Jesse estava a um passo de enlouquecer com tudo aquilo. A linha de sangue que cruzava a cidade acabara de fazer mais uma vítima, e os alunos da Rainwood High jamais se sentiriam seguros de novo quando soubessem que o xerife havia sido assassinado.
Delegacia de Rainwood, manhã de 29 de outubro.
— Não, Katy, não é o que estou dizendo! — Jesse tentava explicar o ocorrido, enquanto a policial parecia não prestar atenção. — ERA LITERALMENTE O CORAÇÃO DELE!
— Acalme-se, Greene. Está dizendo que o coração do Mayson foi... foi entregue a você na noite passada? E em uma caixa de presente? — Katy se sentou na cadeira, apreensiva.
— É exatamente o que eu estou dizendo há mais de dez minutos. — a menina respirou fundo, conseguindo se acalmar.
— Meu... Deus. Essa cidade virou um grande funeral. — a policial deu a volta na mesa, caminhando até o quadro que ficava na parede.
— O que vai fazer? — Jesse questionou.
— O meu dever. Colocar esses pequenos pontos coloridos pelo mapa e esperar que algum outro oficial dê continuidade no caso. — Katy cruzou os braços, depois de encaixar uma foto de Mayson perto da de Maryan.
— Você está brincando. Certo? — Jesse arqueou a sobrancelha.
— É claro que sim, novata. — a policial sorriu. — Ah, pobre Mayson. Era uma ótima pessoa, e agora não passa de um... cadáver frio. — ela encarou o chão, balançando a cabeça. — De qualquer forma, pode ficar tranquila. Eu a avisarei se tiver alguma novidade sobre o caso. Por enquanto, procure não ir até aquela floresta ou qualquer outro lugar abandonado nesta cidade. Na verdade, não vá a lugar algum sem companhia. Melhor ainda, não saia de casa! Me ouviu bem?
— Sim. É claro que eu ouvi. — Jesse pegou sua bolsa em cima da mesa, colocando-a sobre seu ombro e iniciando a caminhada até a porta.
O que a oficial Katy não sabia é que provavelmente Jesse acabaria sendo puxada para esse buraco mais cedo do que qualquer um do departamento de polícia.
— É inacreditável. Droga! — Jesse dizia a si mesma, caminhando pela calçada.
— Algum problema? — aquela voz doce invadiu os ouvidos da garota pela segunda vez na semana.
— Seth... — Jesse ergueu seus olhos. — Nossos encontros de repente viraram... rotina. — a garota sorriu.
— Parece que sim. O que fazia na delegacia? Algum problema? — Seth repetiu a pergunta, ansioso.
— Na verdade sim. Desde que cheguei as coisas parecem ter piorado consideravelmente. Ontem à noite, eu... recebi uma caixa. Havia um coração humano dentro. — Greene sentiu repúdio ao pronunciar aquela palavra novamente. Podia ainda sentir o cheiro do órgão impregnado em suas narinas. — Mas parece que ir até a delegacia não foi a opção certa...
— Espera. O quê? Está falando sério? — Seth levou suas mãos até a cintura.
— Muito sério. E também recebi esse bilhete. — a garota retirou um pedaço de papel de dentro do bolso esquerdo. — Eu não sei quem é essa pessoa, mas algo me faz pensar que...
— Que foi a mesma pessoa que matou a Maryan? — Seth completou. — Jesse, eu sinto muito em ter que dizer isso, mas... eu acho que você acaba de se envolver demais na sua própria pesquisa. — o menino olhou para os lados rapidamente, tendo certeza de que não havia ninguém lá além deles.
— Foi o que eu imaginei. Então você também recebeu alguma mensagem ou carta? — exclamou Jesse.
— Com certeza. Não só eu. Algumas outras pessoas estão presas nisso também. — Seth respondeu. — Se você quiser, podemos ir até o hospital agora. Acho que estão todos lá.
— Todos? Você quer dizer... os seus amigos? — ela perguntou, apreensiva.
— É claro. Se mais alguém recebeu uma mensagem, precisamos falar sobre isso. Espera... — Seth abriu um sorriso ao perceber a expressão insegura no rosto de Jesse. — Não está com medo deles, está?
— É só que... tudo está acontecendo tão rápido. — ela respirou fundo, cruzando os braços. — Eu não pretendia fazer mais nenhum amigo além de, talvez, aquela policial estranha do departamento. Só precisava concluir essa matéria e agora... agora acho que estou presa nessa cidade de um jeito não tão bom.
— Ei, olha pra mim. — Seth fixou seus olhos nos dela. — Podemos ser só amigos de investigação. O que acha? Não é como se resolvêssemos mistérios por aí, mas... temos algo em comum agora. Então, pelo menos, não há mais chances de sermos apenas estranhos. E prometo não deixar esse maluco chegar perto de você. Certo? Mas precisamos descobrir quem ele é primeiro, e se a polícia não pode fazer isso, então...
— Precisamos fazer por conta própria, eu entendi. — Jesse afirmou.
Os dois começaram a andar em direção ao hospital, que ficava a uma curta distância dali. Depois de dois dias inteiros em repouso, aparentemente o Fitzgerald seria liberado. Ao chegarem lá, provavelmente encontrariam Millye, Claire ou Suzen, e finalmente iriam contar tudo o que sabiam. O que Jesse e Seth não haviam percebido, é que eles dois não eram os únicos naquela calçada. E consequentemente, não eram mais os únicos a saber sobre o que estava acontecendo.
— Um coração que foi entregue à garota nova exatamente na noite em que chegou. — Zoe suspirou, abaixando seus óculos novamente e se afastando daquela rua. — Posso jurar que alguém está mentindo.
Hospital Geral de Rainwood, quase 11:00 horas da manhã.
Millye e Suzen voltaram ao hospital depois de descansarem um pouco, e Claire e Josh também encontraram os outros lá naquela manhã. Entretanto, o garoto já havia ido embora.
— Acha que a polícia vai encontrar alguma coisa? — disse Claire, conseguindo quebrar o silêncio que permanecia entre as três garotas.
— Eu não sei. Eu liguei para a delegacia na manhã seguinte àquela, e disseram que iriam considerar o desaparecimento de Jenny. Mas... — Millye parou de falar ao perceber Suzen se desabar em lágrimas. — Você está bem? — perguntou.
— Sim, eu só... — Suzen escorou a cabeça no ombro de Claire, que estava ao seu lado. — não sei o que vou fazer se a Jenny estiver morta. Eu nunca fiquei um dia sequer longe dela.
— Vai ficar tudo bem, Suzen. Vamos encontrar a Jenny, e então seremos nós três de novo. — Claire sorriu, acariciando as tranças da outra. — As Bad Girls retornarão em breve.
Millye observava as duas. Para ela, aquilo era ridículo. Suzen, Claire e Jenny sempre estiveram no topo daquela escola, ou pelo menos achavam isso. E era estranho ver as duas tão inseguras e vulneráveis daquela forma. Mas de um jeito ou de outro, agora estavam todos no mesmo barco, um que iria afundar em breve.
— Onde está o Jaremy? — uma voz masculina invadiu o corredor.
— Seth? Ah, Deus. Como é bom te ver. — Millye levantou, caminhando até ele. — E você é... — a de óculos encarou a garota ao lado do rapaz, confusa.
— Jesse Greene. — ela sorriu, estendendo a mão.
— O prazer é todo meu. Millye Campbell. — ela sorriu, e então voltou para perto das outras duas.
— Alguma novidade sobre ele, ou alguma notícia da Jenny? — Seth se sentou.
— Não. Os pais de Jaremy estão fora da cidade, então ninguém sabe que ele está aqui. Ele deve ser liberado em alguns minutos, mas a Jenny... — Millye suspirou. — nada ainda.
— Então... quem é ela? — Suzen apontou para Jesse.
— Seu nome é Jesse. Nos encontramos ontem, ela é nova na cidade, mas parece ter tanto a perder quanto qualquer um de nós. — disse Seth.
— Quê? Eu não entendi. O que ela tem a ver com isso? — Millye questionou.
— Bom, eu acho que a nossa situação começa a complicar agora. — Seth encarou Jesse, que pegou o bilhete de dentro do bolso.
— O que é isso? — Claire se aproximou. — É outra mensagem dele?
— Sim. Aparentemente, eu faço parte desse jogo agora. Foi por isso que Seth me trouxe aqui. — Jesse mostrou o papel às outras.
— Meu Deus. Isso não pode estar acontecendo. Se todos aqui receberam a primeira mensagem, então... — Claire dizia, até ser interrompida por Millye.
— Então todos estamos dentro dessa droga, incluindo a Jenny, o Jaremy, a Zoe e a própria Maryan. — a garota terminou.
— E agora a Jesse também. — Seth falou, encarando a garota ao seu lado.
— Quem faz parte de quê? — outra chegada repentina assustou os que estavam no corredor.
— Josh? Achei que tivesse ido pra casa. — Millye se levantou.
— E eu fui, mas... não queria ficar de fora do clube. — o garoto riu, observando todos ali sentados. — Quem é a novata?
— Eu me chamo Jesse. Acho que vi você na escola na outra manhã. — ela levantou, cumprimentando o garoto.
— Prazer, me chamo Joshua, mas se usar esse nome eu te mato. — o garoto respondeu, segurando a mão dela ainda. — Meu apelido é Josh. — ele sorriu.
— Ah... claro. Josh, então. — ela falou.
— Josh, pode vir comigo? — Seth se levantou, passando pelo menino. — Precisamos conversar.
O garoto estranhou o pedido, mas deixou o corredor no mesmo momento, seguindo Seth até o banheiro masculino.
— O que foi? — Josh escorou seu corpo sobre a parede.
— Cara, eu não sei o que está acontecendo, mas não é algo bom. — Seth jogou um pouco de água no rosto.
— Calma, sobre o que estamos falando, exatamente? — Josh se aproximou.
— Sobre tudo. Primeiro a minha irmã é assassinada. Depois as mensagens começam a aparecer, o Jaremy é esfaqueado e agora a Jenny desapareceu. E, segundo o que Jesse me disse, o xerife Mayson também foi morto, mas a polícia não quer abrir o jogo. — o rapaz terminou, ainda debruçado sobre a pia, enquanto encarava seu próprio reflexo.
— Eu sei. Começo a achar que as coisas vão de mal a pior a partir daqui. — Josh cruzou os braços. — Mas por que quer a minha opinião, exatamente?
— Bom... você é o expert aqui. — Seth sorriu.
— Achei que esse posto fosse da Millye. — Josh revirou seus olhos.
— Mais ou menos. Não acho que ela confie muito na Jesse agora, então... — Seth tentou dizer, mas Josh pulou na frente.
— Sinto muito, Seth. Mas eu também não. Bem, eu ouvi vocês falando sobre a Jesse ter recebido uma mensagem também, mas é estranho ela ter vindo parar em Rainwood justo nessa semana. — Josh caminhava de um lado para o outro. — Se bem que, avaliando os fatos, Jesse até se encaixa no nosso padrão.
— Como? Do que está falando, Evans? — Seth fechou a torneira, virando-se para o outro.
— Parece bobeira, mas esse maluco está jogando conosco conforme as regras. E se esse jogo for uma representação das regras do terror, então somos o esteriótipo perfeito. — Josh esperou uma resposta, mas percebeu que Seth não fazia ideia do que ele estava tentando dizer. — Pensa, cara. Você é o mocinho, Jaremy é seu melhor amigo babaca, sem ofensas, é claro. Jenny, Suzen e Claire fazem o papel das patricinhas. Millye é a nerd, e eu... o expert, já que você diz. Ah, e não podemos esquecer de Zoe, ela é o caso básico da garota que não se mistura, ou pelo menos, até os próximos corpos caírem.
— Uau. — Seth respirou fundo. — E onde a Jesse se encaixa? — o menino sorriu, olhando para a tela do celular enquanto caminhavam até a porta.
— Ela pode ser a Final Girl. É definitivamente o que não tínhamos ainda... até agora. Mas alguma sensação bizarra me faz pensar que nem tudo é o que parece ser. Digo, ela também pode ser a principal suspeita. — Josh explicou, seguindo o outro até o corredor externo.
— O que seria uma "Final Girl"? — Seth questionou.
— É sério, Seth? Sidney Prescott em Scream, Sally em The Texas Chainsaw Massacre, Alice em Friday The 13th, e por aí vai. A Final Girl é a garota que sobrevive, que geralmente acaba com o vilão no último segundo. — Josh explicava, caminhando entre as pessoas.
— Então, está dizendo que todos nós vamos morrer eventualmente até que sobre somente a Jesse? — Seth se assustou.
— Ou a Millye. Ou... bem, qualquer um de nós. O papel da Final Girl pode se modificar. Não precisa ser assim. É só um esteriótipo definido pelos fãs do terror. Podemos mudá-lo. Ainda não sabemos se Jesse é a Final Girl, mas se o nosso "velho amigo" estiver seguindo esse padrão, então... — Josh suspirou.
— Então quem é o próximo a morrer? — Seth falou em voz baixa, ao perceber que já estavam se aproximando dos demais.
— Bom, considerando o trio das superestimadas "Bad Girls", seria uma delas. E como Jenny já está um passo à frente, eu sinto muito, Seth. Mas é um forte palpite. — Josh contraiu os ombros.
— É por isso que precisamos... espera. Jaremy? — Seth se surpreendeu ao enxergar o rapaz ao lado das outras meninas. — Caramba! — o garoto correu até ele, lhe dando um abraço apertado.
— Não foi dessa vez, irmão. — Jaremy riu. — Como você tá?
— Bem, eu acho. Tirando o fato de que... — Seth voltou seus olhos para as cadeiras vazias ao lado deles. — Onde estão Suzen e Claire? — perguntou.
— Acabaram de sair. — Millye se aproximou. — E eu também não sei para onde a sua nova amiga foi.
— O quê? A Jesse? Que droga. Ela estava aqui agora. — Seth olhou ao redor, encarando o movimento das pessoas que se locomoviam rapidamente.
— Seth! Seth, eu estou aqui. — a garota se aproximou deles. — Eu fui até o lado de fora para tomar um ar, e de repente... tinha recebido isso. — Jesse mostrou o celular.
— Você só pode estar brincando. — Millye se aproximou dela, revirando os olhos. — Minha nossa. Que droga é essa?
Jaremy e Josh se aproximaram dos três também, e finalmente, os cinco perceberam o que era aquilo. Havia um vídeo na tela, um que mostrava Jenny amarrada a uma cadeira. A garota se debatia, tentando soltar-se das cordas que a prendiam. No canto esquerdo, o anexo de uma mensagem enviada à Jesse.
"— Você queria uma nova matéria, não queria? Boa sorte com essa."
- Um velho amigo
Jesse e os outros quatro se apavoraram ao ler aquilo. Jenny ainda estava viva, mas seu tempo continuava se esgotando. Teriam que correr se quisessem chegar a tempo. Por fim, Seth percebeu algo no vídeo que poderia ajudar a salvar aquela garota antes que ela fosse a próxima vítima.
— Pessoal, ela... ela ainda tá viva. — Seth respirava ofegante, encarando os outros ao seu lado. — Jenny está viva e eu acho que sei como encontrá-la.