Geek

20. formatura

Guilherme.

Disco o número dela enquanto olho pela abertura da cortina na janela, vejo um vulto passar por trás das cortinas na janela dela também e espero ansioso pelo som da sua voz.
Ponho o aparelho no ouvido e antes de concluir o terceiro toque, ela responde com um bocejo.

— alôoo...

— feliz cinco anos de namoro.

Ela riu e respondeu.

— acordou cedo.. Pensei que iria levantar mais tarde.

— e perder você de lingerie em frente a janela?.. Nem pensar.- brinquei.

Ela riu outra vez.

— você me vê de lingerie todos os dias em casa, Guilherme.

— eu sei, mas hoje nós estamos de volta aos nossos antigos quartos, então torna tudo mais excitante. Me sinto com 18 anos de novo.- rio sozinho.

— pra voce tudo é excitante, Geek.

— quando se trata de você sim..

Vou até meu velho guarda roupa e abro uma porta, o cabide com a roupa da formatura já estava lá e passada a mão como minha mãe prometeu.
Suspirei olhando para a beca e me apressei em desligar.

— só liguei para desejar boa sorte..

— obrigada, você é demais.

— você que é. E eles vão adorar seu discurso de oradora.

— tomara que não me achem uma nerd tagarela.

— se precisar de ajuda, sabe que pode contar comigo..

— eu sei.. Afinal de contas..

— os nerds se ajudam.- completei.

— eu vou tomar um banho, tenho que deixar tudo pronto para mais tarde.

— okay, também tenho que ir. Minha mãe quer que eu tome café com eles.

— então vai lá, eles devem estar com saudades.

— e eu de você.

— mas nós nos vimos ontem..e você ficou aqui até meia noite.

— é porque não consigo ficar longe de você amor. Depois que passamos a morar juntos, cada segundo ao seu lado conta.

Ela riu.

— okay, eu tenho que ir agora. Te vejo depois?

— com certeza. Vou ser o mais bonito.- volto para a janela e a procuro entre as cortinas.

Rafa aparece com o telefone na orelha e sopra um beijo pra mim, devolvi o beijo de longe também e desliguei o celular.
O joguei sobre a cama e voltei para a beca no cabide, olhei para o relógio e decidi descer para tomar café com meus pais.
Desde que Rafaela e eu assumimos o namoro firme, decidimos que seria melhor nos distanciarmos de casa e alugarmos um lugar só pra gente e mais perto do campus.
Então sendo assim, nós começamos a morar juntos após um ano de namoro, e hoje, no dia da nossa formatura, completamos cinco anos juntos.

Desci para a cozinha e encontrei meus pais me esperando para o café como antigamente.
Minha mãe sorriu e pôs um prato enorme de panquecas sobre a mesa, enquanto meu pai ja se deliciava com o café da manhã dele sem demora.

Me sentei entre eles e falei.

— senti falta disso..

— Nós também, querido.

— e como vão as coisas com a Rafaela? Não têm deixado a tampa do vaso levantada né?- meu pai brinca.

— não pai.- eu ri.

— pois é, morar com alguém nem sempre é fácil..- ele pisca pra mim de canto.

— nós nos conhecemos a quase vinte anos, estamos namorando a cinco e dividindo a mesma casa a quatro. Acho que sei como lidar com ela.- pisquei de volta.

Mamãe balançou a cabeça e riu de nós dois.

— e sobre casamento? Ainda não pensaram no assunto?- indagou.

Parei com o garfo na boca e respondi enquanto mastigava.

— estou pensando nisso..mas os anéis de noivado são muito caros..

— economize.- meu pai sugere.

— bobagem! Eu te empresto o meu.. está em ótimo estado ainda, a Rafaela vai amar!- mamãe responde.

Sorri olhando pra ela e terminei meu café.
Nós passamos uma manhã inteira juntos e antes do horario marcado, nos preparamos e fomos todos no meu carro para a formatura.

Rafaela iria com os pais dela, e na volta meus pais ficariam com os dela, então nós poderíamos curtir com o restante do pessoal na festa que eles estavam organizando para depois da cerimônia dos formandos.

.....

Avistei Rafa de longe quando cheguei no auditório e acenei pra ela.
Os pais dela estavam guardando nossos lugares e ela apontou para a fileira onde havia separado um lugar pra mim também.
Me despedi dos meus pais e falei.

— vejo vocês depois, tenho que ir.

Eles se sentaram com os demais pais e ficaram lá nos olhando ansiosos como os outros também.
Fui ao encontro da minha namorada para ganhar um beijo de aniversário e roubei um abraço de urso quando ela estava distraída falando com alguém.

— feliz aniversário de namoro.- sussurrei no ouvido dela durante o abraço.

Ela riu e me apertou dentro dos braços dela também.

— feliz aniversário pra você também.- respondeu.

A soltei para poder beija-la e vi finalmente com quem ela falava.
Era o Ryan.

— ah, oi Ryan..- o cumprimentei sem graça.

— é aniversário de vocês?

Rafa virou-se pra ele e respondeu com um sorriso enorme.

— cinco anos!

— uau! Mas ja?

— sim, e eu to MUITO feliz! Podem vir mais 100 que eu vou amar ainda mais.- dou um beijo estalado na bochecha dela e a chamo para sentar.

Ryan acenou para a namorada nova dele e foi se sentar com ela, Rafa e eu ficamos com o pessoal da nossa fileira e aguardamos tudo começar.

Foram quase três horas, vários discursos e mais um meia duzia de nerds tropeçando na hora de pegar o diploma, mas ainda sim valeu a pena cada segundo de espera.
Rafaela e eu estávamos formados e agora poderíamos dar nosso próximo passo em relação a um futuro juntos.

Eu pensei muito na proposta que meus pais fizeram, e não só pela economia no preço do anel, mas pelo valor sentimental que ele teria quando ela soubesse que sua aliança fez parte de um casamento feliz.
Então assim que saímos do auditório, dei um jeito de encontrar meus pais na saída para falar com eles dois sem que a Rafa soubesse da surpresa.

— olha se não é o meu garoto!- meu pai acena todo orgulhoso de longe.

— Gui, tira uma foto comigo..- Rafa pede.

— calma amor, deixa só eu falar com meus pais antes.

— ta bom, vai lá..

Atravessei a multidão de jovens tentando encontrar os pais também, e arruinei algumas fotos aparecendo sem querer na frente da câmera.
Alcancei meus pais perto dos pais da Rafa e os chamei de canto, enquanto os pais dela tentavam alcança-la também.

— meu menino se formou! Nem consigo acreditar! Parece que foi ontem que era só o meu gordinho querendo colo..- mamãe solta.

— e foi mesmo.- papai brinca.

Dei um abraço apertado neles e respirei fundo procurando coragem antes de falar.
Olhei ambos nos olhos e depois olhei para Rafa de longe com os pais dela, rindo e feliz.
E ali olhando pra ela, tive uma sensação tão boa, tão certa, que não conseguia pensar em mais nada além de fazer o pedido oficial de uma vez.

Abri um sorriso de lado e falei.

— Mãe... o anel está aí com você?

............

Horas mais tarde, durante o baile de formatura.

Rafa e eu estávamos numa rodinha com um pessoal conhecido, quando de repente começou uma música lenta.
Ela sabe que eu não sei dançar, e eu também sei que ela detesta música lenta, mas mesmo assim não resisti, a chamei para mais perto e a conduzi pela pista de dança até chegarmos embaixo do globo de espelhos.

— oque está fazendo?- ela me olha desconfiada.

Passei as mãos para a cintura dela e aproximei nossos corpos um pouco mais, a olhei nos olhos e repondi.

— estou tentando dançar com você.

Ela sorriu e passou os braços envolta do meu pescoço.
A música ficou ainda mais romântica e todos em volta cederam a melodia juntando-se a seus pares também.

Nós nos aproximamos mais e ficamos juntinhos dançando em câmera lenta, apenas um passo para o lado e depois para o outro.
Eu a olhava sem acreditar que aquilo estava acontecendo e não podia me sentir mais feliz por isso.

Eu estava vivendo um sonho.

Me peguei sorrindo de repente, e ela perguntou.

— por que está me olhando assim?

— porque não acredito que seja verdade.. Eu sei que já faz cinco anos, e que nós moramos juntos.. Mas ainda parece um sonho pra mim. Eu nunca achei que iria a um baile com você como meu par.- falo sorrindo.

Rafa sorriu emocionada e me abraçou forte, puxou o meu queixo para um beijo rápido e falou.

— bem, acho que seu sonho se realizou.. Estamos em um baile agora.

Olhei em volta vendo todos dançando também e me senti orgulhoso por ter um par.

— pois é, quem diria que um nerd levaria uma garota tão bonita ao baile! Há, toma essa Danna Olivier!

Ela riu e eu também.

A abracei forte puxando-a mais pra mim, e Rafa deitou a cabeça no meu peito me seguindo no embalo da música até o fim.

Esse pode não ter sido o baile de outono da escola que eu queria tê-la levado.
Mas foi sem dúvida o melhor baile que eu já estive em toda a minha vida.

E valeu a pena esperar cada segundo para isso acontecer.

........

Saímos do baile pouco depois da meia noite, o pessoal estava seguindo para uma segunda festa no campus, mas Rafa e eu preferimos ir embora.
Voltamos para o nosso apartamento logo após o baile da formatura e nos despedimos dos nossos pais antes de ir pra casa.

— tchau mãe, tchau pai.. Vejo vocês no almoço de domingo.- dou um beijo em cada um deles.

— já pensou em como vai fazer o pedido?- meu pai sussurra.

Olhei para Rafa para ver se ela não ouviria e respondi em voz baixa também.

— já, e espero que me ajudem com a parte de vocês.- pisquei.

Ele piscou de volta e eu me despedi dos pais da Rafa para irmos embora de uma vez.

.....

Eu entrei tirando os sapatos e afrouxei a gravata assim que passei pela porta.
Rafa tirou os saltos e seguiu em direção à Stark, nossa tartaruga marinha que ficava num aquário na cozinha.
O apartamento pequeno nos dava uma visão aberta de todos os dois cômodos, logo que passávamos pela porta.
Um quarto e cozinha, que também se transformava em cozinha e sala de estar.

Ela brincou com Stark e o alimentou, enquanto eu abria nosso sofá cama em frente a tv.
Tirei o blazer e abri os botões da camisa, Rafa apareceu antes que eu me livrasse das calças e eu perguntei.

— hmm, quer tirar pra mim?

Ela riu e seguiu para o banheiro, eu fiz um biquinho frustrado e terminei de me despir.
Troquei de roupa para um pijama, e esperei que ela saísse do banho.
Rafa voltou com uma camisa minha de star wars e um mini shorts de dormir.
Eu olhei para a cena dela se ajeitando na cama e suspirei alto sentindo a mesma sensação de antes.
Esperei que ela se deitasse ao meu lado e rolei ficando cara a cara com ela.
Nós nos olhamos em silêncio e rimos um do outro, me aproximei para roubar um beijo e ela chegou mais perto também.

O beijo foi ficando mais intenso, e um beijo de boa noite, acabou virando mais uma noite de amor.

Morar com ela é a melhor coisa do mundo.

Na manhã seguinte nós acordamos juntos com o sol entrando pelas frestas da cortina entreaberta.
Me espreguicei todo sentindo ela rolar por cima de mim e a abracei prendendo-a no lugar.
Rafa sentou no meu colo e passou uma mão no meu peito.

— bom dia.

Abri os olhos devagar e vi aqueles olhinhos puxados de sono, o cabelo bagunçado e o pijama do avesso.
Dou risada da cara amarrotada dela e a puxo para deitar no meu peito novamente.
Funguei o pescoço dela e falei.

— bom dia..

Ela se afastou o suficiente para me olhar nos olhos e me beijou.
Aquele beijo de bom dia que faz com que a gente não queira mais nada depois.
Nem mesmo sair da cama.

Depois do beijo ela pulou de cima de mim e foi escovar os dentes, chutei as cobertas para ir atrás dela e brinquei ao chegar na porta do banheiro.

— agora você escova né?

Ela riu com a escova na boca e deu de ombros, fui para o lado dela e fiz minha higiene também, enquanto a gente ria e se olhava pelo espelho do banheiro apertado do apê.

Nossa rotina era bem simples na casa nova, estávamos ali a quatro anos e gostávamos da companhia um do outro.
O apartamento não é muito grande, mas tem uma boa localização, então nós ficamos com ele mesmo assim.
Stark é nosso único bicho de estimação, não só porque Rafa tem alergia a cachorros, mas porque com o pouco espaço, não sobraria muito para nós.

Rafa e eu dividimos muito bem as tarefas, e como sempre almoçamos na casa dos nossos pais no fim de semana, não sobra muito para fazer além de ter que levar a roupa para a lavanderia do prédio e tirar o lixo para fora.
Hoje por exemplo era meu dia de lavar roupa e vou aproveitar o tempo longe dela para resolver os detalhes do pedido de noivado.
Tenho certeza que se organizarmos tudo certinho, ela nunca vai descobrir.

Terminei de arrumar nossa cama/sofá e recolhi tudo que estava no chão para lavar.
Rafa seguiu para a cozinha e decidiu adiantar o almoço, já que nós pulamos o café da manhã.

Roubei um fruta da mesa antes de passar pela porta e dei um beijo na bochecha dela para me despedir.

— volto em uma hora e meia..

— okay, não esquece de usar amaciante.

— eu sei!- berro ao fechar a porta finalmente.

Segui meu caminho para o elevador e desci até a lavanderia compartilhada.
Lá haviam algumas donas de casa e poucas delas deram atenção pra mim, afinal de contas sou apenas um cara de vinte e cinco anos lavando a própria roupa.
Algo que deveria ser comum, não só pelo fato de que no meio da trouxa haviam minhas roupas também, mas pela obrigação de que se eu moro sozinho, sou eu mesmo que tenho que cumprir com tais tarefas.
Porém, as moças mais novas sempre tiravam um tempo para flertar comigo e me perguntavam se de onde eu vim, não haviam mais outros como eu.

É sério, eu só estava lavando roupa!

Cumprimentei com um aceno de cabeça as que eu via com mais freqüência e segui para uma das máquinas vazias.
Coloquei algumas peças de roupa e de repente uma delas apareceu.

— oi Geek..

Olhei para a moça de rabo de olho e respondi com um sorriso discreto.
Escolhi algumas peças de roupa da Rafa e deixei encima da máquina justamente para que ela visse.
A mulher examinou as roupas e questionou.

— são da sua irmã?

Rolei os olhos de costas pra ela, e balancei a cabeça rindo sozinho.

Ela sabe que moro com minha namorada e sabe que ela se chama Rafaela, também.
Inclusive ja nos encontrou inúmeras vezes no elevador, e se não fosse por isso, não teria descoberto que meu apelido é Geek.

Continuei com o trabalho e botei a máquina para funcionar, me virei pra ela ainda com um sorriso sem graça e respondi.

— são da minha noiva.

O espanto na cara dela foi indisfarçável, ela piscou surpresa e balbuciou.

— nossa, eu não sabia que você tinha namorada.

— Noiva.- corrigi.- e eu tenho sim.. Você a viu semana passada no elevador.

A garota sorriu sem jeito e arrumou uma desculpa pra sumir dali.

— ah. Eu não sabia. É que vocês se dão tão bem, achei que fossem amigos..

— mas nós somos, essa é a melhor parte de ficar com a minha melhor amiga, ela ja me conhece e nós nos damos super bem.- dei de ombros.

Ela sorri sem mostrar os dentes e se despede para ir.

— boa sorte pra vocês e parabéns pelo noivado.- falou.

Acenei pra ela antes dela deixar o andar e voltei minha atenção para a máquina de lavar.

Se havia alguma chance dela estar interessada mesmo em mim, então espero que agora ela pare de tentar.

Me recostei na máquina enquanto esperava e resolvi acertar os detalhes do pedido com os meus pais.
Peguei o celular e liguei para minha mãe.

— oi filho.- ela atende no primeiro toque.

— oi, eu liguei para combinar os detalhes.

Nós passamos a tarde toda conversando, e após quase duas horas, finalmente voltei para casa com todas as peças de roupa limpas e dobradas.

— querida! Voltei!- falo ao entrar.

— vem ver se o molho está bom..

Deixei a cesta de roupas no sofá e segui para a cozinha, a abracei por trás e ela me deu uma colherada do molho para provar.
Lambi os lábios e roubei um beijo no ombro dela.

— uma delícia.. mas o molho também está bom.- falo me afastando.

Ela riu e desligou o fogo limpando as mãos no avental, eu peguei a cesta de roupa e comecei a guardar tudo no nosso guarda roupa dividido.
Depois de terminar, Rafa me chamou para almoçar e eu me sentei com ela.
Stark ficava encima da bancada da cozinha ao lado do nosso liquidificador, nós demos um pouco de comida para ele e nos servimos da macarronada que Rafa preparou.

— hoje é dia de carboidratos, temos que malhar o dobro..- ela diz.

— mas eu fiquei sem café.

— e daí, eu também.- deu de ombros.

— não vai pegar leve comigo mesmo?- fiz biquinho.

Ela desviou o olhar de mim para não ceder e respondeu.

— se você continuar preguiçoso desse jeito, vai engordar tudo de novo. Nós estamos ficando muito sedentários Guilherme.

— ah amor, agora a gente namora.. Não precisamos mais ficar sarados um pro outro.- brinquei.

— não se trata de ficar sarado, e sim de continuar saudável. Você pode engordar se quiser, só não vale voltar a ser um gordinho preguiçoso.- cutucou.

— eu sei bobona, to brincando com você.. ainda tenho tanquinho, e prometo continuar assim mesmo se a gente casar.- pisquei pra ela.

Ela sorriu e corou depois do assunto sobre casamento, nós encerramos a conversa e terminamos de comer em silêncio.

— deixa, eu tiro os pratos.- falei.

— eu lavo Gui.- ela insiste.

— eu falei que não, deixa vai..- tomei a louça da mão dela e levei até a pia.

Rafaela pôs as mãos na cintura e me olhou séria querendo rir, eu vesti o avental e comecei a lavar tudo, ela desistiu de ficar com a tarefa e foi se trocar para ir para o trabalho dela.

A alguns meses, mesmo antes da formatura, nós conseguimos estágios em empresas perto da cidade.
Eu estava tentando uma vaga em uma empresa de video games, e como havia me formado em designer digital e fazia um bom trabalho em 3D, estava contando que esse estágio seria mais um passo para alcançar meu objetivo.

Rafa por outro lado teve mais sorte que eu, só precisou de algumas semanas como assistente da  fisioterapeuta de uma empresária super renomada, para ser indicada e conseguir o emprego dos sonhos dela.
A dois meses ela começou em um hospital local e agora está como residente fazendo parte da equipe.
Ela trabalha a noite e apenas algumas vezes na semana, mas sempre que precisam dela com urgência, ela adora sair de casa apressada pois sabe que oque ela faz é necessário e ela ama trabalhar.

Eu fiquei observando-a enquanto ela se vestia e sorri orgulhoso da minha namorada bem sucedida.
Rafa terminou de se arrumar e veio me dar um beijo de despedida.

— tchau, te vejo a noite.

— quer que eu te busque no hospital?

— se não for pedir muito..- ela sorri e sai pela porta me deixando sozinho com Stark.

Soltei um longo suspiro e decidi procurar meu notebook para trabalhar melhor no projeto que estava criando.

Inventei um programa novo para um console de jogos, onde o jogador se permite ter as mesmas sensações que o avatar do jogo.
Isso ja existe em realidade 3D, mas no caso dos consoles ja existentes, o jogo te proporciona apenas ver e ouvir tudo oque o avatar enxerga e escuta no mesmo ângulo, como se você estivesse realmente dentro do jogo.
No caso do meu software, o jogador também poderá sentir frio, calor, e quem sabe até dor.
Ainda está em andamento, e justamente porque eu sei que algumas empresas vão achar arriscado colocar esse tipo de sensor em um jogo que é para crianças de até 9 anos, mas independente de quais níveis essa criança irá atingir, a dor não será real e nada vivido no jogo pode ou deverá influenciar a vida e a saúde dele na realidade.

Trabalhei no projeto a tarde toda e até perdi o horário, quando dei por mim já passava das 22:00 e eu tinha que buscar a Rafa na saída do hospital.

— droga! A Rafa vai me matar!- jogo o notebook para o lado e pulo do sofá.

Procurei pelas chaves apressado e saí de casa batendo a porta, desci até o estacionamento e entrei no carro ja dando a partida.
Nunca corri tanto na minha vida, e  acho que provavelmente vou receber uma meia duzia de multas para pagar.

— caramba, onde você estava!- ela me olha brava antes de entrar.

— desculpa, perdi a hora.

— dormiu vendo desenho de novo? Eu ja falei pra você não assistir Netflix sem mim..- reclamou.

— não, eu estava trabalhando no jogo.. Quero que fique pronto para a apresentação no sábado.

— hm. E conseguiu algum avanço?- ela fala um pouco mais calma.

Olhei pra ela pensativo e sorri de lado.
Essa era a mulher que eu escolhi para a minha vida, mesmo com raiva por eu tê-la esquecido na rua, ainda tinha ânimo e vontade para perguntar sobre as minhas coisas.

Essas, as mesmas, que me fizeram esquece-la na rua e passar da hora de busca-la.

— não muito, mas valeu por perguntar.

Ela olhou pra mim de canto e abriu um sorriso mais calma, nós voltamos para casa conversando e em minutos ja tinhamos esquecido porque ela estava brava comigo.

Morar juntos é isso, nem sempre teremos bons momentos, nem sempre o assunto será sobre os dois, mas sempre teremos o apoio um do outro.

Morar com a Rafaela fez de mim um novo homem, e ter certeza disso me fez ver o quanto eu ainda tinha que crescer e aprender com ela e com nós.

Nossa rotina depois da formatura ficou cada dia mais corrida, ela com os pacientes dela, e eu com o projeto do jogo.
No sábado eu acordei cedo e me preparei para a apresentação que marquei com uma empresa de video games.
Eles estavam a procura de um jogo novo, e eu estava ali para fazer com que eles ficassem felizes com o meu trabalho.
Tudo estava pronto e organizado em perfeito estado, mas eu ainda estava morrendo de nervoso e não conseguia nem respirar direito de tanta ansiedade.
Rafaela até veio comigo para ter certeza de que iria correr tudo bem, e quando me chamaram para entrar, eu apenas olhei pra ela e respirei fundo antes de me levantar.
Fiquei em pé lá parado por meia hora tentando explicar a eles oque eu tinha levado de inovador, mas no final da apresentação eu estava me achando um idiota e com pena de mim mesmo.

— eles odiaram.. Aposto que odiaram.-ando de um lado para o outro nervoso.

— calma amor, deixa eles decidirem primeiro..- Rafa tenta me consolar.

Me sentei ao lado dela, mas uma corrente de ansiedade começou a percorrer por todo o meu corpo e eu balançava a perna sem parar de nervoso e ansiedade.

— que droga! Por que eles não me chamam logo e acabam com isso?- bufei.

Rafa segurou firme minha mão e falou.

— fica calmo, eu tenho certeza que eles adoraram o seu esforço.

Soltei um longo suspiro pesado e esfreguei as mãos no rosto, e de repente um dos sócios que estava na sala aparece e me estende a mão.
Me levantei num salto e ergui a mão pra ele, o homem me cumprimentou com um sorriso aberto e falou.

— eu queria apertar a mão do homem que vai revolucionar nossos jogos para vídeo game em realidade virtual.

— vo..você quer dizer que...- balbucio incrédulo.

— sim, você agora faz parte da nossa equipe de criadores. Seja bem vindo Guilherme Boggier.- ele sorri e aperta minha mão outra vez.

Não me contive e dei um pulo de alegria abraçando o homem imediatamente, ele riu e se recompôs e em seguida eu me virei para abraçar Rafaela também.
Nós rimos e giramos no lugar, eu a coloquei no chão e a beijei calorosamente.
Fechei um contrato com a empresa e saí de lá feliz da vida com minha melhor conquista ao meu lado.
Minha namorada.

Tudo estava bem e indo no caminho certo, nossa vida juntos estava apenas começando e só dividir o apartamento não era mais o suficiente.
Eu queria mais, muito mais.
Então na manhã seguinte antes de irmos até a casa dos nossos pais para almoçarmos, eu organizei tudo para pedi-la em casamento finalmente.

Acordei antes dela, olhei no relógio e pensei com calma no que pretendia fazer.
Eu não tinha muito tempo, então tive que repassar todos os detalhes antes que ela levantasse, para que nada saísse errado e todos ajudassem com as suas partes.

Saí da cama e me vesti sem fazer barulho, peguei as chaves do carro, deixei o bilhete pronto ao lado dela na cama e saí de casa fechando a porta bem devagar.
Olhei no relógio mais uma vez e suspirei alto antes de pegar o elevador.

Se tudo der certo, ela vai adorar a surpresa de mais tarde.

Desci até o estacionamento e comecei uma corrida contra o tempo, para terminar tudo antes do horário marcado para nosso almoço semanal, de domingo na casa dos nossos pais.

Saí do prédio, passei numa floricultura para comprar as flores favoritas dela e antes de seguir para a casa dos meus pais, passei na joalheria onde minha mãe disse que o anel havia sido deixado para restauração.

Entrei e acenei para o joalheiro, ele me reconheceu da última visita no meio da semana e logo foi buscar o anel.
Fiquei parado esperando próximo ao balcão do caixa e comecei a olhar outros anéis na vitrine.
Ele voltou com a minha encomenda e falou.

— aqui está, a moça vai adorar.

— espero que sim.- falo com um pouco de nervosismo.

Ele me entrega a caixinha do anel e eu saio de lá orgulhoso com meu pacote no bolso.
Voltei para o carro e passei numa padaria antes de ir pra casa, comprei alguns croissants que ela ama e retornei para poder acorda-la, esperando que ela ainda não tivevesse despertado.

Entrei em casa e ela já estava de pé, estava na cozinha fazendo um café bem cheiroso e sorriu ao me ver.

— eu achei seu bilhete, onde foi?

— fui comprar seus croissants e suas flores favoritas.- me aproximo e roubo um beijo.

— hmm. E oque eu fiz pra merecer isso?

A abracei por trás enquanto ela terminava o café e falei.

— aceitou namorar comigo. Eu disse que sua vida seria um eterno conto de fadas, então nada mais justo que eu saia cedo num domingo para comprar flores e seus croissants favoritos. Não é?- falo me afastando e indo para o banheiro.

— fala sério, eu mereço mesmo você?- ela me olha toda apaixonada.

A olhei por cima do ombro e sorri piscando pra ela.

— merecia mais.. Mas só tem eu né.- brinquei.

Ela riu.

Nós tomamos café juntos e para que ela não encontrasse a caixinha antes da hora, eu preferi deixar comigo o tempo todo.
E como eu precisava esperar o dia anoitecer para dar início ao plano, disse a ela que o almoço seria trocado por um jantar especial na casa dos meus pais.
Rafaela ficou curiosa em relação ao motivo pela troca de horários, mas eu disse apenas que foi ideia dos meus pai, para que ela não questionasse outra vez.

Pouco antes das 18:00 hs, Rafa e eu nos aprontamos e saímos de casa juntos de carro.
Meus pais e os dela já sabiam de todo o esquema, então já estariam com tudo pronto quando chegássemos.
Eu pedi especificamente para que tudo fosse feito como eu pedi, caso contrário o pedido sairia errado e eu queria muito que fosse mega especial.

Se tudo ocorrer como eu planejei, Rafaela vai amar e ficar ainda mais apaixonada.

....

— chegamos.- estaciono o carro na entrada dos meus pais.

— porque tem tantos carros aqui na rua?- ela olha em volta intrigada.

— talvez os vizinhos estejam dando uma festa.- dei de ombros.

Ela tirou o cinto dela e saiu do carro me acompanhando, nós andamos até a porta da frente e de repente ouvimos vozes vindo de dentro da casa.
Rafaela me olhou desconfiada e indagou.

— que falatório todo é esse? Achei que seriam só nossos pais..

Dei de ombros de novo e me fiz de desentendido.

Abri a porta e avisei que tinhamos chegado.

— mãe, pai, chegamos!- berrei.

E de repente o silêncio pairou no ar, Rafa me olhou de canto desconfiada de novo e perguntou.

— cadê todo mundo?

— acho que devem estar no quintal assando alguma coisa, vamos até lá.- sugeri.

Ela segurou minha mão e nós seguimos juntos até os fundos.
Eu não tenho certeza de quais sensações tive na hora em que ela se deparou com a surpresa preparada, mas me lembro de me sentir o homem mais sortudo e feliz do mundo inteiro, só por ter tido a chance de um dia poder chama-la de minha namorada.

__________________________________

Rafaela.

Nós andamos calmamente até o quintal dos fundos, e quando chegamos lá, pude perceber porque ele estava agindo estranho a semana inteira.
Todos os nossos amigos mais próximos estavam lá, todos os meus parentes mais queridos, meus pais e nossos vizinhos de infância.
Todos que nos apoiaram antes mesmo de sermos um casal, todos estavam ali por nós, eu só não tinha me dado conta ainda do por quê.

Até ele me mostrar um telão na casa da árvore.

Havia um telão preso ao balanço da casa na árvore, e quando nos aproximamos, alguém ligou um projetor.
Uma foto nossa de quando eramos pequenos apareceu na tela, e a emoção falou mais alto.

— se lembra desse dia?- ele sussurra no meu ouvido.

Assenti com um aceno de cabeça e senti meus olhos queimarem com a chegada das lágrimas.

Cada lembrança vivida nas fotos registradas me fazia transbordar com a nostalgia.
Nós tinhamos uma vida toda juntos, crescemos um ao lado do outro, vimos ambos amadurecerem e nada disso teria acontecido se nós não tivéssemos começado como amigos.

Geek parou ao meu lado e segurou minha mão também emocionado, a última foto da nossa infância, foi uma em que nós estávamos dormindo juntos de conchinha na cama dele.

Nós tinhamos pouco mais de cinco anos, mas eu ainda me lembrava da sensação de proteção que ele me causava.
Aliás, causa até hoje.

Guilherme sempre foi meu melhor amigo, conseqüentemente também se tornou meu primeiro amor verdadeiro e sempre será a melhor companhia que eu poderia querer.

Me virei pra ele ao ver nossa última foto juntos no baile de formatura e limpei as lágrimas que insistiam em descer.

— por que fez tudo isso?

— porque eu te amo.. - ele se ajoelha lentamente e tira algo do bolso.

Eu sinto meu coração falhar no peito e cubro a boca com a mão.
Ele sorriu com os olhos brilhando e abriu uma caixinha de veludo vermelho me mostrando um anel de noivado lindo.

— ... E não posso esperar nem mais um minuto para te chamar de minha esposa..Rafaela Vitelle, você quer se casar comigo?

Eu perdi a fala, não sabia como respirar mais, não fazia nem ideia de como ainda estava em pé.
A única coisa que sabia, é que eu queria poder gritar a todos pulmões, que minha resposta era sim e sempre vai ser.

Assenti com um aceno de cabeça quando não consegui responder em palavras, e sorri em meio as lágrimas.
Ele sorriu também e tirou o anel da caixinha para por no meu dedo.
Nossas mãos tremiam e ao terminar de por o anel, Geek beijou minha mão fazendo com que todos em volta ovacionassem de alegria.
Ele se levantou me puxando pela cintura e selou o momento com um beijo de tirar o fôlego.

Com ele tudo sempre foi assim..

Quando eu penso que ele não poderia me fazer ainda mais feliz, ele simplesmente me surpreende e me mostra que quando se trata de amor, eu não sei absolutamente nada.

.......... ❤❤❤