"'Cause you're a sky, 'cause you're a sky full of stars
I want to die in your arms
'Cause you get lighter
The more it gets dark
I'm going to give you my heart"
A Sky Full of Stars - Coldplay
A manhã de domingo está ensolarada e eu acabei de vestir uma roupa velha que encontrei jogada no guarda roupa e estava sentada na cama, encarando a lata de tinta azul escura, com um pincel em cima, que pedi para meu pai ver se encontrava quando ele saiu para correr hoje de manhã. Na verdade, eu não contava que ele encontraria, já que hoje é domingo e eu jurava que tudo estaria fechado. Agora descobri que as lojas ficam abertas até meio-dia.
Ontem, ao encarar tanto esse teto e declarei que ele precisava urgentemente de uma pintura, mas, na hora de pôr a mão na massa para valer, a preguiça bateu e eu não sabia se levaria aquilo adiante.
— O teto não vai se pintar sozinho, Meg — cantarolou Ben, passando pelo corredor. — E eu estou ocupado e não posso te ajudar.
Por fim, joguei a preguiça um pouco de lado e cobri minha cama e os móveis com alguns lençóis velhos e jornais. Puxei a escada, que meu pai pediu emprestado para o vizinho, e a abri, colocando-a no canto do quarto. Em seguida, peguei o pincel para começar a pintar.
Eu teria muito, muito trabalho pela frente.
Tinha pintado apenas metade do quarto quando parei para almoçar. Desci as escadas e sentei na mesa após lavar as mãos. Meu pai me encarou, como se eu tivesse vindo de outro mundo, ou alguma coisa parecida, e apontou para o meu rosto.
— Tem... Tinta no seu rosto — falou, rindo e ainda apontando para mim.
Eu dei de ombros e comecei a me servir com a comida que a mamãe colocou em cima da mesa. Benjamin tinha saído sem dizer para onde iria, nem que horas voltaria, o que estava matando minha mãe de nervoso. Ela ainda não conseguia entender, de fato, que seu filho cresceu e que eu já seguia pelo mesmo caminho.
— Mas, então — mamãe começou após se sentar. — Apesar da tinta no rosto, como vai o céu?
— Ainda sem nenhuma estrela — respondi, sabendo que ela falava do teto do meu quarto. — Espero que elas apareçam antes das estrelas reais chegarem, hoje à noite, ao céu.
Nós almoçamos com calma e Benjamin ainda não tinha chegado. As esperanças que eu ainda tinha de que ele pudesse me ajudar com a pintura, neste momento, finalmente acabaram. Quando voltei para o quarto, porém, meu celular, que eu havia deixado executando alguma playlist instrumental no YouTube, começou a tocar, indicando uma chamada.
— Me diz que eu posso ir para a sua casa — falou Karyn, assim que eu atendi, não me dando tempo nem para um "alô". — Meu irmão está com alguns amigos aqui e eu não os suporto. Salve sua amiga, El.
— Venha — respondi, já traçando todo o plano na cabeça. — E traga uma muda de roupa para sujar.
— O que? — ela perguntou, confusa.
— Tchauzinho — cantarolei e desliguei logo em seguida.
Voltei a pintar o teto enquanto esperava Karyn chegar, o que não demorou muito. Soube que ela estava ali quando meu pai gritou da sala:
— Ella, o que diabos um conversível está fazendo parado em frente à nossa casa?
Olhei pela janela, avistando um Porsche branco parado. Karyn saiu de dentro dele e o homem no carro deu partida e saiu, não demorando muito a virar a esquina. Corri escada abaixo, vendo meu pai com a face mais confusa do mundo enquanto Karyn sorria para ele, do lado de fora. Ele abriu passagem para ela, ainda a olhando de modo engraçado ao mesmo tempo em que ela caminhava em minha direção.
— Eu até iria te abraçar, mas não vou por causa de todo esse... Azul? — ela falou com o dedo, que trazia um grande anel, apontando em minha direção.
Eu revirei os olhos, pegando-a pelo pulso e subindo as escadas de dois em dois degraus. Arrastava Karyn junto. Ela só falava coisas como "o que você está fazendo?" ou "você, definitivamente, está ficando louca". Quando chegamos à porta do meu quarto, ela parou, ao mesmo tempo em que eu entrava e abria os braços.
— Definitivamente, não vou ajudar você a fazer isso — decretou, entrando no quarto com passos lentos. — El, eu não pinto nem a unha, quem dirá um teto. Eu tenho alguém para fazer isso por mim.
— Isso mesmo, você tem, eu não — falei, enquanto ela deixava a bolsa dentro do meu guarda-roupa, para que não acabasse azul em vez de branca. — Agora vamos pintar um teto!
Eu colava estrelas florescentes no teto completamente azul e Karyn dançava pelo quarto ao som de Shape Of You. Naquela tarde, eu descobri que ela idolatrava Ed Sheeran e não me surpreenderia se seu quarto fosse cheio de pôsteres do ruivo.
— Eu, realmente, não acredito que você me fez pintar um teto, Ella! — Karyn gritou, enquanto eu descia da escada após colar a última estrela fluorescente.
A música no seu celular mudou para uma com ritmo latino que eu desconhecia. Ela olhou para mim sorrindo e eu neguei com a cabeça.
— Não, Karyn — comecei, enquanto ela arrastava a escada para o canto do quarto e começava a dançar no ritmo da música. — Eu não danço, eu toco.
Ela revirou os olhos e me puxou para dançar. Nós acabamos rindo e dançando junto à melodia da voz masculina que saía do celular dela. Quando a música acabou, ela abaixou o volume, pois começava a tocar Coldplay, e se jogou na cama, olhando para cima.
Deitei na cama para poder ver melhor o teto. Era um céu. O meu céu. Um céu cheio de estrelas.
— Qual o significado das estrelas? — Karyn perguntou, ainda olhando para o teto e sem me encarar.
— Talvez, um dia, eu te conte — falei e ela sorriu.
— Estarei aqui para ouvir.
E nós ficamos em silêncio.
Somos apenas duas amigas admirando um céu cheio de estrelas. Os braços cheios de tinta eram marcas de um dia feliz.
Somos feitas de céu. As estrelas, em nós, são as lembranças e memórias que carregamos dentro da nossa mente, que permanecem do mesmo modo, na mesma posição, como as constelações que nunca mudam, apenas transitam pelo imenso céu.
Somos, assim como o teto que admiramos e como a paisagem do lado de fora da janela do quarto, um céu cheio de estrelas.
Obs.: a música que Karyn coloca pra tocar e dança com a Ella é Felices los 4, do Maluma.