O Guiador

By jduarte_

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Meena Wilson é uma estudante de jornalismo com um passado doloroso. Sua família está sucumbindo aos poucos e... More

O Guiador | Disclaimer
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10

Capítulo 11

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By jduarte_

O telefone tocou de manhã na residência dos Wilson, e eu fui a única disposta a levantar às 8:30 em um domingo para atendê-lo. Meus pés cansados me levaram até a sala de estar ainda levemente escurecida pelo sol que nascia no horizonte, e peguei o aparelho barulhento, reprimindo um bocejo involuntário com a palma da mão livre.

— Alô?

"Annie Wilson?"

Ouvir o nome de minha mãe já falecida, me deixou numa energia ruim. Com ácido gotejando de suas palavras, respondi.

— Ela morreu ano passado. Posso ajudar com alguma coisa, ou... – deixei minha voz sumir, enquanto esperava uma resposta da pessoa do outro lado da linha, totalmente impaciente.

"Ah, eu sinto muito, não tínhamos registros do falecimento da senhora Wilson."

— Claramente. – revirei os olhos mesmo sabendo que a pessoa do outro lado da linha não veria, e me sentei na cadeira mais próxima dela, sabendo que a conversa seria longe, recheada de "meus pêsames" e várias lambidas desnecessárias vindas de uma pessoa que eu nem ao menos conhecia. — De onde você disse que fala?

"Na verdade não chegamos nessa parte." A pessoa do outro lado da linha disse e meu coração bateu mais rápido com a sensação de que algo não estava certo. "Faço parte do necrotério de Sleepy Hollow, e recebemos a notícia de que sua tia Carol morreu há algumas horas, de insuficiência renal no hospital Presbiteriano de Nova Iorque, e como nos encaminharam o corpo para preparar para o velório, tivemos que contatar alguém da família para poder fazer o reconhecimento do corpo, e autorização para o enterro."

Massageei as têmporas doloridas, extremamente exausta. Seria tão mais fácil se minha mãe ainda estivesse viva para cuidar de todos aqueles problemas.

— E o que eu preciso fazer? – perguntei com a voz baixa.

"Bom, precisamos de uma série de documentos que posso te enviar por email, e seria muito bom se algum familiar pudesse comparecer no necrotério para identificar o corpo..."

— Qual a necessidade de alguém identificar minha tia, se vocês já a identificaram? – meu tom de voz pegou a mulher de surpresa.

"É o protocolo, senhora Wilson."

Senhora Wilson. Aquelas palavras fizeram com que eu quisesse arrancar meus olhos. Minha mãe era a Senhora Wilson; eu me recusava a ser chamada daquela maneira.

— Por favor, me chame de Meena. – pedi com a voz num tom de súplica.

"Poderia vir o mais rápido identificar o corpo, senhora Meena? Temos um protocolo para seguir e o corpo será enterrado como indigente caso eu não o siga..."

Revirou os olhos e me levantei, levando o telefone sem fio comigo até a cozinha.

— Em quanto tempo preciso estar aí?

"O mais rápido possível." O tom da mulher era desesperado, e causou certa aflição em mim.

Aquela mulher parecia angustiada que minha tia estivesse em seu necrotério, por alguma razão. E eu não conseguia entender o motivo.

— Ok, tentarei chegar o mais rápido possível, só me passe o endereço por gentileza.

Anotei o endereço no papel em cima da mesa, completamente enfurecida pelo modo que a mulher havia falado comigo, pelo modo frio e pelo jeito de tratar a morte de minha tia como se fosse algo extremamente banal.

A irritação fez com que eu ficasse tentada a atirar o telefone longe, mas ao invés disso, fechei as mãos em punho e respirei fundo. Não seria uma coisa boa se eu perdesse o controle da situação agora. Eu tinha problemas maiores para resolver.

Adelind desceu pelas escadas segurando nas mãos seu ursinho de pelúcia e entrou na cozinha com uma cara cansada.

— Meena? – ela perguntou, sonolenta, esfregando os olhos. — Estou com fome.

Levantei os olhos do balcão da pia onde estava o endereço e estiquei meus braços em direção à minha irmã para que ela viesse até mim. Ela tinha os cabelos louros até o meio das costas, inteiramente embaraçados por ter dormido com o cabelo molhado.

Adelind veio até mim e eu a coloquei sentada em cima do balcão, tentando ajeitar seu cabelo para que ele não ficasse em seus olhos.

— O que você quer comer? – perguntei, abrindo um dos armários superiores, já imaginando o que ela escolheria.

— Lucky Charms.

Sorri. Era o predileto de Adelind, e seria uma surpresa se ela não escolhesse este cereal.

— É claro, senhorita. Com leite, não é? – a olhei, mesmo sabendo sua resposta e ela balançou a cabeça afirmativamente. — Dormiu bem? Você acordou cedo hoje...

Adelind coçou mais uma vez os olhos, bocejando.

— Tive um pesadelo. – ela comentou enquanto descia do balcão e se sentava à mesa. Coloquei seu cereal na sua frente e abri a geladeira para pegar o leite, esperando que ela me contasse mais. Adelind era fechada, se eu perguntasse, ela jamais me diria sobre o que tinha sonhado. — Eu sonhei com a mamãe.

Foi resposta o suficiente para que eu soubesse que ela não continuaria. Era um tópico que não costumávamos conversar muito. Abracei Adelind e a coloquei em meu colo, beijando seus cabelos. Ela se aconchegou em meus braços.

— Eu também sinto falta dela, mas não podemos fazer nada.

Afaguei seus braços e ela deitou a cabeça em meu ombro, suas lágrimas escorrendo por meu colo, molhando minha camiseta. Mas as palavras de consolo que vinham até mim, não eram apropriadas para os ouvidos de uma criança.

— Vamos ficar bem, você confia em mim, não confia? – perguntei.

Ela balançou a cabeça.

— Então vai ficar tudo bem. – eu lhe disse. — Coma seu cereal.

Adelind revirou os olhos e se sentou na cadeira mais confortável da mesa da cozinha, sorrindo enquanto comia seu cereal com leite que já estava encharcado e murcho.

Fui até meu quarto me trocar, passando na frente do quarto de meu pai, agradecendo mentalmente por estar tudo fechado e silencioso. Havia duas opções: ou ele ainda estava dormindo, ou já tinha acordado para ir buscar algumas coisas para fazer o café da manhã, como sempre.

E secretamente, eu esperava que fosse a segunda opção, pois meu estômago roncava.

Vozes ecoaram pela casa e meu pai entrou no meu campo de visão em segundos. Algo em meu rosto deve ter denunciado que eu não tinha notícias boas. Ele largou as compras em cima do balcão da cozinha e Temperance começou a arrumar tudo.

Abracei meu corpo e suspirei, fazendo um sinal com a cabeça para que ele me seguisse até o deque.

— Está tudo bem? – ele perguntou assim que me encontrou lá fora.

— Tia Carol está morta. – eu disse sem rodeios.

A notícia pegou meu pai de surpresa e ele colocou uma mão na testa, tentando filtrar a bomba que eu tinha jogado nele.

— Oh, Deus... Isso...

Ele ficou sem palavras, literalmente. Meu pai jamais ficava sem palavras.

— O telefone tocou hoje de manhã enquanto você estava fora, e eles pediram para que eu fosse até lá para retirar o corpo. – minha voz era tão absurdamente vazia que me assustou.

Meu pai suspirou tristemente.

— Eu preciso ir até Sleepy Hollow para liberar o corpo...

A confusão se instalou no rosto de meu pai.

—Mas por que ir para Sleepy Hollow, querida? – ele perguntou, 100% confuso.

—Toda a família é de lá, ela morava lá...

— Eles querem enterrá-la na cova da família, que nobre.

— Pai, não seja ranzinzo. Mamãe também foi enterrada lá. E todo mundo está lá.

Ele fez uma cara feia.

— Bom, você quer que eu vá com você? – meu pai perguntou, mas tudo nele me indicava que essa era a última coisa que ele gostaria de fazer.

— Não, na verdade estava pensando em ir até lá ainda hoje. Kyle fica com vocês e depois eu volto para buscá-lo e passo o último dia do feriadão aqui, o que acha?

Ele suspirou novamente.

—Não acho que eu tenha que dar minha opinião nisso. Você é uma adulta e consegue se virar com essas coisas.

— Eu vou, ok?

Meu pai assentiu.

— Se for passar a noite por lá, me dê um toque, tenho alguns amigos que podem deixar você dormir na casa deles.

Algo estalou em minha cabeça.

— Helena e Fitch Monet seriam esses amigos? – perguntei.

Ele riu e coçou a parte de trás da cabeça.

— Não custa perguntar se você está disposta a passar uma noite lá, docinho. – meu pai disse e sorriu envergonhado.

Eu não respondi. Só de pensar na possibilidade de passar uma noite com Grey na mesma casa, fazia minhas palmas suarem.

Pigarreei para tentar tirar um fiapo inexistente de minha garganta, e beijei a bochecha de meu pai.

— Vou tomar um banho e pegar uma troca de roupa para ir até lá.

Meu pai esfregou as mãos para cima e para baixo em meu braço e eu tentei me forçar a sorrir. A notícia tinha me afetado muito mais do que eu esperava. Carol era uma pessoa que eu não tinha muito contato, principalmente depois de minha mãe ter morrido, mas ela ainda era minha tia.

Algumas horas depois a placa de "Bem vindos a Sleepy Hollow" apareceu em minha vista e eu sentei ereta no banco do motorista, esperando que alguma coisa pulasse das árvores e viesse correndo em direção à mim, mas nada aconteceu.

Fui diretamente para a funerária e quando o prédio branco e singelo apareceu em minha frente com uma bandeira americana hasteada no jardim, meu coração bateu mais rápido. Aquilo não parecia ser uma casa funerária e sim uma casa normal.

Estacionei o carro e respirei fundo antes de abrir a porta e descer dele. Havia um ar de paz naquela casa e eu não conseguia entender. Toquei a campainha e esperei. Uma mulher baixinha com um vestido azul e salto alto preto me encarou, parecendo questionar quem eu era.

— Oi, eu recebi uma ligação de vocês hoje sobre minha tia Carol. – disse e seus olhos se arregalaram.

Ela abriu a porta e olhou para fora, dando uma olhada para ver se alguém estava vindo e então fez menção para que eu entrasse. Fiquei confusa com sua atitude, e assim que eu entrei, ela fechou a porta correndo, parecendo desesperada. Ela colou os ouvidos na porta e escutou por uns bons 15 segundos e então olhou para mim. Seus olhos não estavam tão aflitos quanto antes, e ela até mesmo parecia mais tranquila.

Como se nada tivesse acontecido.

— Oi, meu nome é Gail. Você deve ser Meena Wilson, não é mesmo? – ela perguntou enquanto estendia a mão para que eu a apertasse.

Assenti.

— Por medidas de precaução, preciso que você reconheça o corpo de Carol Garber, ok?

Por medidas de precaução...

— Ok.

Ela me guiou até um corredor bem iluminado, com vários quadros e piso de linóleo antigo e eu me mantive em silêncio. No final do corredor havia uma porta dupla daquelas de hospital e eu hesitei antes de segui-la. Seus saltos faziam muito barulho no piso branco e imaculado do cômodo iluminado e claro demais. Tudo parecia claro demais.

Mais de duas mesas de autópsia se faziam presentes naquele cômodo. Ela caminhou até um conjunto de gavetas de necrotério, daquelas que eles usam para guardar os corpos empilhados praticamente um em cima do outro. Gail se aproximou da gaveta e puxou uma das últimas, me deixando ver o corpo coberto por um lençol branco.

Meu estômago se revirou dentro de mim e eu segurei meu vômito na garganta e respirei fundo, me arrependendo tremendamente de não ter trazido Kyle comigo. Ele definitivamente saberia como lidar com isso bem melhor do que eu.

Meu Deus, eu vou vomitar.

Gail abriu espaço para que eu me aproximasse, e meu estômago não concordou com minha decisão de chegar mais perto. Meus dedos se enlaçaram no lençol branco e eu tirei de perto do corpo, expondo o rosto de minha tia Carol.

Seu rosto estava pálido e frio, veias roxas embaixo dos olhos fechados e a boca esbranquiçada. Não havia nenhum resquício da mulher que minha tia era antes da morte lhe receber.

— Falência dos órgãos, certo? – perguntei.

— Insuficiência renal, pelo que o médico legista do hospital nos mostrou. Mas não sabemos ao certo.

Engoli seco e coloquei o lençol de novo sobre o corpo de minha tia. Seus pés estavam descobertos, e era possível ver a etiqueta pendurada no dedão frio. Respirei fundo.

— Eu sinto muito que tenhamos nos reencontrado nessas circunstâncias, Meena. – a mulher falou enquanto fechava a gaveta e se virava para mim.

Suas palavras pairaram no ar e eu não consegui entender. Eu nunca tinha visto aquela mulher na minha vida. Eu era uma boa fisionomista, mas Gail definitivamente não era uma pessoa que eu tinha cruzado caminhos ainda.

— Acho que você está me confundindo com alguém, eu nunca vi você antes. – respondi saindo de perto das gavetas com os corpos.

E ela fechou a cara, parecendo preocupada.

— Oh, não... Annie não poderia ter feito isso... – ela não terminou de falar.

— Você conhecia minha mãe?

Gail sorriu, mostrando os dentes levemente amarelados.

— Querida, todas nós conhecíamos Annie.

Ela buscou algo dentro de seu vestido e puxou o cordão para fora. Era um colar muito semelhante com o que eu usava, que tinha pertencido à minha mãe.

— Annie era uma das mais poderosas. Por isso ela foi morta.

Meu sangue gelou nas minhas veias.

O quê?

— Annie foi morta. Não foi um acidente como os jornais notificaram.

Eu me afastei mais ainda dela.

— Ou você realmente acha que o carro dela teria ido parar numa ribanceira sozinho? Completamente queimado.

Ignorei-a.

— Isso é loucura sua, minha mãe não tinha inimigos que a quisessem morta.

Gail cruzou os braços em cima do peito.

— Foi isso o que ela te disse? Sua mãe tinha mais inimigos do que ela podia contar nos dedos das mãos, Meena.

Balancei a cabeça negativamente e levantei o queixo.

— Chega desse assunto. Eu definitivamente conhecia minha mãe, e eu nem ao menos sei quem você é. Eu vou embora. Os papéis assinados eu encaminho amanhã para quem comanda a funerária.

Gail barrou minha passagem quando eu tentei passar pela porta da frente. Fechei as mãos em punho, pronta para acertar o nariz dela, e decidi que era melhor manter a calma e respirar fundo. Eu não conhecia aquela cidade e nem ao menos conhecia Gail. E não sabia do que ela era capaz.

— Você não entende, Meena. Você é uma chave importante para descobrir o assassino de sua mãe.

Ela agarrou meus braços e a porta se escancarou da frente, abrindo com uma aparente rajada de vento. Eu me desvencilhei das unhas compridas de Gail e saí correndo de lá, indo em direção ao meu carro o mais rápido possível.

Dirigi o mais rápido possível sem destino nenhum, acabando perdida na beira da floresta escura. O dia tinha ficado extremamente escuro por algum motivos, e minha ansiedade só faltava me engolir. Minhas lágrimas começaram a embaçar minha visão.

O toque do meu celular me fez tomar um susto.

— Alô?

"Onde você está?" eu quase chorei ao ouvir sua voz.

— Perto da floresta... Eu não... Eu não sei onde estou.

"Não saia daí, estou chegando."

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