Uma despedida

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Pouco mais de uma semana já tinham se passado e depois daquela discussão com Tiago eu cumpri o que prometi, não mais fui à vila dos Procriadores, porém eu passava perto dela todos os dias, pois estava junto com alguns homens contratados por ele, limpando e arrumando o templo que estava abandonado e cheio de mato.

E mesmo em meio a essa agitação eu deixei uma tarde livre para passear com Daniel mais uma vez por alguns lugares na vila dos Forasteiros. Ele me mostrou a casa de leilões e me contou que antes era comum ver anúncios sobre ofertas de meninas de variadas idades e fiquei mais que satisfeita ao saber que agora esse local tinha sido fechado. Na verdade até mesmo as inúmeras casas de diversão também tinham seguido esse destino.

Eu tinha levado comigo algumas moedas de bronze e a cada mão estendida eu depositava uma, infelizmente não consegui chegar nem ao meio da rua até o mercado e elas já tinham findado.

Me senti mal por ver tanta gente pedindo, parecia um número expressivo demais para não serem notados pelo rei ou pelo conselho que deveria cuidar desse problema, mas infelizmente eles eram invisíveis, ninguém parecia se importar com a fome deles, ninguém além de mim e Daniel naquela rua, e isso era algo triste demais, minha raça não era dada a piedade, e isso dizia muito sobre como devia ter sido ser antes das mudanças no tratado.

Passeamos pelo mercado colorido e dessa vez eu pude fazer todas as perguntas que queria e ele prontamente me respondia deixando o passeio agradável e muito elucidativo para mim que ainda não conhecia nada do reino, no entanto, quando chegamos ao final, quase na periferia da rua do mercado colorido, ele não me deixou seguir, disse que era melhor voltarmos porque ali não era lugar para a filha do general.

Não discuti com ele, mas fiquei curiosa por ele enfatizar a filha do general e não mulheres no geral. Senti que aquela parte do mercado tinha alguma coisa particular relacionada ao meu pai, ou ao ódio que sentiam dele, ou talvez fosse algum dono de alguma barraca naquela parte que tivesse ódio do general o suficiente para fazer mal a filha dele.

Achei melhor não fazer perguntas já que Daniel caminhou ao meu lado parecendo uma concha, ele não parecia disposto a me dar mais informações e também não me interessei em insistir já que saber que alguém tinha raiva do meu pai era apenas algo rotineiro.

Ainda assim me senti desconfortável com a situação, mas quando ele me levou para os portões do reino e subornou um dos guardas prometendo que lhe traria uma prenda se ele permitisse que eu subisse na guarita no alto da muralha, eu esqueci o ocorrido no mercado e me deixei contagiar com a visão fora dos gigantes muros de proteção.

A larga e sinuosa estrada dos Viajantes podia serpenteava em meio à densa floresta. A cor quase vermelha e o fim dela ao virar uma curva me fez apertar o coração de saudade do reino sombrio. Logo chegaria o decênio do meu senhor, o terceiro príncipe, e eu voltaria a rever o povo da minha vila, mas naquele momento, com aquela esplendorosa visão eu senti uma vontade enorme de abrir aqueles portões e caminhar tranquilamente por aquela estrada até adentrar o reino sombrio.

Daniel ficou receoso quando comentei isso e eu ri da cara de medo dele. Contei a ele que sentia menos medo de andar sozinha por aquela estrada na floresta do que andar sozinha de minha casa até o padeiro perto de casa, por isso eu tinha até contratado o garoto chamado Dino que eventualmente cuidava do estábulo para fazer esse tipo serviço permanentemente.

Quando ele perguntou por que eu não tinha medo dos perigos do lado de fora, contei a ele minha história, contei tudo o que aconteceu comigo, de meu exílio e de minha mãe e do destino amargo de meu pai até nos reencontrarmos. Daniel ficou encantado quando eu contei sobre os humanos das vilas, mais ainda quando contei a forma simples e eficaz da organização de lá e vi naqueles olhos verdes brilhando que ele era tão sonhador quanto eu, que ele se tivesse condições dedicaria todo seu tempo a fazer algo que tirasse seu pequeno e famigerado grupo da miséria.

Contagiada com aquele olhar contei então a ele sobre uma ideia que pedi ao meu pai para apresentar ao rei, prometi que mostraria uma cópia quando chegássemos em casa. Ele riu dizendo que nem adiantava eu lhe mostrar já que ele não sabia ler e tive que explicar cada passo do projeto, ali mesmo na guarita.

Os olhos desse menino brilharam sonhadores e senti apertar meu coração, sabia que ele ia aceitar o convite quando este aparecesse, ele iria com os seus miseráveis para a fazenda se tivesse essa chance. Esse líder jovem de um grupo de arruaceiros não tinha intenção de assaltar carruagens de ricos para sempre, ele tinha ambição e prometi a ele que pediria a André para entrar em contato com ele para que ele e os seus fizessem parte desse primeiro assentamento teste.

Os olhos deles encheram de água e os meus também seguiram o mesmo caminho. Abracei meu novo amigo naquela guarita, sabendo que esse seria nosso último passeio. Pois meu pai já tinha me avisado que começaria a buscar interessados em alguns dias e eu iria conversar com ele sobre Daniel naquela noite.

Quando nós voltamos para casa eu o paguei e ele se negou a receber alegando que foi agradável minha companhia e já me tinha como amiga e mesmo eu sentindo o mesmo, fiz questão que ele pegasse as três moedas, mesmo ainda faltando duas semanas para o mês tratado findar, eu rebati dizendo que o dinheiro o ajudaria quando fosse para a fazenda e ele acabou aceitando e agradeceu.

Dormi entristecida naquela noite, pois Daniel foi o primeiro amigo que fiz e pelos olhares de ódio de quase todos que eu encontrava, eu tinha quase certeza que seria o único.

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Oiee :D, me digam o que acharam do cap? Sabem que é importante para euzinha né.

Tratado dos Párias- O rei rebelde. ( Degustação)Where stories live. Discover now