AO NOSSO HERÓI, UM TIRO NO PE...

By wlangekeinde

56.9K 4.6K 2K

Em um país chamado Kailan, governado por uma ditadura militar, a jovem Kristina Lan Fer está mais preocupada... More

APRESENTAÇÃO
BOOK TRAILER
CAPÍTULO 2 - AMIGO DE LONGA DATA
CAPÍTULO 3 - TRÊS MESES DEPOIS
CAPÍTULO 4 - BASTIDORES DA PÁTRIA
CAPÍTULO 5 - DISTÚRBIO
CAPÍTULO 6 - LONGE DEMAIS
CAPÍTULO 7 - OS INCONFORMADOS
CAPÍTULO 8 - O VISIONÁRIO DA COSTA BAIXA
CAPÍTULO 9 - NOSSO ABRAÇO DE AGULHAS
CAPÍTULO 10 - AS TRAMAS OCULTAS DA GUERRA CIVIL
CAPÍTULO 11 - ESBOÇO DE UM CRIME FEDERAL
CAPÍTULO 12 - MEIA DÚZIA DE PROMOTORES DO CAOS
CAPÍTULO 13 - PENSAMENTOS PROIBIDOS
CAPÍTULO 14 - O TERCEIRO-SARGENTO
CAPÍTULO 15 - NO ALBERGUE I
CAPÍTULO 16 - NO ALBERGUE II
CAPÍTULO 17 - PAZ? SOMENTE AOS SUBMISSOS
CAPÍTULO 18 - O PRIMO
CAPÍTULO 19 - RECOMPOR
CAPÍTULO 20 - O DIA DA DECISÃO
CAPÍTULO 21 - O HOMEM QUE USURPOU A NAÇÃO
CAPÍTULO 22 - PEDRAS NA POÇA DE ÁGUA (final)

CAPÍTULO 1 - OS LAÇOS QUE PRENDEM A CORDA

14K 682 608
By wlangekeinde


O peito de Kristina vociferou quando ela virou a esquina para a rua onde morava. Entre sua casa e a de Briel, vizinho da frente, acabava de frear uma picape do exército, com cinco militares na caçamba. Os homens e mulheres fardados desceram com fuzis. Kristina tentou dar meia volta, mas girou em excesso o guidom da moto e caiu, rolando no asfalto. Ergueu-se de novo aos tropeços. Porém, enquanto levantava a moto, o tique-taque do relógio se afrouxou: os militares não se dirigiam à casa dela, tampouco à de Briel, mas sim à de dona Eva, uma senhora que fazia o melhor bolo de fubá da vizinhança. Os soldados derrubaram o portão, demoliram a porta da frente e não pouparam nem as janelas.

Mas o motorista da picape observava Kristina. Ela ficou imóvel. Com os olhos, sondou possíveis rotas de fuga e até possíveis armas para se defender. Respirou fundo quando o homem pôs a mão na porta do carro, prestes a abrir. No entanto, os colegas retornaram, largaram a velhinha algemada no banco de trás e o motorista acelerou, deixando Kristina de lado. A garota subiu na moto e acelerou também, seguindo para casa. Evitou olhar para o carro quando eles cruzaram.

Estacionou na garagem e pegou o saco de pães na mala. Com o corpo esfriando, teve uma brecha para se sentir idiota. Afinal, ninguém era preso por ser contrário ao governo, mas sim por manifestar sua oposição. Como Briel dissera uma vez, "ler mentes não faz parte da lista de superpoderes do nosso herói." Kristina e o amigo nunca tinham se exposto. Mesmo ao telefone, se preveniam, e só usavam a internet para trabalhos da faculdade. Tendo isso em mente, ela se permitiu abrandar.

A normalização na adrenalina a fez perceber uma ardência perto do joelho. Tinha se machucado na queda. A ferida palpitava sob sujeira e sangue. Agora, também sentia um ralado nas costas, na altura do ombro.

Na cozinha, jogou o saco de pães na mesa e ia depressa para o quarto quando o pai reparou:

— Ei! O que é isso aí na sua perna? Você caiu?

— Não — disse ela. — Não, isso aqui é só... Quer dizer, eu caí, mas foi de leve. Eu acho que eu perdi a direção, me distraí, sei lá.

— Eu só pedi pra você ir lá comprar um pão pro café da manhã — disse a mãe —, mas até assim você arruma um jeito de fazer besteira. Você não tá dirigindo bêbada de novo não, né?

— Claro que não! E eu já expliquei aquela vez — rebateu Kristina.

— Laisa, a gente viu ela saindo sóbria — disse o pai.

— Não é como ela sai, é como ela volta. Mas o assunto não é esse. — E dirigiu-se para a filha: — Espero que não tenha feito muito estrago na moto, senão eu tomo ela duma vez por todas.

— Mas não foi culpa minha, e eu não tenho problema com bebida do jeito que você acha! Isso é injusto!

— Tudo é injusto, né? Então me diz de quem foi a culpa. E para de gritar, que é pra não acordar teu irmão.

Kristina abriu a boca, mas só o que saiu foram gaguejos. A mãe a encarava com o prazer da chefia estampado nos olhos. Os ferimentos da garota doeram de novo, e ela subiu as escadas em silêncio.

No banheiro do quarto, despiu-se em frente ao espelho. Não havia nenhum ferimento além daqueles na perna e no ombro. Nenhum ferimento fresco, claro, porque aquela linha proeminente, empalidecida em meio ao marrom da pele, era uma residente eterna em suas costas. Kristina se agilizou nos cuidados e pôs logo a roupa, cobrindo os curativos e a cicatriz.

Pelo celular, mandou uma mensagem para Briel perguntando se ele vira o ocorrido.

Briel: Não tô em casa. Meus pais quiseram vir mais cedo pro ETeCK e a gente já tá aqui. Tô te esperando. O que houve?

Kristina: Tá bom. Devo chegar à tarde, a Tiara ainda nem tá aqui. A dona Eva acabou de ser presa, não sei por quê. E acredita que meus pais nem comentaram? E com certeza eles viram tudo, ou no mínimo ouviram.

Briel: Uau. Mas uma hora alguém aqui em Almar teria que ir. Tanta gente já foi... Só que eu achava que a dona Eva apoiasse o governo. E seus pais... Você esperava mesmo que eles fossem comentar alguma coisa? Melhor, você QUERIA que eles comentassem?

O que Kristina digitou a princípio foi:

Não. Deixa eles continuarem fingindo que só existe um lado da moeda. Mesmo que isso seja surreal quando alguém é preso bem do lado da sua cozinha enquanto você toma café da manhã. Mas é melhor deixar quieto mesmo, já que não tem como esse assunto acabar bem aqui em casa.

Mas considerou arriscado e apagou. No lugar, enviou:

Kristina: Não...

Briel: Então deixa isso pra lá.

Kristina: Tá. Te vejo mais tarde.

Desceu ao primeiro andar para enfim tomar café da manhã. Felizmente, seus pais já não estavam mais ali. Preparou um sanduíche e foi para a sala de estar. Seu irmãozinho rechonchudo já acordara e via televisão, deitado no sofá maior.

— Oi, Eiden — ela o cumprimentou. Fingiu que se sentaria sobre as pernas dele, apesar de haver outro sofá ao lado.

— Ou, sai pra lá.

Kristina abriu um sorriso e se levantou, mas Eiden deu espaço para a irmã se reacomodar e apoiou as pernas no colo dela.

— Bom dia, Kristeza — disse ele.

Na televisão passava um filme de comédia daqueles que pareciam repetir toda semana. O protagonista ouvia lorotas sobre uma grande festividade nacional depois do toque de recolher, por isso decidia se esconder na rua e esperar a meia-noite. Acontecia uma confusão qualquer e o garoto tinha que voltar para casa com ajuda dos soldados benevolentes que conhecia pelo caminho.

O celular de Kristina vibrou.

Tiara: Tô saindo de casa

Kristina: Tá bom.

Dez minutos depois, Tiara chegou. Usava uma blusa de manga caída, exibindo os ombros gordos, e os cachos presos para o alto com um lenço. Sentou-se com Kristina, as duas conversando mais do que assistindo ao filme. Eiden pegou seu celular na mesa de centro e passou a revezar a atenção entre o aparelho e a TV.

Quando entrou o intervalo para as propagandas, a primeira a rodar foi uma das novas do governo. Um menino na puberdade destruía os enfeites da casa com um machado de plástico, então seu pai chegava: "Ei, filho, o que você tá fazendo?!" E o filho: "Sou um Guerreiro, pai!" O pai: "Guerreiros não causam destruição nem desordem. Ao contrário: um Guerreiro é aquele que luta pela paz e pelo equilíbrio. Ele só ataca em defesa do seu povo e de si mesmo e só investe contra aqueles que promovem o caos." Havia um corte para uma mulher fugindo de um bandido. Chegava um jovem soldado e fazia sinal de pare com a mão. O bandido parava na hora, a mulher se escondia atrás do soldado e as pessoas na rua aplaudiam. Voltava a imagem do pai e do filho, com o pequeno jogando o machado fora e concluindo sorridente: "Entendi! De agora em diante, vou me esforçar pra ser um Guerreiro de verdade!" A tela ficava preta e apareciam a bandeira do país no centro, a inscrição "Governo de Kailan" embaixo e, em letras garrafais, "SEJA UM GUERREIRO! ALISTE-SE NO EXÉRCITO DE KAILAN".

— É a nova da faixa de quatorze anos — disse Tiara. — Eu odeio essa propaganda, ela é forçada demais, podia ser bem melhor. Eu falei isso pro meu pai, mas ele diz que é eficiente. Aí eu falei: "eficiente pros centros, né?" Porque pobre aceita qualquer coisa, independente da qualidade, né. Mas ele falou: "não, pros subúrbios também" e ficou todo frio, como se ele fosse o dono da verdade só porque é a porra do Ministro da Propaganda. Desculpa a boca, Eiden.

— As propagandas que passam nos centros são diferentes? — perguntou Kristina.

— Pensei que eu já tinha te falado isso. Meu pai diz que é porque os pobres têm que se achar importantes por serem pobres, então nos centros de cidade passam propagandas falando de trabalho, incentivando. Inclusive esses dias eu tive uma ideia bem legal pra uma propaganda nesse estilo, mas meu pai nem quis ouvir. Amiga, minha maior vontade é dizer pra ele: "só porque eu não faço Publicidade não quer dizer que eu seja ignorante". Por que ele tem que ser tão rancoroso? Já faz um ano que a gente tá na faculdade, cara! Ele já deveria ter aceitado.

— Normal.

— Pra você é fácil dizer isso, né? Seus pais sonhavam que você fosse pra Contabilidade.

— Então eu sou uma filha exemplar? Alguém deveria contar isso pra eles.

Com o fim do intervalo, os três continuaram assistindo ao filme. A certa altura, o pai de Kristina apareceu na sala e perguntou:

— Meninas, a que horas vocês e o Briel combinaram de ir lá pro ETeCK?

— O Briel já foi — disse Kristina. — Os pais quiseram ir cedo. Então por mim a gente pode ir agora.

— Por mim também — disse Tiara.

Eiden deu de ombros e desligou a televisão.

Quando Kristina e Tiara foram subir para se arrumarem, o interfone tocou. Kristina atendeu:

— Oi?

— Oi — disse a voz do outro lado. — É o Keiton.

Kristina gelou.

— Keiton?

Aquilo merecia no mínimo um troféu de maior imprevisto do ano. Como assim era o Keiton? Como assim, depois de tanto tempo? Quanto tempo fazia? A voz dele estava diferente. Ou talvez estivesse igual e Kristina apenas não se lembrasse de como soava.

— Oi — disse ela. — O que é que você tá fazendo aqui?

— Eu fui transferido. — Sua voz estava uma pedra. — É a Kristina falando, né?

— Aham. Sou. Entra.

Ela liberou o portão. Gritou para a mãe que Keiton estava ali e Laisa foi ao hall de entrada.

Keiton estava mais forte e alto. Tinha a barba raspada, as sobrancelhas bem delineadas e uma obra de arte nos cabelos: no topo, cachos magros se projetando para cima como uma aglomeração de molas; atrás e nos lados, o cabelo aparado de modo a formar linhas e espirais. Vestia o uniforme quase completo, exceto pelo capacete, que carregava na mão. O fuzil ia nas costas e a bandeira colorida de Kailan — amarela, vermelha, azul e verde — chamava atenção no braço e no peito esquerdo de sua farda.

Ele cumprimentou Kristina e Laisa, mas com formalidade. Manteve a expressão séria durante os abraços e beijos, como se cada gesto fosse só por educação. Kristina não teve coragem de alongar seu abraço. Já Laisa apertou o sobrinho por mais tempo.

— Que saudade! Até que enfim você veio visitar tua tia. Foi o quê? Teve folga de Orlestan?

— Não, eu fui transferido pra cá ontem. Agora eu faço a patrulha aqui no bairro de manhã. Eu acabei de passar na picape. Aí eu quis vir aqui e falar um oi antes dela passar de novo pra me pegar.

— Então, oi. Você tá tão parecido com tua mãe!

— Espero que eu esteja mesmo.

Laisa pousou a mão no ombro de Keiton, ainda ostentando um sorriso especial. Mas não correspondido.

— Tanto tempo... — disse ela.

— Cinco anos. A Kristina ainda era pequena. Quantos anos você tem agora, dezessete?

— Dezoito — corrigiu Kristina.

— Dezoito, é verdade.

— E o Gregor? — disse Laisa.

— Meu pai tá bem — respondeu Keiton. — E o Eiden e o tio Ronan, tudo bem com eles?

— Sim, sim. Vamos lá pra você falar com eles.

— Tá bom. Mas eu não posso ficar por muito tempo.

Então vai ser assim, pensou Kristina. Seria ele quem ditaria as regras daquele reencontro.

Ronan já se encontrava na sala de estar, com Eiden. Keiton os abraçou com o mesmo distanciamento.

Vai ser assim. Que fosse. Kristina não precisava da fraternidade dele. Estava mais interessada na oportunidade de checar o capacete que via todos os dias nos militares, mas nunca sequer tocara em um.

— Posso ver?

— Claro — disse Keiton.

Mais leve do que aparentava, o capacete era rígido por fora, feito de material à prova de balas, e acolchoado no interior. A única abertura era na região dos olhos, coberta por um vidro escuro que podia ser erguido. Na testa havia uma pequena câmera. A região da boca tinha aberturas circulares, decerto para possibilitar o soldado de respirar e falar sem que o som ficasse muito abafado. Na orelha esquerda, um fone proeminente com uma estrutura curta atada a ele; por dentro do capacete, via-se tratar de um microfone. Havia ainda, quase na parte de trás da cabeça, um botão para escolher entre visão normal e noturna e uma alavanca liga/desliga para o microfone. Kristina vestiu o capacete e verificou a visão noturna, mas deixou o microfone em paz. Não queria nenhum acidente, visto que o microfone, ou melhor, o capacete inteiro, estava ligado à Rede Nacional de Computadores.

A Rede Nacional era como uma intranet em escala nacional, que abrangia somente os computadores do governo de Kailan. Os aparelhos civis não podiam ser ligados àquela rede, apenas à global — a internet. O Computador Administrador da Rede Nacional ficava no Palácio Presidencial, em Orlestan.

Keiton, que estava virado para o outro lado, conversando com os tios, lançou um olhar para Kristina por sobre o ombro. O capacete reconheceu seu rosto, colocando um quadrado em torno dele e mostrando, no canto da visão da garota: Exército de Kailan / Terceiro-sargento KEITON LAN FER – suboficial.

— Ele te reconhece.

— Ele reconhece todo mundo do exército — disse Keiton —, e também do banco de dados criminal.

— E você nem precisa virar muito — percebeu ela, já que, embora Keiton movimentasse a cabeça enquanto falava, seu rosto continuava marcado.

— É uma detecção em três dimensões. Ele não leva em conta só o meu rosto, como seria se ainda fosse em 2D. Em 3D ele considera todo o formato da minha cabeça, então mesmo que eu fique um pouco de lado ou que eu use óculos ou alguma coisa assim, ele ainda reconhece.

— Posso ver também? — pediu Eiden, que estivera olhando para o objeto desde a chegada do primo.

— Hamm... Melhor não — disse Keiton. — É que é um equipamento de trabalho. — Voltou-se para Kristina outra vez, com a mão estendida.

Ela devolveu o objeto e arrumou de volta seus cachos compridos.

— Ah, mas é tão legal — resmungou Eiden.

— Já vi que você gosta dessas coisas tecnológicas — disse Keiton. — Vocês foram em algum dos dias do ETeCK?

— A gente vai hoje — disse Ronan. — A gente tava se preparando pra ir. Você vem com a gente, ou tá trabalhando...?

— Trabalhando. Eu ia adorar, mas tô em serviço.

— Talvez na próxima? — disse Laisa.

— Posso tentar.

— Então tenta mesmo — reforçou a mulher. — Quer dizer, eu acho que a gente devia voltar a se ver. Tua mãe ia gostar.

Keiton pareceu desconfortável com a última frase. Não era para menos. Evocar os mortos não costumava criar atmosferas agradáveis.

— Laisa, eu tenho certeza que o Keiton tá ocupado com os deveres do exército — disse Ronan. — Não é culpa dele que ele não vem muito aqui.

— Foi mal, tia — disse Keiton como um réu em julgamento. — Eu sei a importância da união familiar...

— Eu sei, não tô brigando contigo. Só sugerindo que a gente não fique outros cinco anos falando só de vez em quando e só por telefone e internet.

— A gente não vai. Agora vai ser diferente, eu espero.

Uma buzina soou do lado de fora.

— É minha deixa. — Keiton se levantou.

A família o acompanhou até o portão. Despediram-se e Keiton foi embora no banco de trás da picape militar. Os pais de Kristina prestaram continência aos soldados da caçamba, levando a mão direita à testa. Os filhos logo fizeram o mesmo e os soldados retribuíram, seguindo a praxe. Depois, todos tomaram seus caminhos.

— Ele tá grande — observou Eiden a respeito do primo.

— Eu achava que tinha perdido o Keiton pro serviço dele — disse Laisa. — E perdi mesmo. A cabeça dele tá muito mais lá do que aqui.

— Tenta olhar pro que compensa — disse Ronan. — Ele tá fazendo uma coisa honrosa. A carreira militar é... — Mas se interrompeu ao olhar para Kristina, e seu rosto assumiu a culpa de quem viola um trato.

Ele saiu para a cozinha com a frase ainda no ar.

Eiden não entendeu nada. Laisa entendeu.

Kristina foi para seu quarto.

Lá, Tiara perguntou:

— Quem era no interfone?

— Um primo meu.

Escolheu calças justas, uma blusa de botão branca e seus tênis azuis favoritos. Já era início da tarde quando eles entraram no carro a caminho do 15º Encontro de Tecnologia e Ciência de Kailan.

Deixaram o carro a um quarteirão do local, sabendo que haveria um aglomerado de pessoas e automóveis nas maiores proximidades. Caminharam até um dos portões do centro de convenções, flanqueado por soldados, e compraram os ingressos. Metade do preço para estudantes e professores, o que significava Eiden, que estava no ensino fundamental, Kristina e Tiara, na faculdade, e Ronan, professor de física na universidade onde elas estudavam. Inclusive, naquele semestre, Ronan pegara a turma de Briel.

Atravessaram o pátio até o primeiro pavilhão. Havia música eletrônica aclimatando os arredores e vários estandes coloridos exibindo computadores, celulares, televisões, videogames, impressoras 3D, maquetes, mapas, filtros de água, placas solares, plantações em pequena escala, protótipos de robôs ou partes robóticas. A falação era grande entre as pessoas que visitavam os estandes ou vagavam de um lado para outro. A mídia também estava lá, em peso, filmando, fotografando e entrevistando.

Apesar de Kristina já ter ido a um ETeCK, aquilo ainda era impressionante. Eiden, que participava pela primeira vez, estava boquiaberto.

— Uau! Aonde a gente vai primeiro? — perguntou ele.

— Você pode ir pra onde quiser com nossos pais — disse Kristina. — Eu e Tiara vamos encontrar o Briel. Divirtam-se.

Os pais e o irmão de Kristina se dirigiram a um estande triangular iluminado por uma luz negra. A garota e a amiga foram na direção oposta.

Kristina ligou para Briel.

— Oi, Kris, vocês estão aqui?

— Aham.

— Eu tô no Pavilhão B, perto do corredor pro C.

— Tá bom, a gente tá indo.

Elas seguiram, sempre olhando para os lados, checando as novidades. No pavilhão B, os olhos de Kristina caçaram uma cabeça acima das outras. Era sua tática para achar Briel entre multidões. Enfim o viu, acenando por trás de uma mesa, vestido mais formalmente do que de costume, porém sem perder o estilo: sapatos sociais marrons, calças jeans pretas, uma camisa de botão preta justa ao torso com um colete social vinho por cima. A roupa caia bem em seu corpo esguio e as cores harmonizavam com a pele castanha.

— Ele tá no concurso?! — disse Tiara de repente, com um sorriso.

— Quê? Não.

Mas então Kristina percebeu onde Briel estava: na área de projetos do concurso. Estava escrito em uma grande faixa, acima das mesas com os projetos e seus respectivos empreendedores: 13º CONCURSO DO ETECK (já que nas duas primeiras edições do ETeCK o concurso ainda não existia).

Briel não deveria estar ali. O que ele fazia ali?

Quando elas se aproximaram, Kristina começou a dizer:

— O que é que você... — Mas logo avistou um distintivo ao peito do amigo, com seu nome completo: Briel Lan Daro. As pessoas em volta também usavam distintivos como aquele. — O que é isso?

— Oi — disse ele.

— Oi — disse Tiara.

— Briel, o que é isso? — disse Kristina.

Sem palavras, ele ajeitou os óculos quadrados e, ao invés de baixar a mão, levou-a à boca, roendo a película em volta do polegar, como fazia quando estava nervoso. Tudo aquilo era testemunho suficiente para Kristina entender por que, na realidade, ele chegara cedo. 

Continue Reading

You'll Also Like

1.6M 51K 42
TRILOGIA COMPLETA 🏆Prêmio Wattys livro 1. Ideia Governante: Nós seremos eles e, então, nos criarão. Trilogia inspirada no versículo da bíblia sagrad...
1.1M 156K 93
Trilogia COMPLETA ⚠ ATENÇÃO! Este é o segundo livro da trilogia A RESISTÊNCIA, a sinopse pode conter spoilers. Após descobrir que Emily faz parte da...
54.1K 6.5K 37
• Vencedor do Wattys na Categoria de FICÇÃO CIENTÍFICA 2019 • "Após a Grande Guerra, não ficou nada mais do que restos do que outrora formou as nac...
4º Gatilho By Bex

Mystery / Thriller

153K 482 3
O LIVRO SERÁ RETIRADO DO WATTPAD NO DIA 23 DE OUTUBRO DE 2020. Leonhard, um agente secreto que vive à margem da sociedade, sempre teve como prioridad...