COMPLETO - OS LEGADOS DO SOL...

By MurilloMagalhaes

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LIVRO COMPLETO Em nosso mundo conturbado vivenciamos algumas situações diferentes ao nosso redor. Mas nunca n... More

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O Sol e a Lua
Epílogo - Os Legados do Sol e da Lua

Império do Brasil - 1705

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By MurilloMagalhaes

Império do Brasil, 1705

Fazia calor naquele fim de tarde, a senzala estava quieta. Mais um negro havia sido assassinado pelas mãos de Francisco, o capataz da Fazenda Santo Antônio. O cheiro de morte pesava sobre a fazenda, trazendo dor e tristeza aos escravos. Sangue e suor manchava o quintal de terra batida.

Os sons dos atabaques e tambores anunciavam aos orixás que mais um de seus filhos estava voltando aos seus braços, a cantoria triste pedia para que guiassem seu filho através da luz e o afastassem dos espíritos maus e da escuridão.

Luana chorava a morte de seu irmão, suas lágrimas escorriam pelo seu rosto e caíam no chão de terra enquanto limpava o sangue seco dos grilhões com suas pequenas mãos calejadas. Os mesmos grilhões onde seu irmão havia sido mantido preso e violentamente assassinado.

Seu irmão era um homem bom, não merecia morrer daquela forma, surrado e humilhado. Ele era forte, não tinha derrubado nenhuma lágrima enquanto era chicoteado até os ossos pelo maldito capitão do mato, coisa que irritou ainda mais Francisco, que chicoteou o pobre negro até a morte.

Luana se sentia culpada da pela morte do irmão, afinal ele tinha lhe defendido quando o capataz, bêbado até os ossos, fedendo a cachaça lhe agarrou e tentou violar a única coisa que tinha de preciosa. Esse foi o último ato de bom coração do irmão.

Luana era linda, todos tinham olhos para ela agora que seu corpo estava tomando forma de uma mulher. Era bela como a Lua, por isso, sua mãe lhe deu esse nome quando pequena. Seus olhos castanhos claros, atenuava ainda mais a sua beleza. Os negros da fazenda viviam lhe oferecendo favores para ganhar um sorriso daquela negrinha.

Com a perda do irmão, Luana só tinha a sua tia Naná como família, uma negra velha e sábia sobre as coisas da vida. Naná era irmã da mãe de Luana, e desde a morte de sua irmã, cuidava de sua sobrinha como se fosse sua própria filha. Tentava ensinar a ela como o mundo funcionava, como era violento e maldoso com os negros.

Depois da limpeza no terreiro, Luana voltou a senzala com o rosto manchado com uma mistura de lágrimas e poeira. Correu para os braços de Naná, e ali encontrou o conforto para chorar a morte de seu único irmão.

- Calma minina Luana, vassuncê sabe qui esse é o distino di tudo os nego da fazenda. Uma hora ou outra o pió ia di acontecê, pelo menos ele tá num lugá mió que nóis. - Disse a velha senhora acalmando sua sobrinha. - Mais chora minina, podi chorá a vontade, limpa esse seu coraçãozinho di toda maldade qui vassuncê viu.

- Ai tia Naná, ele num merecia isso não. - Desabou Luana.

- Minha fia, vassuncê ainda tem muita coisa pa vivê na vida, tem muita coisa pa sofrê. Tudo os nego vai sofrê, essa é a única certeza que nóis tem.

Luana deitou se sobre a palha e chorando, adormeceu.

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Alguns meses depois, os sons dos cascos dos cavalos chegaram aos ouvidos de Floriano, senhor da Fazenda Santo Antônio. Velho, calvo, baixo e rechonchudo, essas eram as principais características de um dos homens de negócio mais requintado de toda alta sociedade, além disso, era um pai amoroso e visto. Havia dias que aguardava notícias sobre seu filho Juliano, que partira ainda menino para estudar na Capital. Foi até a soleira da casa grande e viu seu menino, que nos últimos anos havia se tornado um homem feito, descer do cavalo.

- Juliano! Juliano! Não sabes como estou feliz em vê-lo!

Floriano olhava para o filho e não via mais aquele moleque que corria pela casa, via agora um homem capaz de receber sua herança e cuidar dos seus negócios. Juliano havia mudado muito em apenas um ano, e num piscar de olhos passou de menino franzino a homem forte, bonito, gentil, e de olhos verdes e profundos. Tinha completado 18 anos dois meses atrás, e estava pronto para cuidar dos negócios do pai.

- Pai! Como é bom revê-lo! Senti falta de nossas conversas! - Disse Juliano abraçando se ao pai.

Floriano olhou com orgulho para o filho.

- Vamos, saia desse sol. Vamos entrar que vou falar pra Inácia fazer um suco bem gelado pra ti.

Juliano caminhou em direção a porta e olhou para a fazenda. Milhares de lembranças de sua infância tomaram sua mente e agora ele sabia que nunca mais iria embora novamente daquele lugar que tanto amava.

Floriano entrou berrando pela sua escrava.

- Inácia!! Ô Inácia!! Cadê vosmecê mulher!

Inácia entrou pela porta da sala.

- Inácia, prepara um suco bem gelado que o Juliano chegou agora da Capital!

A negra apenas acenou com a cabeça e voltou para a cozinha.

- E como andam as coisas aqui na fazenda, meu pai? - Juliano havia voltado ansioso para ajudar o pai e tomar as rédeas da fazenda.

- A colheita do café esse ano foi uma das melhores que já tivemos, vamos lucrar bastante esse ano. Temos algumas encomendas já pagas e prontas para serem entregues.

Floriano estava orgulhoso pelo interesse de seu filho nos negócios da família. Era para isso que tinha criado o filho, para que pudesse ter uma morte tranquila, sabendo que a fazenda estaria em boas mãos.

A conversa se estendeu noite a dentro, Floriano estava impressionado com a cultura que seu filho havia criado na sua longa estadia na Capital. Juliano falava de negócios, de compra e venda, e pensava em até começar algo com o gado que havia na fazenda. Contou para o seu pai sobre seus encontros com pessoas importantes no império, o que deixava seu pai ainda mais orgulhoso. E logo, como todo pai, Floriano direcionou a conversa para um assunto mais íntimo. Questionou Juliano sobre quantas mulheres havia tido na Capital, já que havia saído virgem da fazenda há alguns anos atrás.

- Meu pai, isso é lá pergunta que se faça? - Respondeu Juliano envergonhado.

- E por que eu não perguntaria? Quero saber da virilidade de meu filho! - Disse Floriano sorrindo com o espanto do filho. - Estou ficando velho, meu filho, preciso de netos! Quero crianças para contar histórias, quero netos para ensinar a cavalgar!

Juliano riu se dá situação embaraçosa em que seu pai havia lhe colocado.

- Fique tranquilo meu pai, terás netos! Muitos deles, pode ter certeza.

A noite já estava alta quando após o jantar, Juliano decidiu deitar-se, afinal, estava muito cansado da viagem. Subiu as escadas e abriu a porta de seu antigo quarto. Uma imensa nostalgia tomou a sua mente, lembranças e cheiros da infância surgiram e inundaram seu corpo. Tudo estava exatamente igual, precisaria mudar algumas coisas para que o quarto de uma criança, pudesse agora abrigar o homem que havia se tornado.

Estava calor a noite, era um dos verões mais quentes de sua vida. Despiu-se de suas roupas de viagem e, somente com as roupas de baixo abriu as portas da grande sacada que havia em seu quarto. Conseguia ver a fazenda inteira dali. O pasto, a senzala dos escravos no terreiro, e a plantação de café, que se perdia de vista, tudo podia ver. Olhou para a senzala, sabia o que procurava ali...

Luana...

Não saíra correndo para vê-la assim que chegou, pois seu pai não podia nem imaginar que ele, um rapaz de família, branco e inteligente se misturasse com aquele tipo de gente.

Juliano conhecia Luana desde que se entendia como gente, e a simpatia que sentia por ela o fez crescer e acreditar que os negros também eram humanos, que eles não eram como lhes era ensinado pelos pais e pelo império, por isso tratava os escravos da melhor maneira que lhe era possível, mas é claro, nunca na frente de seu pai. Luana havia se tornado sua melhor amiga, e sempre que voltava a fazenda, dava um jeito de escapar para vê-la, ouvir suas histórias e lhe contar as suas aventuras na Capital.

E amanhã não seria diferente.

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Assim que ouviu a comoção na fazenda, Luana correu para a frente da casa grande, sabia que Juliano estava chegando e precisava vê-lo. Estava com muita saudade do único amigo que já tivera na vida. O sorriso estampado em seu rosto, demonstrava a felicidade que sentia enquanto corria com os cabelos balançando ao vento e os pés descalços em direção a casa grande. Chegou a tempo de ver seu adorado amigo na soleira, ela havia se escondido atrás de uma laranjeira, já que não queria ser descoberta por ninguém. Sabia que Juliano encontraria um jeito de lhe encontrar.

Juliano estava muito diferente aos olhos de Luana, afinal, a última vez que ele havia visitado a fazenda fora há 2 anos. Ele estava mais alto, com uma barba rala e loura cobrindo seu rosto, rosto o qual estava mais másculo, mais sério. Luana percebeu como Juliano estava mais forte. Os ombros e os braços com os músculos bem definidos a mostra, faziam Luana sentir algo que nunca havia sentido. Luana se envergonhou do que estava sentindo pelo seu amigo e correu de volta a senzala. Ainda tinha que encher as latas com água do rio para o banho dos senhores.

Luana passou o restante do dia tentando entender o que estava sentindo, pois tinha certeza que não era correto. Juliano era senhor da Fazenda Santo Antônio e ela uma escrava. Nem se ela fosse negra forra, o sentimento de Juliano por ela, nunca seria o mesmo.

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- Luana... - Chamou Juliano baixinho. - Você está aí?

Como era de costume, sempre que Juliano visitava a fazenda, os dois se encontravam no lago ao final da tarde, quando as obrigações de Luana já haviam acabado. Aquele lago tinha um significado especial para os dois. Fora ali, que Luana tinha conversado com Juliano pela primeira vez.

- Luana? - Juliano virou-se, tinha ouvido um barulho em um arbusto ao seu lado.

Nenhuma resposta.

Andou na direção do som e a encontrou, sentada na grama com os pés a tocar o lago.

Luana estava mais bela do que lembrava, seu corpo havia se tornado o de uma mulher, seus cabelos encaracolados escorriam sobre as costas e sua pele morena reluzia com o sol do entardecer.

- Belo pôr do sol. - Disse Juliano assustando Luana.

- Vosmicê mi assustou, Juliano. - Respondeu Luana correndo aos braços de Juliano. - Tava com sôdadi!

Juliano retribuiu o abraço, sentindo os seios pontudos de Luana contra o seu tórax.

- Mi conta Juliano, como foi na Capital? Por que não veio antis? - Luana estava animada com o retorno do amigo, somente ele poderia alegrar o seu coração.

- Aprendi muitas coisas diferentes, coisas que me abriram os olhos e a mente para o novo mundo que está por vir. - Juliano estava impressionado em como aquela negrinha magrela poderia ter mudado tanto em poucos anos. - Eu queria ter voltado antes, mas os estudos me prenderam lá por mais tempo do que eu pretendia.

Luana olhava para Juliano com um misto de encantamento e excitação.

- Fiquei sabendo o que aconteceu com o seu irmão. - Continuou Juliano. - E eu sei que nada do que eu possa falar vai curar a sua dor, ou trazê-lo de volta. Mas eu lhe prometo, comigo aqui na fazenda, os negros terão uma vida melhor e eu nunca vou deixar que algo aconteça contigo.

- Vida mió, qui vida mió Juliano? Aqui na fazenda nóis já tamo calejado di saber o distino di tudo os nego. Nóis vamo sofrê, e adispois vamo tomá o caminho que todo homi e muié toma.

A lembrança da morte do irmão há alguns meses atrás, trouxe lágrimas aos seus olhos, deixando os ainda mais brilhantes.

- Eu sei o que estou falando Luana, há boatos de que os escravos serão libertados logo. E se depender de mim, eu lutarei para que isso aconteça. - Juliano a segurou pelos braços e a olhou demoradamente.

Luana se sentia tonta, o olhar de Juliano a prendia completamente lhe deixando com falta de ar conforme ele aproximava a boca da sua. O corpo de Luana tremeu quando os lábios quentes e úmidos encostaram nos seus, e com um gemido de prazer se entreabriram aceitando o beijo de Juliano e retribuindo com voracidade.

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Os encontros noturnos de Juliano e Luana, se tornaram constantes, o que levantou a suspeita de seu pai, Floriano, de que seu filho estaria se engraçando com uma das negras. A princípio deixaria que seu ele se encontrasse com a negrinha, faria bem a virilidade do filho, mas arrumaria um bom casamento para que ele pudesse ter uma boa família, uma boa vida e um bom legado para deixar.

Quando estava longe de Luana, Juliano sentia a falta dela. Sentia falta dos carinhos, dos abraços, de seus corpos entrelaçados a luz da lua. Queria fazê-la forra, iria comprar a sua liberdade e fazê-la sua mulher. Sabia que seria complicado e que seu pai não aceitaria de primeira, mas tinha certeza que ele entenderia. Seu pai sempre foi um Senhor bom aos seus escravos, e ás vezes dava liberdade ao capataz Francisco para que ele surrasse algum negro somente para não ser visto como um Senhor bonzinho demais. Se houvesse algum homem no mundo que o entenderia, esse homem era seu querido pai.

Tomou a decisão. Iria ter com seu pai após o jantar, já que normalmente, todos ficam mais receptivos de estomago cheio. Nessa noite jantaram a sós, Juliano e seu pai, o que era diferente do que estava acostumado, a grande maioria das vezes estavam acompanhados de visitas ilustres e importantes. Juliano aguardou as escravas recolherem as louças, tomou uma grande dose de coragem e iniciou a conversa.

- Pai, tem algo importante que eu quero lhe falar. - Juliano nunca esteve tão nervoso em toda a sua vida.

- Pois diga meu filho, sou todo ouvidos quando é algo que meu filho queira conversar.

- Pai, eu.... Fico meio sem jeito de falar... - Juliano queria nunca ter começado aquela conversa.

- Desembucha Juliano. Aconteceu alguma coisa? - Floriano estava começando a ficar preocupado.

Juliano respirou fundo e seguiu a ordem de seu pai, desembuchou.

- Eu quero comprar do senhor a liberdade da negra Luana. - Falou tão rápido que nem ele tinha entendido direito o que disse.

- Como é Juliano?! Vosmecê perdeu a cabeça meu filho?! - Disse Floriano - Eu já sabia que você estava se enroscando pelo terreiro a fora com essa negrinha molambenta, mas a ponto de comprar-lhe a liberdade?! Que macumba foi essa que ela lhe jogou?!

Floriano bateu com os punhos em cima da mesa.

- Não perdi não, meu pai, só quero fazer o que acho certo, o que é bom para o meu coração. E o que meu coração pede é pela Luana. Quero comprar a liberdade dela e fazê-la minha esposa.

- Meu filho enlouqueceu de vez! Ô Inácia! Ô Inácia! Manda o Francisco buscar o Dr. Armando pra ver se ele receita algo pra cabeça desse moleque.

Juliano nunca havia visto seu pai tão nervoso. O tom da pele passara do branco ao vermelho em questão de segundos.

- Não me chame de moleque!! Sou um homem e sei o que quero da minha vida! Não estou enlouquecendo, estou seguindo o que eu quero, seguindo quem eu amo! O senhor mesmo me ensinou a lutar pelo que quero! - Gritou Juliano com seu pai pela primeira vez em sua vida.

Floriano levantou-se da mesa e saiu, deixando o filho sozinho na grande mesa de jantar.

Juliano havia criado coragem, ele sabia que tinha que enfrentar o pai se quisesse realmente ficar com Luana e também sabia que aquela discussão não havia acabado ali.

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- Inácia! Ô Inácia! Cadê você sua negra nojenta?!

Inácia respondeu ao chamado do seu Senhor, e adentrou a sala do escritório da mesma forma de sempre, calada e de cabeça baixa.

- Você está ai! Por que demorou tanto?! - E sem esperar a resposta, Floriano continuou. - Mande chamar Francisco, fale pra ele parar o que ele tiver fazendo e vir agora aqui!

Floriano estava nervoso, e quanto mais nervoso estava, mais vermelho ficava. Não entendia como Juliano, um homem estudado, branco, de boa família, conseguia ser tão burro a ponto de se encantar com uma negra. Aqueles negros não eram gente, eram escravos, mercadoria que existia para trabalhar e morrer assim que não desse mais resultados. Os bois que haviam na fazenda eram melhores que aqueles negros malditos, ao menos não arrumavam problemas.

Floriano passou de pai amoroso e de bom senhor, no exato momento em que aqueles negros mexeram com a vida do seu filho. Ele já havia traçado um futuro para o filho, um futuro que asseguraria a segurança e estenderia o nome de sua família por gerações, nenhuma rapariga negra iria mudar isso!

Estava perdido em seus devaneios e não percebeu que Francisco batia na porta.

- Seu Floriano? - Disse Francisco tentando chamar a atenção do patrão.

- Que demora é essa Francisco. Te pago pra ser mais rápido que isso.

Floriano deu a volta em sua mesa cheia de papéis e contratos, sentou-se em sua cadeira enquanto acendia seu cachimbo preferido. Apontou a cadeira em sua frente para que Francisco se sentasse.

O calejado capitão do mato já pressentia o que estava por vir. Floriano só o chamava em particular quando o assunto envolvia dar uma lição em alguém, ou cobrar algum desafortunado em outra cidade.

- Pois não, patrão.

- Francisco, trabalha pra mim há muitos anos, não é verdade? - Perguntou Floriano.

- Sim, já faz tempo.

- Sabe então que eu nunca fui um mau senhor para esses negros...

- Sei sim, e se me permite a ousadia, bom até demais.

- Pois é seu Francisco, eu sempre tratei bem esses pretos filhos de uma égua, sempre! Mas eu tive um problema, Francisco, e preciso dar uma lição para que esses infelizes nunca mais mexam com a minha família. - Floriano estava se exaltando novamente.

- O patrão que me desculpe, mas acho que não entendi o que aconteceu.

Floriano percebeu que estava saindo do foco, estava perdendo o controle.

- Desculpe-me Francisco, vou lhe explicar melhor a situação.

Floriano acendeu novamente o cachimbo e pegou uma garrafa de cachaça e serviu em dois copos. Entregou um para seu capataz e virou o outro.

- É o seguinte, uma de minhas escravas fez algum tipo de macumba pro meu filho. Cegou ele completamente, e preciso dar um jeito naquela negrinha, preciso mostrar para meus negros que comigo não se brinca.

- Quem é a negra, seu Floriano?

- A que chamam de Luana, aquela negra deve ter parte com o demônio e fez alguma coisa para prender meu filho entre suas pernas. Preciso fazer algo, mas tem que ser num dia que meu filho não esteja aqui.

- Amanhã o sinhozinho tem um encontro de negócios no centro, alguma coisa sobre os bois.

- Então faremos amanhã.

- E o que eu faço? Ponho ela no tronco?

- Não. - Respondeu Floriano ponderando. - Quero aquela negra morta.

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Luana acordou mais cedo do que esperava, a visita de Juliano essa madrugada havia sido exaustiva. Tinha muito trabalho a fazer, mas não conseguia tirar aquele sorriso bobo do rosto. Juliano a amava e era só isso que importava!

Era perto do meio dia, estava a descascar mandiocas quando viu o capataz entrando na senzala. Francisco exibia um sorriso maldoso no rosto e ao vê-lo, Luana entrou em pânico.

Ele andou na direção de Luana e a puxou pelos cabelos.

- Enfeitiçou o sinhozinho sua rapariga! Você vai ter o que merece! - Virou-se para os negros que se levantavam - Isso é pra vocês aprenderem a não se meterem com o patrão.

O capitão do mato arrastou a pobre negra até o meio do terreiro, onde havia um tronco serrado com grilhões presos a ele. Luana se debatia, esperneando e gritando, tentando evitar o destino que lhe esperava.

Francisco era muito forte, e não precisou de muito esforço para prender aquela negra magrela ao tronco.

- Chamem Seu Floriano! Digam que está tudo pronto!

A negra Inácia, que observava da janela correu para buscar o seu senhor. Floriano não demorou muito a aparecer. Olhou para aquela feiticeira das coxas grossas e deu a ordem.

A primeira chicotada acertou as costas de Luana na altura das ancas, rasgando o fino tecido de seu vestido e cortando a carne, deixando escorrer as primeiras gotas de sangue. O grito que saíra da garganta de Luana fez os ossos dos escravos que estavam assistindo tremerem. Naná, tia de Luana, não conseguiu conter o choro ao ver a sobrinha ser surrada, fechou os olhos e começou uma reza baixinha para seus orixás.

A cada nova chicotada, um novo corte abria e mais sangue escorria de suas costas nuas. Na décima sétima chicotada, Luana desmaiou.

- Acordem essa negra maldita! Ela ainda não sofreu o bastante. Tragam um balde com água!

Os negros logo voltaram com o pedido de seu Senhor. Francisco andou até a escrava lhe soltou os grilhões, e em seguida jogou a água em seu rosto. Luana acordou gritando e tossindo, a dor em suas costas era insuportável. O velho capataz se ria com a situação daquela negra.

- Tragam Sal! Agora! - Gritou Floriano.

Mais uma vez seu pedido foi prontamente atendido.

Floriano pela primeira vez se movimentou, andou em direção a negra ensanguentada e olhando dentro dos olhos dela, empapou as costas dela com o sal. Luana quis morrer, uma dor que ela nunca havia sentido antes tomou conta de seu corpo, ela não conseguia se mexer, pois todo e qualquer movimento fazia o sal penetrar ainda mais na carne, causando ainda mais dor a ela.

- Sabes por que estas aqui não sabes? - perguntou Floriano.

- Sinhô, eu num sei, por favô! Eu num fiz nada! - Luana respondeu em meio aos seus gemidos.

Floriano chutou o rosto de Luana, que caiu com as costas na terra, o que fez parecer que seu corpo estava em chamas.

- Não fez nada?! Não fez nada sua rapariga?! - Mais um potente chute nas costas de Luana. - Você enfeitiçou o meu filho sua puta! Você enroscou o e o prendeu ele entre suas pernas malditas! Você nunca mais vai fazer isso com ele, nunca!

Floriano montou em cima de Luana, que deitada sobre a terra, sentiu as costas arderem ainda mais. O Senhor da Fazenda de Santo Antônio sentiu repulsa ao olhar o rosto inchado e ensanguentado da escrava. O ódio tomou conta de seu corpo e então desferiu uma sequência de socos no rosto de Luana.

Juliano, chegou a fazenda e viu a comoção no terreiro. Desmontou do cavalo e andou em direção a multidão. Seu coração apertava a cada passo que dava, sabia dentro de sua alma que algo estava muito errado. Chegou ao terreiro e viu seu pai montado em cima de uma massa disforme e sangrenta.

Correu ao encontro de seu pai.

- Parem-no!! - Ordenou Floriano. - Segurem esse moleque, ele vai aprender uma lição hoje.

Francisco segurou Juliano pelos braços enquanto seu pai continuava a falar.

- Hoje meu filho, você vai aprender que isso não é gente.

Floriano arrastou o corpo desmaiado de Luana pelo braço e jogou a em frente a Juliano.

Juliano estava pasmo, nunca havia visto seu pai daquele jeito. O suor escorria no rosto do velho Floriano e alguns fios de cabelo prendiam se a sua face, dando lhe ainda mais uma aparência de um louco.

- Isso meu filho, é aquela negra! Ela nunca mais irá chegar perto de você novamente. Você será feliz e terá uma família boa!

Juliano chorava copiosamente. O amor de sua vida estava irreconhecível. Ele tentou se soltar de Francisco, mas o capataz era forte demais para ele. Juliano o empurrou e partiu para cima de seu pai, estava cego de ódio. O capataz ao perder Juliano de seus braços, alcançou a espingarda e o acertou com a coronha, fazendo o cair sobre o chão de terra batida.

Juliano havia perdido as forças com o golpe, e ajoelhado olhava para Luana e via os seus sonhos indo embora junto com o sangue que escorria do corpo de sua amada.

Um estampido o tirou de seus devaneios. A fumaça e o cheiro da pólvora entraram pelas suas narinas, trazendo com ele o cheiro da morte.

Juliano que até então chorava de olhos fechados, abriu os olhos e a cena que ele viu iria traçar o seu destino. Um buraco do tamanho de uma romã foi aberto no peito de sua amada e o responsável por isso estava ali, com a arma apontada para ela.

Seu pai.... Seu próprio pai havia apertado o gatilho e acabado com a vida de Luana. Juliano perdeu a noção dos acontecimentos, levantou-se tirando uma faca da cintura e mais uma vez partiu para cima de seu pai.

Floriano viu as intenções do filho e não hesitou em dar lhe uma boa briga. Um soco no estomago fez Juliano titubear, mas mesmo assim continuou avançando e golpeando. Cego pelo ódio e pela sede de vingança, Juliano não viu Francisco vindo por trás e o acertando novamente sobre a nuca.

Juliano tonteou e caiu, olhando para o corpo ensanguentado e inerte da mulher que um dia poderia lhe dar filhos. Então apagou.

Acordou em seu quarto, estava nu e pelos objetos ao lado de sua cama, havia estado febril. Os acontecimentos do dia voltaram com força total. A tristeza, o batuque dos atabaques e tambores e a cantoria dos negros, lhe trouxeram para a triste realidade. A realidade de que Luana havia partido e nunca mais iria voltar.

Juliano caminhou até a sacada e olhou para o céu. A Lua estava cheia, pronta para receber o amor de sua vida nos céus. Juliano caiu sentado na sacada e chorou por muito tempo. Ele sabia que não poderia viver com essa dor no peito.

O corpo de Juliano foi encontrado na manhã seguintepor Inácia, pendurado com uma corda pelo pescoço em seu quarto.

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