O Filho Do Meu Patrão (Romanc...

By qojorgeop95

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Me chamo John Kennedy e tudo começou quando conheci o filho do meu novo patrão. Alto, forte e muito bonito, J... More

O Filho do Meu Patrão
Prólogo
1.Sobre Mim
2. Demitido
3. Secretário Pessoal
4. Surpresas
5. O Filho Do Patrão
6. Desejo Perigoso
7. Herói
8. Presente De Desculpas
9. Doce Vingança
10. Colega De Trabalho
11. Jogo Perigoso
12. Me Desculpe
13. Alguns Medos
14. Escolhas
15. Erros Ou Acertos
16. Ficha Suja
17. Eu Te Amo
18. Redenção
19. Do Céu ao Inferno
Mary Kennedy (Small Chapter)
20. Visita Surpresa
21. Medos e Preconceitos
22. Cuidado
23. Verdades Reveladas
24. Eu Não Te Amo
25. Covil dos Abutres
26. Negócios
27. A Queda Part. 1
28. A Queda Part. 2
29. Fique
Uma Ligação Inesperada (Smal Capter)
30. Felizes para Sempre
31. Primo Kennedy
32. Bem-vindos a Porra do meu Noivado, Viados
33. Um Possível Romance
34. Um Possível Romance Part 2
35. Sem Promessas, Sem Decepções
36. Feridas
37. Pelos seus Pensamentos, Um Beijo
39. Sombras
40. Desejos Lícitos
41. Carla Findy
42. Carla Findy Part. 2
43. A Caça e o Caçador
44. Ultimato
Júnior Louis (Small Chapter)
45. Verdades Óbvias
John Kennedy (Small Chapter)
46. Despedidas
47. Ao Pôr-do-Sol (Extra Chapter)
Touch
Agradecimentos
Curiosidades
Playlist Spotify e YT Music (YouTube)
Almanaque Ilustrado de O Filho do Meu Patrão
3 Mil Vidas: Primeiro Capítulo

38. Sacrifícios

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By qojorgeop95

Em contraste com a tranquilidade do interior, Fortaleza parece nunca parar. Eu até havia sentido falta de todo aquele barulho urbano. Meu coração se instalou naquela cidade assim como o da Anna também o fez. Gostávamos da liberdade, do ritmo rápido, e até da correria. Isso, no começo quando viemos morar aqui, nos mantinha focados e ocupados sem pensar em desistir ou voltar atrás. Era um meio de esquecer nossos pais também. Acabamos gostando.

— Lar doce lar — diz Anna se jogando no sofá.

O apartamento nem parecia que havia ficado uma semana e alguns dias fechado. Evan levou as malas para o quarto e eu fui pra cozinha ver o que tinha na geladeira.

Voltar a rotina normal não seria tarefa fácil, mas quanto mais rápido eu o fizesse, melhor seria.

Meu celular vibrou. Era um e-mail de meu patrão. Eu havia enviado um pedido de resposta em relação a minha situação na empresa para ele na hora que eu fui para a rodoviária e agora eu tinha a resposta. Era quase certeza que eu estava demitido. Mesmo Anna ter deixado meu patrão a par de tudo. Mas vamos ser sinceros, eu mais estava ausente do que de fato trabalhando. No fundo, eu precisava mesmo mudar de emprego. Estava na hora.

Abri o e-mail. A resposta eu notei na hora que foi escrita por outra pessoa.

Sr. Kennedy

A empresa Louis sente muito sua perda. E não se preocupe, pode recomeçar o dia que quiser, respeitando seu luto o tempo que achar necessário.

Assessoria Louis

Não sei o que pensar, então tento enumerar.

Número um: estranho.

Número dois: muito, muito estranho.

Não esperava que ele me xingasse ou algo assim — ou talvez, esperava sim — mas esse tipo de e-mail, se tratando do meu patrão, é no mínimo suspeita. Mesmo escrita por outra pessoa, passaria pela supervisão dele. Sempre passava. Tudo tinha que estar a seu gosto. E definitivamente, isso não é o tipo de coisa que meu patrão apoiaria.

Respondo depois de alguns minutos.

Sr. Louis
Voltarei amanhã.

Sr. Kennedy

— Tem certeza que quer começar logo amanhã? Digo, porque não te dá um pouco mais folga? — Anna tenta disfarçar, mas eu sei que ela está preocupada.

— Não se preocupe. Eu estou bem.

Então me lembro de Júnior pela primeira vez desde que ele foi atrás de mim. Ainda me pergunto como ele pôde ser tão cruel por ter feito aquilo.

A lembrança ainda me causa náuseas no estômago, mas apenas isso. Estou disposto a não mais sofrer por ele.

Júnior Louis não é digno de meu sofrimento. Foi por isso que o expulsei naquela noite de minha casa. Ele queria mais de meu sofrimento. Esse era o seu jeito psicopata de ser. Afinal, por que mais ele atravessaria o país?

Na manhã seguinte sinto ainda mais vontade de continuar, ir em frente. Parece, que de um jeito sobre-humano consegui forças pra seguir com meu cotidiano. Então aproveito esse momento e tento voltar minha vida ao normal.

Só que normal não se aplica ao meu local de trabalho. Acho que nunca se aplicou. O escritório está pior que eu imaginava. Os dias que fiquei ausente não acompanhei as notícias. Um erro meu não ter lido antes de chegar naquele pequeno inferno.

Eu não sei como tive coragem em enfrentar a multidão de jornalistas em frente ao prédio. Só que coragem não é o termo correto e só percebi isso depois notei a teia de pessoas na qual fiquei preso. Consegui entrar, mas não conseguia sair do outro lado. Dezenas de pessoas falando ao mesmo tempo, pedindo, mandando, implorando alguma notícia de meu patrão. Eu não conseguiria dizer nada mesmo se quisesse. Literalmente eles me sufocaram. Então comecei a empurrar inutilmente as pessoas para que abrissem caminho.

Nada.

Por alguns minutos achei que iria ficar preso ali para sempre até alguém me puxar. Alguém que fez os jornalistas se exaltarem ainda mais, porém, esse, diferente de mim, tinha a força de um touro.

Júnior Louis enfrentou o mar de gente e me resgatou dele.

Quase romântico.

Quase.

— Posso saber porque não entrou pelos fundos? — grunhiu ele, como se tivesse alguma razão.

— Porque não sabia que ainda estava essa baderna — resmunguei de volta, me limpando e verificando se estava tudo no lugar.

— Como se não desse pra ver do outro lado do quarteirão — ele insistiu.

Ele estava irritado. Bravo. Chateado? E daí?

— Se você não tivesse "causado" em sua festa de noivado, nada disso teria acontecido.

Ele cruzou os braços. Achei que iria ficar mais irritado, mas ao invés disso, apenas soltou um longo sorriso.

Aquele sorriso.

— Você não sabe né?

— Não sei o que? — então saquei tudo — Júnior... Você aprontou de novo?

Ele deu de ombros.

— Você tem quantos anos? Dez? — continuei. Agora eu é que estava irritado.

Ele não gostou da minha pergunta — que foi bem sarcástica — mas respondeu em um tom mais sarcástico ainda.

— Crianças de dez anos não fazem o que fiz.

Então antes dele falar algo eu peguei o celular e olhei as principais manchetes locais da semana.

E lá estava pra todos se contemplarem. O verdadeiro motivo para que todos os jornalistas do Ceará estarem em frente ao escritório do Sr. Louis.

Filho de um dos maiores advogados causa de novo, dessa vez em local público.

Dizia uma das notícias. Tinha até medo de abrir o link e ler a matéria por completo. Apenas o olhei ferozmente.

— Você sabe que eu terei que contornar essa situação, né? Você sabe que no fim quem limpa esses seus podres somos nós, empregados do seu pai. Não sabe?

— Vocês não precisam resolver nada. É só deixar.

— É só deixar — repeti as palavras dele em tom de deboche — somos empregados, e não os filhos dele que podem aprontar e sair impune. Se não fizermos o trabalho, somos demitidos.

— Eu queria ser demitido da vida do Sr. Louis — Júnior disse mais pra si mesmo do que para mim.

— Cada um tem o fardo que merece — digo rispidamente antes de sair.

Caminho até a sala de meu patrão. Ouço os gritos eufóricos dele mas a maioria fora abafados pelo inferno que acontece do lado de fora do escritório que é ainda mais ensurdecedor.

— Ah, olha quem apareceu — diz ele ao me ver — temos um problema aqui — ele aponta para janela, como se eu não soubesse. Como se eu quase não tivesse sido carregado pelos sedentos de informação lá fora — e temos outro problema aqui — ele aponta para o tablet ligado sobre a sua mesa, se referindo as notícias.

O único problema é seu filho, chefe.

— Tem alguma ideia de como resolver isso — ele realmente fez aquela pergunta, sem nenhuma ironia, sem nenhum sarcasmo.

O pior, o Sr. Louis realmente esperava uma resposta.

Pensei em minhas opções. Não havia nenhuma ideia de como resolveria aquilo tudo. De repente lembrei do que Júnior havia me dito minutos atrás.

Vocês não precisam resolver nada. É só deixar.

Só deixar.

Então uma ideia surge. Algo como uma luz no fim do túnel.

— Jornalistas e repórteres gostam de notícias — digo, e ao ver pela impaciência de meu patrão, logo continuo — notícias impactantes. Só precisamos de mais uma.

— Você está de brincadeira comigo — diz ele, irritado — essa não foi suficiente pra você.

Vejo um pouco de hostilidade em seu tom de voz, algo fora do comum.

— O senhor entendeu errado. Digo, uma noticia que os distraia. Que os façam focar em outra coisa.

— Acho que estou entendendo — diz um de seus empregados atrás dele.

— É claro que está, você é pago pra isso seu imbecil — bufa o Sr. Louis.

O menino murcha atrás dele. Suspiro fundo. Ele ainda não entendeu.

— Se criarmos um Fake News. Uma notícia falsa comprometedora, mas que seja fácil de provar o contrário. Isso tiraria o foco do seu filho por tempo suficiente para todos esquecerem.

— Entendi. Mas nada de notícias sobre mim ou minha família.

— Então sobre quem?

Ele sorriu maliciosamente. O Sr. Louis nunca pareceu tão diabolicamente perverso como naquele instante.

— Qualquer um. Que não seja da minha família.

— Mas... Isso é crime — lembrei a ele.

Mas parece que com o meu patrão não existe leis. Uma ironia já que ele é advogado.

— Tempos difíceis requer atitudes difíceis — foi tudo que ele disse antes de chamar seu batalhão de empregados que cuidam de sua imagem.

Me senti culpado por ter dado a ideia. Não esperava que tomasse aquele rumo. Nunca foi minha intenção. Então foi aí que eu percebi. O Sr. Louis não media esforços para conseguir o que queria. Família acima de tudo, era a desculpa dele.

Ninguém tocava em sua família perfeita e feliz. Ninguém ousaria, não é mesmo?

Não é mesmo, John?

Engulo seco. Meu coração acelera rápido ao me perguntar o que o Sr. Louis faria se soubesse que tive um caso com seu filho?

Ele notou. Tenho certeza que notou minha inquietação ao seu plano. Prejudicar uma pessoa inocente só para limpar sua imagem. O pior é que a ideia foi minha. Eu me sentia um lixo humano.

— Vá cuidar de algumas coisas na minha casa. Meu escritório está uma bagunça, você sabe, ficou muito tempo ausente. Precisa recuperar o tempo perdido.

Não questionei. Apenas peguei a agenda e chamei um taxi. Ele também não me queria ali, vendo tudo. Provavelmente com medo que eu denunciasse ou algo assim. O Sr. Louis não confiava em mim. Nunca confiou, e ainda menos depois de todos esses acontecimentos. Eu podia sentir sua desconfiança sobre mim. Eu não tirava sua razão. Se aprofundasse sua investigação, descobriria que tinha razão por desconfiar tanto assim de mim.

Mas não importava. Quanto mais longe daquele crime, melhor seria. Só que me distanciar não fez me sentir melhor. Só piorou as coisas. E quando me atolei entre os infinitos papéis desorganizados do meu patrão em seu escritório, sozinho, só me fez pensar ainda mais no caso.

Você não pode deixar isso acontecer.

Eu não tenho culpa. Só dei uma ideia.

Mas agora você sabe o que ele vai fazer. Se deixar acontecer, é tão culpado quanto.

Me afundo na pilha de documentos, pensamentos a mil. O que vou fazer?

Alguém bate na porta. É Maria, a empregada.

— A Sra. Louis deseja falar com você. Ela está na sala.

Não consigo esconder minha surpresa.

— Tudo bem, já estou indo. Obrigado — digo.

Agora todas as culpas e tensões somem e reaparecem em uma forma diferente, mais delineada.

O que a esposa do meu patrão quer comigo? A última — e única — vez que falei com ela foi no dia que fiz aquela surpresa para Júnior. O que deu muito errado e depois muito certo.

Até hoje tenho incerteza se ela acreditou na desculpa que dei quando fui pego por ela invadindo o quarto de seu filho. Acho que acreditou sim, caso contrário eu já teria sido demitido a muito tempo. Suspirei fundo e fui até lá.

A Sra. Louis estava na sala de estar, seu lugar habitual. Seu habitat. Sentada em um dos sofás de couro. O ambiente todo iluminado e pelas vidraças dava para ver o jardim e a estufa. A mulher se destaca, usando um vestido verde marinho, cujo fica muito bem nela. Seu corpo é de fazer inveja em qualquer adolescente de dezoito.

Seu rosto quase inalterado pelo tempo sorri ao me ver, aparentando algumas suaves linhas de expressão. São suas boas-vindas pra mim. Tudo que consigo fazer é dar um sorriso desconfiado de volta. A presença dela não me intimidou, mas há alguns meses atrás me intimidaria. Só estou surpreso ainda. Não sei o que esperar.

— Maria disse que quer falar comigo — começo. Preciso que aquilo dure o mínimo possível.

Não me sinto confortável com mais nenhum Louis.

— Sim, sente-se por favor.

Me sento em seu sofá. O couro branco faz um barulho quando mudo a sua forma com meu peso. Lembro que há eras atrás, nesse mesmo lugar, dei uns amassos em Júnior. Não podíamos fazer quaisquer movimentos que o sofá acusava. Rompia o silêncio da enorme mansão anoite. A lembrança invade minha mente e me deixa corado. A expulso imediatamente de meus pensamentos.

Maria entra na sala com uma bandeja. Ela repousa sobre a mesa no centro da sala. A Sra. Louis não mexe um músculo, toda gloriosa em seu posto-barra-sofá. Ela é elegante, mantém postura e ao mesmo tempo é graciosa. Um par perfeito para seu marido. Encontro algumas características físicas nela que Júnior puxou. Seu nariz, seus lábios.

Maria pega o bule com a água quente e derrama dentro da xícara. O sachê perfuma a sala quando entra em contato com a água quente.

Eu odeio chá.

— Aceita? — diz a Sra. Louis.

Mas antes de eu dizer não, Maria entrega a xícara em minha mão. Sorrio em agradecimento.

Ótimo, penso.

Tomo um gole e descanso a xícara em meu colo. Ainda estou curioso, quero saber porque ela me chamou aqui.

E claro, não foi apenas para tomar aquela água adocicada de gosto ruim. Ela era um Louis, havia um interesse por trás de toda aquela cerimônia..

Calmamente ela levou a xícara até a boca. Estava testando minha paciência, só pode. Porque ela sabia que eu estava esperando.

Eu juro que vi um sorriso tímido em seus lábios, mas talvez tenha sido apenas minha imaginação.

— O que a Sra. Deseja? — eu fui direto ao ponto.

Estava cansado de todo aquele rodeio. Eu tinha coisas para fazer ao invés de brincar de tomar chá e sorrir.

— Ah, é só um pedido — diz ela em um tom mais doce do mundo.

Fiz um gesto para que ela prosseguisse. A mulher repousou a xícara no colo como eu tinha feito e disse:

— Se afaste do meu filho — nunca a tinha visto falar daquela maneira. Era sombrio, rude e extremamente ameaçador.

A mudança em seu tom de voz de uma hora pra outra, seu olhar ameaçador, tudo me fez duvidar se era real. Aquela não parecia ser a Sra. Louis que tanto ouvia falar por Júnior. Aos olhos dele, a Sra. Louis era uma mulher de princípios, justa e acima de tudo uma pessoa do bem. Seu único defeito era seguir cegamente as ideias do marido.

Como aquela mulher e essa diante de mim poderiam ser a mesma?

Bom, Júnior mentiu sobre seu sentimento por mim, porque não mentiria sobre a própria mãe?

Apesar de seu olhar intimidador eu não tive medo. Pelo contrário, me controlei para não dar um grande sorriso diabólico em resposta.

Quando você trabalha com cobras, depois de diversas picadas, se torna imune ao seu veneno. Eu estava imune a qualquer veneno da família Louis.

— Desculpe, Sra. Louis, mas eu não entendi.

— Você entendeu sim. Você é esperto. Eu venho te observando todo esse tempo. A maneira como olha para meu filho.

— E a maneira como ele me olha, a senhora também notou? — eu estava afiado.

Ela se espantou com minha pergunta. Ou era com a minha ousadia? Ou melhor, será que era pela minha total falta de intimidação? Um Louis não estava acostumado com pessoas que não a obedecia.

Eu notei isso em todos. O meu Patrão sempre gostou de mandar. Júnior nem se fala. Não seria diferente nela. Porém, a vadia aqui estava cansada de receber ordens de algum Louis. A vadia aqui estava rebelde hoje.

— O que quer dizer?

Terminei de beber meu chá. A água adocicada agora parecia ter um ótimo gosto. Ela teve que me esperar também.

Repousei a xícara de chá sobre a mesinha.

— Não se preocupe, Sra. Louis. Eu e seu filho não temos nada. Não mais.

Eu juro que quase vi ela derrubando a xícara que segurava.

Me levantei tranquilamente, pedi licença e antes de virar para o corredor do escritório olhei para trás, ela me observava ainda impactada pela minha atitude.

— Aliás, você deveria mandar seu filho se afastar de mim. Ele é que vive correndo atrás e não o contrário.

Eu não fiquei para escutar a resposta dela. Nem a senhora Louis veio atrás de mim para explicações. Louis não faziam isso. O que significaria que eu teria uma demissão na certa no dia seguinte, ou, a tranquilidade desejada desde que conheci o filho do meu patrão. Dentro de mim estava ocorrendo alguma coisa estranha. Eu deveria me sentir péssimo, mas eu estava ótimo! Assustadoramente bem. Aliviado.

Deveria temer perder meu emprego. Mas tudo que sentia era dever cumprido. Não me rebaixaria mais a esse papel com ninguém. Chega.

As tarefas depois disso renderam incrivelmente bem. Foi rápido.

Fui pra casa. Tomei um banho e assisti um filme com Anna. Evan mandou mensagem dizendo que iria para a fazenda dos patrões. Iria dormir por lá mesmo. Depois me mandou uma mensagem explicando os motivos, mas na primeira linha eu já desliguei o celular.

Evan não precisava me mandar explicações de onde ia ou do porquê. Éramos livres para fazer o que quiséssemos. Então não visualizei o restante de suas mensagens para não dar aquela deixa, você sabe.

Aquela que não é dita em voz alta, mas se você permitir, já é obrigado a fazer o mesmo. De repente se você eventualmente esquecer de dar detalhes sobre sua vida, vai haver uma discussão, mesmo até antes de tudo se oficializar.

Eu temia que aquilo que tínhamos, evoluísse para algo maior e mais sério. Eu não queria namorar com mais ninguém. Pelo menos, não por enquanto.

— Como vai ficar você e Evan? — Anna parece ler pensamentos.

Coincidentemente — ou não — assim que li a mensagem de Evan e disse a ela, minha melhor amiga resolveu fazer a majestosa pergunta.

— Vai ficar como está.

— Não acho que seja suficiente para ele — Anna sabe de algo que eu não sei.

— Anna, você não é de achar. Quando você tem certeza apenas diz. Então, se está sabendo de algo, o que eu tenho certeza que está, me fale agora.

Ela revirou os olhos. Fez uma cara tipo "tá bom, você me conhece tão bem" e se virou no tapete para minha direção.

— É o seguinte, Evan comentou comigo que está com medo.

— Medo de que?

Ela está receosa em me dizer. Morde o lábio inferior e olha para os lados. Anna está pensando se deve me contar ou não. Melhor, a essa altura ela já sabe que não vai se segurar e me dizer, só está avaliando as consequências, no qual quer dizer que é bem sério.

— Evan quer te pedir em namoro. Pronto falei.

Abro a boca, mas não digo nada.

Como ele pode estar pensando nisso depois de tudo que eu disse? Depois de ter confessado para ele que não conseguia ter um novo relacionamento por agora.

Reencosto no sofá, preocupado. Não comigo, mas com meu primo.

Eu conseguiria dizer não para aquele cara que foi uma das poucas pessoas que me ajudou e deu apoio quando eu mais precisei? Conseguiria negar o que seria minha única chance de ser feliz?

Sim, disse meu subconsciente, você conseguiria. Sabe porquê? Porque você não o ama.

Meus olhos se fixam na televisão. Não vejo nem escuto nada. Só consigo pensar em como serei cruel, e o quanto aquilo vai machucar nós dois.

Esse pedido não pode acontecer.

— Não — digo em voz alta.

Anna se vira pra mim.

— O que disse, querido?

— Você vai convencê-lo a não me pedir em namoro.

Essa seria a única saída. Ninguém toca no assunto e todos somos felizes, certo?

— Você não quer?

— Eu não posso — finalmente digo.

Estava realmente esperando um e-mail ou um telefonema informando minha demissão por justa causa.

Pra minha surpresa e decepção não recebi nada, nem um mísero correio de voz. Então pensei que meu patrão quisesse fazer isso pessoalmente. Daquele jeito que ele adora: um grande discurso — de preferência homofóbico, porque ele adora ofender as pessoas gratuitamente — e depois a demissão. Já visualizava as palavras que ele usaria. A justificativa. As regras que ele recitaria assim como o fez no meu primeiro dia para lembrar que eu as quebrei.

Eu provavelmente sorriria na cara dele. Um sorriso diabólico. Seria o mais afeminado possível. Literalmente rebolaria na frente dele. Imagino até o velho tendo um infarto súbito por tal insulta.

Eu adoraria. De verdade.

Só que quando cheguei tudo corria normal. Mais agitado do que de costume por causa dos escândalos, porém, apenas isso.

O Sr. Louis ficou apenas uns minutos em sua sala e depois saiu apressado. Disse para que eu o seguisse. No meio do caminho até o carro mandou eu voltar para pegar os documentos que ele havia esquecido. Ainda resmungou dizendo que era tarefa minha lembrar, eu é que cuidava disso. Como se ele tivesse me dado tempo para pelo menos entrar na maldita sala.

Revirei os olhos — de costas pra ele, é claro.

— Velho irritante — disse baixinho quando estava longe o suficiente.

Entrei na sala e peguei os documentos. Dei uma olhada rápida. Era uma ficha com dados de uma pessoa. Dennis Fircher.

Uma pontada surgiu em meu coração.

Minha única reação na hora foi pegar o celular e tirar fotos daqueles documentos. Presumi que fosse seu plano. Ainda era ideia minha, ainda era minha culpa de certa forma.

Dá tempo de impedir, minha mente sugeriu.

O impeça.

Como?

— Você disse alguma coisa a minha mãe? — Júnior entrou na sala de repente. Parecia irritado.

Quase tive um infarto. O xinguei em pensamento e apenas as balbuciei em voz alta.

Então percebi que a Sra. Louis não havia dito nada para o marido. Ela correu para o filhinho. Uma ótima tática, admito.

"Dê a seu filho o que odiar."

No caso, eu.

— Sim — disse em um tom mais natural do mundo.

Ele esperou pacientemente para que eu continuasse. Vendo que eu não continuaria, perguntou:

— O que você disse?

— Apenas a verdade.

— Qual verdade? — ele era insistente.

Olhei no fundo dos olhos dele, se eu não poderia amá-lo, outros sentimentos poderiam substituir naquele vazio. Eu havia escolhido a vingança.

— Que não temos mais nada.

— O que? — ele parecia não acreditar.

— Você ouviu muito bem.

— Eu não acredito que... — ele colocou as mãos na cabeça.

Estava preocupado, ou, na pior das hipóteses, em pânico. Era evidente que não estava nem um pouco feliz com a minha atitude. Pela primeira vez, ele me olhou com ódio. Eu me assustei. Pior que me assustar, senti um pouco de remorso.

— Você não tinha esse direito — continuou Júnior.

Em seu olhar aquela velha decepção, como se eu tivesse que agradá-lo em alguma coisa. Eu odiava quando me olhava daquela maneira como o estava fazendo.

— Não faça isso — o avisei.

— Fazer o que?

— Agir como se eu te devesse alguma coisa — eu realmente já estava cansado.

Segurei firme os documentos no meu colo. Eu já estava demorando demais ali.

— Mas você deveria — cuspiu ele de volta.

Eu esperei uma ironia em seu tom de voz que estranhamente não estava lá. O que me deixou mais abismado e revoltado. Era como que o absurdo que ele acabou de dizer fizesse todo sentido em sua cabeça doente.

— Deveria é? Te agradecer pelo quê? — coloquei os documentos sobre a mesa de novo e o encarei.

Ele se aproximou de mim, ficamos há uns dez centímetros longe um do outro.

Meu corpo reagiu imediatamente ao estar perto do dele. Era bizarro, pois eu o odiava naquele momento e meu corpo o desejava ao mesmo tempo.

— Eu fiz sacrifícios, John. Sacrifiquei mais do que imagina por você.

— Se sacrifício você quer dizer querer casar com aquela loira sintética eu posso até concordar. Agora não diga que foi por mim.

Ele hesitou. Não foi a primeira vez. Porém, dessa vez foi o mais próximo dele me contar a verdade. Infelizmente o meu patrão chegou nesse exato momento, rompendo nossa breve discussão.

— Pelos céus, John. Você foi fazer os documentos que eu te pedi? — ele já estava estressado... e nem eram nove da manhã ainda.

Assim que ele viu seu filho na sala comigo, perguntou com um tom de ignorância não tão comum:

— O que você está fazendo aqui?

Júnior não respondeu nada, apenas me encarou com mais daquele ódio. Odiava o jeito como seu olhar me incomodava. Depois saiu irritado, sem responder o pai.

Saí de meu transe e peguei os documentos.

— Kennedy — disse meu patrão ao passar por ele.

Seu olhar era gélido e seu tom de voz quando abriu a boca era ameaçador.

— Eu não preciso nem dizer que não quero você de conversinha com meu filho. Pois esse foi um dos termos que discutimos quando te dei o emprego.

Já estava irritado com todos dessa família. Era como se eu fosse o culpado de toda a desgraça que acontecia com eles. Seria verdade?

— Eu sei senhor. Me lembro bem dos termos. Não vai se repetir.

Algo em minha voz não me convenceu. Algo em seu olhar também não acreditou em minhas palavras, porém, o velho do olhar frio apenas assentiu e mandou eu me apressar.

No carro, durante o caminho fiquei pensando em tudo que Anna, Evan e até o que a Sra. Louis disse a respeito de mim e Júnior. Era hora de eu me afastar dele de vez. Não tinha outra. Não havia uma segunda chance pra gente. Talvez meu coração quebrantado e teimoso tivesse com aquela ultima esperança mesmo quando tudo dizia o contrário.

Esses são os mistérios do amor. Essas são as fraquezas de um apaixonado. Apanhar até não aguentar mais e mesmo assim continuar mais um pouco.

Então pensei no que Júnior havia dito.

Eu fiz sacrifícios, John. Sacrifiquei mais do que imagina por você.

Sacrifícios.

Quais seriam? O que seriam? O que isso significava?

Será que a essa altura realmente importava saber? Acho que não.

Foram dois dias. Dois malditos dias em que Júnior me ignorou completamente. Isso não me afetou como afetaria a uns meses atrás quando tudo que conseguia pensar é porque ele tinha me largado. O problema é que agora eu queria que ele falasse comigo. Precisava.

Hoje de manhã o Sr. Louis me mandou desmarcar todos os compromissos dele. Todos. Ele iria colocar seu plano em ação. Naquele dia tudo que meu patrão fez foi guardar os documentos dentro de um cofre em sua casa. Eram provas muito incriminadoras para ficarem a mostra para todos verem. Então que lugar seria mais seguro e adequado se não sua própria mansão?

Vê-lo os guardando dentro de um cofre só reforçou que as fotos que tirei foi a melhor decisão que poderia tomar. O Sr. Louis não queria mais ninguém de olho naqueles papéis. Era seu alvo. O alvo das Fake News que ele forjaria para desviar a atenção de seu filho. Era uma vítima, inocente.

Eu pesquisei sobre Dennis Fischer. Um advogado ativista. Que luta pelos direitos LGBT. Um verdadeiro advogado.

Um alvo perfeito, pensei.

É claro que seria. Meu patrão abominava esse tipo de ato.

O que me fez tomar uma decisão. Eu não deixaria o meu patrão arruinar a vida daquele homem. Eu precisaria agir rápido.

Esperei uma hora em que eu e Júnior estivéssemos sozinhos no escritório. E quando eu digo "sozinhos", quero dizer sem o meu patrão nas imediações.

— Preciso falar com você — digo assim que entro na sala de impressão e o vejo sozinho. Era a minha hora.

— O que você quer agora, John?

— Não se preocupe. Dessa vez não vai ter drama. Já superei essa fase — há um tom de ironia em minha frase e um pouco de verdade.

Ele ergueu a sobrancelha direita. Estava curioso e surpreso ao mesmo tempo.

— Bom — continuei — tenho uma informação valiosa sobre seu pai que você vai gostar.

— E porque eu gostaria?

— Seu pai pretende distrair os jornalistas inventando uma notícia falsa sobre outra pessoa. Se você jogar no ventilador, vai prejudicar ele. E é isso que você quer.

— Quem disse que eu quero isso? — ele estava na defensiva — Você fez seu pai ser expulso do partido antes mesmo de se aliar a ele, deu um vexame em seu noivado, deu a entender que tínhamos um caso ao filho do inimigo de seu pai só pra ele o humilha-lo na entrevista, e fora esse último escândalo. Ou você fez isso pra prejudicar seu pai ou é um maníaco desvairado como eu imaginava que era.

Júnior apertou seus braços cruzados, deixando a forma de seus bíceps mais definidos. Estava mais curioso ainda. Seus olhos brilhavam também ainda mais surpreso.

Eu sei qual eram as duvidas dele. Sabia também qual era o motivo de seu espanto.

— E todo aquele papo de "somos empregados, devemos concertar as merdas que você faz e blá blá blá" — ele tentou me imitar em uma voz fina e irritante.

— Primeiro, não foi bem isso que eu disse. Segundo, ainda penso assim. Terceiro, eu não estou traindo meu chefe ou coisa assim, pelo contrário, estou o ajudando até.

— Conte-me mais sobre como ajudar o chefe ferrando com ele — Júnior é sarcástico.

Suspiro fundo.

Não quero contar a verdade, mas me sinto obrigado.

— Não é isso. Não quero ferrar com seu pai! — insisto, já irritado.

— Então porque está fazendo isso? — ele é insistente.

Baixo a guarda, só um pouco. Sinto meus ombros caindo, a gravidade fazendo seu papel.

— Eu dei a ideia a ele. Quer dizer, não essa ideia especificamente. Eu sugeri que ele inventasse uma história dele que fosse polêmica e ao mesmo tempo explicável para a mídia tira o foco de você. Então ele esclareceria tudo e até lá todos esqueceriam dos fatos, ou, pelo menos daria tempo de arrumarmos uma solução melhor.

— Deixe eu adivinhar. Ele achou a ideia ruim. Disse todo aquele papo de família não se mexe e tudo mais.

Assenti.

— E se alguém for prejudicado por minha causa, eu acho que morro.

Ele me observou. Viu minha preocupação. E disse:

— Desculpe, não posso ajudar.

— Como é que é? — perguntei, incrédulo.

— Isso mesmo. Pensasse nisso antes de ir até minha mãe dizer que eu corria atrás de você.

Revirei os olhos.

— Eu nunca pensei que você faria isso — continuou ele.

— Eu nunca pensei que você fosse um cretino mentiroso, mas aqui estamos nós — disse. Estava estressado já.

Ele me ajudaria ou não?

Houve suspiros de ambas as partes. Dois olhares decepcionados. Duas almas feridas. Dois corações cansados de lutar.

— Sua mãe começou. Ela ordenou que eu me afastasse de você.

Seu olhar era de espanto. Provavelmente ele nunca esperaria isso da própria mãe. Nem eu esperava, imagina ele. Mas ela era uma Louis. É isso que eles fazem, decepcionam. Ele deveria saber disso melhor do que ninguém.

— Ela não pode ter feito isso — diz ele.

Já iria questionar. Dizer que não estava mentindo, mas percebi que ele dizia aquelas palavras mais pra si mesmo. Como se estivesse em estado de negação. Como se estivesse tentando se convencer de que aquilo realmente era uma mentira. Júnior queria que fosse. No fundo, até eu queria.

— Ei fiquei com raiva. Eu me revoltei. Sabe porquê? Porque pessoas como ela e seu pai acham que qualquer gay afeminado é atirado. Que se joga pra cima de qualquer um.

Júnior não parecia me escutar. Estava mergulhado em seus pensamentos.

— Ela não é como meu pai.

— Ela é exatamente como seu pai — disse.

Ele levantou a cabeça e me fitou. Seus olhos encheram de lágrimas. Júnior estava chorando.

Eu realmente não esperava aquilo. Não esperava sua reação. Tá bom, sua mãe era preconceituosa, e daí? Muitas mães são. É doloroso, machuca, mas precisamos apenas sobreviver.

— Você não entende — sua voz estava distorcida — ela não pode ser como ele.

Então ele saiu da sala correndo em passos largos, me deixando algumas dúvidas e centenas de preocupações.

O que ele quis dizer com "ela não pode ser como ele"?

E você?, questionaria a ele.

Você é como eles?

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