Estou evitando conversar com o Chorão desde o dia que ele confessou que matou o próprio pai, porque essa informação me assustou.
Compreendo que não posso julgá-lo sem conhecer toda a história, mas ainda assim não consigo evitar o questionamento: será que a próxima vítima poderia ser eu?
Amanhã, irei visitá-lo pela segunda vez, e uma mistura de medo e excitação permeia meus pensamentos, ocupando o mesmo espaço na minha mente.
Meu turno no bar chegou ao fim quando Gabriela cutucou meu braço, despertando minha curiosidade para minha melhor amiga.
— O que foi, Gabi?
— Teu cunhado veio te ver — Gabriela avisou, com uma risada sarcástica, e levantou o queixo em direção à saída do bar.
Rato encontrava-se em cima da sua moto e o seu olhar misterioso pairava sobre mim.
— Esse homem é uma praga — sussurrei e tirei o avental da minha cintura.
— Mas fode muito bem, Lia.
— Você não tem ciúmes dele?
— Quem tem que ter é a esposa dele e do jeito que o chifre é trocado entre os dois, eu duvido que ela se importe.
Gabriela se afastou de mim para atender os recém-chegados clientes, e um nó se formou em minha garganta, sabendo que em breve enfrentaria o Rato.
Com um gesto de mão, sinalizei para o irmão mais novo do Chorão me esperar, e me encaminhei para o banheiro dos funcionários em busca da minha bolsa.
O ambiente era unissex, com uma fileira de armários de ferro destinados aos pertences dos funcionários e quatro cabines disponíveis.
Apesar da simplicidade do local, o bar exibia uma limpeza impecável, organização exemplar e decoração atraente, atraindo uma clientela diversificada, que ia desde motoristas de ônibus até patricinhas da zona sul.
Não compreendo o fascínio dessas pessoas ricas pela favela, mas alguns chegam ao extremo de pagar para os jovens locais guiá-los pelas vielas e permitir que tirem fotos sobre os telhados.
Particularmente, vejo isso como uma oportunidade inteligente de lucrar com quem possui recursos financeiros.
— O que aquele tal de Rato tá querendo na frente do meu bar, Emília? — Arthur, meu chefe, perguntou ao entrar no banheiro no mesmo instante que eu abri o meu armário. — Não me meto na vida das minhas funcionárias, mas não quero que vocês tragam os seus problemas para o meu estabelecimento.
Senti o rosto arder de vergonha por receber uma bronca do meu chefe por causa das minhas conexões com bandidos, e apenas assenti.
— Não vai mais acontecer, Arthur.
— Certo.
O homem magro e loiro saiu, deixando-me ali, sentindo-me como um lixo dentro daquele banheiro, refletindo sobre as péssimas escolhas dos últimos dias.
Ainda era doloroso encarar minha mãe e minha irmã depois de termos admitido abertamente meu envolvimento com o Chorão, especialmente após tudo o que ele fez. Imaginar ser alvo de suposições por parte de outras pessoas só tornava a situação ainda mais difícil de suportar.
Fiquei ali por alguns minutos, lutando para manter a compostura e evitar chorar em público, pois isso só agravaria o constrangimento.
[...]
Rato me convidou para irmos a uma sorveteria com ele, a esposa e a filha, mas não fiquei surpresa quando percebi que o passeio seria a dois.Orei mentalmente para o Chorão não descobrir ou iria surtar pensando que estamos ficando ou transando às escondidas dele.
Por incrível que pareça, ele fez questão de ser gentil comigo durante o tempo que estávamos sozinhos e foi um cavaleiro ao pagar o meu sorvete.
Escolhemos uma mesa afastada no final da sorveteria para evitar um grupo de adolescentes bagunceiros que estavam fazendo arruaça como se fossem as únicas pessoas presentes no lugar. Não faz tanto tempo que saí da adolescência, só que nunca entendi essa necessidade que esses meninos têm de quererem ser os centros das atenções.Será que não tem ninguém para avisar que estão sendo inconvenientes e passando vergonha?
Sentamos um na frente do outro e eu odiava o tanto que ele parecia ainda mais bonito toda vez que eu o encontrava.
— Desculpa ter mentido pra você — Rato pediu com um sorriso de lado após alguns minutos em silêncio.
— Mentiu? — Franzi o cenho enquanto tomava mais uma colherada de sorvete de chocolate. — Mentiu quando?
— Falei que a Cláudia e a Catarina estariam aqui.
— Ah, tá. — Soltei uma risada contida. — Por que você não falou a verdade?
— Tu não teria vindo, Emília.
— Eu nunca digo não pra comida de graça — falei em tom de brincadeira, mas, no fundo, era uma verdade.
— Só precisava de alguém pra desabafar — ele confessou nitidamente constrangido e coçou a cabeça.
— Sobre o seu casamento?
— É, as coisas estão ficando cada vez mais difíceis com a Cláudia. — Ele moveu o seu corpo mais para frente e apoiou o seu braço na mesa. — E o que você falou sobre a possibilidade da Catarina não gostar de mim quando crescer tá impregnado na minha mente.
— Não foi a minha intenção te deixar mal.
— Eu sei disso, só fiquei pensativo e imaginei que me separar da Cláudia, enquanto ainda não nos odiamos, pode ser uma boa maneira de salvar a minha relação com a minha filha.
— Você acha que vai conseguir ser presente na vida da Catarina quando não estiver mais morando com a Cláudia?
— A Catarina vai morar comigo.
— Se a Cláudia é uma boa mãe, não tem motivos pra você querer tirar a Catarina dela. — Peguei a sua mão e o olhei com carinho, o que fez com que ele ficasse tímido. — Não usa uma criança pra se vingar da sua mulher pelo que você acha que ela fez contigo.
— Tu passa muito pano pra Cláudia e mal conhece ela.
— Homens passam a vida inteira sendo compreendidos por todo mundo, por isso faço questão de fazer a minha parte e tentar entender o lado de uma mulher mesmo que eu mal conheça ela. — Dei de ombros e afastei a minha mão da sua.
— Dou graças a Deus pela maioria das mulheres se odiarem sem motivos relevantes ou os homens estariam fodidos. — Rato gargalhou.
— Os outros homens podem estar a salvo, mas você tá desabafando com alguém que gosta da sua mulher.
A risada desmanchou no rosto do Rato tão rápido que eu não contive um riso divertido com a situação.
— Tu deveria me ajudar, Emília.
— Não tenho motivos pra isso.
— Tu é a amante do meu irmão, então você é como se fosse a minha cunhada.
— Mas se fosse por você, eu seria a cunhada do Chorão, né? — Mordi o lábio inferior e o Rato balançou a cabeça negativamente.
— Não me dá esperança, Emília.
— Não estou te dando nada, apenas mantendo minhas opções abertas caso seu irmão apronte comigo.