Miguel - (Degustação)

由 CarolPaimOficial

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Sinopse "O amor é paciente, o amor é bondoso. Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O amor nunca p... 更多

PRÓLOGO
Capítulo 01
Black Friday
Capítulo 02
Capítulo 03
Capítulo 04
Capítulo 05
Capítulo 07
Capítulo 08
Capítulo 09
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 11 - De verdade! =D
Capítulos Degustação

Capítulo 06

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由 CarolPaimOficial


"Vigie me orem para que não caiam em tentação. O espírito está pronto,mas a carne é fraca." – Mateus 26:41


Dias depois da nossa conversa, finalmente comi o famoso tijolo, e preciso confessar que realmente havia virado um tijolo, pois o macarrão grudou, o molho curry secou e o frango endureceu. Mesmo assim, estava muito melhor que qualquer sabor de macarrão instantâneo. Quando disse isso para Aurora, ela não ficou muito feliz, mas ao ver que comi quase todo o macarrão, ficou de bom humor novamente.

Além do macarrão, Aurora sempre que podia cozinhava alguma coisa no jantar. Nós aproveitamos alguns dias para realmente nos conhecer,descobrir os gostos um do outro e algumas manias. Além da mania de organização, Aurora sempre fazia um coque no cabelo quando ia cozinhar, andava descalça o tempo todo que estava no apartamento,adorava lilás, detestava pimentão e tinha outras mil facetas.Sempre que achava que a estava conhecendo, ela me mostrava uma faceta nova e eu voltava à estaca zero, tentando novamente desvendá-la.

Na primeira sexta após o episódio da tal boate gay, a levei no grupo de jovens comigo e depois fomos comer pizza. Aurora é enlouquecida por pizza marguerita, que não passa de queijo, tomate e manjericão.Eu ainda não consigo entender a graça de uma pizza como essa.

No sábado, depois da minha aula de catequese, ficamos no apartamento dela assistindo minhas séries favoritas e comendo pipoca. Quando anoite caiu, minha bunda já estava quadrada de ficar sentado no sofá,mas eu não queria sair de lá, porque Aurora estava aconchegada no meu colo. Resolvi ler um pouco. Aurora aproveitou para analisar alguns documentos da empresa de importação que ela e irmã estavam abrindo.

– Vocês vão importar o que? – Perguntei em um dado momento.

– Um pouco de tudo, mas nosso foco principal inicialmente vão ser os produtos para adultos. – Ela falou baixo e rápido.

– Produtos para adultos? – Perguntei sem entender. – Que tipo de produtos?Alguma coisa que eu vá me interessar?

– Com certeza, mas não agora. – Ela respondeu sorrindo. – Acho que daqui há algum tempo esses produtos vão te interessar bastante.

– Que tipos de produtos são?

Eu começava a ter uma ideia do que seria só pelo sorriso sacana que ela estava dando.

– Produtos para sexshop.

Seus olhos fixaram-se nos meus, quase me desafiando a falar alguma coisa.Definitivamente não era o que eu gostaria que ela estivesse comercializando, mas a empresa era anterior a nós. Eu não seria louco de me meter nisso.

– Humm – Murmurei sem saber o que dizer e que não fosse causar uma discussão entre nós.

Nós tínhamos muitas pequenas discussões.

– É só isso que você vai dizer? – Ela perguntou, sem sorrir.

– Bom,o que você gostaria que eu falasse?

– Quem sabe me dizer que não deveria vender esse tipo de produto, que estou cometendo um pecado ao comercializar produtos para prevaricação.

– Prevaricação?Você andou brincando com um dicionário?

– Não,Miguel, mas eu também tenho um pouco de cultura e meu catálogo de palavras é mais extenso do que apenas palavrões.

– Ei,o que foi? Qual o problema?

– O problema? O problema é que você não está sendo totalmente honesto comigo. Eu te digo que vendo produtos para sexshop e você não diz nada. É claro que você prefere guardar sua opinião para você e isso não é ser honesto. Com certeza se você fosse honesto diria alguma coisa sobre eu vender vibradores de todos os tipos, cores e tamanhos. Vibradores que as pessoas vão usar para se masturbar ou para enfiar em seus companheiros de maneiras que duvido que você sequer consegue sonhar. – Ela me atacou, levantando do meu colo e começando a caminhar pela sala.

– Só porque eu evitei dizer o que penso sobre os produtos que você e a sua irmã vão vender, você está brigando comigo? – Respondi exasperado. – Por um acaso você pensou que eu não falei justamente para evitar uma cena como essa? Uma briga desnecessária.Ou você gostaria que eu te dissesse o que fazer e o que vender na sua empresa?

– Eu não gostaria, mas pelo menos você estaria sendo honesto comigo.

– Você não gostaria nem um pouco e nós dois brigaríamos porque na sua cabeça eu estaria tentando controlar você. Então eu não falo nada e nós brigamos do mesmo jeito porque na sua cabeça eu não estou sendo honesto. Resumindo, nós iríamos brigar por um motivo ou outro, não é mesmo? O que está acontecendo? Isso é algum tipo de armadilha feminina ou o quê?

– Armadilha feminina? Ah Miguel, você não entende nada mesmo. Quer saber de uma coisa, acho que já está na hora de você ir para o seu apartamento.Eu estou cansada e quero ir dormir. – Aurora parecia à beira de um ataque. Eu só não sabia se era de fúria ou de choro. Eu não ficaria ali para ver nenhuma das duas opções.

– Tudo bem Aurora. – Concordei.

Sem esperar que ela dissesse mais alguma coisa, juntei minhas coisas e com os sapatos na mão, caminhei descalço até o meu apartamento.

– Miguel,eu... –

Ela começou a me chamar, mas eu não dei chance, apenas fechei a porta e a deixei falando sozinha. Aquela não era a primeira vez que nossas brigas começavam por motivos que para mim pareciam ridículos. A sensação que eu tinha era que Aurora estava arrumando uma desculpa para terminar um relacionamento que nós nem havíamos realmente começado como se devia.

Sem ter muito que fazer e sem a menor vontade de ir dormir, peguei meu violão e sentei no sofá, começando a tocar as notas que eu sabia de cor. Em algumas músicas eu até me arriscava a cantarolar, mas na sua maioria eu apenas tocava para desestressar e tirar qualquer problema da cabeça. Assim fiquei por várias horas, e já passava da uma da manhã quando fui para a cama. Do lado de fora da janela uma tempestade caia forte. Raios e trovões riscavam o céu.

O barulho do meu celular me acordou. Meio desorientado pelo sono e pelos trovões, tateei até que achei o aparelho em cima do criado mudo. Atendi sem nem prestar atenção.

– Miguel...

– Sou eu. Quem fala? – Perguntei esfregando os olhos e tentando ver em meu relógio que horas eram.

Quinze para as três da manhã.

– Miguel,sou eu. Será que posso ir ao seu apartamento?

Levei só meio segundo me perguntando da onde eu conhecia aquela voz e porque eu deveria deixá-la vir ao meu apartamento àquela hora da madrugada. Até que lembrei.

– Oque você faz me ligando a essa hora, Aurora? São quase três da manhã e eu já estava dormindo.

– Eu sei que você estava dormindo, consigo ouvir você roncar do meu apartamento.

– Aurora,se você ligou só para brigar ou arrumar algum motivo para brigar,me liga em horário comercial, porque eu realmente estou cansado e com sono.

– Não...Não desliga. Eu... Eu realmente gostaria que você me deixasse ir para o seu apartamento, porque... – Nesse momento um raio clareou a janela do meu quarto, que foi seguido de perto por um estrondo imenso e um grito agudo de Aurora. – Puta que pariu. Caralho. Essas merdas de trovões.

– Não me diga que você tem medo de um barulhinho de trovão? – A provoquei.

– Barulhinho?Barulhinho? Essa porra, da porra, da porra não é a merda de um barulhinho. É o caralho de um barulho dos infernos.

– Olha o palavrão, Aurora. – A provoquei com a nossa costumeira discussão.

Por mais que eu tivesse todos os motivos do mundo para estar irritado com ela, vê-la tão amedrontada e falando tantos palavrões me fez sorrir no escuro.

– Incompreensibilidade,Miguel. Incompreensibilidade é um palavrão.

Ela bufou do outro lado da linha, me fazendo sorrir ainda mais.

– Será que você pode abrir a porta? Tá frio aqui no corredor...

– Você está fazendo o que no corredor essa hora? – Perguntei, me fazendo de sonso, mas já levantando e caminhando lentamente até a porta.

– Miguel,está frio... – Outro trovão retumbou. – Porra Miguel, abre essa merda ou eu vou começar a esmurrar a porta e fazer um escândalo aqui no meio do corredor.

– Isso só vai ser mais um bônus a sua fama de barulhenta. Os vizinhos irão adicionar loucura ao seu perfil já deturpado.

– Perfil deturpado? Sério que você está usando esse linguajar às três da manhã? Abre essa merda de porta e me deixa entrar, por favor.

Me encostei na porta e continuei a provocá-la.

– Achoque não Aurora. Estou quentinho na minha cama e não estou com vontade de sair dela só para abrir a porta para uma pessoa que me acordou porque tem medo de trovões inofensivos.

– Seu...Você já esteve em alto-mar durante uma tempestade, Miguel? Já teve que enfrentar ondas imensas enchendo a proa do veleiro onde você está enquanto raios caem a poucos metros de você e trovões te deixam surdo por alguns instantes? Quando você passar por isso, nós voltamos a conversar. – A ouvi caminhar de volta para sua porta e abatendo fechada. – Agora, boa noite. Volte a dormir e me desculpe por ter atrapalhado seu sono da beleza.

– Aurora,pare de ser dramática. Você sabe que eu vou acabar abrindo a porta,não sabe?

– Só pra você saber, seu sono da beleza não está tendo muito efeito.Pelo tanto que você dorme deveria estar parecendo o Brad Pitt.

– Olha quem fala, você tem o nome certo. Parece mesmo a Bela Adormecida.Quando dorme mais parece que entrou em coma.

Esperei que ela me xingasse ou ao menos respondesse, mas ficou em silêncio.Tirei o celular da orelha e verifiquei se a ligação havia caído.Ainda estava conectada.

– Aurora?Aurora? – Chamei e não obtive resposta. – Aurora? Você consegue me ouvir?

Eu comecei a dar alguns passos para longe da porta, na intensão de verse era o sinal da operadora que estava falhando, quando ouço um barulho na porta e de repente vejo Aurora me olhando com uma mão na maçaneta e outra segurando o celular desajeitadamente na orelha. Seu olhar era quase assassino e sua camisola de florzinha era extremamente curta, para a minha paz de espirito.

– Você estava o tempo todo atrás da porta, não é?

Aurora caminhou em minha direção, me fazendo usar os instintos de sobrevivência e o alerta de perigo, recuando rapidamente, mantendo um espaço razoável entre nós. Além de um móvel e vários calçados meus, como obstáculos entre ela e eu.

– Eu estava, mas foi por pouco tempo. – Não era exatamente uma mentira.Para mim, foi pouco o tempo.

– Eu estou congelando e você estava aí, de cueca samba-canção, muito bonita por sinal... Só rindo do meu desespero. – Ela me deu um olhar de raio-x que quase me fez colocar a mão para esconder as minhas partes.

Quando eu fui responder, um novo trovão retumbou e pude ver em seus olhos o pânico que ela sentiu. Seu corpo se encolheu, suas mãos correram automaticamente em direção aos ouvidos, para abafar o barulho e suas sobrancelhas praticamente juntaram-se em sua testa. Ela realmente tinha medo de trovão e não era um medo qualquer.

Sem me importar com qualquer coisa, quase corri em sua direção e a abracei. Colocando sua cabeça contra meu peito e tampando seus ouvidos. Senti seus braços trêmulos se agarrarem a minha cintura até que ela lentamente parou de tremer.

– Porque você não veio antes, quando começou a chuva? – Perguntei,quando Aurora se afastou um pouco do meu peito.

– Porque eu dormi ouvindo você tocar, então acordei depois de um tempo e você não estava mais tocando e eu só ouvia os barulhos da chuva. –Ela respondeu.

Senti seu corpo tremer novamente e então percebi que ela realmente estava gelada.

– Venha.Deite na cama, vou pegar um cobertor extra e deitar no sofá...

– Não...Não quero ficar sozinha. Por favor.

– Aurora,eu... Nós... Você sabe... – Eu não encontrei as palavras certas para dizer a ela que tinha medo que fosse tentação demais para mim.

– Eu prometo que não vou fazer nada. Podemos fazer até uma parede de travesseiros para que cada um fique do seu lado. Eu... Ela olhou para o chão e pareceu realmente envergonhada. Meu coração bateu um pouco mais forte. – Eu só não quero dormir sozinha.

– Tudo bem. – Cedi e fiz uma prece a Deus que me desse forças para resistir.

Ao entrar no meu quarto, Aurora caminhou até o meu guarda-roupa,abrindo-o e pegando dois travesseiros extras.

– Pelo visto você passou um pente fino no meu apartamento. – Falei tentando soar sério, mas falhando.

– Eu só arrumei a bagunça. Não tenho culpa se o apartamento inteiro estava uma bagunça.

Com mais rapidez do que eu imaginei que ela conseguiria, Aurora esticou o lençol, arrumou os travesseiros no meio da cama, esticou as cobertas e se deitou. Eu, meio embasbacado, fiquei o tempo todo parado ao lado da porta, apenas apreciando a visão dela em meu quarto. Parecia tão certo tê-la ali, arrumando a cama, vestida com aquela camisola e cabelos bagunçados. Assim que ela terminou de se ajeitar na cama,cobrindo até o pescoço, mas colocando os pés para fora da coberta,virou-se e apoiando-se em um cotovelo, olhou para mim.

– Sevai dormir em pé, pelo menos apaga a luz. – Ela falou antes de deitar novamente.

– Eu estava esperando você terminar todo o trabalho de arrumar a cama,antes de apagar a luz. – Respondi, fazendo exatamente o que disse.

Quando me deitei, ouvi Aurora resmungar algo que soou muito como'preguiçoso', mas não quis começar uma briga com ela. Porém,mesmo não querendo, a provoquei.

– Porque você deitou desse lado? – Perguntei quando deitei do meu lado da cama.

– Porque esse é o lado da cama em que eu durmo sempre.

– Mas essa é minha cama, eu poderia dormir desse lado também e nesse caso você estaria do meu lado da cama.

– Esse é seu lado da cama? – Aurora perguntou e mesmo no escuro percebi que ela estava ficando irritada só pelo seu tom de voz.

– Não,mas...

– Então deu desse assunto. Se esse não é o seu lado, então eu posso dormir aqui, e é isso que vou fazer. Boa noite.

– Que grossa. – Sorri. – Me acorda no meio da noite e agora, depois de conseguir se esgueirar pra minha cama porque está com medo de uma chuvinha, vem de grosseria pra cima de mim. Isso é maneira de agradecer?

– Eu poderia te agradecer com um boquete, mas acho que você não aceitaria.

– Auroraaa...– A repreendi e na mesma hora a ouvi rir.

– Eu estou me sentindo na Alemanha durante a segunda guerra. Esses travesseiros parecem mais o muro de Berlim. Eu não tenho travesseiros tão altos quanto esses.

– É que eu nunca os usei depois que ganhei da minha mãe.

– É estranho conversar com você, sem ver seu rosto. – Senti a cama se movimentando um pouco. – Posso tirar eles daqui?

– Eu acho melhor não.

Eu queria tirá-los também, mas tê-los ali me dava uma falsa impressão de que havia algo que me impedia de me aproximar demais.

– Como se eles fossem suficientes para me impedir de fazer algo... – Ouvi Aurora murmurar.

Tratei de mudar de assunto.

– Posso te fazer uma pergunta? – Perguntei.

– Acabou de fazer, mas vou ser boazinha e deixar você fazer mais uma.

Pelo visto eu não era o único que estava com humor para provocações.

– Quando você estava no corredor, você falou sobre estar em um barco em meio a uma tempestade. Isso realmente aconteceu com você?

Aurora começou a rir e a chacoalhar levemente a cama. Por um momento eu fiquei com raiva de mim mesmo por ter acreditado nela.

– Eu disse que quando você passasse por isso, era para me contar como se sentiria, porque eu nunca passaria, já que me recuso a entrar em um barco.

– Sabia que mentir é um pecado?

– Ei.Eu nunca menti. Você ouviu o que eu disse e interpretou errado. Eu nunca menti.

– Então qual o seu problema com os trovões? – Eu perguntei curioso.

– Essa já é a segunda pergunta e você só tinha direito a uma. Agora minha vez de fazer uma pergunta.

– Tudo bem, manda ver.

Comas mãos atrás da cabeça, aguardei a pergunta.

– Como foi viver em um seminário?

– É sério? Você vai me perguntar sobre o seminário? Achei que seria algo um pouco diferente.

Aurora riu novamente.

– Achoque eu iria perguntar alguma coisa de cunho sexual, né? – Ela não pareceu ofendida e agradeci por isso.

– Sou obrigado a confessar que pensei isso mesmo, mas vamos lá. Vamos à sua pergunta. – Parei e pensei um pouco, lembrando do meu tempo no seminário. – O seminário foi um lugar de descobrimento, de aprendizado e acima de tudo de aceitação. A disciplina é rígida,mas é um lugar de calma e silêncio. Da mesma forma que existiam momentos de completa paz de espirito, a quietude do lugar as vezes me sufocava. Era silencioso demais, quieto demais e aos poucos comecei ame sentir inquieto de uma forma que nem mesmo com toda a leitura e orações, conseguia acalmar meu coração. Foi então que comecei apensar em sair e conhecer o mundo de verdade.

Terminei de falar e esperei por ela para comentar alguma coisa, ou fazer mais alguma pergunta, mas para minha surpresa, Aurora ficou em silêncio por alguns instantes até que começou a falar.

– Quando meus pais se separaram, fui embora com meu pai para o Canadá. Eu já morava lá há alguns meses quando uma noite caiu uma tempestade imensa. Meu pai ficou preso em uma estrada que estava trancada devido a uma árvore ou algo do tipo, então eu estava sozinha dentro de casa durante a tempestade. As casas lá não são iguais as daqui. Lá eles não constroem a maioria das casas com tijolo e cimento como aqui, é um tipo de placas e mantas e sei lá mais o que. Durante a tempestade a casa toda fazia um barulho como se fosse desmontar. Os raios e trovões me davam a certeza que a casa iria cair na minha cabeça. Eu corri e me escondi no porão. Meu pai me encontrou lá,quatro horas depois, encolhida e chorando. Eu tive uma crise de pânico e depois desse dia, meu pai só ia trabalhar depois de conferir se havia previsão de tempestade. Eu nunca mais fiquei sozinha em um dia de tempestade, até hoje. E hoje só fiquei sozinha, porque a previsão que eu vi na televisão dizia que ia chover, mas não que iria ter uma tempestade com raios.

– Não se pode acreditar totalmente na previsão do tempo que passa na televisão. Eles sempre erram.

Comentei,tentando soar animado e aliviar o tom melancólico da voz da Aurora.Quando ela apenas respondeu com um tímido e desanimado 'sim',meu coração se apertou. Uma necessidade absurda de abraça-la cresceu e se alojou dentro de mim. Mandando o bom-senso as favas,tirei os travesseiros que nos separavam e com uma mão em seu pescoço e outra em seu braço, a puxei para o meu ombro. Eu só iria abraça-la um pouco, disse a mim mesmo.

– Pelo visto o muro de Berlim caiu. – Ela comentou, enquanto se aconchegava em meu ombro.

– Sim,a guerra acabou. – Sorri.

Mesmo sem querer, senti o cheiro de seus cabelos. Aurora não cheirava afrutas, ela cheirava a algo mais amadeirado. Algo que eu não conseguia identificar.

– Achoque agora é a sua vez de perguntar. – Falei, tentando puxar minha mente para outras coisas que não fosse o seu cheiro e sua proximidade.

Ela pensou um pouco antes de perguntar, me deixando nervoso. Algo me dizia que eu já sabia qual seria a pergunta dela e eu não estava enganado.

– Porque o celibato?

– Quando nós estamos no seminário, estudamos muito e entre os estudos está a Bíblia, claro. Na Bíblia há algumas passagens que falam sobre se guardar e sobre respeitar a virtude até que você esteja casado. No início eu não pensava sobre isso, apenas aceitava como certo, já que iria ser padre e esse é um dos requisitos básicos. Então quando comecei a repensar minha vocação, repensei até mesmo isso.Como pode um ato de amor entre duas pessoas ser considerado pecado,só porque não foi oficializado? Deus é onipresente, então ele está vendo que as duas pessoas se amam e estão apenas demonstrando o amor mutuo através das relações sexuais, não é mesmo? – Eu não esperei Aurora me responder. – No domingo de dia das mães o seminário nos permite passar o final de semana em casa. Quando cheguei em casa, o assunto do momento era uma menina de dezesseis anos que estava grávida de um garoto de vinte e dois. Esse garoto,depois de engravidar a menina, sumiu no mundo. Foi aí que percebi que nem todo mundo fazia sexo por amor.

– Então você fez o seu voto antes de sair do seminário?

– Sim.Pouco antes de sair.

Mesmo sem perceber, Aurora começou a acariciar meu peito. Mesmo sobre a camiseta que eu usava, sua caricia me trazia paz e tranquilidade.

– Tenho que confessar que achei que fosse mais uma forma de se punir por ter saído do seminário que a sua mãe queria tanto que você fizesse.Meio que uma moeda de troca. Sua virtude até o casamento, em trocada liberdade.

– Não.Foi mais uma forma de ter certeza de que vou escolher a pessoa certa para mim, antes de resolver dividir minha vida e descobrir todos os prazeres da carne.

– Como você vai ter certeza? Meus pais foram casados por mais de vinte anos antes de se separarem. Aposto como eles se consideravam apaixonados ealmas gêmeas no começo, mas com o tempo o amor acabou e com isso o casamento foi se desgastando.

– O amor nunca acaba Aurora. A paixão acaba, a luxuria acaba, mas o amor não. O amor precisa ser cultivado. Os problemas precisam ser enfrentados e solucionados pelos dois. Os casamentos acabam quando um problema se transforma em um precipício que separa o casal. É preciso diálogo, companheirismo e lealdade para passar pelos problemas.

– Para um cara que nunca namorou, você é muito sábio. Queria saber de onde você tirou tudo isso...

– Livros de autoajuda... – Respondi um tanto quanto envergonhado, mas Aurora me surpreendeu ao rir.

– Acho que agora eu já vou conseguir dormir. A chuva diminuiu. – Aurora bocejou e se ajeitou mais um pouco em meu ombro.

– Eu posso fazer minha última pergunta de hoje? – Perguntei um tanto quanto inseguro, pois era a pergunta que vinha me deixando nervoso há dias.

– Claro...

– Porque você aceitou se envolver com alguém como eu? Por que abrir mão do seu estilo de vida, de todos os caras que você conhecia e trazia para o seu apartamento, para ficar comigo que não vou nem te beijar?Não antes de casar, pelo menos. Eu só não consigo entender. Você é linda, pode ter o homem que quiser e está abrindo mão disso para ficar com um cara que você nem conhece direito, que discute com você o tempo inteiro e ...

Aurora colocou a mão sobre a minha boca, me calando.

– Eu tive homens lindos na minha cama, homens que mereciam ser capa de revista, mas que quando o sexo acabava, não eram capazes de me fazer ter vontade de ficar assim, deitada e conversando sobre tudo e sobre absolutamente nada, como estou fazendo com você. Na maioria das vezes quando a transa acabava, eu estava sexualmente satisfeita, mas me sentia frustrada, quase como se estivesse sentindo falta de alguma coisa. Por isso nunca dormi com ninguém, pois me sentia inquieta e irritadiça. Já fazia algum tempo que eu vinha repensando minha vida, o que foi um dos motivos que me fez voltar para o Brasil.

– E por que eu? Por que não procurar um cara que vá te dar o sexo que você precisa, mas com a conversa e o algo a mais que você quer?Seria só uma questão de procurar um pouco...

– Miguel,você me instiga, me desafia e me faz pensar. Por sua causa, eu passei dois dias na internet pesquisando palavras com mais de quinze letras. Por sua causa eu comecei a prestar atenção na quantidade de palavrão que eu falo e na minha forma de agir com as pessoas. Você me faz rir, me fez confiar em você ao ponto de te contar que trovões são a minha criptonita. Além disso, você é encantador, cavalheiro e tem uma bunda incrivelmente sexy, então eu que te pergunto, porque não você?

Foi instantâneo, quando ela terminou de falar, meus braços a rodearam com força, dando um abraço tão apertado que seu rosto se levantou e senti seu hálito próximo do meu. Ao perceber a proximidade dos nossos rostos, ambos ficamos tensos e mesmo no escuro, eu poderia vislumbrar os contornos do seu rosto. As batidas do meu coração aceleraram tanto que uma escola de samba tocando o funk do creu velocidade cinco não conseguiria chegar próximo à rapidez das minhas batidas cardíacas.

Eu tentei respirar profundamente e assim clarear minha mente, mas a cada inspiração dos meus pulmões, tudo o que eu conseguia era sentir que Aurora cheirava divinamente bem. Quando eu achei que as coisas já não estavam certas com a minha mente, Aurora fez uma coisa que piorou tudo, ela acariciou meu rosto lentamente, me fazendo fechar os olhos e apreciar o toque sedoso dos seus dedos. Quando ela baixou amão, parando com a caricia, senti uma necessidade urgente de continuar sentindo o toque da sua pele sedosa em meu rosto. Sem pensar, aproximei meu rosto do dela e esfreguei minha bochecha na dela bem lentamente. Seu suspiro tremulo me causou um arrepio e um desejo avassalador.

– Me perdoe Deus, mas eu vou pecar.

Murmurei antes de roçar meus lábios nos dela, como eu vinha desejando desde a primeira vez que a vi. Eu não sabia exatamente o que fazer, então fechei os meus olhos e tentei fazer como vi nos filmes e nos livros  que li. Com delicadeza dei pequenos beijos em seus lábios e quando senti que ela os abriu, passei minha língua em seus lábios bem lentamente, provando o sabor de sua boca. Senti que Aurora inclinou seu rosto, inclinei o meu para o lado contrário, para que houvesse um encaixe melhor, mas então eu não sabia mais o que fazer. Eu deveria colocar minha língua dentro da boca dela? Será que eu estava fazendo tudo errado? Eu estava inseguro.

Quando eu comecei a recuar, Aurora voltou a colocar a mão em meu rosto e senti sua língua tocar a minha, dentro da minha boca. Era quase como uma brincadeira de pega-pega entre nossas línguas, ou como uma dança. Era estranho, mas ao mesmo tempo era tão bom. Eu estava quase pegando o jeito, quando Aurora mudou a inclinação do rosto e do seu corpo todo, ficando parcialmente em cima de mim. Seu seio pressionado contra o meu peito, fazendo o meu corpo ainda mais consciente do corpo dela.

Eu já estava muito mais excitado do que havia estado em toda a minha vida, mas quando Aurora mordeu de leve o meu lábio, todo o sangue se direcionou para uma parte específica e muito acordada do meu corpo.Eu deixei de pensar em qualquer coisa que não fosse a continuação do beijo e conseguir o máximo possível daquele momento. Meu desejo se multiplicou exponencialmente e atingiu níveis que nunca imaginei.Aprofundando, ou tentando aprofundar o beijo, eu me inclinei sobre a Aurora, colocando-a deitada sobre a cama e pairei sobre ela. Nossos lábios nunca se deixando. Quando senti as mãos da Aurora em meu peito, levei um instante para perceber que ela estava me empurrando e desviando o rosto do meu.

– Para,Miguel. Por favor. – Ela pediu, sem folego.

– Oque foi? Eu te machuquei? Fiz alguma coisa errada? – Perguntei assustado, me afastando um pouco dela.

– Você está excitado, esse é o problema. Você está excitado e não está pensando com a cabeça de cima, o que é típico dos homens. – Aurora sentou na cama e tomou algumas respirações. – Eu nunca achei que iria recusar um homem por quem eu estou afim, mas eu sei que quando amanhecer você irá se arrepender. Eu me sentiria horrível por ter feito você quebrar o seu voto. Desculpa Miguel,mas eu não posso fazer isso e conviver com a culpa pelo seu arrependimento. Eu me importo demais com você para te ver se sentindo miserável por ter cedido à tentação.

Suas palavras foram o suficiente para me fazer pular da cama e colocar o máximo de distância entre nós. Não tive nem coragem de me perguntar onde eu estava com a cabeça, pois eu sabia muito bem onde ela estava.

– Onde você vai? – Perguntei assim que vi Aurora começar a se levantar.

– A chuva diminuiu. Vou voltar para o meu apartamento. Acho que agora nós dois precisamos de um pouco de espaço.

Sua voz estava grossa e diferente, mas com a luz ainda apagada, eu não conseguia ver o seu rosto e tentar descobrir o que estava acontecendo.

– Aurora,você não precisa ir... – Comecei a falar enquanto caminhava até o interruptor e acendia a luz.

Depois de alguns instantes me ajustando a claridade, peguei o instante exato em que Aurora enxugava uma única lágrima.

– Aurora,você...

– Não,Miguel. Eu não vou ficar aqui. Você precisa clarear sua mente e comigo aqui só vou dificultar as coisas para você. Obrigada por tudo. Nos vemos amanhã...

Ela já passava por mim e pela porta, quando segurei seu braço e a fiz olhar para mim. Seus olhos estavam vermelhos e marejados, ela realmente estava chorando ou à beira do choro.

– Oque eu fiz? – Perguntei querendo saber por que ela estava chorando.Era obvio que suas lágrimas eram culpa minha.

– Você não fez nada. Criança que nunca comeu doce, quando come se lambuza.– Ela deu um sorriso totalmente forçado, soltou seu braço,caminhou em direção à porta da sala, pegando suas chaves no caminho. – Boa noite, Miguel.

Quando a porta bateu fechada, eu ainda estava me sentindo atordoado e confuso. Depois de ter dado o meu primeiro beijo e quebrado parte da minha promessa de celibato, tudo o que eu podia pensar era no olhar triste da Aurora quando ela saiu do meu quarto. Por algum motivo, ao invés de me sentir culpado por ter caído em tentação, eu me sentia feliz ao pensar no beijo que Aurora e eu trocamos. Minha felicidade só não era maior por causa de um par de olhos tristes emolhados que não saiam da minha mente. Ainda caminhando pelo quarto,tentei pensar no que eu tinha feito, mas não consegui entender.

Ao olhar para o relógio, vi que passava das cinco da manhã. Já que eu não iria dormir muito aquela noite, o melhor que eu tinha a fazer era tomar um banho, pois assim clarearia mais a minha mente. Embaixo dos jatos d'água, repassei parte da nossa noite. Relembrei tudo oque Aurora me disse e tentei relembrar o que aconteceu quando ela interrompeu o nosso beijo. Não consegui perceber qual foi o motivo das lágrimas, da mesma forma que não consegui me sentir arrependido por beijá-la, mesmo que ela não tenha falado nenhuma vez que me amasse ou sentisse algo verdadeiro por mim.


*~*~*~*


Recado:

Conseguimos um intervalo entre uma festa e outra para dar um pulo aqui e postar mais capítulos pra vcs... Semana passada marcamos bobeira, mas com a correria com a preparação da comilança do natal, não tivemos tempo. Para compensar, essa semana vamos ter 3 capítulos.

Esperamos que vocês nos desculpem pelo atraso.

Beijos e se preparem para os próximos capítulos...




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