Psicose (Livro I)

By andiiep

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Melissa Parker é uma psiquiatra recém-formada que encontra seu primeiro emprego em um manicômio judiciário. E... More

Aviso Inicial
Prólogo
Um - St. Marcus Institute
Dois - A holandesa de Cambridge
Três - Inesperado
Quatro - Sutura
Cinco - Insônia
Seis - Happy Hour
Sete - Progresso
Oito - Passado
Nove - Proximidade
Dez - Embriaguez Acidental
Onze - Hormônios!
Doze - Corey vs Brian
Treze - Fotografia
Quatorze - Helvete
Quinze - Perigo
Dezesseis - Triângulo
Dezessete - Sobrenatural
Dezoito - Confusão
Dezenove - Corey vs Brian (parte 2)
Vinte - O plano mirabolante de Corey Sanders
Vinte e Um - Render-se
Vinte e Dois - Bipolaridade
Vinte e Três - Mensagem Sobrenatural
Vinte e Quatro - Intimidade
Vinte e Cinco - O inferno converte-se em paraíso
Vinte e sete - Quebra-Cabeças
Vinte e Oito - O Passado Condena
Vinte e Nove - REDRUM
Trinta - Veritas Vos Liberabit
Trinta e Um - Plano de Fuga
Trinta e Dois - Luxúria
Trinta e Três - Preparação
Trinta e Quatro - Vai Dar Tudo Certo!
Trinta e Cinco - Um Sonho de Liberdade
Trinta e Seis - Scotland Yard
Trinta e Sete - Reencontro
Trinta e Oito - Vigilância Constante
Trinta e Nove - Corpo e Alma
Quarenta - Encontros e Desencontros
Quarenta e Um - Armadilha
Quarenta e Dois - Salvação?
Quarenta e Três - Tentativa e Erro
Quarenta e Quatro - O Infeliz Retorno
Quarenta e Cinco - Do Pó Vieste...
Epílogo
AUTO MERCHAN

Vinte e Seis - Não Há Compaixão Com a Morte

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By andiiep


Atordoada.

Era a palavra que definia o estado em que a doutora Melissa Parker encontrava-se nquanto atravessava os jardins gelados do St. Marcus Institute. Ao sair da cela de Corey Sanders no helvete, não olhou para os lados e ignorou o olhar curioso que Pete lançou-lhe com tanta veemência. Tudo o que tinha que fazer era chegar à segurança de seu quarto sem que ninguém percebesse seu estado. A tarefa era difícil, entretanto.

O horário era o mais inoportuno possível. Banho de sol das alas A e B. E os pacientes encaravam a doutora descabelada e apressada que cruzava o gramado verde, tentando com custo deixar as roupas despedaçadas no lugar. Megan Janeth McPhierson fitou-a de longe com um olhar esperto, que Melissa ignorou encarando os próprios pés.

Quando chegou ao prédio administrativo, Melissa respirou parcialmente aliviada. A calefação libertou-a do frio quando fechou a porta, logo depois de atrair o olhar sempre mal-humorado da recepcionista-mascadora-de-chiclete-profissional. Teve que ignorar um olhar assustado e surpreso dela, dessa vez, baixando a cabeça para seguir diretamente para a escada que a levaria ao seu dormitório. Só mais alguns passos e então estaria segura. A sorte, contudo, não estava ao seu lado. Assim que colocou os pés no corredor, um par de olhos azuis faiscou em sua direção, como o farol de um carro em uma rodovia abandonada.

A primeira reação de Brian foi sorrir, porém, quando passou os olhos pelo corpo desconcertado de Melissa, transformou o olhar cativante em preocupado. E depois em desconfiado, Melissa poderia jurar. O cenho dele franziu e a boca fez o mesmo, antes que se colocasse a andar em passos rápidos e fortes na direção dela. Melissa não esperou que Brian chegasse, e caminhou pelo corredor, tentando parecer despreocupada. Os dedos apertavam com força o que restou do jaleco contra seu corpo. A outra mão tentou, disfarçadamente, ajeitar os fios de cabelo fora do lugar, mas era difícil. E foi inútil. Brian já havia percebido que nada ali estava em seu devido lugar.

— Você acabou de ser atingida por um furacão? — foi o que Brian perguntou, quando finalmente a alcançou.

Um furacão chamado Corey Sanders, certamente.

— Não exatamente. — Melissa forçou um sorriso inocente.

Soou mais forçado do que se simplesmente tivesse optado por não sorrir.

— Não vai me contar o que aconteceu? — Brian cruzou os braços. Melissa engoliu em seco.

— Não aconteceu nada, Brian, não se preocupe comigo.

— Onde você estava?

Melissa fechou a cara. Não gostou do tom que ele usou para falar com ela, como se ela fosse um dos pacientes e tivesse sido pega fora de sua cela em horário não permitido. Sentiu-se pior do que estava.

— Isso é um interrogatório?

— Se quiser entender assim. — ele deu de ombros, e foi bastante sarcástico.

O suficiente para ela perder a paciência e concluir que Brian já passara mais dos limites com ela do que era razoável.

— Não estou gostando do tom que está usando comigo, Brian.

— Qual paciente você estava atendendo, Melissa? — Brian deu um passo à frente e Melissa não ousou recuar, manteve-se firme, queixo erguido, postura ereta.

— Megan Janeth McPhierson. — disse o primeiro nome que veio à cabeça.

— Kate acabou de me dizer que estava no helvete.

— Eu posso ter ido atender Megan depois de ter saído de lá, não posso?

— Kate também disse que estava com Corey Sanders.

— E o que você tem a ver com isso, Brian? — quando viu, já tinha perdido a paciência de vez.

— Nada. – Ele recuou, dando de ombros casualmente mais uma vez — Você parece preocupada demais. E aparece com as roupas nesse estado, toda descabelada, e... Não vou nem completar sua descrição. Acho que deve ter ideia de como está agora. Ou não.

Melissa encarou-o atônita por um instante. E, no segundo seguinte, sorriu ironicamente, enquanto balançava a cabeça em negação.

— Não devo satisfações para você. — foi o que respondeu.

A voz saiu fria e autoritária. Com um último olhar severo, Melissa abriu o restante do caminho que a levaria, finalmente, ao seu dormitório. Agradeceu por não ser seguida. Não hesitaria em não economizar nas grosserias com Brian. Até porque, não tinha cabeça para iniciar mais uma discussão, para tolerar olhares tortos e cobranças que sabia que não era obrigada a aguentar. Principalmente envolvendo Corey Sanders.

Quando fechou a porta do quarto e girou a chave duas vezes, certificando-se de que estava devidamente trancada, Melissa jogou o que restava de suas roupas ao chão. Antes de chegar ao banheiro, estava nua novamente, e entrou embaixo da água gelada, que fez cada célula de seu corpo arrepiar em protesto.

Talvez fosse tudo o que precisava: um banho frio.

Então acalmaria os ânimos e esfriaria os pensamentos. Era o que sua mãe dizia, pelo menos. Um banho frio era a solução para os problemas dos nervos na família Parker. Melissa, particularmente, nunca acreditou nesse método, pois parecia-se mais com uma tortura no frio cortante inglês, do que uma terapia contra nervos fora do lugar. Não custava nada tentar, entretanto.

Ademais, precisava tirar todo e qualquer vestígio de Corey Sanders de seu corpo. O cheiro, a lembrança vívida do toque áspero de suas mãos fortes em partes do corpo que Melissa nem sabia serem tão erógenas; os rastros quentes dos beijos deixados com tanto vigor... Tudo. Precisava livrar-se de tudo, caso quisesse parecer normal novamente. Parecer, apenas. Porque, depois dos minutos trancados naquela pequena cela do helvete, tinha plena certeza de que nunca mais poderia figurar entre as pessoas "normais". Já não se sentia mais a Melissa Parker que chegou ao St. Marcus Institute semanas antes. Era o mesmo corpo, porém outra pessoa o habitava. A Melissa Parker inicial jamais se deixaria levar por um possível (ou não tão possível assim) assassino condenado à prisão perpétua. Seu paciente. A Melissa atual lutava para não admitir que talvez estivesse completa e perdidamente apaixonada por um condenado à prisão perpétua. Seu paciente. Lutava para não aceitar que era a pior psiquiatra da história.

Melissa não sabia o que fazer com mais essa confusão. As gotas geladas de água escorregavam por seu corpo trêmulo. A intenção era que o frio não a deixasse pensar, mas nem de longe estava funcionando. Enquanto a bucha produzia vergões vermelhos em sua pele e as bolhas de sabão escorriam pelo ralo, tudo o que vinha à sua mente eram imagens dos momentos de puro e intenso prazer que viveu apenas alguns minutos antes. E os olhos dele.

Os azuis, profundos, escuros, eróticos... Olhos dele.

Aqueles que não deixaram de encará-la por um segundo sequer durante toda aquela loucura sem sentido. Pareciam gravados em suas pálpebras, porque eram nítidos toda vez que Melissa fechava os olhos com força, na intenção de apagá-los da memória. Parecia que enxergavam através de sua carne, chegando à sua alma.

Depois de uma hora, Melissa desistiu de tentar se livrar de Corey Sanders, principalmente de seu perfume amadeirado, que parecia ter penetrado seus poros. Fechou o registro e saiu do banheiro. A água fez um rastro até sua cama, onde se enfiou entre os edredons quentinhos, que fariam seu corpo parar de tremer como se estivesse sofrendo uma convulsão. Melissa queria desaparecer, sumir do mundo. Sabia que tinha obrigações, sabia que ainda tinha consultas naquele dia, mas não sairia de seu quarto nem se o St. Marcus de repente pegasse fogo. Era ali que ficaria. Até que tivesse coragem de voltar a encarar seu reflexo no espelho, sendo capaz de reconhecer a si mesma.


**

O dia ainda não havia amanhecido quando Melissa acordou naquele sábado frio de tempo fechado. Algumas gotículas de chuva batiam em sua janela, ameaçando se tornarem mais grossas e violentas. Um temporal estava por vir. O relógio na cabeceira ainda não havia atingido o ponteiro das 6 da manhã. Lá ao fundo, na paisagem naturalmente sombria do St. Marcus, o helvete se sustentava. Intacto e imponente como sempre em meio à escuridão. Melissa pegou-se por um instante pensando se ele ainda estaria dormindo, se sonhava com ela, assim como ela havia sonhado com ele; se rolava na cama em que tinha estado com ela, recordando os melhores momentos do dia anterior; se já havia sido transferido para o Prédio B... Melissa desviou o olhar e foi na direção do banheiro, tomar outro longo banho, antes que as lembranças do dia anterior a atingissem.

A água quente, dessa vez, acalmou seus músculos, e Melissa se esforçou ao máximo para manter na mente as lembranças de infância, os bons momentos com os amigos, os melhores trechos do último livro que havia lido. Tudo pra não se atrever a pensar nele.

Uma hora depois, já estava devidamente vestida, e buscava o secador na confusão de seu pequeno armário, quando ouviu uma batida na porta. De início, assustou-se, olhando em volta. Não poderia negar que a aparição de Barber Paay em seu quarto ainda a deixava atormentada, agora que havia se recordado dela. Melissa então fechou a porta do armário e abriu a de seu quarto, dando de cara com uma Kate bem agasalhada e sorridente.

— Tudo bem com você? — foi a primeira coisa que ela perguntou.

— Não. — Melissa respondeu simplesmente.

— Posso entrar? — Kate perguntou, após suspirar complacente.

Melissa limitou-se a acenar afirmativamente com a cabeça e deu passagem à outra. A porta foi fechada, e Kate sentou na cama ainda desarrumada de Melissa.

— Dormiu bem?

— Na medida do possível... — Melissa deu de ombros, escorando o corpo no armário.

— Encontrei Brian no corredor ontem à tarde e ele me disse que você não parecia muito bem. E que tinha brigado com você. Pedi ao doutor Thompson que lhe desse a tarde de folga. — Kate sorriu.

Melissa sorriu de volta, bem menos animada, entretanto.

— Obrigada, Kate.

— Quer me contar o que aconteceu no helvete? É por causa de Corey Sanders que está assim?

— Eu realmente não gostaria de falar sobre isso no momento.

— Tudo bem. — Kate assentiu — Então suponho que não queira saber por que o fantasma da ex-namorada dele anda perseguindo você por aí?

Melissa mordeu os lábios e pensou por alguns instantes. Seu olhar foi da ansiosa Kate ao teto, então ao chão, e seus cobertores enrolados. Ela estava curiosa para saber mais sobre Barber Paay e seu insistente fantasma. Não poderia negar. E além de tudo, estava assustada. Nada mais justo do que tirar essa história a limpo, para se livrar de uma vez por todas da assombração que não cansava de persegui-la.

— O que tem em mente? — perguntou.

Kate sorriu de novo, dessa vez radiante.

— Vista uma roupa quente e botas, porque vai cair o céu daqui a pouco. — ela ordenou e foi na direção de Melissa, tirando-a da frente do armário, enquanto abria as portas, jogando roupas na direção dela.

Melissa riu brevemente e pegou as roupas entre os braços, indo até o banheiro.

— E arranje uma foto de Barber Paay. — Kate falou do quarto.

— Por quê? — Melissa perguntou, vestindo sua calça jeans.

— Porque vamos precisar de algo que tenha pertencido a ela.

— Tudo bem, acho que tem alguma foto pessoal no arquivo de Corey Sanders.

Meia hora depois, Melissa e Kate atravessavam os jardins molhados e escorregadios do St. Marcus na direção do estacionamento. Melissa levava em mãos alguns biscoitos roubados do refeitório e a foto de Corey Sanders e Barber Paay que havia estranhamente aparecido em sua mesa, semanas antes. Quando ainda temia e não entendia os acontecimentos inexplicáveis que tiravam suas noites de sono. Kate levava a chave do carro de Brian, o qual ela tomou "emprestado" e jurou de pés juntos a Melissa que ele estava ciente do empréstimo. Melissa duvidava dessa última parte. Mas não estava tentada a se preocupar com isso. Tinha outros assuntos mais importantes a tratar.

Como o fato de estar sendo perseguida por um fantasma.

Melissa entrou no lado do passageiro e esperou que Kate entrasse no do motorista. Quando ela sentou no banco, segurou o volante com força e encarou dispersa o vazio da vegetação que contornava o St. Marcus. Melissa entrou em estado de alerta. Alguns pingos mais grossos começavam a lavar o para-brisa.

— Kate, você sabe dirigir, não sabe?

— Sim, eu sei... — ela pigarreou, e finalmente colocou a chave no contato — Só... Faz algum tempo.

— Tem certeza de que vai conseguir? Eu posso dirigir, se quiser...

— Não, está tudo bem. — ela sorriu para o painel, e então deu a partida no carro.

Melissa segurou seu cinto com força, esquecendo-se de comer os biscoitos.

Kate guiou calmamente o carro na direção dos portões de ferro negro que trancavam o St. Marcus Institute. Brian, a essa hora, provavelmente já estava acordado, e reconheceria o som do motor de seu Audi sendo temporariamente furtado por sua melhor amiga e sua... Qualquer coisa que Melissa não queria pensar no momento.

Quando saíram na rodovia, Kate já parecia mais confiante de sua direção, e Melissa mais confiante para manter um diálogo. Preferia não distrair Kate, enquanto não achasse que estava completamente segura.

— Vai me dizer agora onde estamos indo? — Melissa perguntou, enquanto finalmente comia um dos biscoitos. Estava com fome.

— Bedford.

— E o que tem em Bedford?

— Minha avó mora lá.

— Acha que ela consegue se comunicar com a Barber?

— Provavelmente. –— Kate confirmou com a cabeça. Mantinha os olhos atentos na estrada. Melissa agradeceu por isso. — Mas só vamos saber quando chegarmos lá, não é mesmo?

— Você já viu alguma vez?

— O quê?

— Sua avó... Falando... Com alguém... Morto? — Melissa quis saber.

A voz soou incerta e amedrontada. Kate riu brevemente, antes de responder.

— Uma vez.

— E como foi? Não teve medo?

— Eu morri de medo. Assistir a possessão de uma pessoa, no caso a sua avó, que praticamente te criou, por um espírito, não é das coisas mais agradáveis que você pode ver na vida. — Kate deu de ombros — Por isso eu nunca mais me atrevi a espiar pela porta. Minha avó obviamente não me deixaria assistir a uma sessão. Brian estava comigo. Tive que pegar na mão dele, porque tremia mais que vara verde. Estava mais assustado do que eu. — ela riu no final, os lábios curvados em saudosismo.

— Você e Brian tiveram uma infância feliz... — não era bem uma pergunta.

— Sim. Tivemos nossos altos e baixos, mas, no geral, foi bastante feliz. Passávamos todas as férias em Bedford. Eu na casa da minha avó, ele na casa do avô dele. Eles engataram um romance por um tempo, mas acabou não dando certo.

— Sua avó e o avô de Brian tiveram um romance? — Melissa riu.

— Sim.

— E por que não deu certo?

— O avô dele dizia que a minha avó era moderna demais. Você vai ver quando chegarmos lá.

— Acho que vou gostar de conhecer sua avó.

— Sim, ela é provavelmente a pessoa mais legal que eu já conheci na vida. — Kate sorriu de novo.

— E como eram você e Brian na adolescência? — Melissa arriscou a pergunta. De repente estava muito interessada no passado dos dois.

— Brian foi o cara normal, com amigos normais, até os 15 anos, quando as meninas começaram a perceber o quanto ele era bonito. Aí ele se tornou o garoto popular cheio de amigos e inimigos. Bem diferente do Brian Peters que eu conhecia desde que nasci.

— E você?

— Eu até que era uma garota popular, mas não era desprezível como Brian.

— Desprezível?

As sobrancelhas arquearam e ela passou a figurar levemente boquiaberta. Não era o tipo de descrição que esperaria de Kate sobre o melhor amigo Brian Peters.

— Era outra pessoa. O que a minha mãe chamava de "boçal". Eu chamava de "marginal". A popularidade subiu à cabeça dele. Mas melhorou um pouco quando foi para Cambridge. Aparentemente começou a namorar uma garota por lá que conseguiu colocar a cabeça dele no lugar de novo.

— E o que aconteceu com a garota?

— Eu não sei — Kate deu de ombros — Paramos de nos falar por um tempo e voltamos a nos encontrar coincidentemente no St. Marcus anos depois.

— E hoje? É o Brian que você conheceu quando criança? –—Melissa perguntou, temerosa da resposta.

O passado de Brian não era o que imaginava. O homem bonito, simpático e cheio de sorrisos bondosos, disfarçava uma adolescência aparentemente rebelde. E a julgar pelo modo como explodia com ela repentinamente, cheio de ciúmes de Corey Sanders, talvez não tivesse mudado por completo. A resposta de Kate confirmou sua teoria.

— O sorriso que cativa é o mesmo, mas a pessoa ainda tem traços daquele adolescente idiota que achava que era melhor do que todos.

Melissa apenas assentiu levemente com a cabeça, comendo um biscoito com calma. Os olhos voltaram para a paisagem verde que se estendia pela rodovia. Os pensamentos estavam perdidos na descoberta sobre a real personalidade do doutor Brian Peters.

**

Bedford não era muito longe de Winchelsea. Em três horas, Melissa e Kate já adentravam as fronteiras da cidade. Era razoavelmente grande, se comparada à pequena Winchelsea. Estava frio, e o céu cinzento que rodeava Winchelsea, era negro e pesado por ali. O vento levava as gotas de chuva a baterem com violência contra os vidros do carro. Um raio cortou o céu e o clarão impressionou Melissa. Não poderia haver cenário mais assustador para a coisa mais assustadora que faria na vida.

A cidade de Bedford, entretanto, mesmo que tomada pelo negro da tempestade, era muito bonita. As ruas estavam relativamente vazias para um sábado de manhã, mas o temporal que ameaçava despencar e trazer junto consigo o céu, explicava a ausência de pessoas. A rua, que parecia ser uma das principais da cidade, estava cheia, no entanto. Kate rodou por ela até o seu fim, e então parou o carro em frente a um prédio de três andares revestido de tijolos vermelhos.

No térreo, as portas eram de vidro, e expunham uma grande quantidade de artefatos coloridos. No segundo e terceiro andar, as janelas eram cobertas por cortinas cor-de-rosa e vermelhas. Os canteiros eram tomados de flores das mais variadas cores. O letreiro em neon que brilhava em verde e roxo anunciava que aquela ali era a "Good Vibrations Store" – Tudo para deixar sua casa mais feliz.

Melissa saiu do carro quando Kate o fez, e correu para a marquise, ainda assim chegando ensopada. Kate abriu a porta de vidro e o barulho do sininho preso a ela anunciou a entrada das duas. A porta bateu, deixando o ar frio do dia chuvoso lá fora. Ali dentro era quentinho e os casacos pesados (e molhados) não eram mais necessários. O cheiro era de incenso de canela. As prateleiras que se estendiam pelo aposento comprido eram todas tomadas de artefatos de decoração do tipo que a mãe de Melissa não escolheria colocar dentro de casa. Era tudo muito colorido, espalhafatoso, talvez até com uma pitada hippie. Em todos os corredores de prateleiras, havia um lustre de cristal de luzes amareladas, dando a iluminação baixa e aconchegante que deixava o lugar meio misterioso. Melissa olhou encantada ao seu redor, achando tudo muito bonito.

Do fim do corredor principal, o que levava a um balcão que era indicado por uma grande placa com os dizeres "CAIXA", vinha andando uma senhora de meia idade. Era magrela e pelo menos dez centímetros menor do que Melissa. Suas roupas, entretanto, não condiziam com sua idade. Usava uma calça jeans mais justa do que a que a própria Melissa usava, e sobre uma blusa de malha preta e rasgada do Black Sabbath, vinha uma jaqueta de couro gasta. Nos pés, a senhora trazia um coturno. As mãos tatuadas eram visíveis ainda de longe. Os lábios pintados em carmim. Os cabelos tão loiros quanto os de Kate. Melissa sorriu, antes que ela se aproximasse. Entendia bem o que Kate queria dizer quando disse que sua avó era moderna.

— Kate! Que saudades! — a senhora disse, dando um abraço apertado na neta.

De perto, parecia ainda mais jovial. Não poderia ter mais do que 60 anos. E algumas plásticas.

— Senti saudades também, Charlotte. — foi o que Kate respondeu.

Melissa nem se surpreendeu por vê-la chamando a avó pelo nome. Duvidava que a mulher aceitasse muito bem o fato de ser chamada de 'avó'.

— E essa deve ser a amiga que mencionou... Melissa, certo? — perguntou a mulher, e virou na direção de Melissa. Sem esperar resposta, deu um abraço forte nela também. Melissa retribuiu na mesma intensidade.

— É um prazer conhecê-la.

— O prazer é todo meu, meu bem! — a mulher acenou com a mão — Vamos para a minha sala. Poderemos conversar mais tranquilas lá. — disse, virando uma plaquinha pendurada na porta de vidro.

O 'Fechado' ficou para o lado de fora.

Melissa e Kate seguiram Charlotte pelo corredor, na direção dos fundos da loja. As botas molhadas faziam um barulho engraçado quando entravam em contato com o piso de madeira escura. Atrás de uma grande réplica da estátua de Davi, estava uma garota meio gordinha de uns dezoito anos, mais ou menos. Ela tentava com custo limpar a cabeça da estátua, enquanto se equilibrava sobre uma escada escorada por um garoto de cabelos jogados pelo rosto, de modo que mal se podiam ver seus olhos verdes. Deveria ter dezoito anos mais ou menos também. Os braços eram tatuados e a roupa era preta. Seria bonito, se não assustasse Melissa.

— Carrie, Max... — Charlotte chamou os dois, que imediatamente pararam de discutir baixinho entre si.

— Sim, Charlotte? — foi a garota quem se manifestou.

-Temos trabalho a fazer.

— Certo. – a garota desceu da escada, e então seguiu junto com o garoto para uma porta, cuja entrada era anunciada por uma cortina de miçangas coloridas.

Melissa não a teria visto, entretanto, se os dois não tivessem entrado e Charlotte não a tivesse chamado. Ela foi logo atrás de Kate.

A sala que adentraram era redonda e forrada por papel de parede vermelho com pequenas flores douradas. No centro dela, era disposta uma mesa de madeira negra, também redonda. Ao redor da mesa estavam cinco cadeiras forradas de veludo vermelho. A única luz provinha de um pequeno lustre com lâmpada amarela fraquinha que balançava precariamente sobre a mesa. Ao redor de toda a sala, estavam mil velas brancas, dispostas pelo chão, formando um círculo também. Na mesa, entretanto, havia apenas uma vela. Todas elas estavam apagadas e eram acesas pelos garotos Carrie e Max. E à medida que iam sendo acesas, deixavam toda a atmosfera do local mais sombria.

Era pesado por ali.

Melissa podia sentir um leve arrepio na espinha e aquela sensação esquisita que a tomava toda vez que Barber estava por perto.

— Sentem-se, meninas. — Charlotte sentou em uma das cadeiras, indicando duas para Melissa e Kate. As duas obedeceram de imediato, sentando de frente para ela, lado a lado. — Então, quem vai me contar o que está acontecendo?

Kate olhou para Melissa, que olhou incerta para as mãos que se entrelaçavam nervosas em seu colo. Elas começaram a suar. Não sabia bem se deveria prosseguir com aquela loucura ou apenas entrar no Audi "emprestado" de Brian e voltar para Winchelsea. Talvez pudesse lidar sozinha com o fantasma de Barber Paay.

Ou talvez não pudesse lidar sozinha com o fantasma de Barber Paay e a louca continuasse assombrando-a pelo resto da vida. Não havia nada a perder, no final das contas. Melissa pigarreou antes de falar:

— Eu... — ela coçou a cabeça, com medo de parecer louca, embora tivesse plena consciência do local em que se encontrava — Acho que... Posso estar sendo perseguida por um fantasma.

Charlotte a encarou de modo tão sereno, entretanto, que a deixou um tanto mais segura.

— Sabe a quem pertence a entidade? — ela cruzou as mãos sobre a mesa.

A postura era séria. Não condizia com suas vestimentas e o modo rebelde com que penteava seu cabelo Chanel.

— Acho que sei. — Melissa confirmou com a cabeça e sentou mais próxima da mesa. — Eu tenho um paciente que foi preso por assassinato. E acho que pode ser a garota que ele assassinou quem está me perseguindo, a ex-namorada dele.

— Acha que tem algum motivo especial para ela tentar se comunicar justo com você?

Melissa engoliu em seco. Era óbvio que tinha. Só não sabia que fantasmas poderiam ser ciumentos, se é que era esse o motivo da perseguição.

— Além do fato de que estou ajudando-o no tratamento psiquiátrico, acho que não. — ela negou, e sentiu que Charlotte podia ler em suas entranhas, assim como a própria Kate fazia, que estava mentindo.

— Já teve outras experiências com o sobrenatural, querida?

— Não, nunca.

— Mas você claramente tem o dom da mediunidade esperando para ser desenvolvido dentro de você. Senti isso assim que entrou pela porta da minha loja. — Charlotte sorriu.

Melissa olhou para Kate, o olhar era assustado. Kate sorriu como a avó. Melissa não se sentiu mais segura com isso. Não queria desenvolver mediunidade nenhuma, apenas descobrir o que diabos Barber Paay queria com ela, e então se livrar do maldito fantasma.

— Melissa quer saber qual o motivo de Barber Paay tentar se comunicar com ela. — Kate disse, vendo que Melissa não o faria.

Nesse instante, os garotos Max e Carrie terminavam de acender as velas, e sentavam-se nas duas cadeiras restantes. O ambiente estava mais quente, além de mais assustador. As chamas das mil velas bruxuleavam contra a parede, dançando, formando sombras desconexas. Davam a impressão de que iriam se materializar a qualquer segundo. E isso deixou Melissa ainda mais apreensiva.

— Por acaso ela sofreu durante a morte? Foi um assassinato marcado por uso abusivo de violência? — Charlotte perguntou.

— Sim. — Melissa confirmou — Com certeza.

— Quanto tempo faz?

— Três anos.

— Provavelmente é uma entidade perturbada que ainda sofre com algum assunto pela metade que deixou para trás. Algo que não está bem resolvido.

— Ela... Ela deixou duas mensagens para mim. — Melissa remexeu-se na cadeira, chegando à parte em que se sentia mais idiota.

— Mensagens?

— Sim. Uma delas dizia "inocente" e a outra dizia "justiça".

— Você disse que seu paciente está preso.

— Sim.

— Obviamente ela não está satisfeita com a justiça que foi feita. — Charlotte disse, ajeitando-se em sua cadeira, acendendo a última e única vela sobre a mesa com um isqueiro em formato de caveira de prata. — Tem algum objeto que tenha pertencido à entidade, ou que a represente?

Melissa assentiu, e, sem dizer nada, estendeu a foto de Barber Paay e Corey Sanders que vinha apertando entre seus dedos trêmulos. Charlotte tomou-a em mãos e analisou clinicamente por um breve espaço de tempo. Seu cenho franziu e seu corpo estremeceu, como se tivesse sido tomada por um poderoso, porém curto, arrepio. Em seguida, como se nada tivesse acontecido, Charlotte colocou a foto ao lado da vela acesa sobre a mesa. Então estendeu as mãos, e Carrie e Max as pegaram, estendendo as suas próprias em seguida. Kate e Melissa se entreolharam, e então deram as mãos.

— Vamos tentar contato com a garota... Qual o nome dela?

— Barber Paay. — Melissa informou, sentindo as mãos suarem mais ainda em contato com a de Kate e da garota Carrie.

Suas pernas começaram a tremer inconscientemente. A respiração começava a acelerar, e seu peito apertava tanto, que parecia que uma mão invisível se encarregava desse trabalho. A ansiedade era enorme. A sensação esquisita estava ali, era latente. O ar pesado e quente deixava a cabeça de Melissa rodando.

Charlotte, Carrie e Max fecharam os olhos. Melissa e Kate mantiveram os seus abertos, encarando uma a outra, de modo que variava do assustado ao desconfiado. O silêncio era sepulcral. Nem a chuva que caía com força do lado de fora era ouvida. O mínimo ato de suspirar já era uma afronta. E foi o que Charlotte, de repente, começou a fazer.

Em um segundo, estava imóvel, os olhos fechados com serenidade, e no seguinte, seu peito subia e descia com força, enquanto sua respiração saía alta. O ar saía de sua boca e provocava um estranho sibilar. Melissa arregalou os olhos e os de Kate fizeram o mesmo em sua direção. Apesar de já conhecer o procedimento, ela não parecia estar mais tranquila do que Melissa. Muito pelo contrário. Sua mão também suava e Melissa podia sentir pelo chão de madeira que tremia aos arredores, que sua perna subia e descia impaciente.

Charlotte continuou naquele respirar forte e sibilar sinistro por alguns segundos. Os olhos nunca abriam, porém, suas pálpebras tremiam freneticamente. Max e Carrie estavam imóveis, sem exibir qualquer reação. Pareciam dormir um sono tranquilo depois de um dia cansativo. Melissa começava a ficar impaciente. Enquanto o calor proporcionado pelas velas crescia - totalmente o contrário do que esperava, se por ali tivesse mesmo um espírito - a agonia apertava ainda mais seu coração. Talvez sua pressão estivesse baixando. Não se sentia bem. O estômago queria revirar, enjoado. Melissa olhou para Kate, buscando em seu olhar o conforto de que necessitava. De sua testa escorreu uma fina gota de suor, ao mesmo tempo em que começava a abrir a boca para protestar. Não ia acontecer nada por ali, era o que Melissa pensava. O olhar repreensor que recebeu de Kate, contudo, obrigou-a a calar-se de imediato.

Melissa voltou o olhar para Charlotte, que tinha a testa levemente franzida. Os olhos apertavam vez ou outra, parecendo se remexer nas órbitas. A imagem rodeada pelas sombras amareladas das velas era particularmente assustadora. O sibilar entre seus lábios cresceu e Melissa sentiu um arrepio muito forte percorrer de uma extremidade a outra seu corpo. Nesse instante, quis se levantar e sair daquele lugar. Quando fez menção de fazê-lo, entretanto, Kate segurou sua mão. No exato instante em que tudo aconteceu. A primeira impressão foi de que não era real. Talvez uma cena forçada de filme de terror.

Mas era real.

O frio.

O frio que a perseguiu pelos corredores do St. Marcus, que a aprisionou na sala do arquivo, ele estava ali. Um vento forte soprou de algum lugar desconhecido, e então todas as velas apagaram de súbito. Melissa ofegou assustada, juntamente com Kate. Charlotte, Max e Carrie não esboçaram qualquer reação. Pareciam nem se dar conta do que acontecia ao redor. A única lâmpada que balançava precária, presa ao lustre, começou a piscar, do mesmo modo que piscava aquela luz na sala do arquivo. O barulho irritante era o mesmo. Lembrava o inseto que ficou preso em uma sala fechada e batia contra o vidro para conseguir sua liberdade. O ar começou a se condensar em fumaça toda vez que saía da boca das cinco pessoas ali presentes.

Os músculos de Melissa se retesaram, protestando contra a repentina queda de temperatura, mas suas mãos continuavam a suar. As pernas, no entanto, tremiam sem pudor ou vergonha alguma. Os braços e mãos faziam o mesmo. Os lábios eram maltratados pelos dentes, que teimavam em bater. Entretanto, foi quando a luz que piscava finalmente apagou, que o medo dominou todos os sentidos de alerta que ainda restavam em Melissa. Seus nervos pareciam derretidos como ferro em fogo. A sala entrou em silêncio profundo mais uma vez.

E então Charlotte o quebrou novamente. Do seu peito saiu um gemido agudo, sofrido. De seus lábios, um suspirar sôfrego. Melissa e Kate pularam assustadas na cadeira.

E então Melissa a viu.

Parada, logo atrás de Charlotte, os braços finos e brancos pendendo morbidamente ao lado do corpo.

Era Barber Paay.

As roupas estavam rasgadas e ensanguentadas, como na noite em que foi encontrada morta. Sua figura era cinzenta e transparente. Entre os fios ruivos de cabelo, o sangue se camuflava. O olhar escuro e perdido estava estranha e assustadoramente preso aos olhos impressionados de Melissa. O olhar que parecia carregar toda a dor do mundo, transpassando com clareza a sensação sufocante. Era como se sentisse toda a dor que Barber Paay sentiu naquela noite, como se sofresse toda a decepção que Barber Paay sofreu aquela noite, como se sentisse todo o medo que Barber Paay sentiu aquela noite.

— Ela sofre. — a voz estranhamente rouca de Charlotte falou, cortando o silêncio mais uma vez.

Melissa mantinha os olhos fixos na imagem de Barber, que também não se atrevia a perdê-la de vista. Parecia enxergar dentro de sua alma, invadindo-a toda e completamente. Era como se soubesse de todos os seus mais profundos segredos. Era agonizante.

— Pode perguntar a ela o que quer comigo? — Melissa conseguiu juntar um tanto de voz que deixou sua frase compreensível.

O tom saiu trêmulo e incerto, entretanto. O frio que fazia bater seu queixo não lhe ajudava muito.

— Ela diz que você precisa ajudá-la. E fica repetindo que está sofrendo.

— Se ela me disser o que eu preciso fazer... — Melissa respondeu, ainda sem ser capaz de desviar os olhos de Barber.

Não sabia como tinha a força e a coragem para falar em um momento como aquele. Talvez não se conhecesse realmente.

A dor em seu peito crescia de modo alarmante, o frio já chegava perto de graus negativos, provavelmente.

— Eu... Vejo um local amplo, parece muito com um campus universitário... — Charlotte continuou, sem dar atenção à impaciência de Melissa.

— Deve ser o campus de Cambridge. — foi Kate quem se manifestou dessa vez, e parecia ansiosa.

— Vejo uma árvore. — Charlotte disse, e logo após gemeu — Uma corda. Uma faca...

— Ela foi esfaqueada e enforcada. — Quem falou novamente foi Kate.

— Vejo também... Três pessoas. — os traços de Charlotte se retorceram, como se estivesse sofrendo — São três homens.

Melissa, a partir daí, não desviou sua atenção das palavras de Charlotte. O frio e os arrepios passaram a ser ignorados. Os olhos, contudo, ainda eram fixos na imagem translúcida e mórbida de Barber Paay. Sua expressão séria parecia querer dar um recado a Melissa, como se estivesse escondendo uma mensagem entre o enigma que eram seus olhos mortos.

— Consegue identificá-los? — Melissa indagou.

O medo havia passado, dando lugar a uma absurda curiosidade. Talvez estivesse muito próxima de descobrir quem era o verdadeiro assassino de Barber Paay.

— A imagem vai e vem, é difícil... — Charlote gemeu novamente, então continuou: — Um deles... É loiro. Os olhos são claros. É alto. Possui muitas tatuagens.

A descrição fez o estômago de Melissa revirar e seu coração disparar a um ritmo alucinante. Era Corey Sanders. Só poderia ser.

— Corey Sanders? — Kate exteriorizou a dúvida gritante de Melissa.

— Me parece o rapaz na foto, sim. — Charlotte confirmou, os olhos reviraram nas órbitas mais uma vez, continuando, sem dar tempo a Melissa para digerir a informação — O outro tem cabelos loiros e olhos claros também. Tão alto quanto o outro... Parece... Parece muito... — Charlotte negou com a cabeça. — Não pode ser.

— Com quem? — Kate incentivou.

Melissa, contudo, tinha uma breve ideia. Porque só uma pessoa lhe vinha à cabeça com essa descrição:

— Brian... — Charlotte respondeu.

Seu tom rouco distorcido foi incerto. Kate e Melissa se entreolharam. Confusas. Desconfiadas. Brian havia estudado em Cambridge, mas nada o conectava a Corey Sanders e Barber Paay... Até aquele instante. Charlotte, contudo, chamou a atenção das duas novamente, deixando as indagações para depois:

— O último é moreno, e tem os olhos negros. É magro e alto. Não o reconheço.

— Há mais alguma informação? — Melissa perguntou, pois os olhos mortos e ansiosos de Barber Paay diziam que sim.

— Ela diz que tem um nome. — Charlotte disse, e seus olhos reviraram nas órbitas mais uma vez. Seu rosto se contraiu, como se tivesse acabado de comer um limão azedo.

— Qual nome? — dessa vez quem perguntou foi Kate.

Charlotte suspirou novamente, um sibilar breve saiu dos lábios, e ela finalmente falou:

— Danny Langdon.

Um vento forte voltou a perpassar cada canto da sala outra vez, levantando os cabelos de Melissa, jogando-os sobre seus olhos. A imagem de Barber Paay vacilou no ar, e os olhos verdes e profundos permaneceram fitando Melissa insistentemente e intensamente por mais alguns segundos, antes que ela desaparecesse.

As velas voltaram a queimar como antes, alheias ao que havia acontecido ali. A luz brilhou novamente no lustre que ainda balançava. O ar voltou a ser quente, dominado pela eficiente calefação. Todos soltaram as mãos. Max e Carrie abriram os olhos, olhando atordoados ao redor, como se, de fato, tivessem acabado de acordar de uma longa noite se sono. Charlotte foi a última a reagir. Quando abriu os olhos, eles brilhavam na direção de Melissa.

— Ela só tinha esse nome? — Melissa perguntou, quando achou que não soaria patética demais.

O nome não lhe era estranho, mas não conseguia lembrar onde o tinha ouvido ou visto antes. Uma incrível dor de cabeça dominou-a antes que Charlotte respondesse. Um zumbido estranho ficou em seu ouvido, de modo que ela não pode raciocinar o suficiente para lembrar-se quem era Danny Langdon, se é que sabia mesmo quem era...

— Sim.

— Me perseguiu esse tempo todo para me dar apenas um nome? Ela nem ao menos disse quem é Danny Langdon?

A dor de cabeça cresceu, porque sua mente tentou escavar um pouco mais fundo, mas não encontrou nada.

— Não. Mas, pelo que vi, tenho quase certeza de que está envolvido em seu assassinato.

Melissa suspirou derrotada, rolou os olhos e balançou a cabeça em negação. Que havia envolvimento no assassinato, já havia chegado à óbvia conclusão. Talvez a familiaridade fosse apenas impressão, sua mente querendo trazer a verdade à tona, a qualquer custo. Talvez Danny Langdon fosse o verdadeiro assassino de Barber Paay. Talvez Danny Langdon soubesse a identidade do verdadeiro assassino de Barber Paay. Melissa, entretanto, não poderia ter certeza, enquanto não conversasse com outras duas pessoas, também aparentemente envolvidas na situação: Brian e Corey.

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