Dívida de rua

3.1K 307 115
                                    

No casamento de Diana passei toda a manhã ansiosa para ver Tiago, e quando ele apareceu na porta para nos levar a floresta do rei eu o ignorei, passei por ele como se me incomodasse sua presença e ainda arrastei meu pobre pai comigo arrumando uma desculpa para sair logo de perto dele.

Mas todo esse asco era só fachada, porque assim que saí pela porta não consegui esconder o que parecia tão obvio. Minhas pernas tremiam, meu fôlego estava adensado e eu entrei na carruagem tão distraída que não percebi o olhar paterno e sábio sobre mim. Somente quando ele perguntou sobre isso que eu me toquei que entreguei tudo com minha reação. Disfarcei, desconversei, mas não houve meio de dissuadir meu pai dessa desconfiança.

Por fim não conversamos mais sobre isso, ele ficou no reino humano já que seu cargo de general dos exércitos o obrigava a se dedicar totalmente. E eu voltei ao reino sombrio e por vários meses esperei ansiosa para que o clima tenso entre os homens finalmente amenizasse. Só me distraía quando recebia visitas e me acostumei com a noite das meninas, até abri meu coração para Diana e Jena sobre meus sentimentos, claro que não me abri totalmente, mas elas já sabiam antes de eu contar a elas.

Achei que esperaria muito mais para finalmente encontrar coragem para seguir ao reino humano, mas o recado que recebi adiantou as coisas. Meu pai foi ferido gravemente. Priana já estava com ele há dois dias e só me mandou o bilhete essa manhã contando o acontecido e pedindo desculpas por não contar antes, mas foi um pedido de meu pai para não me deixar preocupada, e claro que não funcionou.

Não recebi mais nenhum detalhe e senti medo de perdê-lo e mesmo ele estando melhor eu decidi seguir para o reino. Não consegui imaginar algo acontecendo a ele e eu não estar perto, sem contar que fui privada de estar ao lado dele desde os nove anos, e se ele corria perigo eu tinha que estar ao seu lado, ele é tudo o que tenho de verdadeiramente meu.

Os portões finalmente apareciam ao longe, as lanças de prata retorcida para o lado de fora deixava a visão horrível. Sozinha vendo aquela coisa perigosa se aproximar fez meu coração acelerar de receio e me senti pequena e frágil. Respirei várias vezes forçando meu cérebro a recordar que não havia mais guerra entre as raças, que aquelas lanças retorcidas era para repelir Licans estranhos e desgarrados que não pertenciam ao grupo de matilhas do Supremo Alfa Laican.

Paz... As raças estavam em paz, o único perigo para o reino humano eram os próprios humanos que viviam nele. Eu sempre devia lembrar isso.

— Quem vem lá? — Ouvi a voz estranha, porém amistosa do guarda.

— Amélia, da Casa Góes.

Casa Góes... Achei estranha essa pompa. Talvez se devesse ao fato de meu pai ser o general. Mas eles podiam enchê-lo de títulos, eu nunca ia esquecer que até poucos meses atrás, se referiam a ele como o escravo André, por isso, títulos, dinheiro e posição nunca compraria minha simpatia por esses nobres que o humilharam no passado, até porque eu nunca deixaria de ser simplesmente Amélia da vila do senhor Odair do reino sombrio.

O portão fechou com um estrondo e dei um pulo receoso, eu era bem medrosa constatei esse fato com desanimo. Mas esse excesso de estremecimentos com qualquer barulho desde que chegamos era por conta do ar pesado nas ruas, tão hostil que me fez lembrar o dia que me arrastaram pelo portão vestida somente com as roupas do corpo e segurando a barra do vestido de minha mãe.

Ela tossia tanto que pensei na época que a perderia ainda na carroça que nos levava para um prostíbulo dentro da mata. Nunca antes senti tanto temor dos soldados, e eu tinha me esquecido dessa sensação.

Já tinha vindo antes algumas vezes, mas dessa vez era diferente, a hostilidade parecia palpável, era como se a qualquer momento o alarido de espadas se chocando fosse começar nas ruas. Sem contar que dessa vez eu estava entrando como nova moradora e não como visita, então eu estava passando a fazer parte disso e uma curiosidade renovada com meu novo lar me fez olhar ansiosa para a janelinha.

Tratado dos Párias- O rei rebelde. ( Degustação)Where stories live. Discover now