Ilusão (Fanfic de Guns N' Ros...

By veronicuslaxl

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"A ilusão é uma confusão dos sentidos que provoca uma distorção da percepção..." More

I- O Início
II- Kissing in the dark
III- Pecado
IV- Oh, Axl...
V- Anjo
VI- Ciúmes
VII- Love & Pain
VIII- On Fire
IX-Monstro
XI-Heroin
XII-Anjo da guarda
XIII-O Caminho para o Desastre
XIV-O Fundo do Poço
XV- A Hell Tour (Parte I)

X- Goner

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By veronicuslaxl

-Nota-

Este capítulo ficou bastante diferente dos outros, mas espero que gostem porque eu não tenho saído da mesma cadeira há dias só para tentar atualizar as fics todas. Enfim, ouçam a música na capa se quiserem, eu achei que combinava com a situação atual de Axl.

Bom cap :)

-Verónica-

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-Narrador on-

-Parem, por favor...-Axl sussurrou, com a voz partida e magoada.

Izzy e Slash olharam-no mesmo instante, e afastaram-se lentamente um do outro, como se tivessem sido enfeitiçados pela voz de Axl. Levantaram-se, com o peso do arrependimento a brilhar nos seus olhares.

-Axl...-Izzy aproximou-se dele, gentilmente-Eu não queria...

Duff estava a escutar tudo em silêncio há demasiado tempo, e sabia que estava na altura de tomar as rédeas da situação, porque se não fosse ele a resolver as coisas, mais ninguém resolveria.

-Steven, faz o que for preciso, mas não os deixes na mesma sala juntos-Duff interrompeu Izzy ao virar-se para Steven, falando-lhe num tom autoritário-E tu-virou-se para Axl, pegando-o pelo braço-Vamos.

Duff tirou Axl do quarto e arrastou-o pelo corredor, provocando-lhe uma onda de indignação. 

-Duff, o que raios estás a fazer?-perguntou Axl, tentando soltar-se-Larga-me, porra!

Axl começou a bater com força no braço de Duff numa tentativa de se soltar, embora descuidando, por momentos, o pequeno pormenor de que Duff era mais alto e mais forte do que ele. Duff olhou-o como se ele se tratasse de uma criança irrequieta, suspirando, e pegou em Axl ao colo, tal e qual como pegaria numa pena, pousando-o sem qualquer esforço sobre o seu ombro, e impedindo, assim, que Axl conseguisse escapar.

-AAAHHHH-gritou, de cabelos no ar, e esperneou-se, tentando atingi-lo-SOLTA-ME!! Merda, Duff!! ÉS SURDO!!??

Duff continuou a ignorar Axl, e levou-o até ao seu quarto, trancando a porta e atirando-o para a cama. Axl levantou-se, surpreendido com a mudança repentina na atitude do seu amigo.

-Eu quero que me contes tudo-Duff olhava-o nos olhos, seriamente, enquanto se sentava ao seu lado. Axl sentia o seu hálito, a vibração dos seus lábios contra os seus ouvidos. Era como se ele tivesse medo que ele lhe fosse...escapar pelas mãos-Agora.

-Posso respirar?-perguntou Axl, ironicamente, tentando afastar-me um pouco dele-E tudo o quê? Porque é que estás a gritar comigo sequer? Mesmo que houvesse alguma coisa, não te diria respeito-afirmou, sinceramente.

-Pelo amor de Deus, vais-te fazer de desentendido agora, Axl?-Duff levantou-se, andando às voltas no quarto, praticamente a gritar. Ele estava a comportar-se de maneira demasiado estranha, quase histérica. Estava exaltado, como se, de repente, toda a situação parecesse depender dele, sendo que, segundo Axl, Duff nem sabia o porquê do que tinha acontecido entre Izzy e Slash.

-Vou, porque eu não faço ideia do que estás a falar-respondeu, de braços cruzados, dando-lhe o seu olhar mais inocente. Axl não lhe devia explicações.

Duff revirou os olhos. Ele parecia cada vez mais furioso, e agora completamente fora de si. Axl olhou-o novamente, cada vez mais assustado. O que...o que é que lhe estava a dar?

-D-duff...-engoliu em seco, levantando as mãos-Acalma-te, por favor-pediu, nervosamente.

-Acalmar-me?-respondeu Duff, lançando-me um olhar irritado-Sim, acalmar-me! Também te acalmaste com Izzy ontem, porque estavas a gemer como uma puta para ele!-Axl abriu a boca, chocado-E aposto que levaste de Slash também, não foi? Era por isso que eles estavam a discutir, para ver quem conseguia ficar com a prince...

Quanto mais Duff falava, mais Axl sentia a afundar-se. Nos seus ouvidos, a voz de Duff parecia ir diminuindo lentamente, até se ouvir somente um bip constante e interminável. Os seus olhos foram-se fechando gradualmente ao mesmo ritmo, até restar apenas silêncio e escuridão. Surdo e cego. De olhos fechados, Axl levantou-se, devagar, e caminhou calmamente até Duff, como se fosse imune à dor, como se não fosse capaz de o ouvir. E Duff estava tão preocupado a gritar e a expressar o seu ódio que só foi capaz de parar de falar quando notou que Axl estava exatamente à sua frente, olhando-o fixamente. Os seus olhos comparavam-se a paredes brancas: eram inexpressivos, porque escondiam tudo o resto no seu interior. Nesse momento, a onda de loucura que guiava Duff de modo inexplicável até àquele momento pareceu abandoná-lo, e Duff arrependeu-se instantaneamente do que tinha acabado de dizer. Tratava-se do seu melhor amigo, de alguém que ele adorava, como é que ele poderia ter dito coisas tão horríveis sobre ele? 

Nem Duff era capaz de entender o que se estava a passar consigo mesmo.

-Axl...oh Deus...-Duff levou as mãos à cara, encarando-o, com a voz muito mais calma. Ele estava surpreso, chocado com as palavras que ele fora capaz de proferir-Desculpa, eu-

Mas Axl interrompeu-o, dando-lhe um murro na cara com toda a força e raiva que conseguiu arranjar. Duff gritou, caindo ao chão, e levou a mão ao nariz, que sangrava. 

-Espero que esteja partido-Axl cuspiu as palavras com ódio, sentindo as lágrimas a arder nos seus olhos, e deixou o quarto a correr, pegando no seu casaco. Ele estava magoado, muito magoado. E estava farto de o ser. Por isso, Axl já tinha feito a sua decisão, e nada o faria voltar atrás. No entanto, por agora, e apesar de todas as dúvidas que tinha, a única coisa que ele sabia, definitivamente, era que precisava de sair dali o mais rápido possível.

-Axl...Axl, espera!!-Izzy gritou, correndo atrás de dele. Axl virou-se e deu-lhe o seu dedo do meio num gesto impulsivo e feroz, fechando a porta com força.

A banda estava a partir-se. As suas almas estavam a partir-se. Era como se a loucura estivesse a tomar, à sua maneira, cada um deles e a levá-los a terem atitudes e a interpretarem personagens que não correspondiam ao que eram na realidade. Eles estavam a magoar-se uns aos outros constantemente, sem sequer saber o porquê. Talvez fosse algo momentâneo, sim, mas, por agora, a situação era inegável: o ambiente estava tenso e insuportável para todos. 

*3 semanas depois*

-Ponto de vista do Axl-

Olhei para a parede que se encontrava à minha frente, suja e degradada, perguntando-me como seria a vida das famílias que viviam ali. Tentei ajeitar-me no pedaço de cartão sujo e frio que se encontrava por baixo de mim, encostando-me pesadamente à parede gelada.

Tudo o que eu conheci nas duas últimas semanas não ultrapassou a barreira do caos e da escuridão. 

Tudo menos Blue.

-A-axl?-ouvi a sua voz, e virei-me imediatamente-Podes ajudar-me?-perguntou, tentando levantar-se. 

-Onde queres ir?-perguntei suavemente, levando as minhas mãos aos seus braços cuidadosamente, ajudando-a a erguer-se. 

-E-eu ouvi dizer que há uma festa a dois quarteirões daqui...-murmurou, com a cabeça baixa-E...nós não comemos nada há dias...

Suspirei pesadamente. Eu tinha falhado nisso.

-Eu vou ver o que se pode arranjar, ok?-sussurrei, aconchegando-a melhor nos seus cobertores-Fica aqui.

Ela olhou-me, tristemente.

-Mas...eu quero ajudar-murmurou, pousando a sua frágil mão no meu braço. Eu sei que ela estava nas ruas há vários meses e que, por isso, talvez até tivesse mais experiência a roubar do que eu, mas isso não significava que roubar fosse uma tarefa para uma menina de 13 anos. Nenhuma criança deveria ter de roubar para sobreviver. 

-Não-respondi, abanando a cabeça-Eu sei que queres ajudar, mas estás demasiado fraca, e eu não quero que te esforces demasiado. Além disso...-fiz uma pausa, acariciando os pequenos canudinhos do seu cabelo castanho, os seus olhos azuis e brilhantes-...a culpa de não termos comida é minha.

Blue suspirou, e voltou a sentar-se.

-Promete-me que ficas aqui-baixei-me, ficando de cócoras ao seu lado. Ela assentiu com a cabeça, e eu dei-lhe um beijo na testa, despedindo-me. 

Afastei-me, sem olhar para trás, e saí do beco, sendo ofuscado pelos raios penetrantes do pôr-do-sol ao alcançar a rua. Olhei para os dois lados, observando a maneira como as pessoas andavam de um lado para o outro, preocupadas com as suas vidas mesquinhas, com os empregos que odiavam e com a falsidade que carregavam nos seus sorrisos. 

Esfreguei as mãos, pondo-as dentro dos meus bolsos. Estava frio, e eu usava a mesma roupa há duas semanas, roupa que constituía apenas numa t-shirt branca, num par de calças de ganga praticamente rotas, ténis sujos e um casaco de couro preto. 

Talvez se perguntem porque é que eu estou na rua quando poderia perfeitamente ter voltado ao conforto do apartamento, mas se tiverem um tempo para me ouvir, eu juro que perceberão o porquê. 

Depois do dia em que eu saí de casa, eu corri sem parar durante as ruas, até chegar a um ponto onde eu já não fazia ideia de onde estava. Eu andei vários quilómetros, passei pela cidade até encontrar o campo, montanhas e um rio, e agora cidade novamente. Foi algo impulsivo, eu não queria voltar nunca mais para casa, e eu tinha várias razões para isso. Slash violou-me. E já se perguntaram como é que Duff sabia que eu e Izzy tínhamos tido sexo? O quê, vão dizer-me que havia câmeras espalhadas pela casa? Não, Izzy contou-lhe. É a única opção. Nós estávamos sozinhos, e na manhã seguinte, quando acordei, Izzy estava na cozinha e disse-me que Duff e Steven já tinham saído. E pela maneira como Duff me insultou, a descrição de Izzy deve ter sido realmente boa...como se ele tivesse ganhado mais um troféu para a sua estante. Ou talvez tenha sido uma aposta. Ele nem deve ser bissexual, eu aposto que ele apenas quis provar que era capaz de dormir com um homem. 

E, como podem ver, agora eu encontro-me a andar pelas ruas de um sítio onde eu não conheço, dizendo coisas sem sentido, acusando Izzy de várias coisas que ele nunca faria. 

A banda. Eu não faço ideia do que aconteceu com a banda. E por mim não irão saber muito mais, sabem que eu não os vejo há três semanas. Talvez até já estejam a procurar outros músicos. A arranjarem nomes para outras bandas...Talvez tenham desistido. E eu não os julgaria se isso acontecesse, eu sei perfeitamente como a cena de L.A. é, mas não estarei a mentir se dissesse que me parte o coração pensar nisso. 

Estava a descer a rua, perdido em recordações, quando avistei um grupo de pessoas bem-vestidas, a falarem e a rirem-se alto ao som de música. Devia ser a festa de que Blue me estava a falar.

Blue. Demasiadas perguntas, eu sei, mas acabarão por entender. 

Eu recordo-me que após dois dias a andar, e onde a única coisa que tinha comido fora um bocado de pão deixado na rua, eu comecei a pensar se talvez não tivesse ido longe demais. Se, se eu voltasse, haveria a oportunidade de resolver tudo. Mas de cada vez que eu pensava nisso as palavras de Duff ecoavam na minha cabeça. O que me doeu mais nem foi a sua apreciação sobre os meus gemidos com Izzy, foi o que ele disse sobre Slash...Eu senti-me imundo, sujo. Eu não sei se Izzy lhe contou sobre Slash ou não, e eu espero que não mas...era como se Duff estivesse a acusar-me de ter gostado...do que Slash me fez. E...e se fosse isso o que ele realmente queria dizer, então eu acho que talvez nunca mais fosse capaz de olhar na cara deles novamente. Nesse dia, eu decidi parar. Estava farto de andar, e pensei que, se tivesse alguma sorte, decerto arranjaria alguns cobertores ou conseguiria partilhar algo com algum sem-abrigo que se dignasse a mostrar um pouco de simpatia. No entanto, eu percorri as ruas mais escuras e até os sem-abrigos se recusaram a partilhar algo comigo. Eu sempre achei que eles se dessem bem entre eles, que estivessem constantemente a ajudarem-se mutuamente, mas afinal parece que não. Ou então era só por ser eu. 

Tinha-me sentado no beco mais escuro que consegui arranjar, completamente esquecido de tudo e todos. Abandonado. Slash dizia que me amava, "mais do que eu poderia imaginar". e Izzy dizia que nunca o deixaria de o fazer. Onde raios é que eles estavam naquele momento? Para onde é que tinha ido todo esse amor?

Por essa altura, eu já tinha tirado uma seringa que tinha guardada no meu sapato, e o cinto das minhas calças, que já me estavam largas de qualquer das maneiras, com ou sem cinto. Olhei para baixo, deixando as minhas mãos percorrerem a minha pele. Recordo-me de se notarem os ossos da minha bacia, mas acho que não estavam tão salientes como estão agora. 

Voltei a pegar na seringa, que eu nem sabia se estava limpa ou não, mas como podem ver, eu não me estava a importar com o que me acontecia, eu estava a desistir de viver. Ninguém neste mundo daria a mínima se eu acordasse morto de overdose, nem eu próprio. Era provável que o meu corpo ficasse a apodrecer numa sarjeta, porque a polícia não quer saber de drogados e porque não haveria ninguém que se importasse em procurar-me ou em chorar a minha morte.

Já tinha arregaçado as minhas mangas, e apertado o cinto à volta do meu braço, procurando por uma veia, enquanto segurava a seringa com os meus dentes. Eu achava que estar pedrado significava estar, de algum modo, melhor. Vendo as coisas dessa maneira, é compreensível porque é que eu preferia estar drogado a estar sóbrio. Eu lembro-me que estava a ponto de me injetar de novo quando ouvi uma tosse suave, fraca. Olhei à volta, assustado, e deixei cair a seringa, porque eu tinha quase a certeza de que quando tinha chegado ali estava sozinho. Lembro-me de me levantar, nervoso, e foi quando vi que havia alguém, enrolado num monte de cobertores, quase ao meu lado. Desesperado por algum contacto humano, recordo-me que a primeira coisa que vi quando me aproximei foram aqueles olhos azuis e brilhantes a fitarem os meus. Eu perguntei-lhe se ela tinha alguma coisa para comer, e ela partilhou, com um sorriso, a sua maçã. Sentei-me ao seu lado, tremendo de frio, e ela ofereceu-me, sem qualquer problema, um dos seus cobertores, sempre com o mesmo sorriso vivo nos seus lábios.

*Flashback on* 

-Posso saber o teu nome?-perguntei, tentando aconchegar-me no cobertor.

-Blue-respondeu, sempre com um sorriso nos lábios-E o teu?

-Axl-respondi, fitando-a de modo pensativo. Alguma coisa não batia certo ali. Ela era demasiado nova, parecia demasiado frágil e pequena para ter de viver daquele modo-Ouve...Blue, estás perdida? Não sabes dos teus pais?-perguntei, com a voz delicada.

Ela abanou a cabeça.

-Fugiste de casa?-continuei-Se fugiste de casa, talvez devesses pensar melhor na tua escolha. És muito pequena para estar aqui, sozinha, e acredita que os teus pais devem estar preocupados...-parei, engolindo em seco. Eu desejava que os meus pais tivessem sido assim-Não queres voltar para uma cama quentinha? Para comida boa, todos os dias na mesa à mesma hora?

Ela assentiu com a cabeça.

-Eu queria...eu queria tanto-murmurou, baixando a cabeça-Mas...os meus pais...não querem saber de mim...

-Claro que querem-sorri, carinhosamente-Eles devem estar tão preocupados...

Ela abanou a cabeça.

-Os meus pais abandonaram-me-disse, friamente. Era a primeira vez, durante a conversa, que eu via o seu sorriso desaparecer, e agora eu estava em silêncio. A minha expressão tornou-se tensa.

-Há quanto tempo estás aqui?-perguntei, num tom de voz completamente diferente.

Blue não me respondeu, apenas apontou com a cabeça para uma parede com dezenas e dezenas de riscos atrás dela. Estremeci. Acho que...se representasse o que eu pensava representar...então ela estava aqui há meses. 

-Porquê? Porque é que eles te fizeram isso?-perguntei, indignado-Como é que...

-Eu tenho uma doença grave-respondeu, no seu tom de voz frágil e magoado-E os meus pais não tinham o dinheiro para pagar os tratamentos. Eu lembro-me de o meu pai voltar sempre para casa tarde com garrafas na mão, e eles discutiam durante horas. Às vezes, eu acordava e via a minha mãe a esconder marcas nos seus braços e na cara. Eu acho que o meu pai queria que ela tomasse uma decisão...quanto a mim-murmurou, cada vez mais baixinho.

Ela parou durante alguns momentos, acariciando uma pulseira fininha de ouro que carregava no braço.

-Uma noite, a minha mãe levou-me até aqui e disse-me para fechar os olhos-continuou-Porque tinha uma surpresa escondida para mim...Eu sei que esperei de olhos fechados durante muito tempo, ansiosa-Ela fechou os olhos com força, representando a situação-Eu achava que eles tinham conseguido o dinheiro, que eu ia finalmente poder ser tratada...Mas quando abri os olhos estava...-Blue abriu os olhos de novo, revelando um olhar frio e perdido, antes de me voltar a encarar-...sozinha.

Fitei-a durante longos momentos. Os pais desta criança...abandonaram-na para morrer. Abandonaram-na como se ela tivesse deixado de existir, de importar nas suas vidas. Eu estava com lágrimas nos olhos. Porque, de alguma maneira, eu acho que sabia como ela se sentia. Eu nunca fui abandonado pelos meus pais, mas eu desejei ser. Porque ele batia-me e a minha mãe apenas assistia, porque ele abusava de mim e dos meus irmãos, e nenhum dos gritos que dávamos ou das lágrimas que chorávamos eram suficientes para que tudo parasse de uma vez.

Sem hesitar, aproximei-me mais dela e abracei-a com força durante largos minutos.

*Flashback off*

Com o passar dos dias, eu fui aproximando-me cada vez mais de Blue. Nós não tínhamos nada para fazer, a comida escasseava e ela mal se conseguia levantar, então era fácil passarmos várias horas a falar. Ela tinha 13 anos, sim, mas a doença tornava-a tão fraca e magra que parecia ter apenas 8. No entanto, Blue era a rapariga mais bonita que eu alguma vez tinha visto. De tez morena, quase negra, era impossível não reparar na maneira em como os seus olhos contrastavam perfeitamente com a sua pele, azuis e cativantes, expressivos. E a maneira como ela falava era tão alegre, o seu riso era contagiante. Eu não entendia como alguém podia pensar em abandonar uma criança tão especial assim, tão preciosa. Eu gostava de a poder ver crescer, eu gostava de um dia a ver feliz. 

Blue perguntava-me porque é que eu estava ali se tinha uma casa. Acho que era um pouco difícil para ela compreender as minhas razões, mas eu acabei por lhe explicar de uma maneira mais simples ou, pelo menos, de maneira a que ela pudesse compreender.

"Eu não me lembro de quem era antes de chegar aqui"-penso, continuando a descer a rua. E eu não me lembrava mesmo. 

Andei, sempre com os olhos fixos no mesmo alvo: uma mulher, vestida luxuosamente, e com um casaco branco de pelo, extensões no cabelo, óculos de sol apesar de já ser quase de noite. Aproximei-me um pouco mais,  discretamente, porém, com dificuldades em movimentar-me, e já com problemas a ver. Eu...eu acho que é da fome. 

Tentei continuar, fitando sempre a sua mala vermelha, que acompanhava os movimentos do seu braço enquanto falava. Suspirei. Izzy costumava ter jeito para roubar, não eu. Em Lafayette, ele era um ninja a dançar por entre as sombras. Mas ele não está aqui, e parece que agora eu vou precisar de me aguentar por mim mesmo. Porque é que eu sou demasiado orgulhoso para desistir das minhas escolhas? 

Talvez, um dia, esse seja o meu fim.

Vi a mulher a pousar a mala no chão, e comecei a aproximar-me mais, andando rápido. Este era o meu momento. Cuidadosamente, olhei à volta e, num abrir e fechar de olhos, peguei na mala, correndo o mais rápido que pude. Ouvi algumas vozes atrás de mim, mas eu sabia que já estava longe o suficiente para não ser apanhado. Entrei num beco e encostei-me a uma parede escura, arfando, e verificando se não havia mesmo ninguém atrás de mim. Quando tive a certeza que estava a salvo, abri a mala, ansiosamente.

Batons. Tampões, pincéis de maquilhagem, lenços de assoar. Continuei a procurar, desesperadamente, até encontrar uma carteira preta. Respirei de alívio e abri-a, virando-a ao contrário na esperança de que caíssem algumas notas mas...

Nada. Não havia nada. 

Atirei a mala contra a outra parede, com lágrimas nos olhos, e deixei-me cair no chão, exausto. 

Fitei o vazio durante alguns minutos, e acabei por tirar uma seringa que eu tinha roubado há dois dias do bolso, arregaçando a minha manga. Eu conseguia encontrar heroína numa casa abandonada relativamente perto de nós, acho que devia ser uma espécie de armazém. Eu costumava ir lá com a desculpa de que precisava de fazer uma visita à casa-de-banho, mas na realidade, já era a terceira vez que ia lá. E também era a terceira vez que usava hoje. Eu sei, eu estou a ficar viciado, mas é a única maneira que eu tenho de suportar a fome e a dor. Blue não sabe, mas eu penso que ela já consegue perceber que eu não estou tão bem quanto estava, e não só por causa da fome ou da febre. 

Apertei a minha barriga com força quando acabei, gemendo de fome, até sentir a sensação familiar de euforia a percorrer as minhas veias. O meu corpo relaxou um pouco, embora eu soubesse perfeitamente que estava a ficar subnutrido. 

Eu sabia que não podia voltar para Blue de mãos a abanar, eu precisava de levar comida, ou dentro de alguns dias morreríamos de fome. 

Levantei-me, com dificuldade, e puxei o carapuço do meu casaco. Já era de noite, mas eu precisava de tentar de novo. Andei até ao edifício da festa de novo, porém, já não havia ninguém na rua. Eu conseguia ouvir a música dentro das portas trancadas. Não havia maneira de entrar, especialmente com o meu aspeto. Iriam pôr-me na rua assim que pusessem os olhos em mim. 

Continuei a andar, devagar, e de cabeça baixa. Eu precisava de pedir ou de procurar no lixo, não havia outra maneira. Blue olhou para mim no momento em que cheguei, ansiosamente, e eu senti o meu coração partir-se. Eu não era capaz de lhe dizer que não tinha conseguido nada. Eu sei que ela não me ia culpar, mas eu simplesmente não conseguia. 

Sentei-me ao seu lado, tentando conter as lágrimas.

-Conseguiste?-perguntou, ansiosamente. Abanei a cabeça, sem conseguir olhá-la nos olhos. 

-Desculpa...-murmurei, chorando silenciosamente-Eu...eu acho que vou tentar pedir. Com sorte, talvez consigamos alguns dólares...-sussurrei, olhando-a. 

-J-já é...tarde, Axl...-ela disse, encostando-se lentamente no meu ombro. Olhei-a. Ela estava cada vez mais fraca, cada vez mais cansada e frágil. Não que eu estivesse muito melhor mas...ela é tão pequena...e está doente...muito doente. Eu já não a queria deixar sozinha, porque tinha medo que lhe acontecesse alguma coisa, pensava, enquanto a puxava delicadamente para o meu peito, abraçando-a e confortando-a com o calor dos meus braços. Inclinei-me e beijei-lhe a bochecha, ternamente.

-Eu prometo que te irei tirar daqui...-murmurei, acariciando-lhe os cabelos-Custe o que custar. 

Ela exibiu um sorriso fraco, de olhos fechados, e eu continuei a acariciar os seus caracóis, distraidamente. Estava perto de fechar os olhos quando ouvi passos, umas luzes e  o som de um carro. Havia alguém a entrar no beco. Senti Blue a acordar subitamente com os sons, exaltada. Ela deu-me a mão, instintivamente, e eu agarrei-a com força, tentando transmitir-lhe alguma segurança.  

O homem aproximou-se cada vez mais. Julgando pelas roupas, devia ser um polícia.

-Vocês não podem mais estar aqui-disse, rispidamente, embora parecesse visivelmente satisfeito ao dizer-nos aquilo, como se obtivesse prazer ao maltratar e ignorar outros seres humanos-Agora é proibido. E se não quiserem obedecer, posso convidar-vos a passarem uma noitezinha na prisão...

Fechei os olhos e suspirei, levantando-me. Talvez eu conseguisse negociar isto.

-Nós não estamos a incomodar ninguém, Mr...-respondi, tentando ver o nome na sua identificação-Mr. Williams. 

Ele não me respondeu, apenas apontou-me a lanterna de cima a baixo, fazendo com que eu levasse as mãos aos meus olhos numa tentativa de me proteger da luz, que era demasiado forte. Caminhou até mim rapidamente, e eu dei um passo atrás, assustado, embora ele já me tivesse pegado pelo pulso, impedindo que eu fugisse.

-Ora, ora-disse, levando a mão ao bolso do meu casaco-O que é que nós temos aqui?-tirou a minha seringa usada, olhando-a à luz. Merda, porque é que eu tinha deixado aquilo no bolso? 

Baixei a cabeça, envergonhado. 

-Acho que você vai fazer uma visitinha à esquadra...-ele olhou-me, com um sorriso vitorioso, enquanto tirava um par de algemas do bolso. Noutra situação eu teria-lhe cuspido na cara e mandá-lo ir-se foder mas...eu não podia abandonar Blue, principalmente no estado em que ela estava, pensei, enquanto olhava para ela, que se mantivera em silêncio até agora.

-E-espere-disse, olhando-o. Eu tinha uma ideia. Seria nojento, mas nós estávamos a morrer de fome, e eu teria de tentar-Não...não há outra maneira?-perguntei, tentando a minha voz mais sedutora. 

Ele afastou-se um pouco de mim, e olhou-me de cima abaixo, apontando a lanterna para o meu corpo. Eu odiaria-me depois disto, mas eu esperava que funcionasse. 

-Tira o casaco e vira-te-ordenou, e eu obedeci-lhe imediatamente, acabando por fitar Blue. Ela olhava-me, chocada, mas eu apenas dei-lhe um sorriso triste, sussurrando-lhe que estaria tudo bem. Ouvi o polícia a exibir um pequeno som de agrado, e virei-me novamente.

-Ok-ele acabou por dizer, pegando-me na mão e puxando-me para o seu carro-Vem comigo.

-Espere, espere-pedi de novo, forçando-o a parar-Nós...nós temos fome... 

-Hmm-murmurou, encarando o meu corpo de novo-Isso vai depender de ti. 

Assenti com a cabeça, nervosamente, e deixei-o guiar-me até ao seu carro. Fechei os olhos, sentindo algumas lágrimas a escorrerem pelas minhas bochechas. 

-Ponto de vista do Izzy-

Estacionei em frente à casa de Slash, e saí do carro. Subi as escadas e abri a porta.

-Conseguiste alguma coisa?-perguntou Steven, que estava sentando na mesa a beber café, em frente a vários jornais onde havia fotos de Axl a dizer "desaparecido".

-Não-abanei a cabeça, suspirando, e sentei-me ao lado dele, segurando a cabeça entre as minhas mãos. Já era de madrugada, mas nenhum de nós tem conseguido dormir muito ultimamente. 

-Eu não sei mais o que fazer-admitiu Duff, andando às voltas na sala-Nós já procurámos em todo o lado, até chamámos aquela mulher com quem ele estava...Erin, não era?

Slash assentiu com a cabeça, voltando a olhar novamente para uma das fotos de Axl que tínhamos escolhido para pôr no jornal. 

Nós sabíamos que Axl estava chateado quando deixou a casa há três semanas atrás, mas nós pensámos sempre que ele fosse voltar, sabem? Dois, três dias para arejar as ideias, é algo comum nele. Mas agora...já tinha passado mais de três semanas. Axl podia estar em qualquer lado.

Na altura, eu perguntei a Duff o que é que ele tinha dito para deixar Axl tão irritado, e ele disse-me que não tinha dito nada demais, que Axl tinha tido mais um dos seus ataques e saído a correr. Eu acreditei, mas com o passar da semana, e vendo que Axl nunca aparecia, comecei a desconfiar de Duff.

*Flashback on*

-Duff...-chamei-o, encostando-me à porta do seu quarto-Eu sei que tu lhe disseste algo...pelo menos mais do que me contaste.

Duff estava virado de costas para mim, sentando a fumar e a ler no seu cadeirão, mas deu um pulo assim que me ouviu e virou-se, nervosamente.

-O-o quê?-murmurou, inquieto. 

Aproximei-me dele, sentando-me na sua cama. 

-Eu só quero que me digas o que lhe disseste-disse, calmamente, levantando as mãos-Nada mais. 

-A-apenas o que eu te contei, porquê?-gaguejou, continuando a dar-se por desmentido.

Talvez eu precisasse de começar a agir de outro modo se quisesse respostas. Levantei-me, e voltei até ao meu quarto, tirando uma caixa branca debaixo da cama, e avancei até ao quarto de Duff. Atirei a caixa para cima da cama, e de lá tirei a espécie de uma câmera que eu tinha encontrado e desmontado da casa-de-banho.

-Tens alguma coisa a ver com isto?-perguntei, de maneira desafiante.

Duff engoliu em seco.

*Flashback off*

Depois disso, consegui pressionar Duff, e ele acabou por me contar tudo, desde a parte das câmeras até ao que ele disse a Axl. Claro que ele levou um murro, não na cara porque ele ainda estava com o nariz ferido por culpa de Axl, mas um em cheio no estômago, que lhe deixou certamente sem ar. Eu não acredito que ele e Steven nos observaram a ter sexo, e que o filho da puta ainda teve a lata de dizer a Axl que ele tinha gemido como uma puta para mim. Eu juro que senti uma vontade momentânea de o matar. Mas acho que o pior foi o que ele disse sobre Slash, e eu tenho a certeza que foi isso que fez Axl dar-lhe aquele murro e sair. Duff tentou desculpar-se quando me contou, dizendo que foi apenas no calor do momento, que não queria ter dito aquilo. Eu olhei-o, ceticamente. Claro, o que mais é que ele poderia dizer?

Contudo, com o passar dos dias, eu percebi que ele estava realmente com um peso no coração por lhe ter dito aquilo e, além disso, ele estava bastante empenhado em encontrar Axl, então acabei por deixar isso de lado. Já tinha passado, e nós já não podíamos fazer nada quanto a isso, portanto não valia a pena estar a começar mais discussões à volta disso.

As coisas também se acalmaram entre mim e Slash. Foi mais por conveniência do que por outra coisa, admito, mas pelo menos estamos mais calmos agora. Acontece que no início da segunda semana que passámos à procura de Axl recebemos um aviso da nossa senhoria. Nós tínhamos várias rendas em atraso, e a única opção que tínhamos era pagar uma multa exageradamente elevada ou abandonar o apartamento. Tentámos juntar todo o nosso dinheiro, mas não chegava nem a metade do que nos era pedido. Por isso só nos restou a segunda opção: abandonar a casa.

Duff tinha uma namorada antiga que disse que o deixaria ficar por uns tempos, e Steven foi com ele. Slash tinha sempre a casa da avó, onde ele viveu durante alguns anos, inclusive algum tempo com Axl. 

*Flashback on*

Ajudei Steven a desmontar a sua bateria, enquanto Duff descia as escadas já com as malas. Eles despediram-se de mim, e eu fiquei sentado nas escadas, observando-os a saírem num táxi. Continuei a fitar a rua, com o olhar vazio. Eu tinha arrumado as minhas coisas e as de Axl, na esperança de o encontrar novamente.

Eu estava completamente distraído quando Slash passou por mim, sentando-se ao meu lado. Eu já tinha desistido de discutir com ele. Porque não valia a pena, nada a valia a pena sem Axl ao meu lado.

Sem querer, a minha mente já começa a criar cenários horríveis. Axl a dormir nas ruas, congelado de frio. Axl a morrer de fome. Axl a ser estuprado. Axl completamente drogado. Axl morto. Abanei a cabeça, tentando afastar estas imagens horríveis de novo. 

Eu só esperava que Axl estivesse bem, era a única coisa que eu desejava neste momento.

-Hum, Iz...-Slash chamou-me, timidamente, pousando a sua mão no meu ombro-Eu sei que nós tivemos alguns problemas...E eu não espero que aceites...mas eu quero que saibas que, se quiseres um sítio para dormir...

-Por que não?-interrompi-o subitamente, surpreendendo-o-Aceito. 

*Flashback off*

E eu tenho dormido na casa dele desde aí. Ele conseguiu-me um lugar no sótão, onde eu deixei as minhas coisas e as de Axl. Eu também continuo a trabalhar de noite, agora em sítios diferentes, porque pelos vistos a polícia anda mais atenta à venda de heroína, e eu não posso habilitar-me a ir para a cadeia, especialmente agora. Mesmo assim, sempre que vou para um sítio novo, preocupo-me em levar algumas roupas de Axl no meu carro e comida. Geralmente passo cerca de duas horas a vaguear pelas ruas, porque eu tenho sempre a esperança de o encontrar. 

Os dias eram agonizantes para mim. Eu não conseguia suportar mais uma hora deitado naquele colchão desconfortável sem saber de Axl, então eu pedi a Slash que chamasse a Duff e a Steven para nos reunirmos todos aqui. 

Nós nem sequer temos pensado na banda, porque não há banda sem Axl. E eu acho que já deixei bastante claro que vou dar um murro à primeira pessoa que falar em arranjar um substituto. 

-Izzy...Izzy!-ouvi a voz de Slash, que me tirou dos meus pensamentos. Olhei-o, envergonhado-Man, nós estamos a chamar-te há meia-hora!

-Desculpa-murmurei, passando a mão pelo cabelo-O que é que querias?

-O Duff disse que se lembra de uma namorada antiga do Axl-continuou Slash, olhando para Duff e depois para mim-Gina, não era? Aquela que vivia em Santa Mónica?

Assenti com a cabeça e ouvi-os a continuarem a falar, sentindo a minha cabeça a tentar viajar de novo. Olhei para as horas. Já era tarde, e eu precisava de sair dali.

-Continuem a procurar-murmurei, esfregando os olhos-Eu...eu preciso de descansar.

-Estás bem?-perguntou Steven, levantando-se e pousando a mão sobre o meu ombro. Assenti com a cabeça, tristemente-Iz, nós vamos encontrá-lo, eu tenho a certeza. Afinal, quão longe ele poderá ter ido?

Muito longe, e acho que todos naquela sala sabíamos disso. Mesmo assim, agradeci o gesto de Steven exibindo um sorriso fraco, e subi as escadas, trancando-me no quarto. Eu não ia descansar, descansar era a última coisa que eu conseguiria fazer. Hoje eu tinha um lugar novo onde vender, e eu não podia faltar. Era território alheio, o que me assustava um bocado porque eu sabia que os cartéis da zona podiam-se revoltar contra nós facilmente. Contudo, a clientela era elevada, e...havia a possibilidade de encontrar Axl. Então, como sempre, peguei na mochila com as coisas dele, numa cesta com comida,  e por fim nas chaves do meu carro, saindo pela janela.

-Ponto de vista do Duff-

Toda esta situação com Axl tem-nos transtornado a todos. Eu, pelo menos, não era capaz de aguentar com o peso da última conversa que tivemos. Então eu passei as últimas semanas a procurá-lo desesperadamente, ensaiando constantemente o meu pedido de desculpas.

Eu sei que me exaltei demasiado, e eu também sei que isso tem uma razão. Axl é como um irmão para mim desde o momento que o conheço. Mas aquela noite...alterou muita coisa. Ver Axl através daquele televisor, daquela maneira, a gemer e a gritar...eu não sei, eu não sou capaz de explicar, a única coisa que eu posso dizer é que, nesse momento, as peças começaram a ligar-se na minha cabeça. Eu sabia que Slash tinha alguma coisa a ver com aquilo tudo, e vê-lo a lutar com Izzy só me fez ter mais a certeza: Slash também tinha dormido com Axl, porque era como se eles tivessem praticamente a lutar pela atenção dele. Porém, isso produziu um efeito que eu nunca tinha esperado em mim. 

E quando eu percebi o que se estava a passar, eu fiquei chocado comigo mesmo. Eu estava com ciúmes. Eu estava com ciúmes de Izzy e de Slash, porque eles tinham estado com Axl. E foi essa  mesma raiva que me fez entrar naquele quarto e dizer tudo aquilo na cara de Axl. Não era eu que estava a falar, eram os meus ciúmes. Porque raios Axl tinha dormido com eles e não comigo? Eu não era bonito o suficiente? Sexy o suficiente? Talvez o meu pau não fosse tão grande? 

Não era justo. E também não fazia sentido na cabeça na minha altura, mas agora faz; Porque não ver Axl tem-me custado de uma maneira bastante pior do que a que eu alguma vez poderia ter previsto. Eu não queria tentar nada com ele; eu sabia que Axl estava mais que ocupado com Slash e com Izzy, independentemente do que tenha acontecido entre eles, e eu não tenho qualquer espaço nesse triângulo. Sendo assim, só me restava esperar que fosse uma coisa passageira e voltar ao normal, embora isso me frustrasse mais do que nunca. Esta paixão estava a dar cabo de mim, estava a tornar-me em alguém que eu não era e a desbloquear novas emoções com as quais eu não era capaz de lidar.

E depois...há Steven. Eu não posso negar que gostei do que aconteceu entre nós, mas sei que, lá no fundo, Steven sente algo por mim, e há algum tempo, a diferença é que ele tem guardado esses sentimentos. Talvez tenha medo da minha reação, mas ele nem sequer sonha que eu já sei disso há várias semanas. E eu gosto de Steven, eu adoro Steven mas...eu vejo-o como um amigo. Ele nem deve saber do que se está a passar, o porquê de Slash e Izzy estarem a lutar. Porque a cabeça dele não junta os puzzles como a minha; Steven é muito diferente de mim. E embora eu o ache fofo, sim, e não me importasse de dormir com ele, eu não o farei, porque eu veria a noite como apenas sexo, e Steven veria como amor. Talvez um dia as coisas mudem mas, por enquanto, eu não quero magoar Steven.

"Ele é demasiado inocente"-pensei, enquanto o olhava a verificar alguns cadernos que estavam nas coisas de Axl. Sentei-me ao seu lado, ajudando-o com as folhas. Talvez houvessem pistas lá, algum local ou alguém com que ele pudesse estar. Eu sei, invasão de privacidade, mas não conta porque Axl não está cá. E é compreensível porque nós estamos a procurá-lo como doidos.

Eu...eu tenho tantas saudades dele. Eu nunca esperei sentir-me tão mal. Só desejo que ele esteja bem, onde quer que esteja.  

-Ponto de vista do Axl-

Entrei na parte de trás do carro, sentando-me nervosamente ao lado do homem. Ele trancou as portas, o que me fez estremecer. Se houvesse algum problema, eu não tinha forma de escapar...a não ser que tentasse partir os vidros, o que era quase impossível porque eu demoraria demasiado tempo a fazê-lo. 

-Despe-te-ele disse, sem qualquer emoção. 

As luzes noturnas e alaranjadas da rua brilhavam sobre a minha pele quando comecei a tirar o meu casaco, depois a t-shirt, resignando-me ao meu destino. Ele olhava-me fixamente em quanto eu o fazia, o que me deixava mais do que incomodado, embora eu não pudesse fazer nada. O homem aproximou-se de mim, e tocou-me no pescoço, descendo o seu dedo indicador pelo pelo meu peito e pela minha barriga, o que me estava a causar arrepios. 

Observei o seu dedo a descer pela minha pele, nervoso. Levantei o olhar quando ele parou, agoniado. No entanto, fui capaz de notar algo a mudar nos seus olhos. 

-Tens quantos anos?-perguntou, inclinado a cara para me poder ver melhor, a sua voz mais calma.

-23-respondi, engolindo em seco.

-Tens...tens a idade do meu filho...-comentou, acariciando-me a bochecha. Eu gostava de pensar que talvez houvesse um vislumbre de compaixão através dos seus olhos inexpressivos e indiferentes. 

Baixei a cara, timidamente, deixando algumas lágrimas rolarem pelas minhas bochechas. 

-Eu...eu serei gentil-afirmou. Ele estava tão perto que eu sentia o seu hálito quente a bater na minha cara-E...darei-te 20 dólares no final. Não gastes em heroína-disse, voltando o meu braço para si, verificando todas as marcas de picadas no meu braço. 

Levantei a cara, exibindo um sorriso fraco. Eu ainda teria de ter sexo com ele mas, pelo menos, teria dinheiro para comprar comida, e isso era suficiente para me fazer aguentar durante esta noite. 

Tirei os ténis, e comecei a desabotoar as calças, ficando apenas com os meus boxers pretos. Eu estava a tremer de frio. Ele parou finalmente de me olhar, e começou a tirar as suas roupas também. Eu não conseguia ver assim tão bem, apenas alguns pormenores iluminados pelas luzes da rua. Ele era um pouco acima do peso, e tinha demasiados pelos no peito, mas acho que eu era capaz de suportar desde que não tivesse de o olhar nos olhos. 

-Vem aqui-ele ordenou, apontando para o seu colo. Fiz como ele pediu, e sentei-me devagar sobre as suas pernas, de frente para ele, que não perdeu tempo e inclinou-se para me beijar. Eu acabei por ceder assim que me lembrei dos 20 dólares, e envolvi os meus braços à volta do seu pescoço, acariciando o seu cabelo grisalho. Era repulsivo, e o seu hálito era mau, assim como o seu beijo. Separei-me dele, e deixei-me cair de joelhos à sua frente, descendo os seus boxers. Fechei os olhos e respirei fundo. 

Eu conseguia, eu tinha de conseguir. 

Sem pensar mais, enrolei os meus lábios à volta da sua ereção, e comecei a chupar lentamente, tentando pensar noutras coisas enquanto o fazia. Ele levou as suas mãos aos meus cabelos, gemendo e puxando-me mais contra si, e eu aumentei o ritmo. Se eu o fizesse vir agora, talvez não precisasse de ter sexo com ele. 

-Olha para mim-ele pediu, levando a mão ao meu queixo, e eu abri os olhos, embora contra a minha vontade, deparando-me com a sua cara vermelha e suada. 

Eu não conseguia, eu estava com nojo de mim mesmo. 

E então pensei em Blue. Pensei no seu sorriso quando eu saísse dali e lhe levasse comida. Pensei no seu sorriso quando eu a conseguisse tirar da rua, quando lhe desse uma cama quente e uma casa.  

Consegui continuar chupá-lo, segurando o seu membro pela base, agora mais motivado. Comecei a sentir um sabor salgado na minha boca. Ótimo, ele estava perto, só precisava de aguentar mais um pouco e teria os 20 dólares na minha mão. Além disso, da idade dele, seria pouco provável que aguentasse foder-me depois disto. 

-Para-ele arfou, afastando-se e impedindo-me de avançar-Eu não quero vir-me agora. 

Assenti com a cabeça, suspirando e amaldiçoando-o mentalmente. Ele inclinou-se para me dar outro beijo. Acabei por render-me, contrafeito. Desta vez, a sua língua atravessou a minha boca quase até à minha garganta, deixando-me quase a sufocar. Quando finalmente nos separámos, eu estava a implorar por ar e a tentar conter os vómitos, angustiado. 

-De quatro-ele disse, e eu obedeci. Virei-me rapidamente, ficando de gatas no banco, e ele prendeu-me de imediato à porta do carro com as suas algemas.

Senti-o a puxar os meus boxers para baixo. As suas mãos acariciaram as minhas nádegas, lentamente, enquanto ele soltava pequenos gemidos, provavelmente satisfeito com o que estava a ver. 

Eu não estava nem um pouco duro. Só queria que acabasse. 

Então esperei pela dor, resignadamente. Ouvi-o a rasgar algo, provavelmente estaria a pôr um preservativo. Respirei de alívio porque, pelo menos, o preservativo era lubrificado. Senti-o a separar bem as minhas nádegas, e depois o seu membro a alinhar-se com a minha entrada. Ele começou a penetrar-me, devagar, enquanto eu me agarrava aos bancos com força, numa tentativa de ignorar a dor. Ouvi-o a gemer algumas coisas obscenas atrás de mim sobre o meu corpo, e senti as suas mãos ásperas a percorrerem as minhas ancas, segurando-as para obter algum apoio. Ele foi aumentando o ritmo, os seus gemidos cada vez mais fortes. Enterrei a cabeça no assento, chorando em silêncio. 

-Geme-ele ordenou, talvez dececionado por eu estar tão calado, e decidiu dar-me algumas chapadas fortes no rabo, que me fizeram gritar um pouco de dor. Senti gotas de suor a caírem nas minhas costas enquanto ele me apertava as nádegas com força.

-Oh, sim...-Suspirou, enquanto me dava com força, abanando o carro-Eu estou tão perto...

Ouvi-o soltar um gemido profundo de prazer, e senti-o a ejacular dentro do meu corpo com uma última estocada. Ele saiu de mim, e eu deixei-me cair no banco, exausto. 

"Acabou, Axl, acabou"-murmurei para mim mesmo, suspirando de alívio.  Fui-me virando lentamente, encontrando-o sentando a arfar, encostado ao banco. Quando me viu, inclinou-se, tirando-me finalmente as algemas, e depois voltou a sentar-se, esgotado. Enquanto ele descia do estado de anestesia causado pelo seu orgasmo, aproveitei para pegar nas minhas roupas, vestindo-as rapidamente. Sentei-me pacientemente ao seu lado, esperando pelo dinheiro. 

Ele olhou-me, entendendo o que eu queria, e pegou na carteira. Tirou 20 dólares, como prometido, e estendeu-mos. Destrancou as portas do carro e segurou-me pelo braço antes que eu pudesse sair, dando-me um beijo simples nos lábios.

-Talvez eu volte a passear por aqui...-comentou, saciado, observando-me sair do carro. Eu apenas ignorei e tratei de sair dali rapidamente, andando pela rua, embora com dificuldade, porque sentia o meu rabo a arder. Parei no primeiro restaurante que vi, guiado pela fome, e entrei, comprando tudo o que podia por 10 dólares. Achei que seria prudente guardar os outros dez dólares para amanhã, onde poderíamos ponderar numa maneira de sair dali. 

Assim que paguei e recebi a comida, comecei a tirar a minha parte do saco e a comê-la freneticamente. 

-Ponto de vista de Izzy-

Tinha acabado de vender a minha última dose de heroína há cerca de meia-hora. Podia-se dizer que a noite tinha sido relativamente produtiva, parece que o sítio tinha bastantes consumidores. Talvez não fosse uma má aposta vir cá mais vezes.

Eu estava parado em frente ao carro, a fumar, quando vi mais uma sombra a aproximar-se. 

-Hey, tarde demais, amigo-disse, à medida que o vulto se movia-A venda já acabou. 

Ele continuava a andar na minha direção, agitado. Parecia ter dificuldades a andar. Aproximei-me mais, mas era difícil de identificar alguém assim, no meio do nevoeiro que se formava naquela noite húmida. 

-A-axl?-perguntei, nervosamente. Era quase impossível que fosse, mas eu juro que tinha visto madeixas ruivas. Talvez eu estivesse a sonhar?-É-és tu?

O nevoeiro dissipou-se, e a figura tornou-se clara. 

-OH MEU DEUS, AXL!-gritei, correndo até ele, que cambaleava. Ele segurava sacos nas mãos e ficou a olhar-me como se eu fosse algo surreal. Aproximei-me para o abraçar com força mas ele...Axl não parecia estar presente. Notei algo a mudar nos seus olhos, e depois vi-o a dar um passo atrás, assustado. 

-Axl...sou eu, bebé-sussurrei, calmamente, estendendo-lhe os meus braços-Deixa-me tirar-te daqui-disse, pegando-lhe na mão, mas ele afastou-me, olhando-me de maneira fria e distante. Não pude evitar encará-lo de cima abaixo. Ele...ele estava tão magro...o cabelo sujo e despenteado, as suas roupas eram poucas e estavam rasgadas e já não havia qualquer brilho no seu olhar. Olhos vermelhos e cansados, encovados. Heroína, pensei, arrepiado. Ele estava sobre o efeito de heroína. Tentei ignorar esse facto, era melhor deixar isso para mais tarde. 

Levei a mão à sua testa. Ele estava a arder em febre. 

-Vamos-murmurei calmamente, pegando-lhe na mão. 

-NÃO!-gritou, subitamente agitado. Virou-se, afastando-se de mim, e continuou a andar com dificuldade. 

-O que é que estás a fazer?-perguntei, tentando apanhá-lo-Axl?

Ele estava a delirar, parecia completamente louco. 

-Blue, Blue, Blue...-sussurrava constantemente, de cabeça baixa. Acabei por conseguir apanhá-lo, cansado de correr, e segurei-lhe o braço, tentando arrancar-lhe algumas respostas.

-Axl, onde é que tu vais?-perguntei, observando-o a entrar num beco escuro.

-BLUEE!!-gritou, olhando para os lados, agitado-BLUE!!!

Eu não estava a entender nada, apenas continuava a segui-lo, esperando que ele não cometesse nenhuma estupidez. Entretanto, ele pareceu abrandar, e parou em frente ao que parecia mais um monte de cobertores. Ele abaixou-se, pegando nos sacos com comida, e começou a falar suavemente.

-Com quem é que estás a falar?-perguntei. Foi quando me aproximei que notei que ele estava a falar com uma rapariga, enrolada num enorme monte de cobertores. Todavia, a rapariga não lhe parecia responder.

-Blue, acorda-sussurrou, abanando-a delicadamente, com um sorriso nos lábios-Olha o que trouxe...-murmurou, olhando para o saco-Ainda está quente. Blue?-disse, abanando-a de novo, embora ela não lhe parecesse responder-Sou eu, Axl...

Abaixei-me ao lado dele, passando-lhe a mão pelo ombro e fitei a rapariga, que continuava de olhos fechados.

-Bluuee-Axl chamou-a de novo, acariciando-lhe o braço.

Ele estava demasiado drogado para perceber, mas eu não. Então, lentamente, toquei na mão da rapariga, confirmando as minhas expetativas: Ela estava morta há horas. Engoli em seco, olhando para Axl, que a continuava a chamar sem entender, enquanto eu tentava pensar numa maneira de lhe dizer que ela não iria voltar a abrir os olhos. 

-Axl...-sussurrei, acariciando-lhe as costas-Ela...ela está morta...

Ele olhou-me, agoniado, com lágrimas a formarem-se nos seus olhos. Ele sabia que ela estava morta, apenas não queria acreditar nisso.

-SAI! DEIXA-ME EM PAZ!-Axl gritou, perturbado, empurrando-me ao chão bruscamente, e correu com dificuldade até à rapariga morta. 

-B-blue...-chamou, entre lágrimas-N-não...-gemeu, com a voz partida-Eu...eu tinha prometido...eu tinha prometido que te ia tirar daqui!-sussurrou dolorosamente, deixando-se cair de joelhos no chão.

Tirou-lhe os cabelos da cara, beijando-lhe a testa carinhosamente, e puxou-a para o seu colo, segurando-a nos seus braços. Axl ajeitou-lhe as roupas, murmurando coisas que eu não era capaz de entender, e cantou-lhe baixinho, embalando-a ternamente. 

Eu estava sentado, afastado e com medo, observando-o. Acho que ficámos ali durante horas. Mas eu....eu não tenho a certeza, eu tinha perdido a noção do tempo. Não sabia o que fazer, ou como reagir.

Eu...eu não sabia quem era aquele Axl.

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