Ela demonstrou tanto prazer em estar em minha companhia,
Eu experimentei uma sensação que até então não conhecia,
De se querer bem, de se querer quem se tem.
Ela me faz tão bem (Jota Quest)
— Terminar não é uma opção, se fui eu quem impediu você de fazer isso semanas atrás. — Ana ponderou, finalmente olhando para mim. — Seria bastante contraditório, não acha?
Não consegui responder de imediato, já que meu coração esmurrava meu peito com tanta força, que era difícil respirar. Só a ideia de perdê-la, me deixava em pânico, e aquilo nunca tinha acontecido antes.
Dizer que nunca tinha acontecido antes, significava literalmente que nunca tive medo de perder nenhuma mulher na vida.
Meu lema sempre foi que elas vem e vão, o tempo todo.
Pelo menos, era desse jeito que as coisas funcionavam para mim. Sempre houve uma mulher esperando que a escolhida da vez se cansasse — ou me cansasse — para poder assumir seu lugar.
Nenhuma das mulheres que tive na vida conseguiram me afetar de verdade, a ponto de me sentir realmente ligado a elas. Mas com Ana a banda tocava de um jeito diferente, ela era minha melhor amiga, eu a amava de verdade.
Eu era capaz de admitir que além do amor da família, qualquer coisa que viesse depois era novidade. Amava meus pais e minha irmã, amava meus amigos e meus cachorros de estimação, amava a vida e todas as aventuras que ela me proporcionava diariamente, amava a mim mesmo — com intensidade.
— Eu te amo. — Falei antes de pensar no peso que essas três malditas palavras causam, em quem fala e em quem escuta. — Te amo e tenho medo, mas e daí? Eu não tô pronto pra te perder, Kika.
Minha namorada piscou algumas vezes e respirou fundo, como se o ar em torno de nós dois estivesse mais denso que o normal. Em seguida, tocou a xícara de porcelana preta que estava disposta sobre a mesa, escorregando a ponta dos dedos pela beirada por um tempo.
— Você me ama. — Ela repetiu, como se precisasse testar as palavras na própria boca para torná-las reais. — Você me ama.
— Cala boca.
Sorri e tomei a liberdade de puxar seu rosto na minha direção, beijando-a com vontade, de um jeito que não fazia há um bom tempo.
Teria que descobrir um jeito de lidar com aquele relacionamento, e minha nova condição, de um jeito que ambos pudessem coexistir sem abalar as estruturas de mais ninguém. Um dia sozinho naquele apartamento com minha namorada e nosso filho, e o caos já estava pedindo licença.
Precisava consertar aquilo, e rápido.
Tomamos o café juntos e Matheus anunciou que estava acordado em seguida, fazendo com que nossa atenção se voltasse para ele. Até que aquela distração era conveniente, já que minha namorada pretendia ligar para minha mãe, e me despachar para casa dela.
Meus devaneios foram interrompidos pelo toque do celular, e tive que dar risada quando vi que Clarice estava ligando.
— Funerária "Só Falta Você", bom dia? — Falei com voz grave.
— Como? — Clarice parecia confusa do outro lado da linha. — Eu liguei errado? Não é o número do Alex?
— Claro que é meu número. Só estava brincando! — Minhas gargalhadas atravessaram os alto-falantes do aparelho.
— Alex! Você não tem vergonha? — Ela pareceu aborrecida por um instante, mas depois riu também. — Me deu um susto!
— Desculpe. — Pedi divertidamente.
— Liguei pra saber se está bem, mas você parece ótimo. — Clarice comentou.
— Imaginei que fosse isso. — Não estava interessado em aprofundar o assunto. — Estou ótimo, seguindo em frente.
— Você está bem mesmo?
— Ninguém espera sofrer um acidente de carro, não é mesmo? — Retruquei. — São percalços da vida.
— Você precisa de alguma coisa? — A loira perguntou preocupada.
— Já tenho tudo que preciso. — Respondi com sinceridade. — Obrigado por se preocupar.
— Não por isso. — Clarice disse com um pouco de desapontamento. — Se precisar...
— Eu sei, tchau Clarice.
— Tchau.
Por alguma razão desconhecida, a raiva que sentia de minha ex-namorada desapareceu.
Ana sempre brincava comigo dizendo que eu não tinha dignidade, porque esquecia muito depressa as coisas ruins que me faziam. Gostava de encarar isso como uma boa qualidade, já que tinha facilidade em deixar de lado os sentimentos ruins, focando no que realmente importava.
Jamais imaginei que Clarice fosse me procurar outra vez, já que ela era muito orgulhosa, nosso namoro terminou da pior forma possível e ela tinha jogado sujo quando foi até a casa da minha mãe, fazendo dela sua aliada.
— Ligou para sua mãe? — Ana questionou quando me viu finalizando a ligação.
— Por quê faria isso? — Exclamei com surpresa.
— Porque você conseguiu ter uma conversa amigável com sua ex-namorada, sendo divertido e agradável, e otimista. — Ela me deixou saber que tinha escutado a conversa de um jeito bem sutil. — Já da sua mãe, não pode ouvir falar nem o nome.
— Eu não entendo você.
— É tão difícil?
Ana fez a pergunta e me deixou sozinho novamente na sala, com uma sensação incômoda de não saber se ela estava brava comigo ou não por causa da Clarice.
Não demorou muito para que minha namorada voltasse para perto de mim com Matheus nos braços. Assim que Ana sentou numa poltrona que estava ao lado de minha cadeira de rodas, o moleque começou a sacudir os bracinhos e perninhas, jogando-se na minha direção.
— Ele quer ficar com pai. — Ana sorriu.
— O pai dele também quer ficar com ele. — Devolvi. — Vem?
Estendi os braços da direção do menino, que segurou minhas mãos com força. Sim, ele queria um tempo comigo, e isso me deixava fascinado. Segurei meu filho pelo corpinho e puxei para meu colo.
— E aí, garoto? — Perguntei enquanto o inspecionava. — Como você está se sentindo hoje?
Ele riu e deu um gritinho entusiasmado.
— Acho que você está muito bem!
Equilibrei meu filho de pé sobre minhas coxas, segurando-o bem firme para que não caísse. Matheus prontamente agarrou minha barba, apertando as mãozinhas em torno do meu rosto, sorrindo e apoiando o a bochecha no meu nariz, para depois mordê-lo suavemente.
— Ai! — Exclamei brincando e ele soltou uma gargalhada parecida com a minha.
O moleque envolveu meu pescoço com os bracinhos e aquela conhecida onda de amor paternal me invadiu, trazendo lágrimas aos meus olhos.
Passei o dia inteiro brincando com meu garoto, lidando com ele e observando como ele fazia para superar suas limitações. A ideia de que tinha que me adaptar não abandonava minha cabeça, e talvez um menino de menos de um ano pudesse ensinar uma ou duas coisinhas sobre isso.
Se não podia fazer coisas básicas para mim mesmo, descobri que poderia fazer pelo Matheus. Cuidar dele não era uma tarefa cansativa, e satisfazer suas necessidades básicas era mais simples.
Ana pareceu aliviada por ter conseguido trabalhar tranquilamente naquele dia. Sua licença maternidade já tinha acabado, e ela tentava resolver os problemas do trabalho de casa. Enquanto não precisasse se preocupar comigo e com Matheus, poderia concentrar-se um pouco mais nas tarefas pendentes do escritório.
No final do dia, soube que teria que enfrentar o banheiro novamente.
Não seria pego desprevenido outra vez, então fracionei minhas idas ao banheiro ao longo dia, evitando ficar com muita vontade para não ter novos acidentes. Aquilo era um saco, mas teria que ser meticuloso quando aos chamados da natureza.
— Eu posso te ajudar hoje? — Ana pediu baixinho quando me viu parado de um jeito hesitante, diante da porta do banheiro.
— Só se você prometer não espiar.
— Prometo que não vou olhar. — Ela disse e sorriu.
— O Matheus dormiu? — Perguntei enquanto me livrava da camisa. — Ele está muito esperto!
— Apagou rapidinho, você conseguiu esgotar as energias dele hoje.
Ana conduziu a cadeira para dentro do banheiro, me ajudando no processo de tirar as roupas e entrar no box, depois de temperar a água. Teria de confessar que foi mais fácil tomar banho com ajuda da minha namorada, que sorria enquanto esfregava meus cabelos cheios de shampoo.
— Que foi?
— Eu espiei! — Ana começou a gargalhar. — Olhei tudo! Tudo mesmo! Não deu pra resistir!
— Sua safadinha! — Gritei e esguichei água do chuveirinho nela.
— Pára! Pára com isso!
Tivemos um momento divertido dentro daquele box, onde pudemos aproveitar para ser descontraídos e brincalhões outra vez, como se nada tivesse mudado por causa da minha condição.
Foi incrível poder esquecer dos problemas por um tempo, ainda que muito pequeno.
Quando finalmente fomos para cama, depois de devidamente banhados e vestidos com nossos respectivos pijamas, Ana se acomodou ao meu lado, apoiando a cabeça no meu peito.
— Sobrevivemos a este dia. — Ela comentou.
— Nos saímos bem, não acha? — Perguntei enquanto acariciava os cabelos macios de minha namorada. — Eu acho que fomos muito bem.
— Sim. Fomos ótimos!
— Podemos fazer todos os dias como este? — A expectativa começava a crescer no meu peito.
— Acho que só vai depender de nós dois. — Ana argumentou. — Tenho certeza que Matheus não se importa de passar o dia inteiro com o papai dele.
— E você? Se importa?
— Acho que vou pedir demissão e começar logo a trabalhar por conta própria! — Ela sorriu.
Arregalei os olhos com a possibilidade.
— Trabalhar em casa, perto do meu filho e do meu namorado incrível - e gostoso.
— Você ainda me vê desse jeito? — A insegurança vinha em pequenas ondas dentro do meu peito. — Como alguém desejável?
— Sério que está me perguntando isso? — Ana ergueu a cabeça do meu peito para me encarar.
— Tudo mudou de repente.
— Pra mim nada mudou. — Ela meneou a cabeça lentamente. — Eu sempre me senti atraída por você.
— Sempre? — Fiquei surpreso. — Desde que éramos amigos?
— Desde que coloquei os olhos em você pela primeira vez, você é gostoso e sabe muito bem disso.
— Desde a primeira vez?
— Sim, Alex. — Ana disse com voz monótona, como se aquilo fosse algo básico.
— Interessante...
Minha namorada deitou a cabeça no meu peito outra vez, dizendo que não perguntaria sobre o que era interesse, por medo de minha resposta.
Tentei lembrar da primeira vez que coloquei os olhos nela, e a lembrança veio como um raio, ela estava maravilhosa numa calça jeans apertada e com os cabelos compridos soltos, havia um sorriso incrível em seu rosto quando me cumprimentou.
Sim, eu também fui atraído por ela desde a primeira vez que coloquei os olhos nela.