Quando adentramos o local tudo parecia bem simples, corredores largos, várias portas em cada lado, a maioria estava identificada com "Fase" seguida de algum número. Conforme andávamos percebi uma leve oscilação na temperatura, o que antes era frio e incomodo se tornou mais quente, em determinado ponto do trajeto retiramos nossas máscaras, tivemos que passar por um cadastro completo: nome, idade, nascimento e até mesmo uma análise de dados de tipo sanguíneo, tudo ali era louco e mais doido ainda era ver que tudo era feito por um robô.
Após alguns processos "comuns" fomos levados de fato até onde Endel estava, ele se apresentou brevemente e logo começou a nos direcionar até uma mesa, o rapaz moreno e alto era seguido por Amaya, aparentemente deveria ser sua irmã já que ambos possuíam semelhanças, o destaque maior era a cor dos olhos, ambos castanhos bem claros.
— Vocês costumam confiar em qualquer pessoa que entra aqui? - ouvi a voz de Sky e percebi que havia ficado fora do por um momento.
— Confiamos em quem os Gêmeos nos dizem para confiar, afinal vocês estão em uma busca e estamos aqui para ajudar – Endel respondeu.
— Eu só acho estranho que essa "ajuda" venha de uma forma tão gratuita. - Sky rebateu.
— Ora Sky, sabemos que se sua busca terminar bem você terá uma oportunidade em nosso corpo, e isso já vale mais do que qualquer coisa – todos olharam para Sky, eu entendia o que aquilo queria dizer, os Gêmeos queriam Sky com eles para futuras missões.
— De qualquer forma deveríamos ir direto ao ponto – Amaya tomou frente – Os gêmeos nos disseram que vocês estão procurando alguém, Henry, um dos cientistas envolvidos no projeto A-Life, ele ficou fora dos nossos radares por um longo tempo, desde que Clara e Regina sumiram, monitorávamos ele periodicamente, mas acabamos parando pouco tempo depois.
— Qual era a função real dele nesse projeto? E afinal o que era tudo isso? - Cally perguntou.
— O Projeto A-Life era pautado no desenvolvimento e criação de seres mais diplomáticos, o conceito era simples, pegar crianças e jovens que estavam predestinadas a morrer de algum tipo de doença e tentar reverter o quadro, só que em troca dessa nova oportunidade de vida eles serviriam ao projeto – Amaya explicou brevemente, como se aquilo não fosse um pouco bizarro.
— Ok, ja entendemos que um dos objetivos era salvar vidas, porém não era só isso, certo? - Cally rebateu, algo me dizia que o fato de Henry ter sido apontado como louco não foi uma coisa que ela levou numa boa.
— Não, algumas pessoas tiveram seu cérebro ou parte dele alterado, pessoas diplomáticas são pessoas mais racionais, logo o objetivo era estimular mais essa parte racional.
— E funcionou? - perguntei após um breve silencio.
— Sabemos só de um que está vivo e bem, ele nos ajuda com missões e está sempre envolvido em nossas pesquisas.
— Quantos deram errado? - Sky perguntou dessa vez.
— Cerca de vinte pessoas morreram, só uma vingou.
Houve um silencio generalizado, se pararmos pra pensar essas pessoas ja iriam morrer, mas isso não diminui o peso.
— Então você está me dizendo que três pessoas tentaram criar seres mais racionais? E o que tem demais nisso? Se todos estavam de acordo qual foi problema? - Cally perguntou direcionada para Endel.
— O Problema foi que Henry não queria apenas pessoas racionais, ele queria pessoas manipuláveis, sem sentimentos, que obedecessem a ele sem questionar, ele sabotou três pessoas, matou elas praticamente.
— Impossível, ele sempre nos disse que tinha aversão por esses Androides.
— Androides é uma palavra que tentamos não usar mais, afinal são seres normais como nós - Amaya respondeu, era visível que ela estava começando a se alterar – Fato é que Henry tentou realizar um teste em um dos seus filhos, o problema é que a criança estava totalmente saudável e acabou morrendo, Clara tentou impedir ele mais já era tarde, ele foi expulso do projeto e recebeu uma restrição, foi retirado de todas as pesquisas e iria responder por assassinato até que ele fugiu.
Cally assim como nós estávamos em choque, jamais imaginaria que ele mataria alguém porém, quando aceitamos vir pra cá deveríamos supor que coisas ruins poderiam ter sido feitas por ele, e parando pra pensar, havia alguns murmurinhos de que Henry as vezes era uma pessoa agressiva, Connor mesmo não gostava dele, tinha aversão até mesmo a presença de Henry.
— E o que aconteceu com as cientistas? - perguntei.
— Depois que Henry sumiu elas tiveram que arcar com as mortes, elas desistiram do projeto, mas infelizmente acabaram sofrendo retaliações por causa das ações de Henry, ficaram muito tempo fora, apareciam esporadicamente em um lugar ou outro, há boatos de que elas chegaram a realizar testes em duas crianças, filhas delas mesmo, mas isso nunca foi comprovado e essas crianças nunca foram vistas.
— E você acredita que apenas Henry seja o culpado disso tudo?
Amaya se limitou apenas a afirmar com a cabeça enquanto Cally visivelmente indignada bufou, eu sabia onde aquilo ia acabar.
— Não sei como exatamente saber isso nos ajuda de alguma forma – Finn que até então estava quieto se pronunciou – Viemos aqui com o objetivo de saber sobre o paradeiro de Henry, só isso.
— O fato dele ser uma pessoa horrível não muda em nada pra você? - Endel rebateu.
Finn apenas deu de ombros e abaixou a cabeça, eu entendia que a situação era diferente tanto pra ele quanto para Cally, apenas Sky e eu que não tínhamos uma ligação tão forte com ele, afinal nós sempre nos apoiamos.
— Bom, seja lá o que pensamos ou deixamos de pensar se vocês não vão nos ajudar então vir aqui foi inútil – Finn respondeu fazendo com que Cally concordasse.
— Exatamente, e se não for muito incomodo prefiro manter o plano original – Cally virou em minha direção - Vamos seguir o rastro daquela gravação e ver o que achamos.
— Que gravação? - Amaya interrompeu.
— Nada que seja do seu interesse – Cally rebateu – Acha mesmo que vamos dizer onde ele pode possivelmente estar?
— Calma - falei tentando intervir antes que uma possível briga iniciasse – Precisamos de toda a ajuda possível.
— Não deles.
— Acho melhor nós tirarmos um tempo para pensar – Sky disse e Endel concordou, logo, ele e Amaya saíram da sala.
Mesmo após eles saírem o clima ainda estava pesado e tenso, Sky ainda estava sentada encarando o nada, mas eu sabia que ela iria continuar, já Finn e Cally iriam atrás de Henry.
— Não podemos confiar cegamente nessas pessoas, quer dizer, eles chegam e dizem que o cara que conhecemos não é o que esperávamos? Vamos fazer o que então? Voltar pra Airon sem respostas? - Cally soltou de uma vez.
— Acho que já somos grandes o suficiente pra entender que nem todo mundo é o que parece, ele poderia muito bem ter nos manipulado – Sky contra-argumentou – E se ele mesmo enviou a gravação na intenção de que ouvíssemos? E se for uma emboscada?
— Você acha mesmo que ele iria nos machucar?
— Ele matou o próprio filho!
Aos poucos Cally e Sky começaram uma discussão, Finn acabou intervindo em determinado momento, eu já nem tentava mais.
— O que vamos fazer afinal? Ficar brigando não vai adiantar em nada.
— Eu não vou voltar pra Airon – Sky falou enquanto me encarava.
— Ótimo, fique com eles então, nós iremos seguir com o que havíamos combinado, certo? - Cally também estava perguntando a mim.
— Sinceramente eu não sei – respondi - Não sei se quero voltar para Airon também, fomos deserdados, o que vamos dizer? Lá não tem nada.
— E o que pretende fazer? Ficar aqui com eles?
— Não sei, mas vocês podem voltar se essa for a vontade de vocês, não vou impedir, podem ir com a Aphofis.
— Você não pode estar falando sério! - Cally me olhava com desgosto e até mesmo pena.
— Estou sim, podem ir, você e Finn – falei me virando em direção ao garoto – Eu arrastei vocês pra isso e agora estou dizendo que devem voltar, coloquem a culpa em mim se quiserem.
Houve um silencio e não demorou muito para que Amaya entrasse, falamos com ela e ela disse que prestaria toda e qualquer ajuda que fosse necessária para nós, enquanto isso Cally e Finn discutiam baixo no canto da sala, era estranho que mesmo não sabendo ao certo o que fazer ou pra onde ir, eu sabia exatamente onde eu não gostaria de estar, e este lugar claramente era Airon.
Após quase uma hora tanto Finn quanto Cally ja estavam prontos para irem embora, eles iriam seguir o plano original, mesmo eu tendo dito que não haveria nada lá e após checarem eles iriam retornar a Airon e se reportar a Connor, Endel entregou a eles um papel codificado, aparentemente era algum tipo de referência, ele entregou a Finn e pediu para que o mesmo entregasse ao nosso superior, normalmente referencias como aquela serviam para tentar justificar uma ação indevida e eu esperava que funcionasse.
Ficamos monitorando nossa nave sair do radar, levou cerca de quase meia hora para que ela realmente sumisse do detector. Ficamos com Amaya enquanto ela conversava com um dos gêmeos, aparentemente eles estavam terminando os preparativos para o Tecnocross.
— O que acha de tudo isso? - Sky me perguntou assim que estávamos sozinhas.
Amaya havia nos levado a uma instalação simples onde Sky e eu ficaríamos até descobrirmos o que iríamos fazer.
— Sinceramente eu não sei, deveríamos voltar para Tecnotec?
— Acho que é uma boa ideia, la tem estabilidade, oportunidade de aprendermos coisas novas...
— Você não vai sentir falta de Airon, não é?
— Não mesmo, vou sentir falta só da Hazel, tirando ela eu não tenho nada lá - ela fez uma pausa e me encarou – E o seu tio?
— Acho que ele vai ficar bem, ele sempre fica – suspirei, eu não tinha pensado em meu tio, ele era a única pessoa viva da minha família que eu tinha, embora não fossemos tão próximos – Vivemos saindo do nosso planeta como se fosse uma viagem para outro lugar, ele vai entender.
— A diferença é que essa viagem não tem plano de retorno.
— Sei que não, mas falei com Finn, assim que ele chegar em Airon ele irá falar com meu Tio e me colocar em contato com ele.
— Eu espero que fique tudo bem com eles.
— Eu também.
Não demorou muito e Sky saiu, ela iria conhecer um dos setores de pesquisa junto com Amaya, era gratificante ver ela feliz e bem, fiquei no quarto pensando até que me dei conta de que não havia falado com Lise, não sabia se ela tinha voltado de sua "saída" no planeta novo.
Abri meu comunicador e logo pluguei meu receptor auricular enquanto ouvia o som de ondas do mar, era relaxante de mais.
— Então, como foi sua exploração pelo planeta novo? - enviei a mensagem e chequei a aba de perfil, havia estado online há cerca de sete horas atrás.
Era estranho e intrigante a tecnologia, em comunicadores simples as horas apareciam equivalentes a cada planeta, mas de acordo com os Gêmeos quando os comunicadores tinham a tecnologia de Tecnotec e estavam conectados pela mesma rede de fornecimentos as horas eram sincronizadas, eu não sabia qual era o tipo de comunicador de Lise, mas pensar nisso era doido de mais.
Como não houve uma resposta imediata resolvi ir dormir, eu estava cansada e com um pouco de dor de cabeça, havia muito o que pensar e mesmo eu tendo tempo para isso agora, algo me dizia que essa calmaria era apenas momentânea, não iria durar muito e seja lá o que estivesse por vir iria tirar toda e qualquer paz.