Joe
Preciso fazer alguma coisa. Já bati no meu pai, passei a noite bebendo e me descabelando, mas nada disso vai trazer a Julie de volta. Vou começar cuidando dela, porque não tem ninguém para fazer isso. Sei que não vai aceitar minha ajuda, mas ela não precisa saber. Vou dar um jeito.
Quando chego no apartamento, quase não consigo mais carregar minhas pernas de tanta canseira e ressaca. Preciso de um banho e uma cama, mas tenho que resolver algumas coisas antes.
Ligo para Norma e peço que marque uma reunião com Leandro, o meu braço direito nos negócios e na administração da empresa.
- Norma, fala para ele vir agora no meu apartamento. Vou só tomar um banho e já estou esperando por ele.
- Mas, Senhor Joe, hoje é domingo. Ele deve estar com a noiva.
- Não me interessa! Quero ele aqui agora, ou não precisam nem voltar para o escritório amanhã, você e ele! Os dois estarão demitidos se ele não estiver aqui em meia hora! - desligo o telefone. Sei que fui duro, mais não posso me dar ao luxo de ser educado hoje. Na verdade, eu não sou nunca. Hoje então... Estou sem paciência.
O interfone do apartamento toca e o porteiro anuncia que Mike está subindo.
Não quero nem pensar no que disse para ele enquanto estava bêbado. Mas já vou descobrir. Não posso sujar minha imagem assim.
Quando abro a porta, ele já entra gritando e me abraça.
- Cara, fala pra mim que meu amigo Joe está de volta. Porque alguém pegou seu celular e falou horrores pra mim. Não posso nem repetir, mas se tratava de mulheres e suicídio.
- Oi para você também, Mike. Estou ótimo, obrigado por perguntar. Mas ninguém roubou meu celular. Fui eu que te liguei e estou precisando de ajuda.
- Ah, meu Deus do céu, ele não voltou... Mas já entendi, você está doente. Febre. - ele diz, encostando a mão na minha testa.
- Você está péssimo, Joe. Eu li uma reportagem sobre uma doença dessas raras. A febre provoca espasmos e amnésia. Mas, como um bom amigo, vou te lembrar do verdadeiro e inatingível Joe Hesgher, mais conhecido como coração de gelo. Ele é o cara. Sai cada dia com uma mulher diferente, e no outro dia sabe o que acontece? Ele não lembra mais nem o nome dela. Amnésia total.
- Deixa de ser idiota, Mike, e escuta onde eu me meti, cara, porque se você continuar falando desse jeito vou dar um soco na sua cara.
Então ele desiste e me escuta. Conto tudo resumidamente para ele. As suas fisionomias são hilárias.
- Eu achei que nunca presenciaria esse momento, Joe, meus pêsames. - ele diz, estendendo a mão. - Você tá ferrado.
- Aliás, qual o seu problema, Mike? Eu precisando de um amigo e você com uma mulher!
- Não deu para resistir. Pensa em uma mulher linda. Mesmo bêbada, chorando e vomitando, era a coisa mais gostosa do mundo.
- Nossa, Mike, você tem sérios problemas. Deixa seu amigo na mão, desesperado, porque estava transando com uma mulher gostosa.
- Esse foi o problema. Eu não dormi com ela, Joe. Ela era virgem. Dá para imaginar uma mulher com uns 25, 26 anos virgem? E ela era muito gostosa. E, por uma incrível coincidência, ela também chama Julie.
- Vai, conta outra, Mike. Ela está te enrolando direitinho para te levar para a cama, cara, e você caiu. Pelo menos a minha Julie é sincera. Falou na lata. Trinta. E eu não consigo ser nem o 31. Me ajuda, Mike, preciso cuidar dela e manter ela bem, até eu conseguir consertar essa merda toda que eu fiz.
- Se é sério o lance, eu te ajudo, Joe. Só me falar. Não vem com papo meloso para o meu lado, que eu não virei mocinha igual você. - ele ri com a piada. Mike sempre foi assim, nunca consegue levar nada a sério, a não ser o trabalho. É um dos advogados criminalistas mais respeitados de São Paulo. Junto com seu pai, construíram um império, a MH advocacia.
O interfone toca. O Leandro chegou. Peço para o porteiro deixar ele subir.
- O que o Leandro está fazendo aqui em pleno domingo?
- Eu quero comprar o prédio em que a Julie está morando.
Mike está tomando um uísque e engasga.
- Você quer o quê?
- Comprar o prédio em que a Julie está morando.
- Você pirou? Vai dar um prédio para a mulher? Joe, você é dono do "Grupo Hesgher", não do Magazine Luiza, é lá que eles dão prédios para as pessoas. Compra, sei lá, um carro. Ela já vai ficar bem feliz.
- Eu não vou comprar o prédio para ela, embora adorasse. Só que ela nunca aceitaria isso. – digo, enquanto abro a porta para o Leandro.
- Você deve ter um bom motivo para me trazer aqui hoje. Se não, eu vou me demitir agora. Eu estava no shopping com a Mel.
- Então deveria me agradecer, Leandro, porque shopping é coisa de mulher, não de macho.
- Olha o machão babão falando aí! - Mike aponta para mim. Tudo para ele é uma piada, ele nunca cresce.
- Senta aí e se serve de uísque como o mal-educado do meu amigo já fez. Eu vou explicar: eu quero comprar um prédio, Leandro. Vou te passar o endereço e você procura o dono.
- Um prédio? Você vai montar alguma franquia lá?
- Não é comercial, o local. É residencial.
- Nossa, mas isso vai ser complicado, porque geralmente esses locais tem vários donos, cada apartamento de um. É melhor você procurar um lugar mais acessível.
- Não, eu quero esse. Ofereça o que for preciso para cada um, pague o dobro do que vale. Depois contrate para ontem uma equipe de construção e mande refazer o local. Tudo, coloque portaria, reforme os apartamentos. Faça o que for necessário para ser o mais bonito da região. Não quero que ninguém saiba meu nome, entendeu?
Os dois parecem chocados e sem palavras.
- Depois converse com o síndico e diga que todos os apartamentos alugados diminuíram pela metade o valor do aluguel. Também contrate uma equipe de segurança para tomar conta do local.
- Só isso, Joe? Não quer que construa também um parque aquático e um heliporto? - Mike pergunta com ironia.
- Heliporto é uma ótima ideia, mas o prédio não teria estrutura.
- Joe, eu tô brincando, você está louco! Onde eu entro nessa história? - Mike pergunta, confuso.
- Você? Não sei ainda, por enquanto você não serve para nada, nem como ombro amigo, você não serve. Parece um palhaço, tudo é piada para você.
- Não vai me ofender cara. Você sabe, né? Sou muito sentido e choro à toa. - outro ataque de risos. Não dá, ele está me irritando.
- Mike levanta essa bunda do meu sofá e vai atrás da sua virgem de 25 anos. Quando você cair nessa armadilha, me liga para contar.
- Nossa, Joe, só dá para ser seu amigo porque... Porque... Não sei o porquê, cara, você é uma mala.- então se levanta e vai embora.
- Vamos continuar, Leandro. Quero que você providencie para amanhã.
- Só, Joe? Mais nada mesmo que você queira acrescentar?
- Nossa, Leandro, outro Mike aqui não. Chega de ironias. Resolve isso já hoje. Amanhã cedo quero estar a par de tudo. Eu vou ser eternamente grato a você.
- Só gratidão? E aquela viagem especial que você me prometeu como padrinho de casamento?
- É muita cara de pau sua, né? Mas tudo bem, manda a Mel escolher o destino e me avisa.
- Dubai. Ela quer Dubai, Joe.
- Puta que pariu, Dubai que ela quer? Não tem outro padrinho para você falir não?
- Tem o Mike, mas ele disse que o máximo que ele pode dar é até a Argentina. Com todo aquele dinheiro, vê se pode. Só tem vocês dois de padrinhos do meu lado.
- Se você conseguir o prédio até amanhã, eu pago a viagem para Dubai naquele resort 6 estrelas.
Leandro se levanta e me abraça.
- Eu sei que no fundo, bem lá no fundo, você tem um coração mole, Joe. Tô indo, vou ver o que faço.
Ligo para Norma de novo.
- Norma, amanhã, assim que você chegar no escritório, converse com o pessoal do RH. A minha nova assistente quer se demitir e, como já estava contratada, vai precisar arrumar toda a papelada. Depois converse com eles sobre a possibilidade de ela ter que cumprir aviso prévio. Quero que ela cumpra. Quero tudo isso acertado antes das oito da manhã, quando Julie Orner chegar, quero todos os papéis na minha mesa. Também avise para pagar dez vezes mais o que ela tem direito a receber.
- Vou ver o que consigo, Hesgher, porque o pessoal do RH entra às oito. Vou entrar em contato e remanejar os horários.
- Obrigado, Norma.
Um mês com Julie sendo obrigada a estar do meu lado vai ter que ser o suficiente para reconquistá-la. E eu vou começar amanhã.