(espanhol levemente alterado para melhor compreensão de todos)
RAPHAEL
São Paulo — Allianz Parque
depois do jogo
— VOCÊ É UM IDIOTA!? — grito quando descemos pro vestiário e estou de frente para Piquerez, agarrando a camisa dele e o virando em minha direção. — Puta merda, que porra foi aquela? Ficou louco?
Piquerez balança a cabeça, me empurra pra conseguir se soltar de mim e continuar caminhando pra longe. Ele passa pelos vestiários, depois segue um corredor deserto pra dentro do estádio. Vou seguindo esse desgraçado e falando a cada segundo:
— O que foi aquilo, porra? Piquerez! — Ele não me dá ouvidos, continua andando como se quisesse realmente fugir. — Fala comigo, cara. Você sabe a confusão que isso vai gerar? No que você estava pensando?
— No estaba pensando. No pensé! — Ele se vira em minha direção só para bufar na minha cara, o rosto sério e as palavras vindas diretas de seu coração o que torna tudo ainda mais intenso. — 'Tá? La única coisa que se passou por la mi cabeza nesse gol era una razón para celebrar.
Uma razão? Demoro alguns segundos para compreender.
— O bebê é seu motivo para comemorar — informo, entendendo seu sentimento.
Talvez na hora da emoção e da euforia de fazer um gol, principalmente num cenário como aquele em que estavámos perdendo e conseguimos empatar, eu também não pensaria. Só comemoria. E eu comemoraria, sim, a vinda de um novo bebê. Do meu bebê.
— Yo puede no ser el papa deste bebê, Veiga. — Ele volta a dizer, consigo notar seus olhos vermelhos e marejados. — Pero nada vai mudar lo que siento por ele. Es parte de mí. Es mi familia. Fiz una estupidez e... ahora voy tener que lidar com ela.
Porra. Eu estava pronto para acabar com ele. Xingá-lo de todos os nomes possíveis por ter comemorado o gol daquela maneira e acabar gerando a maior confusão do século. Complicando a vida de nós três, principalmente a da Isabella que será o maior alvo dos haters.
Mas só em ver a forma como está sentido, como reconhece o erro e diz que não fez para prejudicar ninguém, é difícil não ficar ao lado dele. É difícil não sentir empatia.
— Tenemos que hablar con Isabella — ele diz, preocupado. — Eu preciso... Eu... No fiz para prejudicala.
— Sei disso — assinto, pressionando os lábios e ficando do lado dele. — Vamos resolver.
— Crees nisso? Crees que es posible resolverlo?
— Creio — coloco uma mão em seu ombro. — Vamos dar um jeito nisso, fechou? Mas... vamos ter que virar os maiores mentirosos desse país. 'Tá pronto pra esse cargo?
— Estoy pronto para tudo ahora. Prefiero ser um mentiroso do que destruir la vida de Isabella.
— Então é isso. Vamos falar com o Cury e planejar uma...
Paro de falar assim que ouço barulho de passos se aproximando de nós. Ergo a cabeça e vejo três pessoas atravessando o corredor e vindo direto e reto em nossa direção.
Rapidamente os reconheço. Diferente deles, que mal me notam ali pois estão mais preocupados com o marmanjo que me acompanha.
— Ahí está — uma mulher mais velha fala em espanhol, apontando para Piquerez e quase explodindo de nervoso.
Ela tem cabelos tingidos de loiro, e grisalho por causa da idade. Mas não parece ser tão velha assim.
— Te estábamos procurando. — Informa a outra mulher, a mais nova. Não tão nova assim porque sei que ela é mais velha do que eu.
— Tu madre estaba loca procurando por ti, Joaco — diz o homem, dando uns tapinhas no braço do filho. — ¡La velha está loca!
— Cállate, Daniel. ¡E, si! Estoy loca. ¿Qué mierda está pasando en tu cabeza, Joaquín? — Dona Claudia, a mãe do Piquerez, se questiona, quase agarrando o filho e roubando dele as devidas explicações.
A filha, a mais velha, Camila, está segurando a mãe que mantém os braços cruzados e a cara de quem vai explodir a qualquer momento. A mulher está até com o rosto inteiro vermelho. Já Daniel, o pai, só está com cara de paisagem, meio perdido com a situação.
— ¿Quién fue la chica que engravidaste? ¡No me digas que dormiu com otra Maria Chuteira que tentou te dar um golpe!
— ¡Mami, cálmate! — Cami pede a sua mãe a deixando o mais longe possível de seu irmão pois sei que Dona Claudia está prontinha pra bater no filho. — Seja cual for la chica, Joaquín debe tener una buena explicación. Por favor — ela olha para seu irmão — díganos que ella es su novia.
Graças a Deus, as aulas de espanhol do Thomas estão dando resultados a mim também, já que costumo o ajudar com as lições, porque agora estou conseguindo entender a conversa sem nem precisar de legenda.
— Si ele disser que fue sólo um caso casual que deu nisso — a mulher respira fundo e leva uma mão ao peito —, yo infarto aquí ahora mismo.
— ¿No podemos conversar em casa? — Joaco pede, querendo fugir desse confronto com sua família a qualquer custo mesmo que eles estejam desesperados por respostas.
— No hablaremos em casa, Joaquín! Me lo vas a contar tudo ahora. — A mulher está praticamente gritando. — Em casa vas a hablar con tu empresário que va atrás dessa chica para callarla.
— Callarla? — Piquerez começa a se estressar e fica indignado da forma como sua mãe fala e trata a situação. — ¡No es una marioneta que ustedes puedan controlar!
— No controlaremos nada, muchacho. — Claudia rebate. — Sería mucho más fácil si pudéssemos.
— Mami, calmate. — Cami puxa sua mãe pra trás quando ela tenta se aproximar ainda mais de Piquerez como se fosse bater nele. — Calmate.
— ¡No me acalmarei hasta que me diga quién es esta vadia!
Puta merda. Isso aqui está perdendo o controle.
— ¡No es una vadia, mamá! — Piquerez protesta.
— Solo puede ser por haber engravidado de usted sin haber sido apresentada a nós, su familia y mucho menos haber sido asumida como su novia.
— No necesito apresentarles ninguém. — Piquerez tenta se defender, mas isso só piora sua situação.
— No necesita? — Claudia ri em deboche. — ¡Soy tu madre, carajo!
A mulher se solta de sua filha com uma pressa que Camila não consegue acompanhar. Só sei que ela já está batendo as duas mãos no peito de seu filho que imediatamente dá dois passos para trás para se afastar e se proteger.
— Claudia!! — Daniel agarra sua mulher e é aí que eu eu me intrometo.
Me coloco na frente de meu amigo, com medo que ele acabe levando uma surra de sua mãe que está completamente enfurecida. Acho que agora eu entendi o porquê de Piquerez nunca ter aparecido com nenhuma namorada oficial. Com uma mãe sistemática dessas, é difícil encontrar alguém que agrade.
— Piquerez irá conversar com nosso empresário, Dona Claudia — digo, me intervindo e buscando uma calmaria. — Ele irá resolver essa situação e as devidas explicações virão assim que for necessário.
Claudia parece finalmente me notar e me reconhecer, afinal estou na frente de seu filho e falando com ela, não posso mais ser ignorado. Ela me olha dos pés a cabeça, depois abre a boca como se estivesse chocada e arregala brevemente os olhos antes de voltar a encarar seu filho.
— Foi ela?
Minha cabeça dói com sua pergunta, fico sem entender absolutamente nada. Mas pelo jeito como Piquerez suspira e abaixa a cabeça, sei que está compreendendo perfeitamente.
— Mamá, ahora no es el momento.
— ¿Engravidou a Isabella, Joaco? — A mulher acerta em cheio, adivinhando só por associar minha presença aqui com a situação de seu filho. — Dime que eso es mentira, dime!
Opa, espera aí! Os pais do Piquerez não sabiam que ele e a Isabella tinha um caso? Por que? Ele nunca cogitou contar? Afinal, eles tem história desde a adolescência.
Eu conto praticamente tudo para meus pais, não consigo imaginar uma vida onde eu tenha que esconder as coisas dele. Principalmente coisas que são importantes para caralho pra mim.
A não ser que Piquerez tenha vergonha da Isabella o que acho completamente improvável. É meio óbvio que a família dele tem questão com ela. Mas ele esconderia ela deles por isso? Não consigo ver Piquerez fazendo algo assim. Não com a Isabella.
— Isabella? — Cami olha para seu irmão, completamente incrédula. — ¿Habla en serio?
— Pensé que habías superado essa chica cuando ainda estábamos em casa, hijo.
— Superar, Daniel? — Claudia se indigna. — ¿Qué tenía que superar? Esa chica nunca fue ninguém. Siempre fue una bagagem a más para el pobre de Martin que teve que matarse para cuidar daquela familia.
Puta que pariu. Claudia não gosta da Isabella? Essa é nova. Pensei que assim como Piquerez, a família dele a adorava. Afinal, ela não era super bem-vinda na família dele quando morava na fronteira?
— Martin se sacrificó por ella y ella no consegue honrarlo. — Claudia continua, ainda indignada. — Agindo como una puta en este país y sujando la imagen de quien la creó.
— ¡Ya es suficiente, mamá! — Piquerez eleva o tom de voz, socando o ar e fazendo todo mundo se calar. — Mi vida no te diz respeito. Cuando yo quiser, te daré explicaciones. ¡Ahora, déjame en paz!
E dizendo isso, ele lhe dá as costas, caminhando para longe deles e de mim. Voltando para dentro dos vestiários e abandonando sua família.
Estou pronto para segui-lo quando sinto alguém agarrar minha mão, me impedindo. Olho para trás só para ouvir as próximas palavras cruéis de Cláudia:
— Fuja dessa chica enquanto ainda tienes tiempo. — Claudia avisa tentando falar português e se referindo a Isabella. — Porque assim como la madre, ela te consumirá. Até que tu destino seja o mismo que o de Martin.
Meus pelos se arrepiam com essas palavras e com a forma como Claudia diz. Mas rapidamente a deixo ali com sua família e vou atrás de Piquerez.
Seja qual for a rixa que eles tenham com a Isabella, Claudia acredita que ela e a mãe tenham sido as responsáveis pela morte de Martin. Mas todos nós sabemos que ele morreu por uma doença. E ninguém tem esse poder.
Algo me diz que há certo preconceito pairando pela família do Piquerez, principalmente em Claudia. Por elas serem de outro país. Pela mãe da Isabella já ter tido uma filha antes de conhecer Martin. E isso não foi muito bem aprovado por seus amigos.
Mesmo assim, não é uma coisas que ele devem decidir.
Encontro Piquerez já pegando suas coisas de dentro do armário e metendo marcha pra longe dos caras que estão o parabenizando pelo bebê e o zoando por isso. É só eu chegar que as brincadeiras ficam piores.
— O corno veio parabenizar o papi do ano que engravidou sua mulher? — Zé debocha e estou tão pilhado que nem consigo dar bola pra suas palhaçadas.
— Cuidado com o chifre, Veiguinha. — Murilo entra na onda. — 'Tá cada vez maior, hein. Daqui a pouco não passa na porta, pai.
— Eu 'tava pesquisando e descobri que os chifres dos Alces caem no inverno e voltam a crescer na primavera. — Kevin informa, com a mão na cintura e um sorriso enorme na cara. — Que primavera longa, hein, príncipe.
Nem dou ouvidos a eles quando chego na porta e tento partir atrás do Piquerez que já desapareceu de vista faz tempo. Mas assim que estou saindo, um moleque está entrando e ele repara em mim demais para não perceber minha cara de assustado.
— Entendi tudo, príncipe! — Endrick segura meus braços e me olha nos olhos. — Por favor, não desconte nada na Bella. Ela é uma mulher que enfrenta muita coisa sozinha. 'Cê tinha que ver o que os jornalistas 'tão falando dela lá na Zona Mista, parça. Ela 'tá sendo humilhada.
— O quê? — Meu coração se aperta em preocupação. — E 'tão falando com quem?
— Com todo mundo que eles conseguem parar pra conseguir qualquer informaçãozinha. É um absurdo atrás do outro. Eu quase fui pra cima de um dos caras, mano. Ninguém fala mal da mami, não. Oxi! Não sei como ela vai conseguir sair desse estádio. Tenho certeza que eles vão atrás dela.
— E você viu ela?
Ele nega com a cabeça.
— Que merda. — Bufo. Que caos. Que confusão. — Que merda.
— O que você vai fazer, príncipe? E o que eu posso fazer pra te ajudar?
— Você tenta conter esses caras aqui dentro que só sobem zoar enquanto eu vou atrás do Piquerez. Se algum jornalista parar ele, fodeu.
— Beleza! Ele foi por ali — Endrick aponta para uma escada. — Vai atrás dele logo antes que seja o fim!
Sorrio de seu drama e rapidamente saio correndo. Sigo o caminho que Endrick me informou e, graças ao bondoso Deus, encontro Piquerez no hall de elevadores.
— Pra onde você vai? — Pergunto já me aproximando dele.
— Embora — ele me responde sem tirar os olhos do elevador, ansioso para que as portas se abram e ele fuja. — Mas se me voy pra casa, mis padres vem atrás de mí. Menos mal que doña Lucía no me odeia e me dará refúgio.
Dona Lúcia, como sempre, sendo a grande mãezona que abraça todo mundo. Seja o ex de sua filha, como é meu caso. Ou até o melhor amigo/ficante dela também.
— Por que seus pais não gostam da Isabella? — Vou direto ao ponto. Preciso entender essa história melhor. — O jeito como sua mãe falou dela...
— Coisa do passado.
— Que coisa, cara? — Fico meio desnorteado com esse assunto. — Que porra foi aquela?
— Mis padres eram amigos de Martin. Mejores amigos. Nunca apoiaram su relación com Lucía porque Lucía tenía problemas com su ex-marido. Principalmente porque tenía una hija con ele. Pensaban que isso causaría problemas a Martin de alguna manera. E a Isabella era... — ele hesita, meio sentido em contar essa história. — Era menosprezada por ser bastarda.
— Bastarda? Voltamos pros tempos antigos agora?
— No final o mundo siempre girará em torno disso. Onde la familia perfeita só puede ser perfeita se tiene hijos legítimos e una esposa discreta. — Eita que ele não está só nervos. Está irado. — Cresci ouvindo meus pais dizer que eu não devia ser próximo da Isabella. Que eu devia me juntar com a Martina. Que ela era a filha verdadeira de Martin. Que o legado dele estaria nela e que a Isabella partiria na primeira oportunidade.
— Quanta babaquice.
— Sí, mas Isabella realmente partiu e mis padres lo entendieron da manera deles. Que ela se fue porque quis e no porque sufría con o luto e era totalmente rejeitada em mi país!
O elevador se abre e nós dois colocamos o braço na frente pra impedir que se feche.
— No suportava ouvir una palabra deles contra ela. Porra, Isabella no era como eles pensaban. Eles nunca quisieron conhecê-la de verdad. Se conformaban com o achismo.
— Por isso que você nunca contou que gostava dela para eles.
— Eles sabían cuando eu era moleque e me infernizavam por isso. Ahora es diferente e... — Ele olha para baixo, envergonhado — no tive la necesidad de contar até então. Debería ter dito antes. No debia haber temido a reacción deles.
— Não tem como mudar o passado, cara! — Digo com convicção, sabendo do que falo. — Eu não sei o que você vai fazer em relação a sua família. Mas a Isabella vai precisar da gente. Entendeu? Vamos ter que limpar a barra dela e... porra, 'tamo fodido. Mas vamos ter que dar um jeito.
— O que vamos hacer?
— Vá pra casa. Pra casa da Dona Lúcia. — Bolo um plano rápido. — Eu vou atrás da Isabella. Tentar afastá-la das câmeras e dos jornalistas. E digo a ela pra te encontrar lá. E, então... — aperto o braço dele para que entenda que digo sério — a gente resolve essa parada.
EITA QUE OS IRMÃOS SE UNIRAM POR UMA CAUSAAAAAA!! Queriam treta né amores!? A treta não será com meus protegidos. Podem confiar na mamacita aqui. Tudo está um caos, mas entre eles não estará. Por enquanto...