AO NOSSO HERÓI, UM TIRO NO PE...

By wlangekeinde

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Em um país chamado Kailan, governado por uma ditadura militar, a jovem Kristina Lan Fer está mais preocupada... More

APRESENTAÇÃO
BOOK TRAILER
CAPÍTULO 1 - OS LAÇOS QUE PRENDEM A CORDA
CAPÍTULO 2 - AMIGO DE LONGA DATA
CAPÍTULO 3 - TRÊS MESES DEPOIS
CAPÍTULO 4 - BASTIDORES DA PÁTRIA
CAPÍTULO 5 - DISTÚRBIO
CAPÍTULO 6 - LONGE DEMAIS
CAPÍTULO 8 - O VISIONÁRIO DA COSTA BAIXA
CAPÍTULO 9 - NOSSO ABRAÇO DE AGULHAS
CAPÍTULO 10 - AS TRAMAS OCULTAS DA GUERRA CIVIL
CAPÍTULO 11 - ESBOÇO DE UM CRIME FEDERAL
CAPÍTULO 12 - MEIA DÚZIA DE PROMOTORES DO CAOS
CAPÍTULO 13 - PENSAMENTOS PROIBIDOS
CAPÍTULO 14 - O TERCEIRO-SARGENTO
CAPÍTULO 15 - NO ALBERGUE I
CAPÍTULO 16 - NO ALBERGUE II
CAPÍTULO 17 - PAZ? SOMENTE AOS SUBMISSOS
CAPÍTULO 18 - O PRIMO
CAPÍTULO 19 - RECOMPOR
CAPÍTULO 20 - O DIA DA DECISÃO
CAPÍTULO 21 - O HOMEM QUE USURPOU A NAÇÃO
CAPÍTULO 22 - PEDRAS NA POÇA DE ÁGUA (final)

CAPÍTULO 7 - OS INCONFORMADOS

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By wlangekeinde

Já estava claro e não chovia mais. Deitada, Kristina encarava o teto amarelo do quarto, mas o que via, ouvia e sentia ainda eram fragmentos de duas horas atrás: o barulho da chuva, o brilho momentâneo de um relâmpago, uma mão na sua, um corpo no seu e os suspiros segredados para a madrugada.

Ele partira imediatamente ao fim do toque de recolher. O papel com o endereço repousava dentro do armário de Kristina. Era um hotel na Rua General Erson, 302, Centro, Melkan, Fígado. Ela já o sabia de cor, pelo número de vezes que o lera. A única pessoa que eu deixo ir atrás de mim é você. Contudo, o que aconteceria se ela fosse? E se ficasse? Deveria ter pressionado Briel a lhe contar todo o plano, se é que tinha planejado algo a longo prazo. Por enquanto ele era um fugitivo de um grupo armado, mas por quanto tempo isso iria se sustentar? E, enquanto isso, o que aconteceria com Ronan na cadeia? Ele não era o pai dos sonhos de Kristina, mas era seu pai de qualquer jeito e ela não queria perdê-lo. Mesmo que ele nunca tivesse sido suficientemente impositivo a ponto contar para a filha quem era de verdade. Se tivesse, tudo teria sido diferente. Kristina teria experimentado pelo menos uma vez a terra firme de uma ilhota, ao invés de viver sempre à deriva entre consanguíneos que a calavam e a abandonavam no lugar de ampará-la como uma verdadeira família deveria fazer.

Kristina se virou de lado na cama, desconfortável. Seus ossos doíam com o peso de imaginar há quanto tempo era assim. Desde quando Ronan lutava contra a ditadura? Se Briel sabia, deveria ter contado a Kristina em algum momento. Ou melhor, no momento em que descobrira. E quando Briel entrara na luta armada? Aquilo tinha alguma coisa a ver com o concurso do ETeCK? Tinha alguma coisa a ver com Lorena? Se Briel amava mesmo Kristina, de onde tirara Lorena?

Kristina conhecia Briel havia quase nove anos, desde que ele se mudara para sua vizinhança. Certas vezes, já idealizara ter outro tipo de relação com ele, mas isso era inevitável para uma garota que crescera ao lado de um garoto da mesma faixa etária. Sempre foram apenas fantasias distrativas. Nunca uma vontade, nunca um interesse, nunca algo que ela aceitaria se ele pedisse. E, principalmente, nunca fora amor. Até que, poucas horas atrás, em um sofá de uma sala escura, toda aquela compreensão tinha se embaralhado.

Quando não suportou mais permanecer deitada e dentro de sua cabeça, Kristina foi ao andar de baixo, onde encontrou sua mãe sentada à mesa da cozinha com uma taça e uma garrafa de bebida.

— A essa hora? — disse a garota.

— É só vinho branco. Teu pai me deu esse de presente.

— Meu pai. — Como ela daria voz à sua pergunta sem causar uma guerra em casa? — As acusações contra ele... O que você acha?

— Como assim o que eu acho? Cadê teu juízo? É claro que é mentira.

Kristina engoliu em seco.

— Se fosse verdade... você ia saber? Você ia me dizer?

Laisa olhou demoradamente a garota que estava em pé ao seu lado. Então, pegou a mão dela. Kristina estava tão desacostumada àquilo que quase se sentiu desconfortável.

— Teu pai é inocente e tá na mão da justiça, Kristina. — E levantou a garrafa de vinho, oferecendo.

Se ele estava na mão da justiça, Kristina precisaria de algo mais forte que vinho. Ela se soltou da mãe e saiu da cozinha para a sala de jantar. No armário de bebidas, casou um copo pequeno com uma garrafa de vodca e celebrou o matrimônio. Antes da segunda dose, o interfone tocou.

— Tá esperando alguém? — Laisa gritou.

— Não.

Kristina deixou as coisas sobre a mesa de jantar e foi atender.

— Oi?

— Oi, Kristina, é a Rana. Sabe me dizer se o Briel tá aí?

Kristina arregalou os olhos. Ainda não tinha cogitado que os pais de Briel procurariam pelo filho lá.

— Oi, Rana. Ele não tá aqui não... Quer entrar?

— Não, não precisa, filhinha. É só que ele saiu de carro e eu não tô conseguindo ligar pra ele, e eu sei que ele não dormiu fora. Eu só queria saber pra onde ele foi assim, cedo, sem falar com ninguém...

Kristina procurava palavras razoáveis para dizer. Da cozinha, Laisa indagou:

— Quem é?

— A Rana.

— Manda ela entrar, ué.

A garota transmitiu o convite à mulher no portão, que dessa vez o aceitou. Quando entrou, Laisa já estava com Kristina no hall de entrada para recebê-la.

— Oi. Eu só vim aqui pra perguntar se vocês têm alguma ideia de onde ele possa ter se enfiado.

— O Briel? — perguntou Laisa.

— Eu sei. O negócio é que ele não é de sair sem avisar nem nada do tipo.

— Calma, Rana, ele deve tá na casa de algum amigo. Kristina, você não tem nenhuma ideia?

— Não sei, mãe. Desculpa, Rana. Eu e ele, a gente tá meio afastado ultimamente, então... Sei lá, ele não me conta mais nada.

— Já ligou praqueles amigos que tão sempre com ele? — disse Laisa.

— Não, eu vim primeiro aqui — disse Rana.

— Deixa que eu vou lá contigo pra gente resolver isso. Kristina, fica aí com teu irmão, ele deve acordar daqui a pouco.

As duas mulheres se dirigiram à casa em frente, dialogando sem parar. Kristina considerou uma boa ideia não beber mais, pois não queria estar vulnerável caso a mãe de Briel voltasse para fazer mais perguntas. Ou o pai dele, um colega de trabalho, alguém da faculdade ou quem mais visse nela uma boa opção para se interrogar.

Foi até a cozinha e se sentou, com os cotovelos na mesa e as mãos em punho unidas à testa. Manteve a posição até o telefone tocar. Era Laisa. Iria com Rana "dar uns pulinhos em alguns lugares". Três horas depois, quando Eiden acordou, perguntou a Kristina onde estava a mãe, e a garota respondeu apenas que ela tinha saído para resolver um problema e que provavelmente retornaria logo.

Kristina foi ver televisão com Eiden, para relaxar. O garoto escolheu um filme de animação sobre uma família de tatus-bola que viajava por Kailan, em férias. Na metade do filme, Kristina se ausentou para preparar o almoço: dois pacotes de macarrão instantâneo temperado, que ela e Eiden comeram enquanto acabavam de assistir ao destino dos tatus.

O interfone tocou novamente. O coração de Kristina acelerou. Ela usou o fato de ainda estar comendo, ao passo que Eiden já terminara, para mandá-lo atender daquela vez. Ele voltou dizendo que a visita era para ela.

— Mandou dizer que é Marko Danton e que quer falar com Kristina Lan Fer.

— Marko Danton? — disse ela com uma careta. — Sei lá quem é. Ele falou o assunto?

— Não.

Kristina se dirigiu até a porta, mas não a abriu de imediato. Queria mandar aquele tal de Marko Danton embora. Ao invés disso, foi falar com ele, sob o céu limpo e ensolarado do sábado.

Quando abriu o portão, o estranho disse:

— Kristina? Você cresceu.

Pouco mais alto que ela, tinha entre vinte e cinco e trinta anos, a pele clara, o maxilar quadrado atrás de uma barba por fazer e os cabelos lisos e pretos, com uma franja cobrindo toda a testa até a altura das sobrancelhas. Seu sotaque interiorano, do Fígado ou do Coração, era fraco, mas ainda assim horrível. Aquela gente quase não abria a boca para falar. Vucê crisceu.

Ela se lembrou.

— Marko Danton... O peixeiro, ex-namorado da Isabela?

— Peixeiro é a primeira coisa que você lembra?

Sim, era. Depois foi metido a skatista, como Briel costumava referir-se a ele pelas costas, por causa das luvas sem dedos que o peixeiro sempre usava naquela época. Ao que tudo indicava, ainda as mantinha. Na verdade, não eram luvas de skatista, apenas luvas comuns de tecido, mas o apelido pegara assim mesmo.

— O que é que você quer comigo, a gente nunca se falou...?

— É, eu tô ligado. Também já tem sete anos e tudo, tem um monte de motivos pra você achar isso aqui estranho.

Não só estranho como suspeito, ela pensou.

— Tá, e o que é que você quer?

Marko apoiou o braço na coluna do portão, inclinando o tronco para frente, cara a cara com Kristina, em uma proximidade perigosa. Para ele machucá-la, bastava um pequeno movimento. Mas ela não se deixaria intimidar.

— Então — disse ele —, eu tô tentando falar com seu amigo Briel desde ontem e não consigo. Eu fui na casa dele agora há pouco e o pai dele disse que ele sumiu.

— E o que é que eu tenho a ver com isso?

— Até onde eu sei, vocês são bem chegados.

Até onde você sabe é sete anos atrás. A gente não é mais amigo há muito tempo.

— Ah, não? Tem certeza? Então vamos voltar nos anos quando ele ainda era seu amigo. Se ele sumisse, onde você acha que ele iria?

Kristina deu um pequeno passo para frente, chegando ainda mais perto de seu interrogador, para quem levantou o dedo. Ele não recuou. Continuou com sua fisionomia dura.

— Quem você pensa que é — rosnou ela em voz baixa, para não chamar atenção — pra vir na minha casa e ficar me fazendo essas perguntas?

— Eu sou um cara procurando uma informação.

— Vai procurar sua informação na puta que pariu. Agora sai da minha casa, peixeiro, ou eu vou chamar os soldados e você vai se arrepender.

— Uau! Receptiva, você. Mas nem precisa chamar ninguém, não. Eles já tão vindo. — Enquanto encarava Marko, a garota viu pelo canto do olho a picape camuflada virando a esquina, entrando na rua. — Eles vão querer saber se tá tudo bem, e se não tiver, vão levar nós dois.

Marko Danton deu um passo para trás, sorrindo. Kristina se esforçou para eliminar a fúria de sua expressão. Quando o carro passou, os dois prestaram continência, sendo respondidos pelos militares. Devido aos capacetes, Keiton não era distinguível, mas sua prima sabia que ele estava entre os fardados naquela picape. Se ele soubesse o que estava acontecendo, desceria e tiraria o peixeiro dali? Ainda se importaria o suficiente com ela para isso?

— A gente pode fazer um acordo — continuou o homem. — Eu também tenho umas coisas pra te contar, já que você não quer falar nada.

Kristina virou as costas e estava prestes a fechar o portão quando Marko agarrou seu braço, dizendo:

— Sobre o Briel e o seu pai. Por que a gente não entra e conversa, Kris? Posso te chamar de Kris?

Kristina puxou o braço para se libertar.

— Não. Por que é que você não cala a boca? — Ela suspirou. — Como é que eu posso ter certeza de que você vai me falar alguma coisa que eu ainda não sei?

— Eu não sei até onde o Briel te contou, nem se ele contou mesmo alguma coisa, mas se você soubesse de tudo, teimosinha desse jeito, você já tava morta. Mas, então, quer que eu te fale ou não o que tá acontecendo?

Até agora, aquele boçal não dera nenhum indício de ser confiável. Provavelmente, queria fazer mal a Briel. Mas e se ela o enganasse, fazendo-o revelar tudo o que sabia sem retribuir as informações? Era a melhor alternativa que tinha em mente. O sim correu para a ponta de sua língua, ansioso para pular.

Mas havia um problema: morta era uma palavra forte. Aquele era o convite para uma verdade que a afetava profundamente e que ela nunca alcançaria sozinha, mas tratava-se de um negócio ilegal e inescapável. Seu pai estava preso e Briel fugira por causa daquele tal "projeto".

— É do mais perigoso pra mim te dizer isso — continuou Marko —, mas eu decidi arriscar, então acho bom você me responder antes que eu mude de ideia.

Ela continuou calada.

Marko se virou para ir embora.

— Espera! — disse Kristina. — Eu aceito. Mas só se você falar primeiro.

— Você sabe que não faz diferença, né? A partir do momento que você souber a verdade, não dá pra voltar atrás.

Ela balançou a cabeça em concordância.

— Eu disse que aceito, não disse?

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