando-a de perto. Camila também não tem certeza se quer de fato ir, mas algo está lhe dizendo que ela tem que ir.

Ela pega uma jaqueta e passa os braços pelas mangas. "Eu vou parar no acostamento se precisar e vou te mandar mensagem assim que eu chegar, tudo bem?"

Lauren não diz nada, mas está escrito na sua cara o quanto ela quer protestar para que Camila não vá. Em vez disso, ela assente com a cabeça em silêncio, sabendo que nada do que ela diga vai impedir a mais nova de sair por aquela porta.

Camila lhe lança um sorriso amarelo ao pegar as chaves do carro, apertando a mão ao redor delas. "Eu volto daqui uns dias."

Mais uma vez, Lauren apenas assente. "Tudo bem. Só... Dirija com cuidado, por favor."

"Pode deixar." Camila lhe tranquiliza de maneira firme. "Eu prometo."

Lauren não se mexe para sair da cama e Camila não dá nem um passo em sua direção. Ela deveria ter dito alguma coisa. Um simples "tchau" ou um "boa noite" teria sido suficiente, mas em vez disso, ela só escapa do quarto e fecha a porta atrás de si sem falar mais nada.

Camila passa pelas portas do prédio e se depara com o vento gelado da noite, que se infiltra em sua jaqueta e se agarra à sua pele.

Ela não consegue deixar de recordar que Lauren sempre a segurava um pouquinho mais perto em noites frias como essa.

Camila entra em seu carro e espera que ele esquente, batendo o queixo. Depois de alguns minutos, ela digita o endereço no GPS de seu celular e coloca as músicas no aleatório. Então ela começa a dirigir.

As estradas não estão completamente desertas, mas estão bem menos movimentadas do que durante o dia. Dirigir à noite sempre foi algo que Camila gostou de fazer, especialmente durante o ensino médio, logo quando ela tirou a carteira. Ela se distanciava de sua realidade por alguns instantes ao se concentrar na estrada à sua frente e no som da música tocando.

Havia algo reconfortante em saber que ela poderia permanecer em uma estrada e não parar mais. Havia algo reconfortante em saber que ela poderia fugir e nunca mais voltar para sua vida em casa.

Ao crescer, Camila não teve uma infância mágica como todos ao seu redor pareciam ter tido. Ela não tinha pais que a levavam e a buscavam na escola todos os dias. Ela tinha babás que faziam isso. Ela não batia na porta do quarto de seus pais toda vez que tinha um pesadelo. Ela só puxava os cobertores sobre a cabeça e deixava que suas lágrimas manchassem o travesseiro. Ela nunca ouviu um "boa noite" antes de ir para a cama ou um "bom trabalho" sempre que tirava um dez no boletim. Era como se ela não existisse para eles.

Era confuso se sentir tão abandonada e negligenciada pelas pessoas que a trouxeram para esse mundo. Mesmo muito nova, ela se perguntava por que seus pais eram tão diferentes dos demais. Por que todos os seus coleguinhas podiam correr para os braços de suas mães ou de seus pais no fim do dia e ela não podia? Ela não tinha ninguém.

Isso continuou conforme Camila foi crescendo. Ela estava tão acostumada a se isolar e a ser ignorada que ela sentia como se merecesse isso porque parecia que havia algo de errado com ela. Ela raramente falava com alguém e nas raras ocasiões em que isso acontecia, era porque ela precisava. Ela nunca quis se enturmar ou interagir com outras pessoas porque achava que ninguém iria gostar dela, assim como os seus pais.

Porém não foi até uma certa garota surgir durante o primeiro ano do ensino médio que Camila se sentiu mais feliz do que foi a vida toda. Seu nome era Catherine, e ela foi a única a demonstrar algum tipo de simpatia e bondade para com Camila.

As duas não podiam ser consideradas amigas, mas ela ocasionalmente sorria para Camila sempre que passavam uma pela outra. Ela perguntava para Camila se queria fazer trabalho com ela quando o professor passava alguma atividade em grupo. Ela foi a primeira pessoa que fez Camila sentir que era algo mais do que apenas alguém ocupando espaço no mundo.

Catherine ainda era praticamente uma desconhecida que não deveria significar muito para Camila, mas seus atos simples de benevolência sempre faziam Camila ganhar o dia. Ela era o seu raio de sol em meio às nuvens escuras. E ela também foi a primeira pessoa que fez Camila se dar conta de que gostava de garotas.

Outra razão pela qual Camila não se via tendo uma boa relação com seus pais é porque eles eram extremamente conservadores e religiosos. Eles falavam abertamente sobre suas visões de mundo e Camila era arrastada para a igreja todo domingo. Era algo torturante e vergonhoso, sabendo que ela era considerada uma "abominação" por aqueles que frequentavam tal ambiente. Se os seus pais descobrissem sobre ela, ela só estaria pedindo para que eles gostassem ainda menos dela do que gostam.

Se é que isso é possível.

Camila nunca conseguiu entender por que seus pais a detestavam tanto. Ela não foi uma criança levada ou desrespeitosa. Ela sequer conversava com eles. Mas eles a tratavam mal, falavam com ela e sobre ela como se a menina não fosse a sua única filha, não se esforçavam para conhecer os seus gostos e nunca lhe deram razão para acreditar que eles se importavam ou a amavam o mínimo que fosse. Tudo que eles fizeram foi lhe dar um cartão de débito e dinheiro aos montes porque isso significava que eles não precisavam vê-la ou interagir com ela.

Para duas pessoas que deveriam amá-la mais do que qualquer coisa, eles fizeram um péssimo trabalho.

Camila segura mais forte o volante ao fixar sua visão na estrada e nas faixas que separam a pista. Ela odeia pensar em como foi sua vida enquanto crescia. Ela era a pessoa mais triste da face da Terra. Eis o porquê de ela ter tomado a decisão de tentar ser outra pessoa ao entrar na faculdade. Ela se negava a repetir os últimos dezoito anos de sua vida.

Mas o Tumblr foi uma boa saída nos seus anos de adolescência. Ninguém sabia quem ela era – quem ela realmente era – mas ela era aceita. Ninguém a julgava. Era um jeito que ela encontrou de expressar seus pensamentos e sentimentos mais íntimos com as pessoas que se identificavam com ela. Mas o melhor de tudo, foi onde ela encontrou Lauren.

Camila sorri involuntariamente e relaxa ao pensar nisso. A história das duas vai mais além desse primeiro ano de faculdade. Ainda é muito difícil de acreditar. Quais são as chances de algo assim acontecer? Que a sua encantadora amiga virtual viria a ser a sua colega de quarto irritante que não a suportava? Que Camila se apaixonaria tão perdidamente por ela? Que ela acabaria sendo tão estúpida a ponto de perdê-la?

Camila balança a cabeça para afastar esses pensamentos de sua mente. Ela pode passar o tempo que for se lamentando por Lauren, mas isso não mudaria nada entre as duas. A de olhos castanhos não vai conseguir tê-la de volta se não se livrar de seus demônios interiores a fim de criar espaço para Lauren. Mas é algo difícil de se fazer quando suas inseguranças se acumularam durante toda a sua vida e foram causadas pelas pessoas que deveriam ter amado Camila incondicionalmente.

Horas se passam com Camila se afundando nos próprios pensamentos sobre tudo e sobre nada. Ela estava tão preocupada em pensar que não chegou a sentir sono em momento algum. Quando está a meia hora de distância de seu destino, ela para o carro para abastecer. Enquanto espera o tanque encher, ela manda uma mensagem rápida para Lauren.

Camila (23:53): eu estou parada no posto de gasolina agora mas estou quase chegando. se você estiver dormindo, espero que esteja dormindo bem (:

Há um som de clique que vem da bomba, o que significa que o tanque de seu carro está cheio. Ela rosqueia a tampa e entra no carro bem quando seu celular vibra.

Lauren (23:55): camila você sabe que eu não consigo dormir sem saber se você está bem mas graças a deus você está

Lauren (23:56): e eu não sei ao certo o que aconteceu mas estarei aqui se você precisar de mim, tá certo? eu vou deixar meu celular ligado a noite toda então pode me ligar assim que precisar

Camila sorri sozinha. Isso é exatamente algo que Lauren faria.

Camila (23:57): você é a melhor. digo isso do fundo do coração.

Ela coloca o celular no porta-copos de seu carro e continua a dirigir a pouca distância que falta.

Conforme Camila chega mais perto de seu destino, cenários e prédios conhecidos vão surgindo em seu caminho. Contudo, em vez de ter a sensação de conforto que estar em casa deveria proporcionar, ela sente... quase uma repulsa com tudo isso por estar de volta a esse lugar. As emoções negativas que estão associadas a esses arredores fazem Camila se sentir enjoada só de pensar em sua vida antes da faculdade. Ela já quer voltar para casa; sua verdadeira casa. Ela quer voltar para Lauren.

Mas quando Camila se dá conta, ela já está parando o carro em uma das vagas do estacionamento do hospital. Então ela está andando em direção ao prédio. Depois ela está sendo conduzida até o quarto onde seus pais estão. E finalmente ela está a poucos metros deles.

Abraços chorosos não foram trocados. Beijos não foram dados e "senti saudades" não foram ditos. Sinu e Alejandro não demonstraram nem um tipo de reação ao verem sua filha. Era como se ela não fosse nada além de uma completa desconhecida para eles.

E de um certo modo, ela é.

Mas Camila não se importou nem se sentiu ofendida. Por que deveria? Além do mais, ela estava ocupada demais observando o quão mais velho seu pai está parecendo. Faz apenas três ou quatro meses desde que ela os viu pela última vez, mas seu rosto abatido e seu cabelo branco fazem parecer que ele envelheceu pelo menos cinco anos. Vários fios estão conectados em diferentes partes de seu corpo e o som do monitor de batimentos cardíacos é lento e constante.

"C-como você está?" Camila é a primeira a falar, e sua voz treme quando ela se pronuncia. Ela não deveria nem estar nervosa, para começo de conversa.

Mas em vez de respondê-la verbalmente, Alejandro dá de ombros fracamente. Deve ser difícil falar nesse momento, o que é reforçado quando Sinu responde por ele. "Ele está cansado."

Camila assente timidamente, com as mãos atrás de suas costas enquanto ela cutuca suas cutículas. Um dos tiques nervosos que ela tem.

Ela se sente desconfortável e sem graça estando aqui. Eles são os seus pais e ela é a filha deles, mas ao mesmo tempo, parece que eles sequer se conhecem. Parece que ela está invadindo o seu espaço. Parece que sua presença não é bem-vinda.

Camila observa seus pais, que não estão prestando atenção nela. Ela já está farta de se chatear com o fato de seu pai e sua mãe não se importarem com ela. Ela passou anos ficando triste com essa situação, mas agora ela aprendeu a não deixar isso afetá-la.

"É, hum, é grave?" Camila consegue perguntar, embora não consiga manter contato visual. Ela sempre teve dificuldade com isso com relação aos seus pais. Ela tinha medo que eles gritassem com ela sem motivo, o que acontecia com bastante frequência.

"Eu não sei." Sinu murmura tristemente, massageando as têmporas. "Mas nós não entendíamos uma palavra sequer do que ele estava tentando dizer e, ao que parece, ele também não nos entendia. Seu corpo estava dormente e ele não mostrava sinais de controle, então eles tiveram que tratá-lo imediatamente. Eu... Eu estava no andar de baixo quando aconteceu e tentei chamar seu nome, mas ele não respondeu. Eu presumi que era porque ele não conseguia me ouvir, mas depois de um tempo, eu subi e o encontrei caído no chão... paralisado."

Sinu balança a cabeça em uma tentativa de se livrar da lembrança dolorosa e Camila faz uma careta. Ela não consegue imaginar como deve ser encontrar a pessoa amada nesse estado.

Camila finalmente consegue erguer o olhar novamente e olha para o seu pai, que está com os olhos fechados. Ou ele deve ter adormecido, ou ele estava exausto demais para tentar mantê-los abertos. De qualquer forma, era quase uma da manhã e essa foi a deixa para que a enfermeira expulsasse Camila e Sinu do quarto para que Alejandro pudesse descansar. Ela disse que as duas poderiam vê-lo pela manhã.

Camila caminha devagar atrás de sua mãe enquanto elas se dirigem para fora do hospital, certificando-se de manter uma boa distância entre as duas. Não só seu pai parecia mais velho, mas Sinu também. Talvez seja por conta do estresse que esse dia causou, mas sua mãe aparentava ter envelhecido alguns anos nesses últimos meses.

Apesar de nenhuma delas ter mencionado nada, Camila seguiu sua mãe até a sua casa. O trajeto durava cerca de quinze minutos e quando chegou na frente da casa, ela não queria entrar. Camila para diante dos degraus de pedra e olha para a enorme estrutura que é sua casa, mas nada de bom lhe vem à mente ao pensar a respeito dela.

"Vai entrar ainda hoje?" Sua mãe diz rispidamente.

As bochechas da garota enrubescem devido ao constrangimento e ela rapidamente entra na casa. Ela não sabe ao certo por que ainda não se acostumou com seus pais a repreendendo, mesmo após isso acontecer durante a sua vida toda. Ela nunca foi parabenizada por nada. Tudo que ela recebia eram críticas e broncas.

Camila coloca a mochila no chão ao lado da porta enquanto seus olhos viajam pelo interior da casa. Nada mudou desde que ela esteve aqui da última vez. Ainda não existem fotos da família penduradas na parede nem decorações de gosto pessoal à vista. Não há um mísero sinal de que pessoas de fato vivem aqui. É uma casa, mas não chega nem perto de ser um lar.

Ainda há, contudo, passagens da Bíblia e cruzes em quase todos os cantos do imóvel.

Camila vai até a cozinha e pega uma garrafa de água da geladeira. Então ela se senta à mesa para descansar por alguns minutos antes de subir até o seu quarto e dar o dia por encerrado. Ela está prestes a pegar seu celular no bolso para mandar uma mensagem para Lauren e dizer para a mais velha que ela está bem quando Sinu entra na cozinha subitamente e se senta do lado oposto de Camila.

Um silêncio constrangedor permanece por alguns minutos e nenhuma das duas se olha. Camila se mexe desconfortável no lugar, mas não dá indícios de que vai sair dali.

"Como vai a faculdade?" Sua mãe questiona do nada, porém, demonstrando pouco interesse na resposta.

"Uh..." Camila murmura, sem saber por que sua mãe está fazendo um esforço para manter uma conversa com ela. Na verdade, agora que pensa sobre isso, ela acha que as duas nunca tiveram uma conversa de verdade antes que tenha durado mais do que alguns minutos e que tivesse mais do que cinco palavras por frase. "Vai bem, eu acho."

"Ótimo. É melhor que você não esteja de brincadeira por lá." Sua mãe responde com desdém. "Nós não estamos pagando todo aquele dinheiro pra você desperdiçar essa bela oportunidade."

Camila franze as sobrancelhas um tanto ofendida. Ela se dedica aos estudos desde que se entende por gente e sua mãe saberia disso se prestasse o mínimo de atenção que fosse em Camila enquanto ela crescia.

"Eu não estou." Ela murmura baixo, com os olhos colados no próprio colo. Ela cutuca o tecido de sua calça jeans e suas orelhas ficam vermelhas.

"E como é que eu deveria saber disso?" Sinu explode. "Você sempre foi uma criança esquisita então não é como se eu soubesse o que você faz ou deixa de fazer. E Jesus Cristo, você pode erguer a cabeça e parar de murmurar quando fala com as pessoas? É como se você não tivesse crescido nem um pouco."

Camila estreita os olhos em direção à sua mãe, desafiando-a, mas Sinu retribui com um olhar intimidante, fazendo Camila quebrar o contato visual e desviar os olhos em submissão. Um silêncio intenso se faz presente entre elas, mas o olhar ameaçador de Sinu não desvia de sua filha em momento algum.

Essa sensação é familiar demais. Não faz nem dez minutos que Camila está nessa casa e sua mãe já conseguiu trazer à tona aquela sensação de fraqueza que ela experimenta toda vez que põe os pés nesse lugar. Ela sabe que não deveria se submeter a isso, mas não consegue encontrar a força e a vontade de lutar contra sua mãe. Dezoito anos passando por isso fez com que o medo fizesse morada em seu ser.

Ela quer se levantar, sair da cozinha e ir para o seu quarto, mas a presença de sua mãe exerce uma força tão poderosa sobre Camila que ela não consegue nem se mexer. Então ela permanece ali sentada, com os olhos fixos em seu tênis, desejando nunca ter deixado o seu dormitório da faculdade.

"Vai continuar sem dizer nada?" Sua mãe zomba com um tom arrogante. "Típico. E você ainda se perguntava por que não tinha amigos no colégio."

Camila trava a mandíbula o mais forte que pode enquanto afunda as unhas em sua coxa. Sua perna começa a balançar para cima e para baixo e ela tenta não se deixar afetar pelos insultos de sua mãe, rezando a Deus para que ela a deixe em paz logo.

Mas a mulher continua.

"Lamentável. Eu não ficaria surpresa se a sua colega de quarto não te suportasse."

A menção à Lauren força os olhos de Camila a olharem para Sinu e seu medo simplesmente desaparece, sendo substituído por uma raiva descomunal. Essa mulher não merece falar sobre Lauren. Sua mãe não sabe coisa alguma sobre a garota de olhos verdes e se depender de Camila, ela nunca saberá.

"É aí que você se engana." Camila rebate, encarando-a diretamente nos olhos. "Ela e eu somos muito próximas."

"Bem, isso não significa muita coisa." Sinu diz de maneira casual. "É provável que ela seja tão patética quanto voc-"

Camila se levanta da cadeira imediatamente, seu rosto queimando de raiva. "Você não tem o direito de falar sobre ela!"

Sinu se sente acuada. Ela foi pega de surpresa pela reação imediata de sua filha. Mas agora é a vez dela de ficar na defensiva.

"Você está louca?" Ela grita incrédula. "Não se atreva a gritar comigo dessa maneira outra vez."

"Então não fale assim da Lauren." Camila rebate ousada. "Você não sabe nada sobre ela." Camila pode não ser forte o suficiente para se defender algumas vezes, mas ela não ficaria sentada ouvindo sua mãe falar de Lauren daquele jeito sem fazer nada.

"Posso saber por que você está defendendo essa garota?"

Camila range os dentes e suas mãos estão fechadas em punho ao lado de seu corpo. Qual era a razão em vir para casa se ela continuaria sendo desrespeitada por sua mãe como se nada tivesse mudado? Os comentários de sua mãe não teriam lhe incomodado tanto se ela não tivesse tocado no nome de Lauren. Ela estava acostumada com isso.

Mas acontece que Camila não deveria estar acostumada com isso. Ela não deveria estar acostumada com o abuso emocional e verbal constante ao qual seus pais a submetiam porque ninguém deveria tratar um filho da maneira que eles a tratavam. Camila sabia que o que eles faziam era terrível e repugnante e errado, mas ela nunca sentiu como se tivesse outro alguém que se importaria o bastante para ajudá-la. Seus pais foram os responsáveis por fazê-la acreditar que ninguém se importava.

A faculdade foi a melhor coisa que poderia ter acontecido, levando-a para longe desse ambiente tóxico e fazendo com que ela entendesse que nem todo mundo é maldoso quanto seu pai e sua mãe. A faculdade a apresentou para pessoas que lhe deram coisas que seus pais nunca haviam dado. Então por que ela deveria se importar com eles agora?

Por que ela deveria se importar com o que eles pensam?

As mãos de Camila tremem e seu coração bate forte no peito em antecipação enquanto os olhos de sua mãe não desviam dela nem por um segundo. Ela se sente culpada e vulnerável, exatamente como se sentiu quando ela estava no pátio da faculdade com Dylan e Troy. Lembranças daquele dia voltam com toda a força, assim como o mesmo sentimento de terror, mas isso precisa acontecer. Ela precisa esclarecer tudo de uma vez por todas.

Ela ergue a mão até o pingente que Lauren lhe deu e passa o polegar pelo material suave e gelado. Sua mãe olha para a joia com olhos questionadores.

"Você está tentando me dizer alguma coisa?" Sinu severamente exige uma resposta, franzindo as sobrancelhas.

A respiração de Camila se torna irregular e o pânico começa a dominar o seu ser, mas ela o afasta rapidamente. Uma única frase e pronto. Ela nunca mais terá que esconder nada de ninguém.

Segundos parecem horas e nenhuma das duas mexe um músculo sequer. Isso até Camila abrir a boca.

"Eu estou apaixonada pela Lauren."

E então o que restava de peso sobre os seus ombros some em um piscar de olhos.

O rosto de Sinu perde a cor imediatamente e ela congela no lugar. Camila chegou até mesmo a pensar que sua mãe desmaiaria ali mesmo. Mas então a mulher retoma o controle sobre seu corpo, ficando completamente pálida.

"Você cala essa boca agora mesmo." Sinu aponta um dedo acusatório em sua direção. "Não minta pra mim e não traga esse pecado abominável pra dentro da minha casa. Me enoja saber que você diria algo desse tipo só pra me irritar."

"Eu não estou mentindo-"

"Está sim" Sinu explode, fazendo Camila dar um pulo no lugar. "Está mentindo sim porque filha minha não pode ser lésbica!"

"Pois eu sou!" Camila grita e lágrimas começam a se formar em seus olhos conforme ela vai perdendo a compostura. Adrenalina pura está correndo por suas veias e ela acaba com qualquer restrição que tinha a respeito de ser quem ela verdadeiramente é. Ela precisa libertar esses dezoito anos de raiva e ressentimento e essa talvez seja sua única oportunidade de fazer tal coisa. Aquela garotinha indefesa que não era capaz de lutar por si mesma se foi.

"Não." Sinu murmura em descrença. Então começa a rir sem humor. "Não, não, não. Não, você não é. Só porque uma garota qualquer te dá atenção e te oferece uma amizade não significa que você esteja apaixonada por ela."

"Mas ela não é uma garota qualquer!" Camila berra, batendo o pé enquanto lágrimas escorrem por seu rosto. "Ela é a coisa mais maravilhosa que já aconteceu comigo porque ela me deu tudo que você e o papai nunca me deram! Você e ele nunca fizeram eu me sentir amada por um mísero segundo. Eu-eu nunca soube o que o amor significava, então eu não sabia como amar ninguém, inclusive a mim mesma. Só que então a Lauren apareceu e me mostrou tudo isso."

"Mas é por causa de você que eu a perdi." Camila rosna, com a voz cheia de desprezo. "Foi por você ter enfiado na minha cabeça o quanto era errado e anormal amar outra garota que você a afastou de mim. Mesmo não estando fisicamente presente, você ainda assim consegue foder com a minha vida. Mas eu não vou mais deixar você fazer isso. Eu cansei de deixar você arruinar minha vida mais do que já arruinou."

Camila não sabe o que sua mãe faz ou diz depois disso porque seus instintos a forçam a sair da cozinha, pegar suas coisas e subir a escada correndo até o seu antigo quarto, fechando e trancando a porta atrás de si. Então ela se dá conta do que acabou de fazer e se joga na cama, permitindo-se chorar no travesseiro até o seu peito doer.

Só Deus sabe que ela já passou anos e anos fazendo o mesmo nessa casa.

Camila fez algumas loucuras nos últimos meses, mas nunca tinha feito algo desse tipo. Ela nunca tinha confrontado a principal causa do ódio que sente por si mesma e nunca pensou que conseguiria realizar tal feito, mas de algum modo, ela encontrou a coragem necessária para fazê-lo.

Camila funga e respira fundo ao pegar o celular do bolso. Seu corpo anseia por uma única pessoa, que é inatingível no momento, o que só faz com que ela se sinta pior. Ela não quer mais nada além de ser envolvida nos braços de Lauren porque é ali que ela se sente mais segura e em paz.

Lauren pode não estar nesse quarto com ela no momento, mas ouvir sua voz pode ser a solução de seus problemas por enquanto.

• • •

Lauren esfrega seus olhos cansados com as costas da mão e olha para o relógio. São quase três da manhã.

Ela está mais do que exausta, mas não consegue pegar no sono. Ela tentou dormir de todo jeito, mas sabe que não vai conseguir enquanto não tiver certeza de como e onde Camila está. A última mensagem que Lauren recebeu dela foi quando ela disse que tinha parado no posto de gasolina, mas isso foi horas atrás. Ela espera que a mais nova esteja bem.

Mas como se pudesse sentir a preocupação de Lauren, o nome de Camila aparece em seu celular e o seu toque personalizado soa no último volume. Lauren praticamente cai da cama tentando alcançar o objeto.

"Alô?" Lauren diz, subitamente mais acordada do que nunca.

"Oi, Laur." A voz familiar de Camila ressoa em seu ouvido. Inicialmente, Lauren sorriu de alívio e de alegria ao ouvi-la, mas então franze o cenho assim que se dá conta de que não há dúvidas de que ela esteve chorando só com base em sua voz.

"Camila." Lauren sussurra tristemente. "Você está bem?"

A mais nova suspira pesadamente. "Hum... Eu preferia que a gente não falasse sobre isso agora, tudo bem? Prometo que te conto mais tarde, mas eu não quero pensar sobre isso nesse momento. Eu só queria ouvir a sua voz."

Lauren, em circunstâncias normais, teria quase desmaiado com aquele último comentário, mas seu coração se quebra com a tristeza no tom de Camila. Falta aquele seu charme característico. Que diabos aconteceu?

Mas sua curiosidade não deve ser considerada uma prioridade agora. Ela não quer se meter onde não é chamada, especialmente porque Camila pediu para conversar depois a respeito do que houve. Então ela tem que respeitar o seu pedido.

"Tudo bem." Lauren diz de maneia delicada. Ela apaga o abajur ao lado de sua cama e entra embaixo do cobertor, segurando o celular contra a orelha. "Tudo bem, nós não precisamos falar sobre isso."

As duas garotas ficam em silêncio. Lauren fecha os olhos e se concentra no som constante da respiração de Camila. Era quase como se ela estivesse bem ali ao seu lado.

Cerca de dez ou quinze minutos se passam e a mais velha pensa que Camila deve ter adormecido, até que inesperadamente a ouve murmurar. "Eu sinto sua falta, Lauren."

Lauren sente uma pontada no peito e fecha os olhos com força, odiando o quanto Camila soa infeliz e odiando não saber o que fazer para que ela se sinta melhor.

"Eu também sinto a sua falta."

Isso pode ter dois significados. Camila pode ter dito que sente a sua falta por conta da distância que as separa ou porque as duas já não são mais um casal. Não tinha como saber.

Mas Lauren sabe que ela própria disse aquilo para que significasse as duas coisas.

"Eu te acordei?" Camila pergunta delicadamente ao fungar. Sua voz estava ficando sonolenta.

"Não, eu não estava dormindo."

"Oh. Que surpresa. Você geralmente dorme tipo às nove da noite."

Os lábios de Lauren formam um pequeno sorriso. "Sim, mas é porque você geralmente está no quarto então eu sei que você está a salvo e bem. Do contrário, eu não consigo dormir."

Camila ri docemente, causando uma agitação no estômago de Lauren. "Agora talvez eu consiga dormir uma vez na vida já que não vou ter que ouvir aquele teu ronco que parece que vai derrubar o quarto."

Lauren dá uma risadinha, escondendo o rosto no travesseiro. "Cala a boca. Eu sei que ronco às vezes, mas-"

"Só às vezes?" Camila zomba divertida. "Por favor, Lauren, o dia que você parar de roncar vai ser o dia que o inferno vai congelar."

"Então tá, espero que você durma bem uma vez na vida já que isso te incomoda tanto." Lauren faz bico, fingindo se sentir ofendida.

"Você sabe que eu amo o seu ronco irritante." Lauren consegue ouvir o sorriso através da voz lenta e arrastada de Camila. "Eu amo tudo em você."

Lauren cora na escuridão do quarto. Se Camila fica acordada até tarde, ela começa a falar sem pensar e conta muitos segredos e pensamentos os quais ela pensaria duas vezes antes de sair espalhando por aí em circunstâncias normais.

Camila boceja do outro lado da linha e Lauren sorri. "Ei, você deveria dormir." A mais velha sugere. "Está tarde."

"Hum." Camila murmura em protesto. "Eu não quero."

"Camila, você está exausta. Eu conheço a sua voz de sono mais do que tudo."

"Mas eu não quero parar de falar com você."

"Você pode falar comigo a hora que quiser. Você sabe disso, né?"

Agora Camila está demorando alguns segundos antes de ser capaz de formular uma resposta. "Eu sei, mas não quero perder nenhuma oportunidade que seja." Suas palavras saem em sopros e sussurros.

"Camz, você vai cair no sono daqui uns cinco segundos. A gente pode conversar de novo amanhã."

E exatamente como Lauren previu, Camila fica em silêncio, exceto pelo som suave que ela faz quando inspira e expira perto do microfone do celular.

O coração de Lauren aumenta de tamanho e ela pega o coala de pelúcia que de algum modo Camila conseguiu ganhar para ela aquela noite no parque de diversões. Ela abraça o bichinho contra o peito e consegue sentir vagamente o cheiro do perfume de Camila.

Lauren só costumava trocar mensagens com a mais nova a essa hora da noite pelo Tumblr, como elas faziam antes de se conhecer, ou conversar com ela no conforto e na privacidade de seu quarto. Elas nunca se falaram pelo telefone assim porque, bem, elas moram juntas. Essa é a primeira vez que elas estão tão distantes assim uma da outra desde que se conheceram e é uma sensação estranha.

Lauren está prestes a encerrar a chamada e ir dormir também, mas há algo muito reconfortante em ser capaz de ouvir os sons que Camila faz enquanto dorme. Ela pode não estar fisicamente no quarto, mas, ao mesmo tempo, ela ainda está ali.

Então a de olhos verdes conecta o carregador na tomada e coloca seu celular no viva-voz, posicionando-o ao lado do travesseiro. Então ela enterra o rosto no coala de pelúcia, fecha os olhos e adormece ao som da respiração de Camila, exatamente como ela já estava tão acostumada a fazer.

• • •

Quando Camila acorda, ela fica confusa por alguns instantes ao olhar ao seu redor e ver que está em seu antigo quarto. Ela esqueceu completamente sobre o que tinha acontecido na noite anterior até as lembranças virem à sua mente como uma avalanche.

Ela se assumiu para a sua mãe.

Os pais de Camila, mais especificamente sua mãe, devem ser as pessoas mais homofóbicas que existem e ela conseguiu reunir a coragem necessária para contar para a mulher mais velha. Não tem jeito de as coisas permanecerem as mesmas depois do ocorrido, mas Camila está tranquila com relação a isso. Ela sabia o que estava fazendo noite passada e não se arrepende. O fato é que já tinha passado da hora. Ela não podia seguir em frente com a sua vida deixando situações mal resolvidas para trás.

Ela então olha para o seu celular, que está sobre o colchão ao lado de seu travesseiro, e também lembra que estava falando com Lauren no telefone logo antes de dormir. Ela clica na tela e vê que a chamada ainda está em andamento. Cinco horas e dezessete minutos.

Camila traz o celular até a orelha e não consegue deixar de sorrir quando ouve a mais velha roncando. Embora ela estivesse meio dormindo, meio acordada durante toda a conversa, ela lembra muito bem de provocar Lauren a respeito disso.

"Eu amo você." Camila murmura antes de encerrar a chamada. Ela queria dizer o que disse, não importando se Lauren ouviria ou não.

Camila esfrega seus olhos inchados e passa os dedos pelos cabelos desgrenhados. Sua mãe está no andar de baixo? Ela vai dizer alguma coisa? O que vai acontecer agora? Camila fugiu antes que pudesse descobrir, mas agora é hora de encarar a realidade.

Ela rapidamente escova os dentes, lava o rosto e troca de roupa no banheiro. Então recolhe suas coisas e as coloca dentro da mochila, prolongando ao máximo o tempo em que permanecia no andar de cima. Ela esperava que sua mãe não estivesse lá embaixo para que Sinu não pudesse confrontá-la.

Mas a mulher estava.

Sinu está sentada no sofá com uma xícara de café na mão. Ela está ainda mais acabada do que estava ontem à noite, o que Camila achava não ser possível.

Elas fazem contato visual, mas Camila se recusa a quebrá-lo. Ela estava cansada de viver com medo da própria mãe.

"Você vai voltar pra faculdade?" Sua mãe pergunta com um tom de voz estranhamente calmo.

Os olhos de Camila se arregalam por uma fração de segundo. Porra, ela nem pensou no que poderia acontecer com a faculdade agora. Eram os seus pais que pagavam por tudo... Eles parariam da pagar depois do que aconteceu ontem? Eles seriam mesquinhos a ponto de fazê-la largar a faculdade e deixá-la sem um teto para morar?

Camila engole em seco e assente lentamente com a cabeça.

"Não visite o seu pai no caminho. Eu tenho absoluta certeza de que ele não gostaria de vê-la."

As palavras que saíram da boca de sua mãe deveriam ser como um soco no estômago, mas Camila não se deixa afetar. Na verdade, ela se sente indiferente.

"E o mesmo serve para mim." Sinu continua sem demonstrar o mínimo de hesitação. "Então assim que você se formar, você estará por conta própria. Nós não iremos mais te sustentar depois que você terminar a faculdade."

A fala de sua mãe fez Camila se sentir bastante aliviada. Ela ainda teria que se preocupar com o seu futuro a partir da formatura, mas ela pode deixar isso para depois.

"Ok."

Sua mãe não demonstra ter mais nada a dizer, então Camila interpreta isso como um sinal para ir embora. Ela coloca o tênis e veste a jaqueta. Então ela pega seu molho de chaves e procura pela chave da casa antes de colocá-la sobre a mesa. Não é como se ela fosse precisar dessa chave algum dia.

Ela abre a porta e está prestes a colocar o pé para fora quando escuta a voz da sua mãe mais uma vez.

"E não entre mais em contato comigo ou com o seu pai." Sinu diz com a voz inabalável. "Você não faz mais parte dessa família."

Camila deixa escapar uma risada incrédula. A essa altura, ela está com a metade do corpo para fora da porta, querendo voltar para o campus agora mais do que nunca. Mas antes de sair de uma vez, ela responde, em alto e bom som.

"Nunca pareceu que eu fazia parte dela, de qualquer maneira."

Continue Reading

You'll Also Like

55.3K 2.2K 83
na qual Camila tem Lauren por alguns meses ~*~ por larryzuada muke adaptada para camren
319K 15.1K 64
• Onde Luíza Wiser acaba se envolvendo com os jogadores do seu time do coração. • Onde Richard Ríos se apaixona pela menina que acabou esbarrando e...
90.8K 9.3K 46
- No século 20 não precisava de muito para você ser considerado fora dos padrões e automaticamente ser visto como uma pessoa com algum problema menta...
20.2K 2K 49
[Concluída] - Lauren, eu não deveria dizer, mas sim eu te amo e talvez sempre ame, porque uma parte minha sempre será sua. Realmente podemos fazer...