Entre Vidas III: Ruby (Degust...

By JulianaLeite6

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No ano de 999 d.C, em uma Inglaterra falida com Vikings controlando suas costas marítimas e a igreja dominand... More

Cornualha
Sacerdotisa
Mudanças
Perdas e Ganhos

Destinos Traçados

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By JulianaLeite6


Ruby estava na feira com sua irmã mais nova, Dóris. Era uma manhã quente em Londres. Ela não via a hora de terminar e voltar para casa. Aquele fedor nas ruas a deixava nauseada. As duas andavam desviando dos buracos que havia no chão de barro. Comprou as frutas e ervas que sua mãe mandou, usando as poucas moedas que ela lhe entregou. Torcendo para que fosse o suficiente, Ruby chegou à última barraca.

— Preciso de alguns morangos — disse Ruby ao feirante.

— Esses estão bons? — Perguntou ele apontando para um punhado da fruta.

— Sim, estão. — Ruby contou as últimas moedas de cobre que tinha.

— Não sabia que o duque havia chegando a esse ponto. — Desdenhou o homem.

— Não é da sua conta! — Gritou Dóris. Ruby segurou o braço da irmã com força.

— Aqui estão as moedas. Obrigada — agradeceu Ruby e o homem continuava a olhar com cara feia para a menina de doze anos.

As duas seguiram para a casa com as compras que teriam que bastar para toda a semana.

— Dóris, eu já lhe disse para não falar assim com as pessoas!

— Ele quis humilhar a gente! — Defendeu-se a menina.

— Você sabe que precisamos da boa vontade dos feirantes. Nosso pai...

— Está falido, eu sei — disse Dóris desanimada.

— Se você não quer passar fome, controle-se!

Chegaram a uma casa, outrora bonita. Ficava perto do palácio do rei. Entraram e foram direto para a cozinha.

— Acho que consegui tudo — informou Ruby, colocando as compras em cima da mesa.

— Certo — disse a mulher de meia idade a sua frente. Mary lembrava muito sua casa, era óbvio que foi uma mulher muito bonita, mas estava descuidada, com os cabelos sempre presos de qualquer forma, as roupas velhas e presa àquela cozinha. O que a deixava com um péssimo humor, já que sempre tiveram criadas. Até que seu marido perdeu todas as posses, só sobrando a casa.

Joseph era um comerciante, mas desde que os vikings dominaram os principais portos de saída da Grã-Bretanha, se viu obrigado a vender todos barcos e dispensar funcionários. Com três filhas mulheres para sustentar, tudo estava cada vez mais complicado. Porém, não era só o Joseph que minguava. A Inglaterra estava falida. Sem conseguir fazer comércios com os vizinhos, ficava dependendo da saída ao mar pela Cornualha, que possuía uma monarquia própria e sempre cobraria pela utilização do seu porto. De nada servia os títulos de nobreza num país naquela situação.

Ruby foi ao quarto que dividia com as irmãs. Sua irmã um ano mais velha, estava há dias de cama com uma doença sem explicação.

— Como está se sentindo? — Perguntou Ruby.

— A minha cabeça ainda está doendo muito, mas o enjoo melhorou um pouco — Lara era uma moça de vinte e três anos. Loira, com longos cabelos cacheados e olhos azuis. Às vezes perguntavam se ela e Ruby eram gêmeas. A irmã do meio era apenas um pouco mais baixa, tinha o cabelo menos cacheados e os olhos verdes.

— Vamos tentar comer alguma coisa? — Lara acenou que não com a cabeça. — Você não comeu nada ontem! Não vai passar hoje de novo sem comer!

— Está bem...

— Vou preparar uma sopa então. — Ruby colocou as mãos na testa da irmã. Estava sem febre. — Papai disse que padre Sean vem hoje aqui lhe ver.

Ruby deixou o quarto e seguiu para a cozinha fazer a refeição de Lara. E não vendo a caçula da família, perguntou a mãe:

— Onde está a Dóris?

— Não sei.

— Mamãe a senhora devia saber. Dóris não pode ficar por aí sozinha.

— Escute, menina. Você não pode me dizer o que fazer.

— A gente não tem culpa — disse Ruby. Nunca havia falado assim com a mãe, mas estava cansada de ter que cuidar das irmãs. Se dependesse de Mary, a Lara já teria morrido de fome e Dóris sumido no mundo.

— Eu devia ir embora.

— Devia mesmo. A senhora não se importa conosco e faz de nossas vidas um inferno! Já não basta não termos mais dinheiro a senhora fica com esse humor horrível!

— Eu não nasci para terminar a vida assim! — Exclamou Mary beirando o histerismo.

— Ninguém nasce para passar a vida assim! — Ruby não acreditava no quanto a mãe era egoísta.

— Senhoras, estou ouvindo os gritos lá de fora — disse o padre Sean entrando na cozinha.

— Minha mãe anda muito nervosa ultimamente.

— Senhor padre, essas meninas me enlouquecem! Não me respeitam, não me ajudam em nada. — Ruby escutava com a cabeça baixa, adiantava gritar na frente do padre? Mary se retirou.

— Ela vive tendo esses ataques agora — revelou Ruby ao rapaz a sua frente, de olhos e cabelos castanhos escuros. Tinha Sean como um amigo e desde que ele assumiu a paróquia da parte oeste de Londres, era estranho chamá-lo de Padre Sean, afinal ele era pouco mais novo que ela. Na frente dos outros o tratava por senhor, mas quando estavam as sós era seu velho amigo Sean.

— Tente ter paciência, sua mãe foi criada para ser uma princesa.

— Eu tenho. Juro que tenho, é que hoje está sendo especial. Parece que você adivinhou.

— Encontrei com seu pai logo cedo, estava nervoso.

— Ele vive nervoso.

— Achei que era uma boa ideia visitá-las.

— E foi mesmo, preciso de um amigo às vezes.

— Ruby, você sabe que antes de ser padre sou seu amigo, não é?

— Sei sim — concordou sorrindo.

— O que ia fazer?

— Vou fazer uma sopa para Lara, ela finalmente aceitou comer alguma coisa. Você podia fazer um favor? Dóris sumiu, poderia procurá-la?

— Sim, claro. — Sean saiu pela porta da cozinha para procurar a garota no quintal, cheio de galinhas e porcos.

Ruby cortou alguns legumes que encontrou e jogou numa panela com água e um pouco de sal. Imaginou que era melhor não usar carne. Sua mãe daria um chilique.

— Encontrei! — disse Sean entrando com Dóris na cozinha.

— Onde você estava mocinha? — Perguntou Ruby.

— Estava brincando, oras.

— Estava brincando em cima de uma árvore — disse Sean.

— Eu já lhe disse para não ficar subindo em árvores sozinha, e se você cai sem ninguém por perto? E olha sua idade. — Dóris ficou com a cara emburrada, mas não conseguia ter raiva da irmã que era a única que se importava com ela naquela casa. — Escute, quando a sopa ficar pronta, leve-a para Lara.

— Está bem. — Dóris assentiu sentando-se à mesa. Assim como os outros.

— Como você vai Dóris? — Perguntou Sean.

— Não estou doente, pelo menos, mas todo mundo ficou muito chato. Mamãe só faz gritar, papai só reclama, a Lara naquela cama e...

— E a Ruby? — Provocou a irmã mais velha.

— É chata, mas cuida de mim.

— Está vendo, você tem uma irmã que cuida de você. Lembre-se de quantas crianças estão nas ruas em Londres.

— Não é porque a vida de todo mundo virou uma porcaria que a minha tem que ser também.

— Não fale com o padre desse jeito — brigou Ruby e se virou para Sean. — Esse é o clima feliz que todos vivemos ultimamente.

— Tenho visitado muitas famílias. Tem coisas que nem valem a pena serem ditas aqui, mas posso dizer que do jeito que as coisas estão indo... Esse reino vai se acabar. Não sei por quanto tempo o rei vai segurar os Vikings que a cada dia se aproximam de Londres.

— E como Roma vê isso? — Perguntou Ruby.

— Bem, dizem que os Vikings são hereges que tem que ser combatidos. Recebi uma carta dizendo que vão substituir o bispo de Londres. Disseram que o bispo era fraco. Vamos ver se muda alguma coisa.

— Fraco em que sentido?

— Para o Papa, o bispo está deixando os fiéis muito soltos e sujeitos a influências diabólicas.

— Espero que não comecem a queimar pessoas na rua — ponderou Ruby. Sabia o que a igreja andava fazendo não oficialmente em outros países, porém os julgamentos ainda não haviam chegando na Inglaterra.

— Ruby, eu realmente não sei — disse Sean com feição de preocupação.

— Era só o que faltava, as coisas já não estão ruins o suficiente.

A porta da cozinha se abriu e Joseph entrou na cozinha.

— Ah, padre, já está aqui? — Perguntou o homem de meia idade de cabelos e barbas loiras. — Dóris vá chamar sua mãe e Ruby vá chamar a Lara.

— Pai, a Lara ainda está muito fraca. — Ruby avisou vendo Dóris ir chamar Mary.

— Pois ela agora tem que ficar boa o quanto antes.

— Como assim?

— Traga ela aqui e vai descobrir.

Ruby subiu as escadas até o quarto, apressada.

— Lara! Não sei o que está acontecendo, mas papai quer você lá embaixo.

— Eu estou fraca...

— Vamos, eu lhe ajudo. Parece ser importante. — Ruby ajudou a irmã a ficar de pé e passou o braço direito dela em cima do seu ombro. Lentamente chegaram à cozinha e lá já estavam Dóris e Mary.

— Estão todas aqui. Tenho um anúncio muito importante para dar — disse Joseph. — A Lara irá se casar com o rei Henry da Cornualha.

— O quê? — Perguntaram as três irmãs de uma vez.

— O rei me informou. Sou seu primo, único parente vivo e para atar laços com a Cornualha, ele deu sua mão em casamento.

— Vocês querem que eu me case com um desconhecido, herege e vá morar naquele fim de mundo? — Perguntou Lara.

Ruby pensava que só podia ser uma piada. Sean devia saber e por isso foi à casa delas.

— Você sabe que não adianta discutir. Isso tirará nossa família do buraco e ajudará a Inglaterra! — Exclamou Mary, assustadoramente feliz.

— Além do absurdo que é isso, a Lara está doente! Mal consegue andar, como vai viajar? Casar-se? Vocês estão loucos! — Gritou Ruby.

— Fale direito comigo, mocinha! — Ordenou Joseph.

— Vamos ficar calmos — pediu Sean.

— Como ficar calma com meu pai querendo que eu vá viver com um selvagem do outro lado do país? — Perguntou Lara.

— Não sou eu que quero. São ordens do rei! — Joseph rebateu.

— Que se dane o rei! Ela é sua filha! — Gritou Ruby. Joseph foi até ela e deu um tapa no seu rosto.

— Que você nunca mais repita isso! Podemos perder tudo se alguém ouvir algo do tipo!

— Perdemos mais o quê? Porque a sanidade vocês já perderam faz tempo! — Dóris explodiu e saiu correndo para o quintal.

— Você vai para a Cornualha em dois dias conhecer seu noivo — disse Joseph para Lara, que começou a chorar.

— Pai — começou Ruby, ainda com a bochecha ardendo do tapa, tentando falar o mais calmamente possível —, deixe-me ir com ela. Posso cuidar dela no caminho é loucura mandá-la assim, sem cuidados. Por favor! — Lara olhou agradecida para irmã.

— Não vejo porque não. Menos duas bocas para alimentar. Façam esse tal de Henry não desistir do casamento por causa dessa sua cara de doente — disse Mary.

— Como clérigo daqui, posso conseguir autorização para acompanhá-las. Já que é um casamento da realeza — informou Sean. Ruby não poderia estar mais agradecida.

— Está certo — concordou Joseph. — Vou fechar os detalhes com o rei. — Ele se retirou e Sean o seguiu.

— Mãe, a senhora me surpreende a cada dia. Menos bocas para alimentar? — Perguntou Ruby. — Em nenhum momento se preocupa com sua filha nas mãos de um estranho?

— Todas nós passamos por isso na vida. E ela vai se casar com um rei, que lhe dará uma vida bem melhor do que a minha. Ela devia estar agradecida pela sorte que teve — respondeu Mary. — E essa sopa aqui?

— É para Lara. Quando ficar pronta pode me avisar? — Perguntou Ruby.

— Sim — respondeu Mary.

— Ruby, me ajuda a subir? — Pediu Lara.

— Claro!

As duas subiram para o quarto. Lara deitou-se na cama e Ruby sentou ao seu lado. As duas se olhavam querendo entender o que havia ocorrido.

— Por que nossos pais são tão ruins? — Lara começou.

— Eu não sei.

— Eu nunca vou agradecer você querer ir comigo.

— Como se eu fosse deixar você ir sozinha.

— Meu Deus. Ir casar como um herege! Nem cristão ele é, Ruby!

— Vamos ver. Talvez ele não seja uma pessoa ruim.

— A probabilidade de que seja é enorme! Imagina um homem sem moral cristã. Homens já são ruins.

— Lara, não tire todos os homens pelo nosso pai. O Sean é uma boa pessoa.

— Ele é padre. Não conta.

— Está bem. Você me pegou! Mas saiba que estarei ao seu lado. Vou fazer o possível para ficar com você e enfrentaremos isso juntas.

— E a Dóris.

— Meu Deus... E a Dóris? Ela não pode ficar aqui sozinha! Teremos que levá-la também.

— Uma terra estranha cheia de hereges é melhor do que nossos pais?

— Tenho dúvidas — ironizou Ruby sorrindo. — Mas imagina ela aqui sozinha com a mamãe? Vai morrer. Lá eu cuidarei dela. E do jeito que a nossa mãe está louca para se livrar de nós, acho que conseguirei.

— Já falei para mamãe que vou junto! — Interrompeu Dóris entrando no quarto. Ela correu e abraçou Ruby.

— Nunca a deixaria aqui — disse Ruby, beijando a cabeça da irmã. — Ficaremos juntas, nós três.

— Mamãe mandou avisar que a sopa estava pronta.

— Vá buscar Dóris, por favor. — Dóris saiu do quarto e Ruby continuou. — A questão vai ser controlá-la. Que personalidade difícil!

— Boa sorte com isso — disse Lara.

O resto do dia correu com as três irmãs ansiosas e nervosas sobre a viagem. Mary passou o dia na cozinha e Joseph fora de casa.

À noite quando Dóris estava dormindo, Mary entrou no quarto das filhas puxando um baú e disse para Lara:

— Aqui está seu enxoval. O rei disse que pagaria seu dote. Está tudo certo.

— Está tudo certo? Mãe, a senhora não pode ser tão fria — disse Lara e Ruby observava atentamente. Mary sentou-se na cama.

— Está vendo isso, Lara? — Perguntou mostrando as mãos. — São calos de trabalhar feito uma égua nos últimos anos. Você não terá calos em suas mãos.

— Apenas no meu coração.

— Criei vocês sonhadoras demais e fora da realidade — lamentou, se levantando.

— A Dóris disse que iria conosco, está certo mesmo isso? — Perguntou Ruby.

— Está. Você e Dóris serão damas de companhia. Toda moça bem-nascida tem damas de companhia — respondeu Mary e se retirou.

— Pelo menos não irão nos separar, não é mesmo? — Ruby tentou animar a irmã.

— Pelo menos. Ruby, nunca falamos sobre essas coisas. Mamãe diz que é pecado, mas o que você sabe sobre um casal. Digo... — Lara disse acanhada. Qualquer menção sobre o que um casal fazia a sós era terminantemente proibido naquela casa.

— Lara... — O que Ruby poderia dizer? — Você sabe que todas as garotas da cidade estão casadas com a nossa idade. Isso ia ocorrer mais cedo ou mais tarde.

— Sim, eu sei. Mas algumas casam com quem amam. Você já gostou de algum rapaz?

— Como? Se não conhecemos nenhum.

— Você e o Sean, digo... Antes dele virar padre...

— Sempre fomos amigos. Apenas amigos. Acho que Sean é um irmão que não tivemos.

— Tenho inveja dos homens. Com certeza da nossa idade eles já estiveram com várias mulheres antes de casar, não são retardados como nós. — As duas sorriram. — Não me entenda mal. Não quero ser uma messalina. Apenas acho que devíamos saber das coisas antes da noite de núpcias.

— Concordo com você. O mundo não é justo conosco. É muita sorte nascer homem.

— Mas você não me respondeu.

— Olha, eu também não sei nada além do que é fofocado pelas garotas na rua. Como você também sabe. Seria ótimo uma mãe de verdade nessas horas. Imagina se fôssemos perguntar a ela?

— Vocês vão para o inferno! Moça de família não pergunta essas coisas! — Lara imitou a voz de Mary. — E ainda diria para o papai que daria uma surra em nós.

— É irmã, só temos umas às outras.

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