Tratado dos Párias- O rei reb...

By IsabelaAllmeida

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Tiago sempre abominou o tratamento as mulheres no reinado de seu pai. Viu sua mãe virar escrava e suas irmãs... More

À primeira vista
Dívida de rua
Novo lar
Reencontro
Preconceito
Convite inesperado
Conselho que não dá conselho
Desconforto
Guia Daniel
Abordagem
Trégua
Uma despedida
Conserto destrutivo
Uma visita
Confraria Anarquista
O espião...
Cascas Vazias
Um encontro nada amistoso
Nada como esperado
Vila dos orfãos
Confissão inesperada
Sentimento maduro
Sem tato com o coração
Atitude Ousada
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Menina Esperta

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By IsabelaAllmeida

O carro parou e o cocheiro abriu a portinhola. — Majestade.

Olhei ansioso para os lados ainda tentando assimilar qual coisa urgente eu teria que fazer primeiro. — Não posso sair, preciso que me faça uma coisa antes.

Ele me fitou sem entender nada, e sinceramente eu não estava com paciência ou humor para explicar qualquer coisa, peguei algumas moedas. — Tome, me compre roupas velhas. — Olhei para ele e falei de modo severo. — Velhas! Não me venha com boas roupas e não volte aqui sem elas.

Ele ficou visivelmente nervoso olhando para as moedas e para a rua sem saber como reagir, ou mesmo agir. — Mas majestade, como eu irei comprar isso?

Me senti miserável por não ter pensando em trazer o garoto Tobias comigo, com certeza ele me seria mais útil que esse medroso. Eu tinha que admitir que meu mau humor estava aflorado por conta da preocupação e eu sabia disso, por isso respirei fundo e tentei buscar paciência.

— Ande por aí e me traga a primeira criança que encontrar na rua. — Estendi a mão. — E me devolva essas malditas moedas.

Ele me entregou com um sorriso amarelo o punhado de moedas e fechou a portinhola. Soquei minha perna como um meio de punição pela raiva de mim mesmo e esse meu jeito explosivo que afastava as pessoas. O coitado não tinha culpa do meu aborrecimento, mas quem pode culpar um homem preocupado e irado de preocupação?

Aquela loira... O que ela tinha na cabeça? Tantos lugares perigosos e escolhe justamente aquele mais distante? Ela estava fazendo de propósito só para me irritar, pois eu tinha avisado que era perigoso no bairro da Procriação e agora ela escolhe um idêntico e muito mais longe?

A portinhola abriu e o cocheiro me mostrou uma garotinha que olhava para mim curiosa pela porta. Pelo porte mirrado não parecia ter nem nove anos.

Olhos espertos e castanhos me fitaram. — O que precisa, senhor?

— Preciso de roupas muito velhas e informações depois disso.

— Quanto vai pagar?

— Uma moeda de ouro pelas roupas se elas forem mesmo bem velhas, e outra moeda de ouro pelas informações se elas me forem úteis.

Ela coçou o queixo me olhando com sagacidade. — Então ainda irá faltar uma moeda de prata.

Por mais aborrecido que eu estivesse naquele momento, senti vontade de rir com a pequena negociante tentando me arrancar o couro, ela via em mim lucro certo e não tinha receio em seus olhos, gostei da menina.

— Muito bem dona espertinha, e essa moeda de prata seria pagamento pelo que mesmo?

Ela levantou os ombros como se fosse obvio. — Pelo meu silêncio.

Apertei os lábios para evitar uma risada que se formava.

— Muito justo, então façamos melhor que isso. Será uma moeda de ouro pela sua lealdade. O que me diz?

Ela esticou a mãozinha para mim. — Feito!

Apertei aquela minúscula mão sentindo até a tensão passar um pouco, ela falou sem pestanejar.

— Me entregue uma moeda agora que lhe trarei as piores roupas que eu encontrar e com algum bônus para um bom cliente.

Dessa vez eu ri, não resisti aos encantos da pequena malandra, lhe entreguei a moeda e pisquei. — Me surpreenda.

Ela assentiu com energia e saiu correndo. O cocheiro fechou a porta e continuei rindo com a situação. Criança esperta para fazer negócio.

Enquanto esperava minha encomenda bati o dedo indicador nervosamente no joelho, sem conseguir parar quieto, puxei a cortina só um pouco e sondei a rua.

As casas não diferiam em nada das casas do bairro antigo. A visão também não era diferente, as ruas cheias de lixo e entulhos, os cantos das ruas ostentavam as veias esverdeadas do esgoto aberto que serpenteava tranquilos pela vala e sumiam em um grande buraco perto do lixão tão comum nas vilas mais pobres, porém tão perigoso para as crianças pequenas, uma queda ali e...

Tinha que me lembrar de pesquisar sobre o subsolo, meu pai não podia ter sido tão porco em não fazer pelo menos a estrutura dos esgotos.

Novamente a dúvida me vinha à mente. O que Amélia tinha vindo fazer aqui? Não podia ser somente por causa da moça grávida, se fosse isso ela não teria se disfarçado, qual o propósito disso afinal?

Novamente a portinhola abriu e dessa vez a menina entrou com tudo, segurava uma trouxa. Sentou sem pedir permissão e olhou atenta pela janela como se garantisse que ninguém nos observava.

— Precisa pedir ao seu criado que o tire daqui, que vá um pouco distante na estrada, não pode sair daqui de dentro vestido feito um pedinte.

Franzi o cenho não acompanhando seu raciocínio. — Porque não?

Ela me cortou com o olhar. — Um mendigo saindo de uma carruagem de luxo? Quem você acha que enganaria?

Me sentindo estúpido e completamente envergonhado pela perspicácia da menina ser maior do que a minha, bati no vidro da frente avisando o cocheiro e logo a carruagem começou a movimentar.

Divertido pela surpresa, analisei aquela criança inteligente. Os cabelos cacheados e secos, eram escuros e amarelos nas pontas o que só demonstrava a exposição excessiva ao sol. Seriam bonitos cachos se fossem bem cuidados. O rosto afilado pela nutrição falha ainda mantinham teimosamente a beleza infantil. A pele escura facilitava a percepção da clara cicatriz que começava perto do lóbulo da orelha e descia até abaixo do pescoço.

Fora um corte mesmo feio, com certeza demorou muito para curar e causou sofrimento, ainda assim, apesar de ser uma cicatriz grande não a deixava feia, ao contrário, só me mostrou o quanto era uma criança forte. As roupas estavam tão sujas que era difícil dizer de que cor era o tecido e... Por entre os dedos passeava uma moeda de ouro.

Apertei os olhos para a moeda e ela seguiu meu olhar com curiosidade, logo sorriu inocente. — Peguei no lixão as suas roupas, os sapatos também. Paguei uma moeda de bronze pelo chapéu.

— Não te dei uma moeda de bronze.

— Realmente não deu, ganhei de outro cliente que precisava de outra coisa. — Ela mordeu a moeda e sorriu. — Essa moeda é o meu lucro. —Logo seu sorriso esmoreceu ao olhar para mim e entendi seu receio.

— Não irei pegar de volta. Se as roupas que encomendei forem do jeito que preciso, não me importa como conseguiu. — Olhei receoso para o tecido sujo da trouxa. — Talvez eu volte buscar a moeda se eu precisar tratar a pele com as doenças que irei pegar.

Ela riu. — Não irá pegar doenças, usamos as roupas de lá e não nos acontece nada, olhe. — Ela esticou os braços finos para provar seu ponto.

Fiz uma cara séria. — Vou acreditar em sua palavra.

A menina me entregou a trouxa e abriu porta.

— Vou esperar lá fora, vai precisar de ajuda para ficar bonito.

Apesar das minhas preocupações e a ansiedade para encontrar Amélia, não podia cometer um ato insano de destratar mais um inocente, o cocheiro já tinha sofrido comigo, eu não podia fazer isso com a criança, então respondi com a gentileza que sua inocência de meus assuntos merecia.

— Uma lisonja vinda de uma garotinha tão linda e esperta.

Ela riu e fechou a porta, aproveitei e me despi rapidamente, desfiz a trouxa e o cheiro ruim chegou a mim. Franzi o nariz e vesti a calça de uma vez para não perder a coragem, vesti a camisa em seguida e quando fui calçar os sapatos acabei rindo novamente balançando a cabeça.

Aquela pequena traiçoeira havia trazido modelos diferentes, uma bota velha e um coturno todo estragado de soldado.

Sai do carro me sentindo ridículo, ela me analisou coçando o queixo e abri os braços, pronto para o escrutínio infantil.

— Pareço com pedinte?

Ela balançou a cabeça. — Não mesmo.

Olhei para minhas roupas. — Como não?

Ela se acocorou, pegou um punhado de terra e falou autoritária. — Abaixe.

Obedeci e ela esfregou a terra em meus cabelos, em seguida cuspiu nas mãos e passou a palma em meu rosto com vontade.

Apertei os olhos para ela ainda sentindo a massagem na bochecha. — Eu tinha opções nessa parte, se tivesse me dito antes talvez eu tivesse passado meu próprio cuspe em mim, não acha?

Ela continuou esfregando a mão por todo meu rosto sem ligar a minha reclamação. — Um cuspe é um cuspe, não importa de qual boca saia.

Não consegui achar resposta para a filosofia infantil. Na verdade estava realmente encantado pela criança morena e pequenina.

— Como se chama?

Ela levantou os ombros como se não se importasse. — Dez.

Fiquei em silencio por um momento, tentando encontrar alguma palavra no meio de tantas sensações que me tomava, ela podia ser minha filha, tinha idade para isso, podia ser... Filha de André. Era meu povo e minha responsabilidade, entretanto, somente de ouvir o número no lugar de um nome eu entendi o quanto as coisas ainda estavam engatinhando no reino.

Esse número... Ainda lembrava os costumes da preparação para a encomenda. Um nome, todos precisam de pelo menos um nome e nem isso essa criança tinha. Tanto a se fazer...

— Muito prazer, Dez.

Ela nem mesmo respondeu, apenas sorriu e assentiu.

O cocheiro olhava para ela de modo desaprovador. Com certeza estava ultrajado pelas respostas rápidas ou a falta delas. Era mesmo um idiota, se ele soubesse que essa menina com meia hora me fez a respeitar mais que a ele em anos, ele não a olharia assim.

Era autêntica, inteligente, pensava rápido e não tinha medo de mim. Daria uma perfeita conselheira, na verdade comparada com aqueles idiotas que me rodeavam ela seria perfeita para qualquer cargo se tivesse uma década e meia a mais de vida. Claro, tirando meu precioso André da lista negra.

Ela afastou olhando sua obra e sorriu de modo aprovador. — Agora sim. Só falta o chapéu.

Coloquei o chapéu velho que cheirava a cabelo sujo, já nem mais me importei, o cheiro de tudo estava uma desgraça mesmo então já não conseguia mais distinguir qual parte cheirava pior.

Entramos na carruagem e olhei para ela, falei tentando mostrar calma. — Agora preciso das informações.

Ela se empertigou e fez cara de sabida, lembrou a mim mesmo, pois eu tinha essa mesma mania que até chegou a irritar Diana uma vez. Ela dizia que sabia o que eu ia dizer antes de eu falar somente pela minha cara de sabichão, agora essa menina fazendo o mesmo comigo me trouxe boas lembranças, ela falou com pose de comerciante.

— O que quer saber?

— Hoje mais cedo, apareceu um andarilho pedindo informação de alguém por esses lados? Ou você percebeu alguém diferente por aqui hoje? O que eu procuro é uma mulher disfarçada de pedinte.

A menina assentiu. — Sei o que procura, ela apareceu aqui e pediu por Marcos.

Me ajeitei desconfortável no banco, não esperava por isso, Amélia se arriscando assim por um homem? O ciúme obviamente me tomando a mente e meu humor azedou ainda mais. — Marcos?

Não sei o que ela viu em meus olhos, mas ficou preocupada com minha reação. — Não é um pedido muito grave. Marcos não deve nada e não é fugitivo. A mulher pediu por ele, somente isso.

Eu sabia quem era ele, só não gostei do que senti ao saber que Amélia estava ali atrás dele, aliás, não entendi o que ele também fazia ali. — Não se preocupe, é a mulher que me interessa.

A menina relaxou visivelmente. — Então terá que ir ao território dos monstros, porque é para lá que Marcos a levou.

Meu coração disparou com mais essa informação. Mas o que estava acontecendo? Território dos monstros... Seria a prisão dos leviatãs, o que diabos Amélia queria lá? Pior que isso era imaginar o motivo do filho de Uzias a levar naquele lugar abandonado? Tentei pensar claramente para não fazer minhas costumeiras besteiras.

O rapaz não podia ser má pessoa ou então André não estaria ainda tentando ajudá-lo, ainda assim não gostei de imaginar os dois juntos em um lugar tão retirado. Não... Não podiam ser juntos, tipo... Juntos. No entanto... O que estavam fazendo? Era isso o que eu queria saber.

Passei a mão pelo rosto em um gesto nervoso, olhei pela janela a pressa me corroendo. Bati no teto e o carro parou.

Assim que saímos ela esticou a mãozinha cobrando o pagamento na cara dura.

— Há! Me desculpe. — Voltei ao coche e tirei duas moedas de ouro do saquinho e entreguei a ela.

Ela sorriu, os olhos brilhando para a pequena fortuna em suas mãos.

Sorri contagiado por ver sua alegria. — Vai fazer o que com essas moedas?

Ela respondeu tranquila. — Entregar a Marcos.

A ira me subiu e o meu sorriso morreu. — Esse mesmo que levou a mulher na terra dos monstros?

Ela assentiu.

Acabei alterando a voz. — Um explorador? O que Amélia quer com ele?

A menina fechou a cara. — Marcos não é isso que você falou!

Puxei o ar com força para me acalmar, se a irritasse ela não me levaria até esse folgado que tirava dinheiro de crianças.

— Tudo bem, se você diz, eu confio em você.

A expressão dela suavizou. — Vou te levar até ele.

Antes de sair voltei ao coche, peguei o saquinho e o guardei comigo, nunca se sabe, era bem esperta então era melhor andar com o pagamento no bolso.

O sol estava se pondo, em algumas horas iria escurecer e eu tinha que tirar Amélia dali antes disso.

Olhei para o cocheiro. — Vá e mande uma pequena escolta, quero que espere aqui com eles.

Ele assentiu e subiu no coche com determinação. Segui pela estrada segurando a pequena mão e acabei me arrependendo de ter tido aqueles pensamentos sobre meu cocheiro. Ele não era um mau empregado, um pouco parvo talvez, mas sempre foi de minha confiança.

E dos que me cercavam isso estavam se tornando raro ultimamente.

*******

Um cap adiantato u.u

Livro grátis: Acordo de 180 dias ficará de graça somente hoje na Amazon viu pessoal. Se não conseguiu ler ele completo aqui, corre lá e pega o seu. E se puderem, depois de ler deixa uma avaliação lá dizendo o que achou do livro :) Beijinhooo :D

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