FILIPE
Volta.
Volta porque não aguento. Sentir-vos nos meus braços é tudo o que eu mais quero.
A angústia de as deixar, naquela sala, sem qualquer consciência terminara comigo neste corredor vazio, enquanto, com o meu corpo encostado à parede gélida, esperava por alguma notícia.
Estava tudo demasiado certo para não dar errado...
O meu corpo não tinha mais forças, a água diminuíra com as lágrimas que já cobriram o meu rosto. O pior que poderia, sequer, acontecer, não parava de assombrar a minha mente – o medo a atuar na sua pior forma.
Alguns médicos passavam, enfermeiros, perguntavam se estava tudo bem, e com um olhar penal, deixavam-me de novo. Tudo o que eu precisava era de saber que elas estavam bem. A nossa manhã fora tão feliz, Joana correra, brincara, rira, Matilde estava tranquilo, até Pablo e Mafalda já tinha resolvido os seus conflitos... para quê? Se pronunciar esta tempestade?
– O chão não é demasiado desconfortável? – assusto-me com uma voz masculina perto de mim, e logo me recompus, demonstrando estar melhor do que anteriormente. – Novidades? – nego, e ele coloca as mãos nos bolsos dos seu casaco.
Os arrepios sentidos nesta zona mórbida, fria e com um cheiro característico a antisético faziam-me recolher as minhas mãos até aos meus braços descobertos pela camisola. Francisco retirara então dentro do saco de maternidade um casaco que eu reconheci como meu. Agradeci o gesto e abracei mais o meu próprio corpo.
Ouvi passos, passos que aumentavam o seu nivel de audibilidade quando se aproximavam. Encarei a parede branca à minha frente, observando várias sombras. – Filipe? – inquiriram e eu levantei o olhar vermelho ao encarar Maria Luísa e a família.
– Isto não é nada bom... – o irmão mais velho recolheu os seus braços, com um olhar confuso e preocupado.
– Querido, porque choras? – a senhora baixou-se ao meu nível e eu vi-me obrigado a recolher mais lágrimas que não denunciassem o meu desespero.
– Sobre isso... Mãe, eu preciso de falar com vocês – Francisco falou, cabisbaixo, e olhou para mim. – As coisas não correram muito bem, e a bebé estava em sofrimento, pelo que nasceu por cesariana incosciente... E a Matilde... A Matilde sofreu uma hemorragia grave – engoli em seco, relembrando-me de cada pequeno detalhe que pude captar enquanto me expulsavam daquela sala operatória.
Sentimos um estrondo, e quando olhei vi um Duarte revoltado, encostado a uma das paredes, com João a tentar perceber o porquê dele estar assim. "Eu quero a mana" era tudo o que ele dizia. O meu coração sentiu-se ainda mais apertado, e a dor aumentava a cada batimento.
O tempo era a nossa única resposta, e a espera a nossa única esperança.
A família estava desolada, mas apenas o mais novo o demonstrada exteriormente, pelas lágrimas que o acusavam. Eles ocupariam as cadeiras vazias até ao momento em que ouvi mais passos, desta vez mais silenciosos, eram duas pessoas.
– Filipe Miguel? – com um movimento repentino, e o qual me arrependi, pois as dores de cabeça que se seguiriam deixaram-me com a visão obstruida, levantei-me do chão, para encarar a enfermeira Marta Santos – a minha mãe. – Meu amor – ela abraçou-me, e eu perdi a esperança que fossem notícias. – Querido, olha para mim – ela tentava transmitir-se tranquilidade com os seus olhos verdes apaziguantes, e a sua expressão de alívio.
– Familiares de Matilde Silva e da bebé...? – reconheci Dra. Sofia, sendo que o que me ocorria neste momento era observar ao detalhe o semblante carregado dos seus rostos, em procura de detalhes.
– Somos nós – disseram todos ao mesmo tempo que eu me aproximava.
– Tenho boas e más notícias – juntei as minhas mãos, pedindo a forças superiores que me ajudassem neste momento. – A bebé... –
– Madalena – interrompi, invocando a atenção de todos sobre mim.
– A bebé Madalena – sorriu-me, e eu senti o meu interior querer explodir dado o suspense criado. – e a Matilde estão estáveis. –
O chão tinha sido o meu melhor amigo nestas horas, pelo que a minha reação nada mais fora se não expulsar todo o mal que me tinha perseguido por demasiado tempo, voltando a encontrar-me com o mosaico frio e cinzento.
– E quais são as más...? – questionei, agarrando os meus cabelos, de forma a não retiraram a minha visão ao cairem para a minha frente.
– O processo pelo qual passámos esta tarde foi díficil. O primeiro susto fora com a bebé Madalena, ela nascia incosciente, e pouco depois quase a perdíamos. Ela ressuscitou dos seus breves segundos sem vida – mais um pequeno milagre. Quando pensámos ter recuperado, a Matilde deixava-nos, perdeu muito sangue durante a cesariana, o que nos levou a ter de agir rápido e ambas estão estáveis neste momento. A primeira má notícia é que a mamã possui um tipo sanguíneo muito raro em hospitais, e as reservas foram gastas nas últimas horas. Preciso que me deêm uma esperança em que ainda a podem salvar –
– O negativo – Duarte sussurrou, atraindo todos os olhares para si. – A Matilde tem o meu tipo de sangue, deixem-me ajudá-la – ele oferecera-se de imediato, e a médica não hesitou em aceitar a ajuda, mostrando um sorriso e respirando de alívio.
– E a segunda má noticia, Dra.? – Francisco pergunta, roendo as unhas, nervoso.
– As sequelas ficam, e durante os próximos tempos a vigilância perante Matilde vai ter de ser maior, incorrendo o risco de sofrer um período de anemia dada esta situação –
Nesse momento deixara de ouvir tudo, refugiei-me em mim próprio e nas palavras "ambas estão estáveis". O medo incorrera ao pânico, ao pior dos cenários, a minha mente controlara-me e eu precisava de respirar fundo e refletir tudo o que senti. Para a familía o desespero durara meros minutos, a mim durara horas, e o meu coração ainda estava pequenino, apertado.
Eu amo-as demasiado para ficar imune à sua perda. Não posso deixar, jamais, escapar um "Amo-te" – o futuro é incerto.
– Filipe – encontrava-me sozinho, perdido sem saber para onde todos se tinham dirigido. – Está tudo bem agora, podes ir vê-las e logo regressar a casa para descansar. – era a minha mãe quem indicava, e eu apenas soube abraçá-la. – Já passou, amor. Eu sei que foi um grande susto, mas vai ficar tudo bem. –
E com os seus braços envoltos no meu peito, ela encaminhou-me até uma zona de quartos, onde pude ver que se encontravam todos. Envergonhado pelas minhas atitudes de pânico e tristeza, queria esconder-me.
A mãe da minha filha estava deitada sobre uma cama, adormecida. A bebé encontrava-se numa incubadora, no seu quarto. Sob cuidados neonatais, como a minha mãe informara, a sua neta estava com sinais vitais favoráveis, mas como nascera três semanas antes do parto previsto, teria de ficar até os médicos terem a certeza que nada a enfraquece. Matilde encontrava-se sob o efeito de anestesia, iria acordar a qualquer momento.
Francisco saíra para informar a esposa que a mãe de Joana e irmã estavam bem, e que já, já, estaríamos em casa. Mais sossegados todos deixaram o quarto, deixando-me a mim disfrutar do tempo a que fora privado disso com elas.
– Obrigado por não teres desistido de nós, por teres lutado. Obrigado por teres trazido ao mundo a Madalena. O nome surgira na minha mente muito ao acaso, e eu espero que, quando acordares, não te sintas insultada por eu ter nomeado a nossa menina. Descansa bem, quando eu voltar quer poder matar saudades do teu sorriso, e conhecer juntos a menina dos nossos olhos. – foram as minhas palavras antes de deixar um beijo na sua testa e, seguindo as ordens médicas para eu ir dormir para voltar quando a situação estivesse mais calma, regressei a casa, com a escolta de Francisco e João.
– Amor, chegámos – ainda estava a abrir a porta quando Francisco grita, mas não se houve qualquer barulho dentro de casa. Passavam das oito horas e meia, o pôr do sol tinha iniciado a sua digressão. – Catarina? – à medida que entrávamos em casa, os dois homens loiros mostravam-se cautelosos ao ouvirem canções de embalar em volume mínimo.
A morena estava deitada sobre o sofá, com Joana no seu colo, e o canal para bebés passava na televisão, o que resultou na pequena a dormir pacificamente. Ela avisou-nos para não fazer barulho, e sorriu quando viu os nossos sorrisos no rosto.
– Vocês podem ir dormir para o meu quarto e da Matilde, e o João pode ficar no quarto de hóspedes. Eu fico aqui no sofá – disse, observando a menina que, com certezas firmes, não iria querer sair dali.
– Não queres comer nada? – João pergunta, e eu nego, apenas querendo deixar-me embalar pelo sono provocado pelo extremo cansaço a que fui submetido hoje. – Podemos usar a tua cozinha? – ofereci-lhe um sorriso e acenei.
– Têem algumas coisas frescas, que eu comprei esta manhã. Eu prometo que se acordar a meio da noite como algo – surpreendendo-me de todas as formas recebi um abraço apertado da parte dos dois irmãos.
– A Joana ainda não conseguiu comer nada. Quando acordar, tenta tu – Catarina ainda tentava sair daquela posição sem acordar a bebé. – Boa noite, docinho – beijou o seu rosto e ela mexeu-se um pouco, mas não acordou.
– Nós não iremos fazer barulho, prometemos – Francisco reencaminha-se para a cozinha, e eu adapto-me à posição de Joana.
– A mãe e a mana estão bem, amanhã já as vamos ver – murmurei, num tom lento e baixo, para a menina loira que se havia agarrado firmemente à minha zona abdominal. – Amo-te muito, filha – e enquanto pensava nas mil e uma voltas que havia passado hoje, cheguei a uma conclusão: Eu precisava de acordar, de ser eu – o Filipe Miguel que sempre quis sonhar mais alto que as suas inseguranças.
estou fraca 😔 ~ obrigada pelos comentários no capítulo anterior. sem eles não teria conseguido escrever tão motivada este capítulo ♡
enquanto escritora passei pelo processo do Filipe, enquanto personagem, e devo dizer: o meu coração ainda está pequenino 💔