Passei a noite em claro observando a Isadora dormir, garantindo que ela acordasse bem pela manhã e sem se machucar. Minha irmã só conseguiu dormir depois que dei a ela um remédio natural para ajudá-la a pegar no sono.
O que a garota me contou sobre o seu professor de teatro não saia da minha mente e eu não parava de torcer para o Rato acabar com a vida daquele estuprador.
Senti-me culpada por não ter percebido o que aconteceu com Isadora e irresponsável por ter reagido com violência quando descobri sobre o roubo do nosso dinheiro.
Ao amanhecer, tomei um banho demorado, me arrumei e pedi café da manhã para nós três. Graças ao dinheiro que o Chorão me deu pela visita íntima, pude proporcionar alguns luxos à minha família, e parar de cozinhar em todas as refeições é apenas um deles.
Quando o entregador chegou com o meu pedido, deixei o celular na pia da cozinha para atendê-lo e ergui minha sobrancelha ao avistar o GV adormecido dentro do seu carro do outro lado da rua. Assim que o motoqueiro se despediu, atravessei a rua com as sacolas nas mãos e bati na janela do carro, fazendo-o acordar aterrorizado e me encarar confuso.
— Aconteceu alguma coisa, marmita? — GV indagou após abaixar o vidro da janela do carro.
— Eu que te pergunto, GV. Tá fazendo o que na porta da minha casa?
— A sua porta é do outro lado, garota!
— GV! O que você tá fazendo aqui?
— O Rato contou pro Chorão o que fizeram pra Isadora e ele mandou caçar o cara, mas ficou com medo que fizessem algo contra vocês.
— Imagina se teu chefe descobre que ao invés de tá protegendo a bucetinha de mel dele, você tava roncando? — impliquei e abri uma das sacolas.
— Se acha muito, marmita.
— Toma aqui. — Entreguei um pacote de pão de queijo e uma garrafa de café com leite e o GV pareceu ficar admirado com a minha atitude. — Se precisar usar o banheiro é só me avisar.
— Obrigado, marmita.
[...]
Ao entrar no cômodo carregando as minhas compras, sorri ao ver a ligação do Chorão na tela do meu celular e deixei as sacolas em cima da mesa.
— Pronto pra receber o melhor boquete da sua vida hoje à noite? — perguntei animada ao atender a ligação.
— Tu me quebra demais, filha da puta!
— Ué, o que eu fiz?
— Liguei pra te xingar e falar pra você não vir me visitar, mas, porra, só de lembrar da tua boca no meu pau...
— Sei que você tá bravo comigo, mas não aconteceu nada entre mim e o Rato.
— Não fica mais perto dele, Emília.
— Prometo que o único macho que vai chegar próximo de mim é você.
— Até mais tarde, coração. Não esqueça que tô aqui pra você.
Assim que a ligação foi encerrada, a Isadora entrou na cozinha ainda vestida com o seu pijama e esfregando seus olhos.
— Tem problema se eu não for pra escola hoje? — Isadora perguntou e mexeu no seu cabelo.
— Não, Isa. Eu tava pensando que seria melhor te matricular em uma escola particular.
— Oxe! — Ela soltou uma risadinha desacreditada e sentou-se à mesa. — Com que dinheiro?
— Com o mesmo que paguei as contas nas últimas semanas — respondi com obviedade.
— Tinha esquecido que agora você é fiel de bandido — Isadora zombou enquanto servia seu café da manhã.
— Não me orgulho dessa parte, mas fico feliz em poder te dar oportunidades que eu não tive.
— Eu agradeço, mas não quero te explorar, Lia. O Chorão já me deu um iPhone, que é um celular muito caro nos dias de hoje, principalmente nas nossas condições financeiras e eu me sentiria uma parasita por ainda te fazer pagar mensalidades altíssimas.
— Você é minha irmã mais nova, Isadora. — Sentei ao seu lado e a olhei com seriedade. — Tudo o que eu puder fazer pra te ver bem e feliz, eu vou fazer.
— Olha, eu quero me mudar de escola, mas não precisa ser pra uma particular.
— Não precisa, mas vai ser.
Dei um sorriso alegre e a abracei de lado.
— Você quer conversar sobre o que me disse ontem?
— Não, Lia, mas obrigado por ter cuidado de mim. O GV foi um fofo também.
— Ele parece bacana, mas é traficante e não quero te ver metida com esse tipo de gente.
— A rainha da hipocrisia, né dona Emília?
— Faça o que eu digo e não o que eu faço. — Dei de ombros, rindo.
[...]
Isadora se isolou completamente após nossa conversa no café da manhã, trancando-se no quarto durante todo o tempo.
Decidi ligar para o Arthur, meu chefe, e avisar que só poderia ir trabalhar no dia seguinte. Sua resposta foi chocante: dispensou-me imediatamente, alegando que eu estava priorizando outros afazeres e ainda trazia meu namorado problemático para perto do bar.
Ele foi incrivelmente rude, um comportamento que nunca tinha presenciado dele antes. Engoli o choro durante toda a ligação, mas assim que desliguei, corri para o banheiro para chorar em silêncio, para que Isadora não percebesse. Embora não fôssemos extremamente próximos, eu nutria um grande afeto por ele, e agora sinto que arruinei completamente nossa relação profissional.
[...]
Quase na hora do almoço, decidi chamar minha mãe para tomar café da manhã, preocupada com sua demora em acordar.
Ao abrir a porta do quarto, levei um susto ao encontrar a cama arrumada e um bilhete sobre o colchão. Ao pegar o papel, soltei uma risada nervosa, incapaz de acreditar que minha mãe havia descido a tal ponto por causa de um homem sem futuro.
"Filhas, espero que possam perdoar e entender que mamãe precisou ir atrás do papai para trazê-lo de volta para nós."
Saí pisando duro com o bilhete na mão e entrei no quarto que divido com Isadora, mostrando a ela que nossa própria mãe nos abandonara em busca de um relacionamento.
— Como ela pode ser tão burra?! — gritei com ódio e joguei o bilhete em cima da Isadora que me encarou com o cenho franzido. — Ela escreveu três linhas pra dizer que foi embora! Três linhas! Somos filhas dela e não merecemos nem a porra de uma carta inteira?
— Não creio que a nossa mãe vai fazer confusão com uma mulher grávida! — Isadora disse, nitidamente indignada. — E com que dinheiro ela foi atrás do nosso pai?
— Não sei, a... — Me interrompi ao pensar na possibilidade dela ter levado meu dinheiro. — Não, ela não faria isso.
Caminhei em direção à cômoda, me abaixei e abri a última gaveta para pegar a caixinha onde guardava minha grana, e senti uma onda de raiva ao perceber que minha mãe havia levado boa parte das economias. A sensação de traição e decepção foi avassaladora.
— Ela te roubou? — Isadora arregalou os olhos ao ver a caixa com apenas algumas notas. — Eu não acredito que a nossa mãe fez isso!
Minha garganta se fechou e comecei a lançar tantas maldições para aquela mulher que não me surpreenderia se recebesse a notícia de que ela havia morrido.